Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10323
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10323
10.20873/uft.rbec.e10323
2020
ISSN: 2525-4863
1
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Potencialidades da inter-relação entre a formação docente
na graduação e na pós-graduação: contribuições a partir
de experiências do Estágio Docência na Licenciatura em
Educação do Campo na UnB
Mônica Castagna Molina
1
,
Marcelo Fabiano Rodrigues Pereira
2
1
Universidade de Brasília - UnB. Licenciatura em Educação do Campo/Programa de Pós Graduação em Educação/PPGE.
Campus UnB Planaltina. Avenida Nossa Senhora de Fátima s/n. Planaltina - DF. Brasil.
2
Secretaria de Estado de Educação do
Distrito Federal.
Autor para correspondência/Author for correspondence: mcastagnamolina@gmail.com
RESUMO. O texto traz reflexões sobre contribuições teórico-
epistemológicas da Educação do Campo à docência
universitária. Objetiva discutir inter-relações didáticas e
possíveis avanços do constructo da Educação do Campo à
formação de mestres e doutores em Educação, a partir de
experiências de Estágio Docência realizados na Licenciatura em
Educação do Campo da Universidade de Brasília-UnB,
apresentando práticas pedagógicas de resistências à proposta de
Educação Superior hegemônica, que limita a elevação de
consciência de estudantes nesse nível de ensino. O percurso
metodológico abrangeu levantamento na Biblioteca Digital
Brasileira de Teses e Dissertações, através da busca pelos
termos Estágio Docência e Pós-Graduação stricto
sensu. Considerou-se o período entre 2000 e 2019,
identificando-se dezesseis trabalhos (três teses e treze
dissertações), que tratam da temática. Foram analisados títulos,
resumos e considerações finais destas pesquisas. Apresenta-se
também uma reflexão sobre experiências de Estágio Docência,
materializadas pela Linha de Pesquisa Educação Ambiental e
Educação do Campo, entre 2016-2019, cuja intencionalidade foi
ressignificar os processos formativos que ocorreram nesse
componente curricular, no Programa de Pós-Graduação em
Educação, da UnB. A análise desvelou possibilidades de uma
atuação pedagógica comprometida com o princípio da práxis
transformadora, que sinaliza possíveis práticas de resistência
construídas na formação de mestres e doutores.
Palavras-chave: Educação do Campo, Docência Universitária,
Estágio Docência, Práxis Transformadora.
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
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Potentials of the inter-relationship between teacher’s
training in the graduation and post-graduation levels:
contributions from the experiences of the Teaching
Intership in the Licensing in Education for the Rural Area
Course at the University of Brasília (UnB)
ABSTRACT. The text brings reflections on theoretical-
epistemological contributions of the Education for rural areas to
university teacher’s training. It aims at discussing didactic
interrelationships and possible advances in the construct of
Education for rural areas to the formation of masters and doctors
in Education, from the experiences of the Teaching Internship
carried out in this Degree Course, presenting pedagogical
practices of resistance to the hegemonic Higher Education
proposal, which limits the raising of students' awareness at this
level. The methodology covered a survey at the Brazilian Digital
Library of Theses and Dissertations, through the search for the
terms Teaching Internship and Post-Graduation stricto sensu.
Sixteen papers (three theses and thirteen dissertations) were
identified, in the period between 2000 and 2019, which deal
with the theme, whose titles, abstracts and final considerations
were analysed. It also presents a reflection on experiences of the
Teaching Internship, carried on by the Environmental Education
and Education for rural areas Research Line, between 2016-
2019, whose intention was to redefine the training processes that
occurred in this curricular component, in the Postgraduate
Program of Education at UnB. The analysis revealed
possibilities for a pedagogical performance committed to the
principle of transformative, or resistance, praxis.
Keywords: Education for Rural Areas, University Teaching,
Teaching Internship, Transformative Praxis.
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Potencialidades de la interrelación entre la formación
docente en graduación y pos graduación: contribuciones
de las experiencias de la Pasantía Docente en el
Licenciamiento en Educación de Campo en la Universidad
de Brasilia (UnB)
RESUMEN. El texto trae reflexiones sobre los aportes teórico-
epistemológicos de la Educación de Campo a la docencia
universitaria. Objetiva discutir las interrelaciones didácticas y
posibles avances en el constructo de la Educación de campo
para la formación de Maestros y Doctores en Educación, a partir
de experiencias de la pasantía docente realizada en la
Licenciatura en Educación de campo de la Universidad de
Brasilia-UnB, presentando prácticas pedagógicas de resistencia
a la propuesta hegemónica de Educación Superior, que limita la
conciencia de los estudiantes en este nivel educativo. La
metodología abarcó una encuesta en la Biblioteca Digital
Brasileña de Tesis y Disertaciones, a través de la búsqueda de
los términos Pasantía Docente y Posgrado stricto sensu. Se
identifico dieciséis trabajos (tres tesis y trece disertaciones)
comprendiendo el período de 2000 hasta 2019, que abordan el
tema, de los cuales se analizaron títulos, resúmenes y
consideraciones finales. También presenta una reflexión sobre
las experiencias de Pasantía Docente, materializadas por la
Línea de Investigación en Educación Ambiental y Educación de
campo, entre 2016-2019, cuya intención fue resinificar los
procesos de formación en este componente curricular. El análisis
reveló las posibilidades de una actuación pedagógica
comprometida con el principio de praxis transformadora o de
resistencia.
Palabras clave: Educación de Campo, Docencia
Universitaria, Pasantía Docente, Praxis Transformadora.
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Introdução
Os últimos anos, no Brasil, têm sido
marcados por um fluxo hegemônico que
compreende a educação como um
elemento estratégico na implementação da
lógica capitalista, na qual o conhecimento
é visto como componente chave da força
produtiva.
A partir das reformas do Estado
brasileiro, que aconteceram na década de
1990, a Educação Superior tem se tornado
refém dos parâmetros de regulação,
produtividade, competição, intensificação e
precarização do trabalho docente e,
paulatinamente, tem deixado de ser vista
como um bem público e comum a todos
(Freitas, 2002; Dias-Sobrinho, 2013;
Azevedo, Silva-Júnior & Catani, 2015).
No bojo deste processo está a
expansão e privatização da Educação
Superior e a adesão a uma perspectiva que
vê, neste nível de ensino, o potencial para
conquista de lucros sucessivos. Em relação
às reformas que têm ocorrido na Educação
Superior brasileira, Mancebo (2019)
destaca que basta olhar os dados
estatísticos para se perceber o impacto das
privatizações na expansão desse nível de
ensino nos últimos 25 anos. O Brasil saltou
de 690.450 matrículas no setor público e
970.584 no setor privado em 1994 para
2.077.481 no setor público e 6.373.274 em
instituições privadas no ano de 2018. É um
crescimento exponencial de mais de 600%
para o setor privado, que atualmente,
conforme Mancebo (2019), concentra mais
de 75% do número de matrículas na
Educação Superior. Mancebo ratifica que
esta formação de estudantes, na graduação,
é fortemente influenciada pela lógica
capitalista, de pragmatismos, utilitarismos,
práticas instrumentais e ausência de uma
perspectiva de formação humana, de
caráter crítico que reconhece a dimensão
emancipadora da educação.
Estas questões não estão descoladas
da formação do docente universitário e do
trabalho realizado neste espaço de
elaboração do conhecimento. Pelo
contrário, a formação do docente
universitário é fortemente influenciada
pelos princípios que regem sua formação
na pós-graduação, principalmente no
mestrado e doutorado. O trabalho do
docente universitário não está isento dos
influxos do processo da racionalidade
mercantil que projeta a universidade como
engrenagem fundamental na mundialização
financeira do capital e do projeto de
crescimento almejado pela lógica
capitalista de sociedade (Silva Jr. &
Sguissardi, 2013), que afeta e direciona a
universidade pública brasileira a um forte
alinhamento a uma perspectiva empresarial
que valoriza o conhecimento técnico,
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prescindindo da consciência teórica acerca
da especificidade e do compromisso social,
necessários à formação docente.
Inicialmente, é importante
contextualizar que a pós-graduação no
Brasil, em sua gênese, esteve amplamente
influenciada por ideais do regime militar
que desvelam um “... traço acentuado de
nacionalismo, ambicionando a construção
de um Estado nacional forte” (Curado
Silva, 2008, p. 53). Modernizar o país e
integrá-lo ao capitalismo esteve entre as
maiores prioridades estabelecidas para os
rumos da pós-graduação, ou seja, o
fomento à elevada produtividade em
detrimento da formação docente na
perspectiva de uma práxis transformadora
(Noronha, 2010).
Essa tem sido uma contradição
presente desde o surgimento da pós-
graduação no Brasil: expandir-se e,
simultaneamente, aprisionar-se aos ditames
reprodutivos do capital (Silva Jr. &
Sguissardi, 2013). Nesse processo de
expansão estruturam-se as bases que
encontram eco até os dias atuais: produzir
pesquisas (conhecimento e inovação) que
pudessem ratificar a perspectiva do
desenvolvimento econômico e, ao mesmo
tempo, adequar a ciência ao mercado,
como aquela que cria valor-de-troca
conforme destaca Mancebo (Mancebo,
2015).
Alves e Oliveira (2014) discutem que
este processo de expansão, cuja base é a
produtividade, avaliação, credenciamento e
financiamento, tem produzido a
intensificação do trabalho docente e baixa
qualidade na produção:
Dentre os aspectos mais privilegiados
e que impactam os cursos/programas
atualmente, destacam-se: a
intensificação da produção
bibliográfica como critério de
avaliação, a internacionalização do
conhecimento, a ênfase na
interdisciplinaridade, a avaliação
permanente do desempenho; a
focalização nos resultados e
produtos, a forte vinculação entre
avaliação e fomento e a priorização
de algumas áreas consideradas
estratégicas pelas agências de
fomento, dentre outros (Alves &
Oliveira, 2014, p. 373).
A necessidade de uma resistência
propositiva (Freitas, 2018) à formação do
docente universitário pressupõe um
contorno avesso ao que vem sendo
delineado para a formação stricto sensu no
Brasil, principalmente pelos Planos
Nacionais de Pós-Graduação. Tais Planos
estiveram amplamente alinhados às
estratégias de desenvolvimento econômico
e social, trilhando um percurso para
atendimento às expectativas de um
mercado empresarial em crescimento com
olhares voltados para a competição no
mundo globalizado, com sérias
consequências ao trabalho do professor
universitário, entre as quais cabe destacar a
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
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intensificação desse trabalho (Mancebo,
2015).
É com esse entendimento que se
pretende contribuir com a pauta político-
acadêmica, principalmente dos programas
de pós-graduação, no sentido de propor
novos olhares e perspectivas para a
formação stricto sensu de docentes que
irão atuar na Educação Superior.
O objetivo deste artigo foi delineado
considerando este contexto, com vistas a
auxiliar o debate sobre a formação do
docente universitário, no sentido de
discutir possibilidades, inter-relações
didáticas e possíveis contribuições do
constructo da Educação do Campo à
formação de mestres e doutores, a partir do
componente Estágio Docência na
Graduação, apontando práticas
pedagógicas de resistências à proposta
hegemônica de formação na Educação
Superior, que limita as possibilidades de
elevação dos níveis de consciência de
estudantes nesse nível de ensino.
Assume-se, portanto, como uma
questão norteadora que se pretende
responder ao longo deste artigo: é possível
ressignificar as vivências formativas no
componente curricular Estágio Docência,
promovendo inter-relações didáticas com o
constructo histórico e social da Educação
do Campo, desenvolvendo práticas
pedagógicas de resistência à perspectiva
empresarial e produtivista que afronta a
Universidade Pública e o trabalho do
docente universitário, e que impedem a
elevação dos níveis de consciência dos
estudantes neste nível de ensino?
Uma abordagem clara dessa questão
não prescinde de uma compreensão acerca
das orientações da Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES) para o componente em
foco. Assim, é importante retomar que a
CAPES, por meio da Portaria 76/2010,
no artigo 18 de seu Anexo, instituiu o
Estágio Docência para estudantes da pós-
graduação, no âmbito do mestrado e
doutorado.
O Estágio Docência, conforme a
CAPES, é parte integrante e necessária à
formação de novos quadros para atuação
na Educação Superior (CAPES, 2010),
pois uma das finalidades da pós-graduação
é a formação de docentes para a atuação
nesse nível de ensino. E, dando ênfase ao
insuficiente cumprimento deste relevante
papel da pós-graduação historicamente,
Anselmo e Lima (2017) criticam a
demasiada força dada à formação de
pesquisadores neste âmbito, com base em
viés tecnicista e pragmático, em detrimento
mesmo da dimensão da docência na
Educação Superior numa direção mais
emancipadora e crítica.
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Considerando o objetivo e a questão
norteadora apresentada anteriormente, o
percurso metodológico para a construção
deste texto ancorou-se nas categorias do
Materialismo Histórico-Dialético.
Inicialmente realizou-se uma pesquisa na
Biblioteca Digital Brasileira de Teses e
Dissertações, considerando a busca pelos
termos Estágio Docência e pós-graduação
stricto sensu. Foram analisados títulos,
resumos e considerações finais dos
trabalhos. A busca considerou o período
entre 2000 e 2019, sendo identificados
nesse intervalo dezesseis trabalhos (três
teses e treze dissertações).
Realizou-se, também, na perspectiva
da prática investigativa da pesquisa-ação
(Thiollent, 2011), uma sistematização das
práticas pedagógicas e das
intencionalidades que as orientaram no
processo de formação entre 2016 a 2019,
no Programa de Pós-Graduação em
Educação PPGE, da Universidade de
Brasília, junto a mestrandos e doutorandos
da Linha Educação Ambiental e Educação
do Campo, que realizaram Estágio
Docência no curso de Licenciatura em
Educação do Campo, da mesma
instituição.
O texto está organizado em quatro
partes: inicialmente recupera-se o
constructo histórico da Educação do
Campo e a maneira como este orientou as
matrizes formativas presentes na
Licenciatura em Educação do Campo. Na
segunda parte reflete-se sobre algumas
contradições que permeiam o trabalho
docente na Docência Universitária e os
desafios para evitar-se o alinhamento às
propostas formativas hegemônicas, mais
voltadas aos interesses do capital do que à
formação humana. No terceiro momento
direcionam-se as reflexões sobre o Estágio
Docência, buscando compreender a
maneira como a formação do docente
universitário, a partir deste componente
curricular, vem sendo abordada em
produções recentes, principalmente teses e
dissertações. Por fim, na última parte,
apresentam-se as práticas pedagógicas e as
intencionalidades que as tem orientado,
objetivando resignificar os processos
formativos que ocorreram no componente
Estágio Docência, do Programa de Pós
Graduação em Educação, promovidas a
partir da vivência dos mestres e doutores
em formação na Licenciatura em Educação
do Campo da UnB.
A Educação do Campo: um constructo
histórico e social que projeta formas de
resistência para a educação pública no
Brasil
Os 20 anos da Educação do Campo,
celebrados em 2018, remetem a uma
construção histórica da classe trabalhadora
do campo e dos movimentos sociais para
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cunhar novas perspectivas de formação
humana. Neste processo histórico, vários
pilares foram sendo firmados.
Conforme Caldart (2018) há feixes
de conexões que precisam ser consideradas
nessa construção histórica da Educação do
Campo que, em linhas gerais, evidenciam
sua dimensão social, educativa e política.
Esses feixes pressupõem o entendimento
do campo em suas especificidades e
sujeitos que integram este território, com
sua cultura, lutas, organização da vida
social e a relação que estabelecem com a
natureza para produzir materialmente a
vida.
A referida autora destaca, também, a
intensidade da luta contra o processo de
desterritorialização da agricultura
camponesa e contra o projeto hegemônico
para o campo, representado pelo
agronegócio, que dissemina a ideia de uma
ruralidade de espaços vazios, de um campo
sem sujeitos (Wanderley, 2001).
Esta lógica do agronegócio de
organizar a agricultura devasta a natureza,
destitui os camponeses de alternativas para
a produção material da vida e destrói a
existência humana. Malgrado a essa lógica
destrutiva, a Educação do Campo
constitui-se, além de uma proposta
educativa, um posicionamento político e
revolucionário, pautado na organização dos
sujeitos para as lutas coletivas direcionadas
às garantias da produção material da vida
no campo (Caldart, 2018).
Molina (2019a) ratifica este
entendimento situando o protagonismo dos
movimentos sociais neste processo, tanto
de construção de um novo paradigma sobre
o campo e Educação do Campo, quanto no
avanço na conquista de políticas públicas
para o meio rural. A atuação desses
movimentos ocorre não somente na
proposição de demandas sociais e
educacionais, mas em um
redirecionamento sobre o projeto de
campo, de escola, de Educação e de
sociedade, sob a égide de um novo rumo
histórico, com bases emancipatórias, e que
almeja a superação da lógica social que
orienta a estrutura da sociedade capitalista.
No âmbito educacional, os coletivos
do campo, organizados em movimentos
sociais e associações, vêm forjando, nas
últimas décadas, sólidas propostas de
resistência, na perspectiva de superar os
ranços da Educação Rural (Ribeiro, 2012).
Essa visão de educação para o campo está
alinhada aos pressupostos capitalistas de
educação que estereotipa o sujeito
camponês, imprime formato excludente à
organização escolar e limita-se a
proporcionar conhecimentos básicos e
apartados da materialidade da vida e da
cultura dos sujeitos que vivem neste
território (Ribeiro, 2012).
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Sob esta égide, Caldart (2015a) nos
recorda que a importância da Educação do
Campo deriva, entre outros fatores, de sua
materialidade de origem: a ação e luta dos
movimentos sociais na disputa por
políticas públicas voltadas para os anseios
societários, políticos e humanos dos
trabalhadores do campo.
O projeto educativo da Educação do
Campo é construído considerando sujeitos
concretos, reais, históricos e
geograficamente situados, e considera as
questões de trabalho, cultura, tensões entre
os projetos de campo em disputa
(agronegócio versus agricultura familiar
camponesa) e uma lógica de formação
humana voltada para forjar homens e
mulheres lutadores (as) e construtores (as)
do futuro (Pistrak, 2009).
Entre as conquistas no âmbito das
políticas públicas para a educação é
importante ressaltar o Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária
Pronera. Esta política, com outras
experiências no contexto da Educação
Superior, como os cursos de Pedagogia da
Terra, por exemplo, viabilizou e deu lastro
para o acúmulo de forças e experiências
que permitiram a criação dos Cursos de
Licenciatura em Educação do Campo. O
histórico detalhado do processo de
elaboração, implantação e expansão dessas
licenciaturas está registrado em trabalhos
anteriores (Molina & Sá, 2011; Molina,
2014, 2015; Molina & Hage, 2015; 2016).
O referido curso vem sendo ofertado
desde 2007, inicialmente em quatro
Universidades Públicas brasileiras
(UFMG, UnB, UFS e UFBA). A partir das
experiências-piloto em 2008 e 2009 o
MEC lançou editais para que mais
universidades também pudessem ofertar a
Licenciatura, porém como projeto especial
de turmas únicas.
Posteriormente, em 2012 a
experiência expandiu-se para as cinco
regiões do país, com a conquista mediante
a pressão dos movimentos sociais e
diferentes coletivos organizados, de 42
cursos permanentes, em 20 estados
brasileiros, envolvendo mais de 33
instituições de Educação Superior Pública
na oferta do curso (Molina, Antunes-Rocha
& Martins, 2019).
As experiências registradas em
pesquisas recentes têm revelado os
potenciais da Licenciatura em Educação do
Campo em contribuir com a transformação
da forma escolar e com a proposição de
novos rumos para a política de formação
de educadores a partir de seu projeto
pedagógico inicial (Molina, 2017; Molina,
Masson & Hage, 2019).
Entre estas contribuições destacam-
se a redefinição das funções sociais da
escola; a adesão a uma matriz ampliada de
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formação humana em diferentes
dimensões, considerando as
especificidades dos sujeitos do campo e os
anseios emancipatórios da classe
trabalhadora; a Alternância Pedagógica; o
trabalho coletivo como princípio
educativo; a auto-organização dos
estudantes; a conexão da escola com as
tensões, contradições e desigualdades
presentes na vida; o cultivo de novos
parâmetros de sociabilidade; a
possibilidade de reelaborar a relação entre
a Educação Básica e a Educação Superior e
a ancoragem na Epistemologia da Práxis
como alternativa de unir teoria e prática
associada aos anseios de transformação da
realidade, contribuindo para formar
lutadores e construtores do futuro (Molina,
2015, 2017; Molina & Brito, 2017; Molina
& Hage, 2016; Caldart, 2015a; 2015b).
Algumas produções recentes
apresentam análises sobre as
potencialidades das Licenciaturas em
Educação do Campo, a partir dos
resultados de pesquisas efetuadas ao longo
dos últimos anos, entre as quais cabe
destacar a consolidação da Educação do
Campo como área de produção de
conhecimento. Molina et al. (2019)
catalogaram, a partir de levantamento no
Banco de Teses da Capes (2010-2018), 84
teses e dissertações que tratam da
Licenciatura em Educação do Campo. Boa
parte delas está voltada para análise do
diferencial dos princípios formativos desta
Licenciatura e das repercussões que tem
tais princípios sobre a formação docente.
É possível afirmar que os estudantes do
referido curso vivenciam um processo
formativo diferente do proposto nos cursos
de graduação regulares, em função da
concepção e das práticas promovidas por
tal curso estarem ancoradas nos princípios
da Educação do Campo.
Com a intenção de avançar nesta
discussão, considerando as finalidades
específicas deste artigo, a vivência
apresentada na seção Saberes e práticas
pedagógicas no Estágio Docência na
Licenciatura em Educação do Campo,
da Universidade de Brasília deste
trabalho, resgata as contribuições dos
princípios que inicialmente são forjados
pelos movimentos sociais, consolidam a
Educação do Campo e posteriormente
delineiam a Licenciatura em Educação do
Campo, na elaboração de outra lógica de
formação que também alcança a pós-
graduação e que pode espraiar-se ainda
mais.
Isso aponta possibilidades de
resistência e novos fluxos para a formação
de docentes universitários pelo
reconhecimento de que os saberes e
práticas construídos na docência
universitária podem ser compreendidos
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como uma ferramenta de educação
revolucionária comprometida com o
sentido ontológico do ser humano e
comprometida com avanços na superação
da sociedade capitalista.
Com vistas a avançar nesse debate,
apresenta-se na próxima seção o
argumento de que o trabalho docente não é
uma ação isolada, mas recebe influências
de inúmeros fatores e múltiplas
determinações e estes incidem, também,
sobre a formação do educador na pós-
graduação, fato que envolve desafios,
tramas, tensões e contradições.
A Docência Universitária: desafios,
tramas e contradições
Os olhares necessários à Docência
Universitária, bem como os desafios,
tramas e dilemas que envolvem o trabalho
docente neste nível de ensino precisam ser
compreendidos em uma visão de
totalidade, reconhecendo seu caráter
histórico bem como as contradições e
tensões que envolvem o processo
educativo-formativo na educação superior.
Nesta direção, concordância com
o pensamento de Cunha (2004) que, a esse
respeito, afirma ser necessário considerar o
cenário político e os enfrentamentos
históricos e sociais que, direta ou
indiretamente, repercutem nas condições
objetivas na realização do trabalho docente
no âmbito da Educação Superior.
Isso implica no desafio de penetrar o
Labirinto do Minotauro, metáfora utilizada
por Frigotto (2016, p. 60) para se referir ao
capitalismo “... na sua forma flexível,
mundializada e desregulada, para
desvendar sua monstruosidade e suas
fraquezas a fim de enfrenta-lo e não
sucumbir”. Isso significa que essa lógica
societal se expressa de forma veemente,
violenta, cujo a perda da capacidade
civilizatória é evidente no recuo às
políticas sociais, no atendimento à
diversidade social e, consequentemente, no
sucateamento das propostas educacionais.
Moraes (2003) também critica esta
concepção formativa que se funda no
aligeiramento da formação; no
esvaziamento do necessário caráter teórico
que esta deve conter, ao ressaltar, nos
tempos recentes, o recuo da teoria na
formação docente e a submissão às
necessidades do mercado de trabalho, ao
mesmo tempo em que o docente da
Educação Superior é submetido aos
ditames da flexibilização, intensificação e
precarização do trabalho.
Seguindo estas reflexões, Oliveira
(2015) apresenta alguns desafios que a
docência universitária tende a enfrentar: a)
a lógica mercantil que tem orientado a
pesquisa no Brasil e que alinha a produção
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
graduação: contribuições a partir de experiências do Estágio Docência na Licenciatura em Educação do Campo na UnB...
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acadêmica à geração de lucros; b) a
tendência à homogeneização da pós-
graduação pelos mecanismos de avaliação
e regulação; c) a produtividade,
competição e performance como pilares da
atividade científica e que ocasiona a queda
na qualidade e relevância das publicações;
d) distanciamento entre quantidade de
produção e a qualidade das mesmas; e)
diminuição do tempo destinado à formação
dos pós-graduandos, com formação rápida
e pouco tempo para amadurecimento
intelectual.
O sistema de Pós-Graduação e de
pesquisa, como um todo, tem sido,
pois, nas duas últimas décadas, mais
orientado pelas agências de fomento
e de avaliação, comprometidas com
uma visão de expansão que
impulsiona a produção do
conhecimento associada às demandas
econômico-produtivas, do que por
um projeto formativo mais
consistente e que resulte em avanços
mais significativos do conhecimento
nas diferentes áreas (Oliveira, 2015,
p. 361).
Estes riscos estão postos no processo
histórico de surgimento e expansão dos
cursos de pós-graduação. Oliveira (2015)
alerta para o fato de esse cenário gerar, nos
programas de pós-graduação, pouco ânimo
no sentido de resistir a este processo de
dominação/subordinação ao qual este nível
de ensino esteve, historicamente,
submetido. Tais influxos inquietam
pesquisadores, docentes e discentes
preocupados com o futuro da pós-
graduação e da pesquisa no país. Faz-se
necessário intensificar o debate e forjar
ações que apontem para novos rumos neste
âmbito da formação docente.
Considerando este cenário, a
indagação de Duarte (2006) é bastante
apropriada ao perguntar: que tipo de
intelectuais os programas de pós-
graduação de mestrado e doutorado em
educação vem formando? Se, por um
lado, esta questão não tem merecido devida
atenção nos debates acadêmicos, por outro,
o investimento ideológico dos interessados
em submeter o trabalho docente aos
ditames do mercado tem sido intenso e
constante.
Reorientar a formação de docentes
na pós-graduação, colocando-a na
perspectiva da resistência aos ditames do
processo produtivo, pode representar uma
forma de luta e contra-hegemonia, além de
representar espaço de acúmulo de forças
contrário à lógica capitalista vigente.
Na tentativa de continuidade a esse
debate, percebeu-se a necessidade de uma
retomada acerca da produção acadêmica
referente à formação do docente
universitário com ênfase na maneira como
o componente Estágio Docência está sendo
abordado em pesquisas recentes, tal como
apresenta-se na próxima seção.
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
graduação: contribuições a partir de experiências do Estágio Docência na Licenciatura em Educação do Campo na UnB...
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Estágio Docência como espaço de
formação de professores da Educação
Superior
Na continuidade da discussão acerca
dos saberes e práticas pedagógicas que
vêm sendo construídos no âmbito da
formação de docentes para atuarem na
Educação Superior, nesta seção pretende-
se contribuir com o debate a partir de uma
reflexão teórico-metodológica sobre as
possibilidades de construção de uma
abordagem do Estágio Docência
comprometida com o movimento da práxis
(Marx, 2002; Vázquez, 2011).
O passo inicial da análise
apresentada nesta seção foi perscrutar a
produção do conhecimento no âmbito da
pós-graduação (stricto sensu), buscando
compreender a maneira como o
componente Estágio Docência vem sendo
abordado em produções recentes,
principalmente teses e dissertações.
O esforço investigativo feito
abrangeu a retomada das produções
científicas acerca do Estágio de Docência,
realizada na Biblioteca Digital Brasileira
de Teses e Dissertações, considerando a
busca pelos termos Estágio Docência e
pós-graduação stricto sensu. Foram
analisados títulos, resumos e considerações
finais dos trabalhos. A busca considerou o
período entre 2000 e 2019, sendo
identificados nesse intervalo dezesseis
trabalhos (três teses e treze dissertações),
que tratam da temática sob diferentes
enfoques, como evidenciado na tabela a
seguir:
Tabela 1 - Teses e dissertações que discutem o Estágio Doncia na Educação Superior 2000/2019.
Autor
Título
Instituição
de Ensino
Superior
TESE S
Linha 1
WIEZZEL, Andréia C.
S. (2005)
A formação de professores universitários nos
cursos de pós-graduação em educação das
universidades estaduais paulistas: políticas e
práticas.
UNESP
Linha 2
RIBEIRO, Flávia D.
(2011)
A aprendizagem da docência na prática de
ensino e no estágio: contribuições da teoria da
atividade.
USP
Linha 3
CONTE, Karina M.
(2013)
Espaço formativo da docência: um estudo a
partir do Programa de Aperfeiçoamento de
Ensino (PAE) da Universidade de São Paulo.
USP
D I S S ER T A Ç Õ E S
Linha 4
D’ÁVILA, Paulo G. S.
(2013)
Impacto do Estágio de Docência sobre o
ensino de graduação em bioquímica.
UFRGS
Linha 5
NEUENFELDT,
Manuelli C. (2008)
A docência orientada como caminho possível
no processo formativo de professores
universitários: em busca de indicadores de
qualidade.
UFSM
Linha 6
PEREIRA, Waldiléia
Estágio Docência na formação de professores
para o ensino de ciências na Amazônia.
UEA
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
graduação: contribuições a partir de experiências do Estágio Docência na Licenciatura em Educação do Campo na UnB...
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14
S. C. (2009)
Linha 7
SANTOS, Cibele G.
(2011)
Estágio supervisionado e complexidade: uma
pesquisa em nível de pós-graduação.
UCB
Linha 8
JOAQUIM, Nathália
de F. (2011)
Desafios da formação docente: Estágio
Docência e a prática de ensino em
administração.
UFL
Linha 9
RIBEIRO, Gabriela M.
(2012)
Estágio de Docência na graduação:
possibilidades e limites na formação de
professores universitários.
UFPel
Linha
10
MARTINS, Maria M.
M. C. (2013)
Estágio de Docência na pós-graduação stricto
sensu: uma perspectiva de formação
pedagógica.
UECE
Linha
11
COSTA, Daiene de C.
S. (2015)
Docência universitária e formação
pedagógica: o Estágio de Docência na pós-
graduação stricto sensu.
UEL
Linha
12
ANSELMO, Katianna
de B. (2015)
Estágio de Docência como espaço de
formação contínua: um olhar sobre as
narrativas dos mestres.
UECE
Linha
13
FREITAS, Elci N. B.
(2016)
O Estágio Docência na formação de
professores da Educação Superior:
representações de estudantes do Mestrado em
Saúde Coletiva.
UEFS
Linha
14
FRANCHI, Giovanna
O. O. (2017)
O Programa de Aperfeiçoamento de Ensino
(PAE) na EERP como lugar de formação do
professor universitário: limites e
possibilidades.
FFCL de
Ribeirão
Preto
Linha
15
MILANI, Fiovana S.
(2018)
A formação docente no Programa de Pós-
graduação stricto sensu em Administração da
UFRGS sob a perspectiva de seus egressos
entre 2007 e 2017.
UFRGS
Linha
16
TEIXEIRA, Sérgio L.
(2018)
Licenciatura em Educação do Campo:
ressignificando a relação entre a pós-
graduação e a graduação na práxis da docência
UnB
Fonte: Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações (BDTD).
As pesquisas, predominantemente
realizadas no âmbito do mestrado,
retomam o caráter formativo presente no
Estágio Docência como componente
integrante do rol de disciplinas da pós-
graduação. A análise dessas produções
acadêmicas permitiu a identificação de sete
elementos que se destacam, sendo possível
pensá-los como positividades e
negatividades. Entre as negatividades
destacam-se: a) a dicotomia entre formar o
pesquisador e a preparação didática; b) as
fragilidades teóricas na formação
proporcionada pelo estágio; c) a
insuficiência da atenção ofertada pelo
docente da educação superior que conduz
tais estágios; d) a dimensão solitária e
individual dos estudantes da pós-graduação
nesse componente curricular; e entre as
positividades, ressaltam-se: e) o
entendimento do estágio como momento
que integra teoria e prática; f) a redefinição
da organização do trabalho pedagógico na
disciplina; g) o estágio como efetiva
possibilidade de integração da pós-
graduação à graduação.
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A dicotomia entre formar o
pesquisador e a preparação didática é uma
tensão constante desvelada pelas pesquisas
analisadas (que serão citadas a seguir, a
partir do sobrenome do autor e do número
da linha na tabela acima). Tais pesquisas
evidenciam ainda que essas dimensões
estão polarizadas e fragmentadas nos
cursos de pós-graduação. Essa é a crítica
sustentada por D'Ávila (Tabela 1, linha 4)
e Costa (Tabela 1, linha 11) acerca da
excessiva regulação, exigência por
produtividade e demasiada ênfase na
dimensão da pesquisa em detrimento da
formação pedagógica do docente da
Educação Superior. Ficam evidenciadas
fortes lacunas no projeto formativo, que
não considera aspectos éticos, sociais,
políticos, econômicos e que limitam a
realização de ações que objetivem uma
formação de docentes coerente com um
projeto formativo mais amplo.
DÁvila (Tabela 1, linha 4), por
exemplo, ressalta a situação de estudantes
que concluem a pós-graduação, no entanto,
não estão preparados para a docência e
enfrentam situações de distanciamento em
relação aos processos de ensino e de
aprendizagem que acontecem na
graduação. A pesquisa de Costa (Tabela 1,
linha 11) ratifica essa tensão entre a
formação para a pesquisa e docência e
conclui que um excesso de exigências
pela produtividade acadêmica. Exigências
que se desdobram do rigoroso processo de
avaliação dos Programas, fato esse que
consome grande parte do tempo dos
mestrandos e doutorandos, sobrando pouco
ou nenhum tempo para a dedicação às
questões relacionadas à docência na
graduação.
Nessa direção, Roldão (2007)
compreende que existem conhecimentos
específicos da docência que são
fundamentais e não são elaborados apenas
na produção de pesquisas científicas. A
autora menciona uma dupla aproximação
entre conhecimento teórico e prático:
enquanto este estaria voltado para o
conhecimento teórico elaborado pelos
sujeitos sociais na prática de ensinar,
aquele estaria direcionado à investigação
sobre o ato de ensinar.
Roldão (2007) sustenta uma
discussão sobre a especificidade da função
docente como pano de fundo para uma
análise do conhecimento profissional
docente e a sua função de ensinar. Assume
essa função em sua dupla transitividade,
como ato de ensinar (fazer aprender) algo a
alguém, o que pressupõe um sólido
domínio tanto do saber científico quanto
do técnico-didático. É ação que não ocorre
descolada de uma postura meta-analítica,
questionadora e interpretativa.
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
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Em relação às fragilidades teóricas
na formação proporcionada pelo Estágio
Docência, Martins (Tabela 1, linha 10),
Conte (Tabela 1, linha 3), Milani (Tabela
1, linha 15) e Wiezzel (Tabela 1, linha 1)
enfocam a relevância da preparação
pedagógica no caráter didático e nos
saberes presentes nessa perspectiva
formativa e sinalizam a necessidade de um
projeto que promova, efetivamente, a
formação de mestrandos e doutorandos
também para o exercício da docência.
Exemplificando esses argumentos,
Martins (Tabela 1, linha 10) questiona a
formação pedagógica do futuro docente da
Educação Superior a partir do Estágio de
Docência na graduação e alerta para as
fragilidades na formação teórica dos
estudantes que protagonizam aulas no
Ensino Superior, sem a devida formação
para tarefa de tal magnitude. Lacunas desta
natureza também são identificadas por
Milani (Tabela 1, linha 15) acerca das
descontinuidades nos aspectos didático-
pedagógicos da formação docente. A
referida pesquisadora sugere que a
disciplina de Estágio Docência seja uma
exigência para todos os estudantes de
mestrado e doutorado, considerando a
relevância deste componente curricular
para a formação do docente na Educação
Superior.
Outro aspecto recorrente,
identificado no levantamento das teses e
dissertações analisadas, foi a insuficiência
de atenção ofertada pelos docentes da
Educação Superior que conduzem os
Estágios Docência, desvelando relevantes
rupturas nos aspectos didático-pedagógicos
que seriam necessários à formação integral
de tais estagiários. Nessa direção, Milani
(Tabela 1, linha 15) discute a necessidade
de no Estágio Docência, haver maior
planejamento e intenso acompanhamento
por parte do professor orientador de tal
disciplina no âmbito da pós-graduação.
Isso é ratificado também por Neuenfeldt
(Tabela 1, linha 5) e Ribeiro (Tabela 1,
linha 2), que discutem indicadores de
qualidade e condicionam o sucesso da
proposta formativa de docentes a partir do
estágio na graduação, quando há, de fato, o
exercício da docência acompanhada,
orientada e refletida.
A pesquisa de Martins (Tabela 1,
linha 10) também apresenta ricos
apontamentos acerca da necessidade de
maior interação entre os estudantes da pós-
graduação e os docentes orientadores desse
componente curricular e que esse processo
ocorra sob a égide de um planejamento
coletivo, participativo e que todas as etapas
deste processo conte com a ação conjunta
entre discentes e orientador do componente
curricular. Isso implica no envolvimento
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coletivo na definição do plano de
atividades a ser efetivado junto aos
estudantes da graduação, definição
metodológica do percurso e dos processos
avaliativos.
As pesquisas apresentadas nos
parágrafos anteriores explicitam a
necessidade de rediscussão do papel do
orientador e de adesão a uma perspectiva
que contemple a reflexão, análise e
planificação das atividades realizadas na
perspectiva da práxis docente, visto que as
pesquisas analisadas indicaram pouco
acompanhamento dos docentes
orientadores no Estágio Docência.
Outro elemento que merece destaque
nas produções acadêmicas estudadas
refere-se à dimensão solitária e individual
que permeia o processo formativo dos
estudantes da pós-graduação no
componente Estágio Docência. Essa foi
uma constatação feita por Santos (Tabela
1, linha 7), que revela graves riscos se a
proposta formativa se mantiver ancorada
na dimensão isolada dos estudantes. Em
contraponto, Neuenfeldt (Tabela 1, linha 5)
defende a valorização do trabalho em
conjunto, a interação e a formação
humanizada.
Tal crítica em relação à inserção
solitária do pós-graduando no Estágio
Docência é bastante enfatizada nas
constatações feitas por Martins (Tabela 1,
linha 10), que destaca que essa ação vai de
encontro às orientações para esse
componente, e que tal fato precisa ser mais
discutido e compreendido pelos programas
de pós-graduação. Para a referida
pesquisadora, o não acompanhamento
efetivo do estudante da pós-graduação em
suas atividades de docência na graduação
se configura com uma descaracterização do
componente Estágio Docência, tornando-o
mera formalidade acadêmica, muito mais
afeito ao cumprimento de burocracias para
fins de comprovação do recebimento de
bolsas da CAPES, do que efetivamente
como um espaço de real formação.
As teses e dissertações produzidas
sobre o assunto revelam que teoricamente
existe o entendimento do Estágio como
momento que deveria ser de integração
entre teoria e prática. Sob esse aspecto,
Freitas (2002) reconhece o Estágio
Docência como espaço para apropriação de
saberes necessários à prática. Ribeiro
(Tabela 1, linha 9) também apresenta esse
espaço formativo como momento que
deveria ser de efetiva qualificação para o
exercício da docência, porém problematiza
como ocorre de fato tal proposta formativa,
identificando limites consideráveis na
forma como ele tem se efetivado, como a
excessiva exigência burocrática que recai
nos bolsistas que participam dessa
vivência.
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
graduação: contribuições a partir de experiências do Estágio Docência na Licenciatura em Educação do Campo na UnB...
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A pesquisa de Anselmo (Tabela 1,
linha 12) revelou lacunas nas condições
formativas presentes nesse componente
curricular no que se refere à articulação
teoria e prática, fato que levou os sujeitos
pesquisados a não reconhecerem o
processo vivenciado como uma
possibilidade efetiva de formação contínua.
Em algumas das análises até aqui
apresentadas, foi possível constatar um
entendimento de teoria e prática como
momentos diferentes de um processo,
como se fossem estanques e precisassem
ser integrados ou articulados, e não em
uma perspectiva dialética de unicidade, tal
qual se compreende que ambas devem ter.
No âmbito das positividades, uma
questão que emergiu da análise de algumas
teses e dissertações foi o Estágio Docência
como um espaço que propiciou uma
redefinição da organização do trabalho
pedagógico de tal componente, após uma
avaliação coletiva dos erros e acertos de
sua realização. Franchi (Tabela 1, linha 14)
discute alternativas para favorecer as
múltiplas dimensões da formação para a
docência, que orienta o planejamento das
ações e norteia princípios para o
acompanhamento do professor/orientador
de estágio na disciplina de graduação.
Destacou-se nessa pesquisa a constatação
de que a participação dos discentes, ao
longo do planejamento, levou-os a adquirir
mais autonomia e engajamento no processo
pedagógico, tendo também repercussões na
prática do docente orientador do Estágio.
Também nesta direção, a pesquisa de
Teixeira (Tabela 1, linha 16) volta-se para
a compreensão das estratégias formativas
realizadas no Estágio Docência que
incorporam princípios da Educação do
Campo na perspectiva da práxis na
formação de estudantes da pós-graduação.
A visão do estágio como possibilidade de
integração da pós-graduação à graduação
foi um fator que se destacou no âmbito das
positividades de sua pesquisa.
Sob esse prisma, ao lado de Teixeira
(Tabela 1, linha 16), também Joaquim
(Tabela 1, linha 8) e Pereira (Tabela 1,
linha 6) situam o Estágio Docência como
possibilidade de diminuir as lacunas
existentes entre a pós-graduação e a
graduação, e apontam para as
potencialidades de um projeto formativo
acompanhado pelos orientadores, com sua
experiência em docência. Esse
entendimento está bastante presente nas
conclusões apresentadas por Joaquim
(Tabela 1, linha 8) em sua pesquisa que
ratificou o Estágio Docência como
importante espaço de integração entre a
pós-graduação e a graduação, espaço de
formação em que a teoria e prática se
unem, assim como acontece com as
dimensões do ensino e pesquisa.
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
graduação: contribuições a partir de experiências do Estágio Docência na Licenciatura em Educação do Campo na UnB...
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Nessa direção, Teixeira (Tabela 1,
linha 16) destaca que uma dupla
contribuição na integração entre a
graduação e a pós-graduação, tanto para os
estudantes na formação universitária,
quanto na formação dos docentes que
vivenciam o processo formativo na pós-
graduação. Desde que esse processo seja
ancorado no trabalho coletivo,
comprometido com o exercício da práxis
transformadora (Noronha, 2010) e
devidamente acompanhado pelo professor
do componente.
A leitura do conjunto dos trabalhos
explicita que, apesar de existir
positividades nas experiências de Estágio
Docência analisados, mantém-se de fato,
relevante ausência da dimensão didática e
pedagógica da formação do estudante da
pós-graduação, além das situações em que
ela ocorre somente de modo verticalizado,
como algo linear que ocorre da pós-
graduação para a graduação, fato que
limitaria a formação de mestrandos e
doutorandos a um viés pragmático e
utilitarista. Tal perspectiva restringe as
possibilidades de compreensão da
totalidade, das contradições e
desigualdades que se apresentam diante da
realidade brasileira e que advêm de um
caráter técnico, mercadológico e
pragmático, projetado para o ensino na
pós-graduação.
Esse viés pragmático é associado ao
neotecnicismo (Freitas, 2011) na educação
que preconiza o domínio de conteúdos e
habilidades que possam auxiliar o docente
a resolver os problemas que emergem da
imediaticidade do cotidiano, prescindindo
da construção de uma visão de totalidade
dos fenômenos educacionais, da realidade
sociopolítica, econômica, cultural e
histórica (Curado Silva, 2012).
Isso significa que ainda está pouco
presente uma concepção mais ampliada de
uma formação comprometida nos seguintes
termos: com a elevação dos níveis de
consciência dos futuros docentes; com a
promoção do trabalho coletivo; com a
perspectiva de uma práxis transformadora;
e com o compromisso e resistência aos
padrões hegemônicos presentes na lógica
de produção capitalista, que pressupõe
formar sujeitos capazes de compreender,
subverter e resistir a este processo. De
acordo com Noronha (2010, p. 18), a
relevante ausência dessas características
revelam fortes alinhamentos a uma
Epistemologia da Prática nos processos de
formação docente.
O Estágio Docência visto somente
como uma fase para aprendizagem de
estratégias pedagógicas para serem
aplicadas na prática na graduação desvela,
como dito anteriormente, o viés técnico,
utilitarista e pragmático da educação, cuja
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ideia de preparação obscurece a
perspectiva de formação para a
emancipação humana.
A preocupação com a perspectiva
emancipatória na formação de educadores
também está presente nas pesquisas de
Noronha (2010), que desloca o debate para
a práxis educativa transformadora como
categoria central a ser incorporada ao
projeto formativo de professores.
Nesse entendimento, a formação de
educadores não prescinde de um novo
olhar sobre a concepção de transformação
almejada pela classe trabalhadora, ou seja,
a mudança radical da realidade. Esta supõe
a superação do modo de produção vigente
cujas bases são a máxima exploração do
trabalho humano e da natureza, e a
construção de outros parâmetros de
sociabilidade humana associada à luta dos
trabalhadores por uma nova sociedade.
Soma-se a isso outra concepção de
sujeito a ser formado. Noronha defende,
nessa direção, a necessidade de formação
de sujeitos que não se mantenham passivos
diante das injustiças, contradições e
desigualdades da realidade, pelo contrário,
o educador em formação deve ser visto
como “... um ser social que age no mundo
com o objetivo de transformá-lo de acordo
com um fim” (Noronha, 2010, p. 12).
Duarte (2006) acrescenta que, visto
como intelectual crítico, o estudante da
pós-graduação precisa compreender o elo
entre Educação e as relações de dominação
presentes na sociedade, o papel da
educação nessas relações, as possibilidades
de resistência e a compreensão de que o
trabalho realizado por ele está imbricado
no par humanização/alienação.
Diante dessas análises e a partir dos
pressupostos apresentados nesta seção,
adiante buscar-se-á discutir elementos de
práticas pedagógicas que objetivam
ancorar-se na práxis transformadora,
vivenciadas em experiências de Estágio
Docência no âmbito da Licenciatura em
Educação do Campo, por mestrandos e
doutorandos em formação na Linha de
Pesquisa Educação Ambiental e Educação
do Campo, do PPGE-UnB. Tais práticas
buscaram materializar o que Noronha
(2017, p. 574) chama de “indícios
potenciais de transformação das vivências
em práxis transformadora”.
Saberes e práticas pedagógicas no
Estágio Docência na Licenciatura em
Educação do Campo, da Universidade
de Brasília
Nesta seção, chega-se ao cerne da
proposta deste artigo que é discutir
possibilidades, inter-relações didáticas e
efetivas contribuições à formação de
mestres e doutores, por meio de
experiências de Estágio Docência
materializadas pela Linha de Pesquisa
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Educação Ambiental e Educação do
Campo, ofertado no âmbito do Programa
de Pós-Graduação em Educação, da
Universidade de Brasília.
A referida disciplina Estágio
Docência teve como objetivo contribuir
com o processo de formação docente para
atuação na Educação Superior, com ênfase
na Licenciatura em Educação do Campo -
LEdoC, proporcionando espaços de
vivências e de reflexões sobre os desafios
pedagógicos de atuação nesse nível de
ensino, considerando-se ainda as
especificidades da formação dos sujeitos
camponeses e as compreensões teóricas
propostas pela Epistemologia da Práxis. A
análise apresentada nessa seção pretende
evidenciar o movimento de práxis presente
nas intencionalidades pedagógicas do
referido componente curricular,
apresentado o processo de elaboração,
efetivação e reelaboração do trabalho
formativo realizado em tal disciplina.
O ponto de partida do processo
formativo deste Estágio Docência na
Graduação foi a realização de estudos
sobre o estado da arte da Docência
Universitária (Lima & Zanlorense, 2014),
com o trabalho de leitura e debate dos
principais desafios enfrentados nos
processos formativos nesse âmbito, a partir
das teses e dissertações estudadas sobre a
temática, apresentadas no tópico
anterior.
Com essa etapa, intencionou-se
promover, junto aos mestrandos e
doutorandos que entrariam posteriormente
em sala de aula como docentes da LEdoC,
o conhecimento dos principais problemas e
questões vivenciadas em experiências
anteriores de Estágio Docência, buscando
contribuir com a ampliação de sua
compreensão sobre os desafios a serem
enfrentados no exercício da prática docente
a ser realizada na sequência.
Essa intencionalidade orientou-se
pela compreensão sustentada por Kosik
(1989) da necessária busca do
entendimento da essência dos fenômenos
pela via da superação da percepção da
pseudoconcreticidade. Nesse processo
formativo, compreender a realidade que
vai além da além da aparência imediata dos
fenômenos é condição sine quo non à
práxis educativa, que se entende como
ação intimamente vinculada à necessária
transformação da realidade humano-social.
Na busca por ampliar a apreensão do
real imediato, o processo formativo da
referida experiência em Estágio Docência
foi composto por um aprofundado estudo
dos princípios que orientam a proposta
formativa da Licenciatura em Educação do
Campo, graduação na qual os mestrandos e
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
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doutorandos fariam sua inserção como
docentes da Educação Superior.
É importante destacar que essa
intencionalidade foi pensada e realizada
buscando-se a coerência com a própria
perspectiva epistemológica que norteou a
proposta do componente, ou seja, a
compreensão do materialismo histórico-
dialético como teoria do conhecimento
mais eficaz para se apreender o movimento
da realidade que
... pressupõe como ponto de partida a
apreensão do real imediato, isso é, a
representação inicial do todo, que
convertido em objeto de análise por
meio dos processos de abstração
resulta numa apreensão do tipo
superior, expressa no concreto
pensado. Porém, esta não é a etapa
final do processo, uma vez que as
categorias interpretativas, as
estruturas analíticas constitutivas do
concreto pensado serão contrapostas
em face do objeto inicial, agora
apreendido não mais em sua
imediatez, mas em sua totalidade
concreta (Martins, 2006, p. 14).
Destarte, iniciou-se tal fase de
estudos com as reflexões sobre os
diferentes projetos de campo em disputa na
sociedade brasileira e com os desafios
enfrentados pelo campesinato nacional
para garantir sua reprodução social. A
compreensão dos diferentes projetos em
disputa no país, entre o agronegócio e
agricultura camponesa como dimensões
indissociáveis da questão agrária nacional,
são imprescindíveis àqueles que almejam
contribuir com a formação de educadores
do campo. Portanto, como tais mestrandos
e doutorados no Estágio Docência fariam
sua inserção na LEdoC, a compreensão
aprofundada de tal contradição se faz
fundamental. A intenção foi converter o
objeto de análise com vistas a desencadear
processos de abstração, em concreto
pensado acerca da ação docente junto aos
estudantes da LEdoC.
Com esse fim, diversas ações foram
priorizadas no processo, objetivando
promover estudos sobre: a) a concentração
fundiária, a Reforma Agrária e a função
social das Escolas do Campo e seu papel
na vida dos sujeitos camponeses; b) a
compreensão do sentido das políticas
públicas de Educação do Campo
conquistadas pelos movimentos sociais,
para se chegar ao sentido do Projeto
Político Pedagógico de formação docente
proposto pela LEdoC; c) a análise do
sentido da Alternância na Educação
Superior, buscando compreender a relação
entre terra, territórios, lutas, identidades,
educação e produção material da vida; d) o
sentido da formação docente por áreas de
conhecimento, o trabalho docente coletivo
e interdisciplinar; e) a necessidade da auto-
organização dos estudantes; f) a
reelaboração de Planos de Ensino em
diálogo com as demandas da realidade e
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
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novas formas de organização do trabalho
pedagógico nas Escolas do Campo.
Entende-se ser este um momento
fundamental da formação a ser ofertada no
Estágio Docência, pois diversas
intencionalidades foram trabalhadas nessa
etapa. Começou-se por destacar a
imprescindível necessidade de, como
docentes da Educação Superior, buscar
compreender o Projeto Político Pedagógico
da graduação na qual se está inserindo.
Essa compreensão objetiva tanto
contribuir com sua materialização quanto
identificar pontos que podem ser
qualificados e transformados a partir do
trabalho coletivo e do debate nas instâncias
necessárias à promoção de tais alterações.
Contudo, o se pode perder de vista que
qualquer Projeto Político Pedagógico
(PPP) deve ser compreendido não em si
mesmo, mas como parte de uma totalidade
muito maior que o contém, com as
contradições que o configuram, também
presentes nesta análise dos limites e
potenciais do PPP. Neste caso, a questão
agrária brasileira; os projetos de campo em
disputa; os desafios da desterritolização
dos camponeses e o papel das escolas e
educadores do campo estão presentes neste
contexto.
Outro ponto importante desse
processo foi que, em paralelo ao debate e
aprofundamento das reflexões sobre os
principais elementos teóricos do Projeto
Político Pedagógico do curso, deu-se
ênfase a outra questão considerada
imprescindível nos processos formativos
da Educação do Campo: o conhecimento
sobre quem são os sujeitos com os quais
vão ser desenvolvidos os processos
educativos.
Essa foi uma ação realizada em
diálogo com a perspectiva assumida por
Arroyo (2007) da importante e necessária
compreensão e aproximação dos
envolvidos no processo educativo com os
sujeitos de direitos com os quais
trabalharão:
Guiados pelo imperativo ético do
respeito aos educandos, como
sujeitos iguais de direitos, seremos
levados a construir novas formas de
ordenamento dos conteúdos que
garantam não apenas o direito igual
de todos ao conhecimento, à cultura,
aos valores, à memória e à identidade
na diversidade, mas que garantam a
igualdade de todo conhecimento,
cultura, valores, memórias e
identidades sem hierarquias,
segmentações e silenciamentos
(Arroyo, 2007, p. 38).
Assim, para que os conhecimentos
científicos a serem socializados com os
estudantes da graduação estejam em
diálogo com suas realidades, é preciso
saber como são suas condições de vida; a
materialidade dos territórios nos quais
residem; suas práticas culturais; as tensões
e contradições enfrentadas nos processos
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de trabalho, de produção e reprodução
social de suas vidas.
Portanto, integrou essa etapa de
formação no Estágio Docência o
conhecimento e a vivência de mestrandos e
doutorandos que dele participavam nas
comunidades rurais de origem dos
educandos da LEdoC, com os quais
aqueles pós-graduandos realizariam seus
Estágios Docência, a partir de sua
participação em atividades do Tempo
Comunidade da Licenciatura em Educação
do Campo.
Esse é o entendimento dos
educadores como sujeitos históricos que se
relacionam organicamente com a realidade
dos educandos. Para Noronha (2017, p.
566), é necessário que na postura docente
“se possa agir tendo em vista o
rompimento com a leitura ingênua da
realidade, em que o mundo se manifesta no
cotidiano como um mundo pronto e
imutável”.
Com vistas a esse rompimento da
leitura ingênua do contexto social no qual
os docentes devem atuar, os estudantes da
pós-graduação foram integrados a
atividades de inserção nas comunidades
camponesas de origem dos educandos da
LEdoC, a fim de compreenderem e
vivenciarem os diferentes Tempos
Educativos que integram sua proposta
formativa, participando, portanto, das
atividades tanto no Tempo Comunidade
quanto no Tempo Universidade.
Foi também um momento
fundamental nessa experiência formativa o
da apresentação aos pós-graduandos dos
Planos de Ensino das disciplinas “Escola e
Educação do Campo”, “História da
Educação” e “Política Educacional”, bem
como das referências bibliográficas que
fundamentam os conteúdos desses
componentes curriculares com os quais
eles trabalhariam na LEdoC, via Estágio
Docência.
A partir dessa apresentação,
procedeu-se a um período de leitura e
estudo de tais Planos de Ensino e das
bibliografias que os fundamentam, com
posterior apresentação e reflexão sobre
seus conteúdos pelos mestrandos e
doutorandos, em seminários da disciplina
Estágio Docência, realizados no PPGE.
Por meio dos seminários, os pós-
graduandos foram desafiados a reelaborar,
eles próprios, os Planos de Ensino das
disciplinas acima citadas, nas quais fariam
a inserção do Estágio Docência,
objetivando encontrar formas mais
didáticas de ensinar os conteúdos
formativos neles previstos aos educandos
em formação na LEdoC. O envolvimento
dos mestrandos e doutorandos na
reelaboração dos Planos de Ensino dos
componentes curriculares constituiu uma
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importante intencionalidade formativa,
envolvendo-os na concepção coletiva de
estratégias didáticas que seriam utilizados
com os educandos em formação na LEdoC,
na qual desenvolveram o Estágio
Docência.
Após o exercício de reelaboração
coletiva dos Planos do Ensino daquelas
disciplinas nas quais se o Estágio,
duplas ou trios de mestrandos e
doutorandos organizaram os conteúdos que
estavam sob sua responsabilidade nas aulas
da LEdoC. A elaboração foi socializada
com todos os integrantes da disciplina
Estágio Docência, sendo objeto de crítica e
reflexão coletiva os pontos positivos e os
aspectos que podem ser qualificados, tendo
sempre em mente o que pode ser mais
adequado para os educandos da LEdoC
que participarão das aulas. É somente após
esse processo de preparação que se deu a
inserção de mestrandos e doutorandos nos
componentes curriculares citados em que
vivenciam suas experiências de Estágio
Docência na Licenciatura em Educação do
Campo.
Ainda como parte das
intencionalidades formativas propostas
para a docência na Educação Superior,
tem-se buscado garantir que, a partir dos
estudos e planejamentos coletivos
realizados no decorrer da disciplina
Estágio Docência, faça-se também a
inserção na LEdoC coletivamente, com a
presença simultânea de todos os pós-
graduandos em sala de aula. Nesta
inserção, garante-se distintos momentos de
protagonismo de cada subgrupo desse
coletivo, a partir daquelas duplas e trios
formados para o estudo dos Planos de
Ensino que ficam responsáveis por
apresentar aos educandos da LEdoC os
conteúdos de tais Planos. Todos estes
momentos pedagógicos são realizados com
a presença ininterrupta da docente
responsável pelo Estágio Docência da
Linha Educação Ambiental e Educação do
Campo, do PPGE.
A estratégia da inserção coletiva em
sala de aula foi avaliada como
excepcionalmente positiva, tanto pelos
graduandos como pelos pós-graduandos,
uma vez que as aulas dos componentes da
LEdoC em que se fez a inserção do Estágio
Docência foram realizadas em períodos
intensivos de trabalho contínuo, de oito ou
quatro horas diárias seguidas, durante uma
semana, em função da maneira como está
estruturada a Alternância Pedagógica na
LEdoC da UnB, que garante semanas
inteiras para um mesmo componente
curricular, facilitando assim o processo de
aprendizagem dos educandos da
Licenciatura em Educação do Campo.
A intencionalidade de se promover e
estimular o trabalho coletivo (Ferreira,
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2015) é uma condição sine qua non do
componente Estágio Docência da Linha
Educação Ambiental e Educação do
Campo, do PPGE. O trabalho coletivo é
um dos fundamentos do Projeto Político
Pedagógico da Licenciatura em Educação
do Campo, e a formação de futuros
educadores nessa perspectiva é algo
imprescindível para o êxito de seu PPP.
Como parte dessa intencionalidade e
integrando um momento de reelaboração
da prática após a realização das inserções,
promoveu-se também coletivamente a
avaliação participativa e formativa das
atividades pedagógicas que foram
desenvolvidas durante a inserção com os
estudantes e no período de preparação com
e pelos mestrandos e doutorandos.
É importante destacar que foi
assumida como referência para os
processos avaliativos a compreensão de
Freitas (1995) de que a avaliação e
objetivos devem ser compreendidos como
um par dialético. Rejeita-se, assim, a
concepção de avaliação alinhada a uma
estrutura capitalista de educação, na qual a
definição dos objetivos deve estar ajustada
ao perfil da produção econômica e a
avaliação é vista como forma de garantir o
controle e o alcance de tais metas definidas
nos objetivos.
Essa correlação evidencia a forma
como o capitalismo ajusta o modelo de
educação aos seus interesses. Tais
interesses promovem a exclusão escolar e
social das classes menos favorecidas e a
preservação de classe dominante na vida
escolar e, consequentemente, nos melhores
espaços da economia. A escola, nessa
visão, alimenta o ciclo determinista de que
as desigualdades econômicas determinam
as desigualdades educacionais. Instaurada
a desigualdade nas propostas educacionais
também se reproduz, novamente, a
desigualdade econômica e social.
A partir dessas considerações e
buscando romper com esta visão da
avaliação com ferramenta de exclusão,
buscou-se retomar os objetivos
pretendidos, os resultados alcançados e a
projeção de alterações nas próximas
práticas, considerando as devolutivas dos
educandos e o que estava previsto no PPP
do curso.
No percurso formativo dos
mestrandos e doutorandos a partir das
práticas pedagógicas de Estágio Docência
na Licenciatura em Educação do Campo da
UnB, também houve a fase de avaliação
dos resultados de aprendizagem alcançados
pelos trabalhos pro eles desenvolvidos com
os próprios discentes que cursam tal
graduação. Tratou-se de uma avaliação
ancorada na perspectiva formativa,
dialógica, emancipadora e humanizada do
processo, cujos resultados obtidos servem
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para reorientar o planejamento docente e
redefinir intencionalidades que
redirecionem o trabalho pedagógico.
Entre os encaminhamentos
pedagógicos e metodológicos desse
componente curricular, outra
intencionalidade bem presente foi a busca
pela compreensão da realidade num
movimento dialético, na tentativa de
compreender a historicidade, as tensões,
contradições, injustiças e desigualdades
presentes nessa realidade. Isso significa
construir um movimento de práxis, teoria e
prática comprometidas com a compreensão
e a transformação da realidade.
Essa é uma herança preciosa do
constructo histórico da Educação do
Campo, que pressupõe que a educação é
algo muito mais amplo do que a vivência
escolar ou universitária. Ela ocorre a partir
de uma visceral relação com a produção
material da vida e as lutas por terra,
trabalho, cultura, engajamento político e
social.
Esse olhar para a formação do
docente universitário comprometido com o
movimento da práxis reflete o que
Noronha (2017, p. 565) reconhece como
possibilidade de conhecimento da
realidade objetiva, indo além da aparência
dos fenômenos da realidade, buscando sua
essência, com vistas a transformar tal
realidade.
Outro fator relevante na proposta de
formação do Estágio Docência em análise
foi o entendimento e a materialização de
ações que recolocassem estudantes e
docente orientador em relação dialógica de
horizontalidade. Os pós-graduandos
vivenciaram situações pedagógicas que os
colocavam como protagonistas de todo o
processo, como sujeitos históricos no
processo de elaboração, efetivação e
reelaboração da prática. Tal fato se
aproxima do que Noronha (2017, p. 566)
menciona ao defender que
... as relações que se estabelecem
entre professor e alunos precisam ser
entendidas tendo como elemento
fundante a consideração de ambos
como sujeitos históricos, que ao
mesmo tempo em que são
modificados pelas circunstâncias são
capazes de nelas atuar, modificando-
as.
Isso significa que, longe de serem
meros executores de um programa
predefinido, os docentes universitários em
formação integram o processo formativo e
são vistos como sujeitos históricos
fundamentais na transformação de si e da
sociedade.
Antes de finalizar essa seção, cabe
destacar o movimento de retorno e
reelaboração da teoria a partir das
experiências e vivências propostas ao
longo do componente curricular. A escrita
de artigos e ensaios contendo sínteses e
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relatos crítico/reflexivos da realidade foi
uma ação considerada fundamental na
perspectiva de articulação do processo
teoria, prática e teoria. Em outras palavras,
o percurso formativo priorizou
intencionalidades na qual teoria e prática
estiveram unidas e comprometidas tanto
com a realidade quanto do sujeito
ontológico envolvido no processo.
Considerações finais
As considerações apresentadas no
final deste artigo não se pretendem ser
conclusivas, mas apontam caminhos de
resistência propositiva intencionados à
práxis transformadora e apontam
mudanças necessárias nas práticas
hegemônicas de formação docente no
âmbito da pós-graduação stricto sensu.
Embora na perspectiva da
resistência, boa parte do conhecimento
crítico acerca da Educação tenha se
formado em momentos históricos de
intensas tensões e contradições, neste texto
discutiu-se que a formação do docente
universitário no Brasil foi
predominantemente estruturada de modo
alinhado a ideais desenvolvimentistas, de
viés econômico, que aproxima a ciência
dos ideais do mercado, reforçando a
ciência como valor de troca, como aponta a
critica de Mancebo (2015).
A análise de teses e dissertações
produzidas sobre o Estágio Docência ao
longo dos anos 2000 a 2019 apontaram
tensões, hiatos e incongruências na
formação do professor universitário sob
uma perspectiva da práxis transformadora.
Além disso, as pesquisas sinalizam: a
importância do orientador nesse momento
da formação; a necessidade de um trabalho
que seja coletivamente construído pelos
envolvidos; a urgência da práxis na
perspectiva da formação humana e o
potencial desse componente curricular
como amálgama que integra a graduação e
a pós-graduação.
Não obstante essa lógica, é possível
vislumbrar no momento histórico atual
perspectivas que subvertem a postura
altamente sujeita à gica do capital. Uma
das possibilidades de resistência está na
construção histórica e epistemológica da
Educação do Campo, que vem forjando nas
últimas décadas, um importante fluxo
contra-hegemônico de formação feita pelas
mãos de trabalhadores e trabalhadoras do
campo.
Ao longo deste texto discutiu-se a
possibilidade de incorporação dos
princípios da Educação do Campo às
vivências formativas na pós-graduação por
meio do componente Estágio Docência e
as possibilidades de construção de fluxos
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contra-hegemônicos na formação para a
Docência Universitária.
Entre essas possibilidades,
destacaram-se: apropriação teórica para a
compreensão dos problemas, contradições,
dilemas e tensões, e as bases teóricas que
envolvem a docência universitária e as que
sustentam a proposta formativa da
Educação do Campo; sólida formação
acerca dos conteúdos específicos a serem
problematizados no exercício da docência
na graduação; a reelaboração coletiva dos
Planos de Ensino do componente curricular
a serem desenvolvidos com os estudantes
da graduação; planejamento coletivo das
aulas; inserção de um coletivo de
educadores nas aulas da LEdoC; reflexão
crítica sobre as aulas ministradas;
avaliação humanizada dos resultados da
aprendizagem; relação humanizada,
dialógica e horizontal entre docente e
discentes; inserção na comunidade dos
educandos da graduação com vistas ao
rompimento com uma leitura ingênua do
contexto social desses sujeitos. Além de
outros fatores que revelam possibilidades
de exercício da práxis da docência na
formação de educadores.
Portanto, reafirma-se que os
diferentes espaços de formação docente
são terrenos férteis e possíveis de uma
atitude pedagógica que se apresente como
resistência e enfrentamento contra-
hegemônico que trilha a direção da
emancipação humana.
A intenção em relatar uma
experiência formativa na pós-graduação
não traz a pretensão de se tornar um
modelo de ão ou uma prática a ser
reproduzida, pelo contrário, aponta uma
entre muitas atitudes pedagógicas que
tomam a práxis transformadora como um
caminho relevante quando se objetiva uma
transformação radical da sociedade.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 19/08/2020
Aprovado em: 23/08/2020
Publicado em: 26/08/2020
Received on August 19th, 2020
Accepted on August 23th, 2020
Published on August, 26th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades da inter-relação entre a formação docente na graduação e na pós-
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Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Mônica Castagna Molina
https://orcid.org/0000-0001-9901-9526
Marcelo Fabiano Rodrigues Pereira
https://orcid.org/0000-0002-9021-9596
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Molina, M. C., & Pereira, M. F. R. (2020). Potencialidades
da inter-relação entre a formação docente na graduação e
na pós-graduação: contribuições a partir de experiências
do Estágio Docência na Licenciatura em Educação do
Campo na UnB. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e10323,
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10323
ABNT
MOLINA, M. C.; PEREIRA, M. F. R. Potencialidades da
inter-relação entre a formação docente na graduação e na
pós-graduação: contribuições a partir de experiências do
Estágio Docência na Licenciatura em Educação do Campo
na UnB. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5,
e10323, 2020. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10323