Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
RESENHA / REVIEW
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10338
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10338
10.20873/uft.rbec.e10338
2020
ISSN: 2525-4863
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Resenha: Martins, F. J. (2020). A escola e a educação do
campo. São Paulo: Pimenta Cultural.
Gisele de Souza Gonçalves
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1
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE. Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Sociedade,
Cultura e Fronteiras. Campus Foz do Iguaçu. Avenida Tarquínio Joslin Santos, 1300, Jardim Universitário. Foz do Iguaçu - PR.
Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: giselesouzag@hotmail.com
RESUMO. Esta resenha tem o objetivo de apresentar o livro A
escola e a educação do campo”, do autor e pesquisador professor
Dr. Fernando José Martins, que organiza a obra em seis
capítulos construídos a partir de seus estudos, pesquisa e
experiências referentes à Educação do Campo e os elementos
que a constituem.
Palavras-chave: Educação do Campo, Escolas do Campo,
Formação.
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Review: Martins, F. J. (2020). A escola e a educação do
campo. São Paulo: Pimenta Cultural.
ABSTRACT. This review has the objective of presenting the
book “The school and the rural education”, by the author and
researcher professor Dr. Fernando José Martins, which
organizes the work in six chapters built from his studies,
research and related experiences to rural education and the
elements that constitute it.
Keywords: Rural Education, Countryside Schools, Professional
Qualification/Continuing Education.
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Revisión: Martins, F. J. (2020). A escola e a educação do
campo. São Paulo: Pimenta Cultural.
RESUMEN. Esta revisión tiene como objetivo presentar el libro
“La escuela y la educación del campo”, del autor e investigador
profesor Dr. Fernando José Martins, que organiza el trabajo en
seis capítulos construidos a partir de sus estudios,
investigaciones y experiencias afines de la educación del campo
y los elementos que la constituyen.
Palabras clave: Educación del Campo, Escuelas del Campo,
Formación.
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Resenha
O livro “A escola e a educação do
campo” do autor e pesquisador Fernando
José Martins, é composto por seis
capítulos, alguns inéditos, outros
publicados em revistas científicas,
compondo um conjunto que oferece ao
leitor um caminho de compreensão sobre a
temática, a partir de um resgate histórico,
apresentação de marcos legais que
compõem a história da Educação do
Campo, além de abordagens e reflexões
que favorecem não os pesquisadores da
área, mas potenciais leitoras e leitores que
tenham curiosidade sobre o assunto. Vale
ressaltar ainda que a obra é escrita de
maneira coesa, didática e acadêmica, que
possibilita identificar o caminho do autor
pesquisador sobre diversas realidades das
escolas do campo.
O livro inicia com uma pergunta no
título do primeiro capítulo, o qual foi
escrito especialmente para o conjunto da
obra: “Será que minha escola é do
campo?”, a mesma é uma proposta de
reflexão feita por quem conhece a
realidade de inúmeras escolas e
comunidades, as quais não se identificam
como “do campo” e, por isso, o livro
oferece apontamentos que podem
oportunizar questionamentos cujas
respostas contribuirão com muitas
comunidades escolares sobre quem são
seus sujeitos e, consequentemente, como
pode ser sua escola. Assim, o autor
contextualiza o tema apontando relações
existentes entre escolas e seus sujeitos,
territórios sociais e políticos, o que leva a
construção de suas identidades.
Para além de um conceito, o livro
afirma a Educação do Campo como um
movimento, fazendo a relação histórica e
social desde a escola rural até a concepção
presente na expressão considerada uma
“análise cruel” nas palavras do autor onde
a escola do campo é “a sobra da escola
urbana
i
(Martins, 2020, p. 23). Está
presente um amplo debate sugerido pelo
autor, que historiciza a escola do campo
com e para uma compreensão que exige
análise de conjuntura e uma certa vontade
de conhecer o outro no caso, o sujeito do
campo , numa perspectiva muito mais
humanizada e cada vez mais distante de
preconceitos.
No segundo capítulo, também escrito
exclusivamente para o livro, são
apresentados marcos legais referentes à
Educação do Campo, expondo documentos
oficiais, como Martins esclarece no início
do capítulo: “Quer-se aqui delinear um
conjunto documental que, direta ou
indiretamente, condições (ou não) para
a construção de políticas públicas
educacionais” (Martins, 2020, p. 47). Para
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além de uma exposição, o livro ainda
oferece uma reflexão sobre a contradição
das políticas e o modo de produção da
sociedade atual e desigual, que distancia
não geograficamente, mas também
socialmente a relação campo x cidade.
Com a importância necessária, o autor
expõe a trajetória do PNE (Plano Nacional
de Educação), PRONERA (Programa
Nacional de Educação na Reforma
Agrária) e PRONACAMPO (Programa
Nacional de Educação do Campo), a partir
de 2010, os quais compõem elementos
legais para a construção da Educação do
Campo.
O terceiro capítulo, publicado na
revista Educação (UFSM), aborda a
Organização do Trabalho Pedagógico
(OTP) e a Educação do Campo. Nele é
discutido sobre a especificidade dessa
como categoria e sua construção até ser
inserida em documentos legais,
favorecendo a construção teórica para a
sua compreensão não só como categoria,
mas também como movimento. Para
entender a Educação do Campo, numa
perspectiva que vai além de uma categoria,
é válido conhecer a obra “Por uma
Educação do Campo”, também citada pelo
autor no primeiro capítulo.
Ainda sobre o terceiro capítulo,
reflexões são apresentadas sobre a OTP
para a Educação do Campo, considerando
que aquela deve sempre se relacionar ao
contexto no qual está inserida. Assim, o
capítulo faz a consideração da relação
entre a OTP e a Educação do Campo,
sempre indicando marcos legais e a
realidade das escolas do campo e de seus
sujeitos, os quais são também identificados
pelo autor, que faz ainda uma referência a
respeito dos movimentos sociais e sua
importância para entendê-los, bem como
de sua relevância para compreender o que
e como pode ser uma escola do campo, a
qual sofrerá consequências se a OTP for
incoerente a sua realidade e seus sujeitos,
muitas vezes, invisibilizada pela ideologia
capitalista do agronegócio. De acordo com
Martins,
Os sujeitos do campo são não
somente agricultores, mas também
desempregados, em grandes centros
urbanos, trabalhadores fabris,
terceirizados, boias-frias, em uma
palavra: excluídos. Essas pessoas,
somadas àqueles que engrossam as
estatísticas “urbanas” de municípios
predominantemente rurais (como são
a maioria dos municípios brasileiros)
são os sujeitos do campo, mesmo
que, na maioria das vezes, eles
mesmos não se identifiquem como
tais (Martins, 2020, pp. 82-83).
Numa análise entre teoria e prática
apoiada no materialismo histórico
dialético, o autor constrói um texto no qual
se pode perceber a totalidade de uma
realidade que compõe um conjunto que se
do campo à escola, respectivamente,
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numa compreensão de sujeito desse campo
na OTP que identifique tal relação, fazendo
da escola do campo um lugar que entenda
as especificidades dos sujeitos para uma
formação crítica e emancipadora.
No mesmo capítulo, o autor cita
autores que estudam sobre as relações
entre movimentos sociais e educação,
sugerindo leituras e também legitimando a
produção acadêmica de outras e outros
cientistas. Faz referência ao conceito de
coletividade, segundo Makarenko, para
explicar a singularidade da ideia e prática
da mesma em movimentos sociais e por
sujeitos do campo, uma vez que “ganha
espaço o diálogo, a organização horizontal
em detrimento da vertical, buscando a
superação das formas hierárquicas de
poder”, além de, principalmente, ter a
possibilidade de uma versão de
coletividade “diferente de público, mais
vinculado ao popular do que ao estatal”
(Martins, 2020, p. 88).
Assim, o autor mostra a necessidade
da práxis para compreender elementos
característicos dos sujeitos que construirão
a escola do campo e sua relação com a
OTP. Para ele, práxis é
a necessidade de uma intervenção
consciente, referenciada com padrões
científicos e vinculada às
necessidades sociais, ou seja, uma
pedagogia que soma a teoria e a
prática. Estou apontando, porém,
para além do fenômeno educativo.
Tomo práxis, portanto, como uma
atividade social conscientemente
dirigida a um objetivo e com vistas à
transformação desse sistema, de
acordo com as limitações presentes
no atual desenvolvimento do modo
de produção capitalista (Martins,
2020, p. 89).
O autor conceitua a OTP como
“organização da educação de modo amplo,
que se articula também com a visão
formal, ou seja, processos educativos
sociais e escolares” (Martins, 2020, p. 90),
e também cita Luiz Carlos Freitas, fazendo
relações dialógicas sobre OTP de maneira
a favorecer a compreensão do termo no
que condiz à Educação do Campo, ao tecer
uma explicação de práxis que está
inerentemente ligada à OTP.
Depois de desenvolver essa análise, o
autor cita elementos que devem ser
considerados na OTP na realidade do
campo, como o calendário tendo como
metodologia a pedagogia da alternância ,
e conteúdos referentes à realidade dos
sujeitos do campo “disciplinas
específicas, como introdução à agricultura,
a própria educação ambiental, tópicos
especiais” (Martins, 2020, p. 94).
Concluindo o capítulo, o autor fala
da importância do Projeto Político
Pedagógico (PPP) para/da escola do
campo, o qual tem potencialmente a
articulação entre escola e comunidade. O
PPP da escola do campo deve incorporar
desde a concepção de sociedade e suas
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especificações até as atividades diárias de
ensino e aprendizagem da comunidade
camponesa. O autor usa a expressão “Para
não concluir” nas considerações, dando a
ideia de que a discussão sobre o tema
precisa continuar:
a escola do campo pode contribuir
com a valorização da vida no campo,
como um instrumento útil para a
manutenção da juventude, das
famílias, da cultura dos povos do
campo, desvelando que a dicotomia
real não é entre campo e cidade, mas
entre capital e trabalho (Martins,
2020, p. 97).
Assim o capítulo termina, mas não
deixa de incentivar a continuidade do
debate que todo o livro vai construindo.
No quarto capítulo intitulado “Gestão
Democrática e Educação do Campo”,
publicado anteriormente na Revista
Brasileira de Política e Administração da
Educação, o autor busca evidenciar
elementos específicos de uma gestão
democrática das escolas do campo,
apontando sua contribuição para um
sistema democrático. Para ele, “a temática
da especificidade da gestão democrática da
escola e da educação do campo é um
fenômeno ainda pouco estudado no interior
das ciências da educação” (Martins, 2020,
p. 101). Todavia, o capítulo consegue
abordar questões relevantes, partindo do
que significa “gestão democrática” no
cenário educacional brasileiro mais amplo
até destacar as especificações referentes à
Educação do Campo.
O autor ressalta dois aspectos sobre a
gestão democrática escolar: a legalidade
que “‘obriga’, em certa medida, as mais
diversas unidades escolares, dotadas das
mais variadas concepções de práticas
administrativas, a adotar o princípio
democrático, ao menos documentalmente”
(Martins, 2020, p. 103, grifos do autor).
Assim, a legalidade da democratização da
gestão escolar faz com que ela esteja
presente formalmente nos projetos
políticos pedagógicos escolares. O segundo
aspecto abordado é o conceitual,
destacando que a categoria “democracia”
apresenta um amplo debate nos campos
teórico e prático, o qual compreende certa
polarização da palavra pensamento
liberal e campo socialista. Assim, o caráter
polissêmico da gestão democrática na
escola é amplo:
Se a flexibilização do conceito
administração (tomado aqui
como gestão, tanto para o caso
educacional, quanto de modo geral)
pode reforçar o caráter polissêmico
do termo “gestão democrática da
escola”, em um outro sentido é
justamente essa conceituação que
alicerçará os apontamentos acerca da
especificidade da gestão da escola do
campo (Martins, 2020, p. 104, grifos
do autor).
O autor faz ainda uma relação entre
gestão democrática e a Educação do
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Campo: “Ao abordar a especificidade da
gestão das escolas do campo, tendo essas
mesmas escolas como sujeito social e
político vinculado a demandas populares,
toca-se na questão de princípios e
fundamentos da gestão escolar” (Martins,
2020, p. 106). O capítulo prossegue no
debate sobre gestão escolar apontando que
se essa for democrática nas escolas do
campo, consequentemente terá um olhar
que perceba seus sujeitos. Também
fundamenta sua escrita com a lei, ao citar
as Diretrizes Operacionais para Educação
Básica das Escolas do Campo e sua
complementação:
Além de indicar um processo de
gestão democrática no âmbito do
sistema de ensino, na construção de
políticas públicas, o próprio conteúdo
dos documentos evidencia a
especificidade da educação do campo
e, consequentemente, a
especificidade de sua gestão
(Martins, 2020, p. 110).
É interessante destacar que o autor
usa suas vivências, experiências na
Educação do Campo, leis e referenciais
teóricos, integrando os temas e capítulos de
forma que a práxis seja identificada e
compreendida. Dando sequência ao
capítulo, particularidades e potencialidades
das gestões democráticas da escola do
campo, entre elas, a aproximação entre
escola e realidade local, além do “símbolo
cultural” que a escola representa para as
comunidades do campo são destacadas:
Uma escola no campo, muitas vezes
o único serviço público local, pode
tornar-se um instrumento de
articulação para a obtenção de outros
serviços públicos e direitos de
cidadania, como serviços de saúde,
saneamento, cultura, lazer,
assessoramento técnico de produção,
entre outros. Uma escola que se quer
democrática e vinculada à realidade e
à comunidade local tem como função
social promover ações que visam a
proporcionar a ampliação de
melhores condições de vida no
campo (Martins, 2020, p. 114).
O capítulo ainda destaca que os
benefícios em democratizar a gestão
escolar do campo, o que supera as APMs
(Associação de Pais e Mestres), favorece a
inserção da comunidade camponesa com
seus valores cooperativos. Para
exemplificar quais ações podem ser
desenvolvidas a partir de uma gestão
democrática da escola do campo, o autor
cita a “Semana Camponesa”, uma proposta
do MST nacional, que integra comunidade
e escola a partir do PPP. Seguindo para as
considerações finais do capítulo, como a
própria Constituição apresenta, o autor
aponta que se a gestão democrática
considera os sujeitos da escola, isso se
estabelece “também pela observância dos
tempos próprios da vida no campo, que se
materializam em calendários escolares
específicos” (Martins, 2020, p. 119).
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O capítulo termina retomando o que
diz ser a polissemia da gestão democrática,
destacando dois sentidos: uma perspectiva
que sustenta a escola sob o capital e sua
sociedade de classes; outra como processo
democrático que compreende o diálogo e a
participação de todos os seus sujeitos.
Nesse sentido, o autor propõe uma análise
sobre gestão democrática do campo, ao
abordar significados que se tem sobre
democracia, gestão, educação e
características do campo, com exemplos
reais e possibilidades de democratizar a
gestão da escola, ao incluir os sujeitos do
campo e considerar as suas vivências na
comunidade e contexto escolar.
No quinto capítulo, “Pedagogia da
Terra: os Sujeitos do Campo e o Ensino
Superior” publicado originalmente na
revista Educação, Sociedade e Culturas, da
Universidade do Porto, em Portugal o
autor apresenta histórico e características
da “Pedagogia da Terra”, a fim de
visibilizar esta modalidade que se
posiciona contra a gica do mercado
presente no ensino superior, o qual tem, ao
longo dos anos, mostrado um "caráter
desigual, excludente e elitista" (Martins,
2020, p. 127).
A partir da contextualização da
universidade no Brasil, o autor faz
apontamentos sobre quem ocupa centros
universitários públicos e privados e
demonstra o quanto a Pedagogia da Terra
apresenta uma referência de metodologia
no ensino universitário:
Na perspectiva de democratização do
ensino superior
encontram-se as ações coletivas dos
sujeitos sociais que, “apesar” do
papel do Estado (pois as ações
estatais hegemônicas estão a favor do
capital e contra os sujeitos que se
organizam em movimentos sociais),
se articulam em torno de ações que
inserem demandas dos sujeitos
políticos coletivos no aparelho
estatal, verificando-se, no caso do
ensino superior no Brasil,
experiências emblemáticas (Martins,
2020, p. 129, grifos do autor).
Ao aproximar teoria e prática, o
autor destaca sua experiência, a qual apoia-
se, parcialmente, na pesquisa participante,
cuja metodologia é bastante enfatizada por
Carlos Rodrigues Brandão, para informar e
orientar o leitor: “utilizarei os recursos
oriundos do contato direto com a temática,
uma vez que atuei na docência de um curso
nos moldes aqui abordados e trafego pelos
espaços de construção coletiva das
mencionadas ações” (Martins, 2020, p.
130). Vale aqui acrescentar uma reflexão
sobre a pesquisa participante:
E aos que até hoje perguntam ainda:
mas como pode ser possível e
confiável uma pesquisa que se
declara “participante”?, poderíamos
devolver a pergunta com uma outra:
e de que modo hoje pode, havendo
nós chegado ao ponto que chegamos,
uma pesquisa social ser útil,
verdadeira e proveitosa, sem ser de
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um modo ou de outro “participante”?
(Brandão & Streck, 2006, p. 9).
Portanto, é interessante que Martins
enfatize sua participação em ações da
Educação do Campo como sujeito
pesquisador desse processo que, para além
da extensão e da pesquisa, se materializa
em livro não para os pesquisadores
acadêmicos, mas para profissionais da
educação que queiram aprender mais sobre
o tema.
Retornando ao conteúdo do quinto
capítulo, sobre a origem da Pedagogia da
Terra, o texto cita a sua relação com o
MST e com o movimento Por uma
Educação do Campo, ao destacar dois
aspectos:
a) é complexo precisar um limite na
atuação do MST e do movimento
“Por uma educação do campo”, uma
vez que o primeiro é um dos fortes
sujeitos sociais que compõe o
segundo; b) o foco de atuação e,
consequentemente, as demandas dos
dois movimentos misturam-se
(Martins, 2020, p. 131).
A Pedagogia da Terra se constitui a
partir da integração de MST e outros
movimentos sociais, o movimento e
categoria Educação do Campo, ao perceber
a necessidade de formação de professores,
o que leva à construção da Pedagogia da
Terra. O autor conta e discute sobre essa
construção de maneira didática, dando a
importância necessária aos momentos que
fazem parte deste processo, como no
seguinte trecho:
A partir da demanda de formação
científica e universitária para
os quadros das escolas situadas em
acampamentos e assentamentos do
MST, o movimento procura realizar
parcerias com universidades para a
supressão dessa demanda e,
concomitantemente, busca, junto dos
organismos estatais, recursos
públicos para que o Estado assuma
essa demanda pública educacional
(Martins, 2020, p. 132).
O capítulo também destaca o
primeiro curso (1998-2002) da
modalidade, em parceria com a
Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI). O
curso teve como primeiro interlocutor o
MST, depois via campesina e, em seguida,
outros movimentos sociais. Também se
ampliou no que diz respeito a cursos, vagas
e parcerias, dados que são apresentados
também em tabelas.
No texto são apresentadas
informações as quais permitem identificar
que todos os elementos que possibilitaram
a legalidade da Pedagogia da Terra, advêm
de demandas e reivindicações de
movimentos sociais. Entre as contribuições
da Pedagogia da Terra é destacada a
democratização do ensino superior a partir
do aumento de vagas para camadas
populares.
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No mesmo capítulo, é possível
compreender as características da
Pedagogia da Terra desde a seleção de
alunos, metodologia que se desenvolve a
partir de tempos educativos, que
oportunizam momentos alternados entre
teoria e prática, sendo descritos no texto
até sua contribuição para a universidade
que assume cursos nessa modalidade,
como é o caso da Licenciatura em
Educação do Campo, presente em algumas
universidades federais.
Vale destacar que a própria
metodologia da Pedagogia da Terra é um
exemplo para repensar as metodologias
mais tradicionais do ensino escolar e
superior, ao considerar a relação teoria e
prática. Portanto, o capítulo tem sentido no
conjunto do livro, além de ser também uma
referência sobre a Pedagogia da Terra para
quem busca conhecer melhor a
modalidade.
No sexto e último capítulo,
“Formação Continuada e Escola do
Campo”, escrito especialmente para
compor o livro, o texto afirma inicialmente
que projetos exitosos em relação à
transformação da realidade tiveram como
prática a formação continuada numa
perspectiva de integração com a
comunidade escolar. Como exemplo é
usada a escola da Ponte, em Portugal.
O autor destaca a formação
continuada, começando por uma breve
relação entre as diferentes nomenclaturas
recebidas para a categoria e seus
possíveis significados: do vocábulo
“formação” é feita uma reflexão sobre seu
significado desde a ideia de "forma" até o
significado do sufixo "ação".
Vale destacar o trecho em que o
autor aponta sobre a sua visão de formação
continuada e da crítica ao que se tem
observado em muitas instituições de
ensino:
Essa ação orgânica formativa vai
determinar uma lógica de exercício
docente vinculado diretamente à
pesquisa, que não se encerra na
consulta a materiais didáticos ou a
um roteiro curricular previamente
determinado, ou seja, em um
trocadilho necessário, uma formação
que é ação (Martins, 2020, p. 154).
O autor destaca como premissa
fundamental do processo de formação
continuada o que ele chama de coletivo
pesquisador: “prática que pressupõe o
processo de ensino aprendizagem com base
na pesquisa e investigação” (Martins,
2020, p. 154). Ao possibilitar a
compreensão de coletivo pesquisador
como formação continuada, o autor faz a
relação de temas abordados no conjunto da
obra para que o leitor possa perceber as
relações entre: Educação do Campo,
legalidade, OTP, gestão democrática da
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escola e PPP, Pedagogia da Terra - tempos
educativos e sua relação com a teoria e
prática - e formação continuada. A
sequência dos capítulos favorece a
construção das relações entre um tema e
outro.
Assim, o último capítulo segue
citando a realidade de muitas situações em
que o processo promovido por instituições
de ensino “não faz nenhuma interlocução
com a realidade escolar local e, sobretudo,
não é contínuo”; ainda ressalta que
“palestras, grupos de estudos durante a
primeira semana do ano ou durante o
recesso de inverno”, bem como “atividades
lúdicas e artísticas, textos dirigidos, de
maneira esporádica e não estruturada não
configuram um processo formativo”.
Também aponta questionamentos como
"qual é a continuidade da formação
continuada?" (Martins, 2020, p. 159). E
sugere resposta para tal:
a continuidade reside no diálogo
entre a formação e a necessidade,
entre avaliação e planejamento, entre
escola e comunidade, entre formados
e formadores e esse diálogo necessita
ser permanente, diferente de ações
isoladas de responsabilidade estranha
à vida escolar (Martins, 2020, p
159).
Na sequência, são destacadas
situações presentes no contexto da
educação como: transferir e responsabilizar
docentes pela sua formação; e o
cumprimento de cursos e atividades
certificadas exigidas por sistemas para
ascensão profissional. No decorrer do
capítulo, o autor faz perguntas que
possibilitam ao leitor compreender a
"complexidade e riqueza" presentes na
formação continuada que vai além da
escola. Defende ainda que:
é no espaço de formação que se faz
autorreflexão e se pensa o processo
educativo enquanto totalidade. Para
que isso se realize, os sistemas
educacionais precisam se
responsabilizar pelo processo de
formação continuada com a
construção de políticas que os
garantam institucionalmente
(Martins, 2020, p. 162).
Para que a formação continuada
tenha outro formato, o texto sugere que
haja presença de espaços coletivos com
interdisciplinaridade e diálogo entre os
docentes, além de calendário escolar que
possibilite encontros para tal diálogo,
inclusive que se articule a dinâmica da
carreira docente. Para isso, “dois aspectos
necessitam de observação direta: a
superação da busca individual pela
formação e a articulação dessa formação
com a realidade escolar” (Martins, 2020, p.
163). Importa ressaltar o elemento que
mais recebe atenção no capítulo: a
pesquisa como base para o trabalho
docente e suas abordagens metodológicas,
entre elas a formação continuada. Desse
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modo, o autor reforça outra questão
pertinente ao coletivo pesquisador:
É importante ressaltar que fazem
parte do coletivo pesquisador, além
de equipe pedagógica e docente,
equipes operacionais, estudantes e
membros da comunidade. Este
conjunto, muitas
vezes heterogêneo e de interesses
distintos no processo de ensino e
aprendizagem, garante justamente
um olhar sobre a totalidade do
processo, além da diversidade que
pode se reproduzir nas alternativas de
ações (Martins, 2020, p. 166).
O capítulo destaca a formação
continuada e sua importância, tece as
relações entre ela, a Educação do Campo, a
organização do trabalho pedagógico, o
Projeto Político Pedagógico e a gestão
democrática da escola, de maneira a
proporcionar ao leitor a compreensão de
que todos esses elementos estão integrados
e legitimados pela Constituição,
favorecendo a compreensão da totalidade
que o livro, desde o primeiro capítulo,
busca apresentar e debater.
Um último texto é incluído à obra e
intitulado como “Para não fechar... Escolas
do Campo: observações urgentes”, no qual
o autor busca encerrar o conjunto dos
capítulos numa “perspectiva de movimento
e continuidade” (Martins, 2020, p. 181).
Nele é feita uma breve análise do contexto
político atual e das políticas públicas que
não têm favorecido os movimentos sociais,
e termina com um trecho da LDB no qual
se considera crime o fechamento de
escolas do campo.
É importante concluir esta resenha
com a frase que está presente na última
página do texto: “É possível partilhar com
as crianças que têm ‘gosto’ pela escola
uma esperança de que a transformação é
possível. Então, vamos a ela!” (Martins,
2020, p. 186, grifos do autor).
Referências
Brandão, C. R., & Streck, D. R. (Orgs.).
(2006). Pesquisa Participante: a partilha
do saber. Aparecida, SP: Ideia e Letras.
Martins, F. J. (2020). A escola e a
educação do campo. São Paulo: Pimenta
Cultural.
i
Para tal crueldade, o autor oferece uma reflexão,
na qual a leitora e o leitor poderão compreender do
que se trata esta sobra, os que já pesquisam o tema,
saberão do que se trata.
Informações da resenha / Review Information
Recebido em : 21/08/2020
Aprovado em: 14/12/2020
Publicado em: 17/12/2020
Received on August 21th, 2020
Accepted on December 14th, 2020
Published on December, 17th, 2020
Contribuições na resenha: A autora foi a responsável
por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação
da versão final publicada.
Author Contributions: The author was responsible for the
designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content
and approval of the final version published.
Gonçalves, G. S. (2020). Resenha: Martins, F. J. (2020). A escola e a educação do campo. São Paulo: Pimenta Cultural...
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10338
10.20873/uft.rbec.e10338
2020
ISSN: 2525-4863
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Conflitos de interesse: A autora declarou não haver
nenhum conflito de interesse referente a esta resenha.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Gisele de Souza Gonçalves
http://orcid.org/0000-0001-6723-9161
Como citar esta resenha/ How to cite this review
APA
Gonçalves, G. S. (2020). Resenha: Martins, F. J. (2020). A
escola e a educação do campo. São Paulo: Pimenta
Cultural. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e10338.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10338
ABNT
GONÇALVES, G. S. Resenha: MARTINS, F. J. A escola e
a educação do campo. São Paulo: Pimenta Cultural. Rev.
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e10338, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10338