Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10401
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10401
10.20873/uft.rbec.e10401
2020
ISSN: 2525-4863
1
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História e memória da Comunidade de Apanha-Peixe/RN:
narrativas discursivas de moradores/as do lugar
Aleksandra Nogueira de Oliveira Fernandes
1
, Viviana de Torres Morais
2
, Stenio de Brito Fernandes
3
, Ady Canário de Souza
Estevão
4
1
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte - IFRN. Departamento de Licenciatura em
Matemática. Campus Mossoró. Rua Raimundo Firmino de Oliveira, 400, Conjunto Ulrick Graff. Mossoró - RN. Brasil.
2
Secretaria de Educação e da Cultura do Município de Caraúbas - RN.
3
Secretaria de Estado da Educação e da Cultura do
Estado do Rio Grande do Norte - SEEC/RN.
4
Universidade Federal Rural do Semi-Árido - UFERSA.
Autor para correspondência/Author for correspondence: aleksandra.nogueira@ifrn.edu.br
RESUMO. Este artigo objetiva compreender, como
moradores/as da Comunidade de Apanha-Peixe/RN constituem
práticas discursivas nas narrativas para a construção e
preservação da história e memória do lugar em coletividade. É
uma pesquisa de abordagem qualitativa, usamos como método
de investigação a pesquisa (auto)biográfica em diálogo com as
formulações metodológicas da Análise do Discurso (AD), de
linha francesa, a partir das narrativas de quatro
moradores/as.Tomadas como materialidades discursivas, as
narrativas de moradores/as da comunidade revelam que a
história a partir da memória, fortalecem a construção e a
preservação da formação dos seus espaços de vivências e
aprendizagem coletivamente. Esse estudo constituiu uma
reflexão sobre a trajetória das histórias de vida e formação
desses sujeitos que vivem no/do campo e preservam o seu lugar
de pertencimento da memória individual e social.
Palavras-chave: Narrativas (auto)biográfica, Histórias de Vida,
Memória, Formação.
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
Apanha-Peixe/RN: narrativas discursivas de moradores/as do lugar...
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History and memory of the Community of Apanha-
Peixe/RN: discursive narratives of residents of the place
ABSTRACT. This article aims to understand how residents of
the Community of Apanha-Peixe/RN constitute discursive
practices in the narratives for the construction and preservation
of the history and memory of the place collectively. It is a
qualitative research, we use (auto) biographical research as a
method of investigation in dialogue with the methodological
formulations of Discourse Analysis (AD), from the French line,
based on the narratives of four residents. Taken as discursive
materialities, the narratives of residents of the community reveal
that history from memory, strengthen the construction and
preservation of the formation of their of experiences and
learning collectively. This study constituted a reflection on the
trajectory of the life and formation histories of these subjects
who live in/from the countryside and preserve their place of
belonging to individual and social memory.
Keywords: (Auto) Biographicis Narratives, Life Stories,
Memory, Formation.
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
Apanha-Peixe/RN: narrativas discursivas de moradores/as do lugar...
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Historia y memória de la comunidad de Apanha-Peixe/RN:
narrativas discursivas de lós residentes del lugar
RESUMEN. Este artículo tiene como objetivo comprender
cómo los habitantes de la Comunidad de Apanha-Peixe/RN
constituyen prácticas discursivas en las narrativas para la
construcción y preservación de la historia y la memoria del lugar
colectivamente. Se trata de una investigación cualitativa,
utilizamos la investigación (auto) biográfica como método de
investigación en diálogo con las formulaciones metodológicas
del Análisis del Discurso (AD), de línea francesa, a partir de las
narrativas de cuatro residentes. Tomadas como materialidades
discursivas, las narrativas de los residentes de la comunidad
revelan que la historia a partir la memoria, fortalecen la
construcción y preservación de la formación de sus espacios de
vivencia y aprendizaje colectivo. Este estudio constituyó una
reflexión sobre la trayectoria de las historias de vida y
formación de estos sujetos que viven en/del campo y conservan
su lugar de pertenencia a la memoria individual y social.
Palabras claves: Narrativas (auto) Biográficas, Historias de
Vida, Memoria, Formación.
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
Apanha-Peixe/RN: narrativas discursivas de moradores/as do lugar...
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Introdução
Estas vidas, por que não ir
escutá-las lá onde falam por si
próprias? (Michel Foucault)
As histórias de vida dos lugares e dos
acontecimentos vividos por sujeitos, das
lembranças e recordações de um tempo
vivido, fazem parte do conjunto que forma
o repertório da memória. A Comunidade
de Apanha-Peixe, distrito que pertence
territorialmente à cidade de Caraúbas no
estado do Rio Grande do Norte/RN, se
construiu há mais de duas centenas de anos
e ainda não registros em livros de
história do lugar.
Este artigo
i
objetiva compreender,
como moradores/as da Comunidade de
Apanha-Peixe/RN constituem práticas
discursivas nas narrativas para a
construção e preservação da história e
memória do lugar em coletividade. Nesse
sentido, a inspiração para este estudo nasce
da necessidade de rememorar, através das
narrativas de moradores/as, a história, a
memória e a formação do lugar. Para tanto,
usamos da pesquisa em materiais
disponíveis em sites on-line, jornais e
blogs da cidade de Caraúbas/RN.
Em vista disso, as narrativas
recolhidas são aqui tomadas como
materialidades discursivas permeadas por
toda uma singularidade e subjetividade,
pois nelas nos construímos e
ressignificamos histórias e memórias como
agentes do processo histórico-social, e, a
partir disso, permitem aos/às
pesquisadores/as construírem tessituras
investigativas de sujeitos e formular
questões sobre as diversas formas de
organização e a formação de objetos de
estudo.
Nesse sentido, metodologicamente
utilizamos a abordagem qualitativa, como
método de investigação, a pesquisa
(auto)biográfica em diálogo com as
formulações metodológicas da Análise do
Discurso (AD), nos estudos franceses e
brasileiros, em Pêcheux (1997, 1999),
Foucault (2004), Gregolin (2001) e Orlandi
(2005), para a análise dos enunciados de
quatro moradores/as da Comunidade de
Apanha-Peixe/RN, enquanto
materialidades discursivas de sentido.
A Análise do Discurso (AD)
francesa, fundada por Michel Pêcheux no
cenário político da década de 1960, traz
como objeto de análise o discurso
(Pêcheux, 1997). Esse discurso é
compreendido como um processo
apreendido nas suas condições de produção
histórica e social. Essa proposta delineou-
se por vários encontros teóricos nas
ciências humanas e sociais, dentre eles
com Michel Foucault. A AD é um campo
de pesquisa na interface entre áreas do
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saber da Linguística, com seus
mecanismos sintáticos e argumentativos, o
materialismo, na releitura dos textos de
Marx por Althusser e numa teoria do
discurso, todas atravessadas pelo viés
psicanalítico de subjetividade, na
releiturura de Freud por Lacan (Gregolin,
2001).
A AD assume a formulação de que a
linguagem perpassa a exterioridade que lhe
constitui para além da língua, como a
produção do discurso em determinadas
condições sociais e históricas. Isso quer
dizer que essa produção do discurso é a
todo tempo: “controlada, selecionada,
organizada e redistribuída por certo
número de procedimentos que têm por
função conjurar seus poderes e perigos,
dominar seu acontecimento aleatório,
esquivar sua pesada e temível
materialidade” (Foucault, 2004, p. 8-9).
Tendo em vista a relação da
linguagem com a sociedade, a AD assume
o foco de uma análise para a produção de
sentidos, num trabalho de interpretação em
que “não sentido sem interpretação; a
interpretação está presente em dois veis:
o de quem fala e o de quem analisa, e a
finalidade do analista de discurso não é
interpretar, mas compreender como um
texto funciona” (Orlandi, 2005, p. 19).
Nesse âmbito, analisar o discurso
dos/as moradores/as da Comunidade de
Apanha- Peixe/RN é buscar olhar para os
processos discursivos e enunciativos,
sobremaneira para os efeitos de sentido
inscritos numa memória discursiva. Essa
memória deve ser concebida aqui “não no
sentido diretamente psicologista da
“memória individual”, mas nos sentidos
entrecruzados da memória mítica, da
memória social inscrita em práticas, e da
memória construída do historiador”,
conforme argumenta Pêcheux (1999, p.
50).
Para tanto, partimos dos enunciados
recortados das narrativas de moradores/as
da comunidade do campo para interpretar
os efeitos de sentido de seus discursos que
emergem dessas narrativas inscritas em
redes de memórias discursivas (Gregolin,
2001), compreendendo: “Sua constituição,
a partir da memória do dizer, fazendo
intervir o contexto histórico-ideológico
mais amplo; sua formulação, em condições
de produção e circunstâncias de
enunciação específicas e sua circulação
que se em certa conjuntura” (Orlandi,
2005, p. 9).
Ancoramos na pesquisa
(auto)biográfica com base nos estudos de
Josso (2007; 2010a; 2010b) Souza (2006;
2007; 2008) e Moraes (2000), que versam
sobre (auto)biografia, histórias de vida,
narrativas de formação. Segundo Josso
(2010a), a pesquisa (auto)biográfica é
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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compreendida como uma metodologia que
explora a subjetividade e a memória como
elementos constitutivos para o
(re)conhecimento da realidade das
experiências de vida dos sujeitos em
construção. Essa abordagem, para Souza
(2006), é entendida como pesquisa
narrativa, ou história de vida em formação.
Com os estudos centralizados nas práticas
de formação, o sujeito em construção passa
a ser protagonista da sua própria história de
vida, no seu cotidiano na relação de si e
com o outro. Conforme Sousa (2006, p.
25):
As histórias de vida são, atualmente,
utilizadas em diferentes áreas das
ciências humanas e de formação,
através da adequação de seus
princípios epistemológicos e
metodológicos a outra lógica de
formação do adulto, a partir dos
saberes tácitos e experienciais e da
revelação das aprendizagens
construídas ao longo da vida como
uma metacognição ou metareflexão
do conhecimento de si.
Portanto, trabalhar com narrativas de
história de vida significa abrir um leque de
oportunidades para que os sujeitos comuns
utilizem do poder da palavra para narrarem
a si mesmos, a sua geração e o seu
passado.
No tocante à memória, reportamo-
nos aos estudos de Halbwachs (1990),
Pollak, (1992), Bosi (1994) e Santos
(2003). Segundo Pollak (1992), a memória
pode ser seletiva, pois nem tudo fica
gravado, nem tudo fica registrado. Essa
memória é, em parte, herdada, não se
refere apenas à vida física da pessoa. Para
Halbwachs (1990), a memória deve ser
entendida como um fenômeno coletivo e
social, ou seja, como um fenômeno
construído coletivamente e submetido a
flutuações, transformações, mudanças
constantes em uma sociedade, tanto no
plano da memória individual como
coletiva.
Nos registros das entrevistas
ii
, as
narrativas de moradores/as da Comunidade
de Apanha-Peixe/RN foram ouvidas e
gravadas
iii
a fim de não perder essas
memórias do lugar. Os/as entrevistados/as
foram quatros moradores/as de idades
distintas, dois idosos com idade entre 83 a
92, um adulto de 43 anos e uma jovem de
24 anos. Esses sujeitos sociais, narraram
suas vivências de aprendizagem na
comunidade, seus nomes são os seguintes:
Maria, João, Roberto e Ana. A
identificação dos/as moradores/as, foram
nomes fictícios sugeridos por cada
partícipe da pesquisa conforme combinado
durante as entrevistas.
Este artigo apresenta duas seções: na
primeira, apresentamos história e memória
da Comunidade de Apanha-Peixe/RN: a
produção discursiva de narrativas de vida.
Na segunda, abordamos as narrativas,
memórias e histórias de vida de
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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moradores/as da Comunidade de Apanha-
Peixe/RN: análise das narrativas numa
perspectiva discursiva. Na sequência,
apresentamos algumas considerações sobre
a pesquisa desenvolvida.
Breves notas sobre a história e memória
da Comunidade de Apanha-Peixe/RN:
produções discursivas de narrativas de
vida
Considerando as narrativas de vida
como produções discursivas, usamos a
(auto)biografia dos entrevistados para
conhecer parte de suas trajetórias de vida e
formação na comunidade. Para Josso
(2010b), a (auto)biografia expressa o
escrito da própria vida, nesse sentido,
fazemos menção ao surgimento da
comunidade, bem como a história de vida
dos primeiros habitantes, do início da
economia que gerava renda para a
comunidade e sua cultura.
Quando dizemos sobre o poder da
palavra, o lugar de fala, afirmamos com
Ribeiro (2017, p. 64) que: “O falar não se
restringe ao ato de emitir palavras, mas de
poder existir. Pensamos lugar de fala como
refutar a historiografia tradicional e a
hierarquização de saberes consequente da
hierarquia social”. Na nossa pesquisa
utilizamos as histórias de vida através das
entrevistas e sua interpretação no viés
discursivo. Nesta perspectiva, Souza
(2007) sinaliza para a importância do
registro histórico feito na memória dos
sujeitos. É importante lembrar que toda
memória é seletiva e que apresentamos,
antes de tudo, uma seleção de experiências
vividas. Segundo Halbwachs (1990, p. 25),
para evocar nossas lembranças, “... a
primeira testemunha, à qual podemos
sempre apelar, é a nós próprios”. Para o
autor, nossas recordações são os
testemunhos de fortalecimento e debilidade
sobre os acontecimentos que sabemos ou
dos quais somos informados, mesmo que
algumas das circunstâncias nos pareçam
permanentemente obscuras.
A Comunidade de Apanha-Peixe/RN
é uma comunidade do campo situada a 24
km da cidade de Caraúbas, no Estado do
Rio Grande do Norte/RN, tem
aproximadamente, 406 habitantes e
completou 277 anos de existência em
2018. Conforme um blog da cidade: “Seus
primeiros habitantes foram os índios
Tapuias e Paiacus. A comunidade foi
criada pela família Nogueira, depois de um
grande confronto entre os índios” (Icém
Caraúbas, 2011).
Por volta do século XVIII, antes de
receber o nome Apanha-Peixe, a
comunidade era apenas uma fazenda que
tinha como proprietário Manoel Nogueira.
Ele era um homem considerado rico, que
habitava aquele lugar com sua família e
conseguiu várias porções de terras,
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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concedidas pela coroa aos súditos, com a
obrigação de povoar e cultivar a terra,
tendo sido o responsável pelas primeiras
povoações e nisso, Manoel Nogueira foi o
primeiro povoador da localidade, que no
futuro viria a se chamar de Apanha-Peixe.
Conforme a matéria do Blog Icém
Caraúbas (2011):
Antes de receber o nome de
Apanha Peixe, era apenas uma
fazenda do século XVIII, do
proprietário Manoel Nogueira,
que era considerado muito rico e
que junto com sua família
obtiveram sete lotes de terra no
município de Apodi ou melhor
“na Ribeira do Apodi”, com cada
um medindo três léguas de
comprimento por uma de largura.
Manoel Nogueira Ferreira fundou
grande fazenda de gado, a leste da lagoa
Apanha-Peixe, tornando-se um dos
primeiros desbravadores da região Oeste
do RN tendo fundado Apodi/RN. O termo
Apanha-Peixe, segundo a memória dos
habitantes do lugar, foi originado pelo fato
do vento, ao soprar as ondas nas águas às
margens da lagoa e depois voltavam para o
seu leito deixando o peixe bater em seco.
Para Souza (2006), as histórias de
vida buscam compreender a vida do
indivíduo através dos seus relatos
reconstruindo processos históricos vividos.
Nesse sentido, os povos indígenas que
foram os primeiros habitantes, no afã de
colher os peixes, gritavam: “- Apanha o
peixe!”. Então surgiu o nome Apanha-
Peixe, por que quando perguntavam aos
índios aonde eles habitavam, eles diziam:
- onde apanha peixe”. O entrevistado
João, está com 83 anos de idade,
agricultor, nasceu na comunidade. Esse
nome foi escolhido por ele, pois relembra
João, discípulo de Jesus Cristo. No seu
relato, João explica: “Foram os índios,
naquele tempo tinha índios, e eles
passaram pelo Apanha- Peixe, pegaram
peixe, cozinharam, comeram e quando
foram saindo disseram: Aqui é o Apanha-
Peixe, até hoje continua sendo esse
nome”.
Dentre os primeiros habitantes do
lugar, destaca-se a história do português
Domingos Ventura de Morais, que veio
para as terras de Apanha-Peixe, e decidiu
apossar-se delas, registrando-as e as
tornando suas por direito. Dessa forma,
Domingos Ventura de Morais passou a
habitar na comunidade e viveu um grande
amor com a índia por nome de Bárbara
Heleodora. Por isso, a geração de Apanha-
Peixe, é descendente da miscigenação,
tendo, hoje, quase toda a população, o
sobrenome Morais, que é descendente
desse português.
Desde a chegada dos primeiros
habitantes, a economia se baseava na
pesca, a lagoa do lugar é uma das fontes de
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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subsistência das famílias, conforme o blog:
“A lagoa de Apanha- Peixe, por ser
bastante extensa e rica com suas belezas
naturais e com enorme acúmulo de peixes,
com 12 milhões de m
3
de água, é
considerada uma das maiores do estado do
RN e a maior do município de Caraúbas”
(Icém Caraúbas, 2011).
Por isso, a região da Comunidade de
Apanha-Peixe/RN, encontra-se inserida na
“bacia hidrográfica Apodi-Mossoró, que é
a segunda maior do estado com 14.216,00
km2” (Icém Caraúbas, 2011). A lagoa
Apanha-Peixe é o maior reservatório de
água do município de Caraúbas e um dos
maiores da nossa região com suas
dimensões de mais de 23 milhões de m
3
de
água e os seus lençóis de águas atraem
turistas de várias partes da região. É de
suma importância para o abastecimento
dessa bacia, uma vez que ao transbordar,
esse manancial lança suas águas no rio
Apodi-Mossoró, sendo fundamental para a
manutenção do regime fluvial.
Os habitantes de Apanha-Peixe
moravam em casas feitas de taipa,
construída de varas, galhos, cipós
entrelaçados e cobertos com barro,
distantes umas das outras e o sustento
vinha da pesca. Essa vivência é
contemplada no discurso de João, morador
da comunidade, “o sustento era plantar
arroz na lagoa. A mãe de Apanha-Peixe era
a lagoa, enchia de peixe plantava arroz
era de que se vivia”. Aos poucos, passaram
a explorar a terra por meio da produção
agrícola, com o cultivo de milho, arroz,
feijão, mandioca, trigo e frutas, tais como:
melancia, jerimum, banana. Havia também
a atividade criatória. O entrevistado
Roberto, está com 43 anos de idade, possui
a profissão de Porteiro, nasceu na
comunidade. Em sua narrativa, faz menção
a esta memória do contexto econômico que
sustentava a comunidade quando enuncia:
“Teve muitos dias que saí pra trabalhar na
lagoa, eu com meu avô. Nós não nhamos
o que merendar, a sorte era que existia
batata. Nós fazíamos o plantio de batata e a
gente ia arrancar batata e comer batata crua
na merenda e achava tão bom!”
(Entrevistado Roberto, 2018).
O modo de vida era totalmente rural,
e as pessoas não consumiam em excesso,
até mesmo porque as condições não
permitiam comprar além do necessário
para sobreviver. Mesmo na fase da
infância, as crianças eram obrigadas a
trabalhar no plantio, junto com os mais
velhos, para auxiliar na manutenção da
casa. Como não havia direitos jurídicos e
normativos, que amparassem e dessem
oportunidades de ensino, as crianças eram
obrigadas pelo próprio contexto social a
trabalhar desde cedo. Nossa entrevistada
Maria tem 92 anos de idade, é dona de
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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casa, nasceu em Santana/RN. Mas mora na
comunidade desde os 6 anos de idade.
Expressa bem isso no seu relata: “por isso
que eu não tive infância ... se trabalhava,
pra viver e trabalhava assim pra fazer
trança, fazer chapéu, tresmaio”. João
acrescenta “com cinco anos eu comecei
a acompanhar meu pai, lutando mais ele
pra criar os outros”.
No contexto vivenciado por Maria e
João nas suas narrativas, deixa evidente
que a infância foi um período difícil, em
que as brincadeiras, quase não faziam parte
da infância, a rotina consistia nos afazeres
de casa e em ajudar no sustento da família,
em que o foco era aprender a trabalhar
muito cedo. Nos relatos desses
moradores/as, mencionam uma infância
dolorosa, marcada por trabalhos e
responsabilidades. Ao passo que a
moradora Ana, uma estudante de 24 anos
de idade nascida na comunidade, é mais
jovem dos entrevistados, comenta que
construiu uma infância tranquila, cheia de
brincadeiras, brinquedos e liberdades. A
partir da fala de Ana, depreendemos que o
contexto se modificou, considerando a
relevância do acesso à escola e o direito a
educação, atualmente garantidos na
Constituição Federal
iv
(1988), na Lei de
Diretrizes e Bases
v
(1996) e no Estatuto da
Criança e do Adolescente
vi
(1990). O
Estado, passou a ser responsável junto com
a família a ofertar o direito a educação com
qualidade, acesso e permanência.
A Comunidade de Apanha-Peixe/RN
é um exemplo de espaço em constante
processo de melhorias e de organização.
De acordo com os relatos, muita coisa foi
modificada. Quanto a essa questão, no
primeiro enunciado, João narrou o
seguinte:
Enunciado 1:
Coisa difícil se for falar no passado
dos meus pais era coisa difícil.
tinha uma coisa boa: tinha paz e
quando tem paz tudo vai bem. Mas
meus pais criou uma família muito
grande, com muitas necessidades e
eu fui o primogênito da família.
eu sei de tudo, o que a gente passou
naquele tempo, naquele momento
tudo tão difícil e eu me lembro que
eu acompanhava ele ... mas Deus era
tão bom que no mato tinha muita
fruta, tinha palmatória, tinha
carnaúba de caroço, tinha juá e isso
era alimento pra nós (Entrevistado
João, 2018).
No enunciado acima, levando em
conta a sua estrutura e acontecimento,
podemos ver na materialidade de sentido o
sujeito de uma memória discursiva quando
ele enuncia “falar no passado dos meus
pais era coisa difícil. Só tinha coisa boa:
tinha paz e quanto em paz tudo vai bem”,
trazendo as identidades sociais em
diferentes posições sujeito, do pai, do
primogênito da família, da própria família
e suas dificuldades. E ainda discursiva:
“tudo tão difícil e eu me lembro que eu
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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acompanhava ele …, mas Deus era tão
bom que nos mato tinha muita fruta, tinha
palmatória, tinha carnaúba de caroço, tinha
juá e isso era alimento pra nós”. nessas
posições sujeitos, segundo Orlandi (2005,
p. 28): “Os sentidos sempre em seu
movimento de produzir rupturas,
acontecimentos não estão, no entanto
jamais soltos (desligados, livres), eles são
administrados (geridos)”.
No discurso do entrevistado, a
carência de recursos alimentícios e a luta
pela sobrevivência que o obrigavam a
trabalhar, desde cedo, em companhia dos
pais. Não havia escolas que atuassem na
formação do indivíduo para construir um
futuro promissor. A cultura local era
reduzida a seguir o exemplo de profissão
dos pais, que se destinavam a agricultura,
pescaria e pecuária. Para a comunidade, a
pesca e a agricultura fazem parte de suas
tradições passadas de geração a geração, e
que são praticadas até hoje.
O ato de contar histórias faz com que
o autor reviva suas próprias, como afirma
Bolívar (1997, p. 2) “contar as próprias
vivências e ler, no sentido de interpretar,
ditos feitos e ações, a luz das histórias que
os atores narram, se converte em uma
perspectiva peculiar de investigação”. A
vida na Comunidade de Apanha-Peixe/RN
traz marcas de sofrimento e de luta
registradas nas narrativas de seus/suas
moradores/as. Desse modo, por meio das
narrativas de moradores/as da comunidade,
apontamos a possibilidade de construir e
reconstruir as memórias, através das
histórias de vida e formação, tornando-se
visível.
Quanto às vivências no lugar, João,
relata que na comunidade seus/suas
moradores/as compartilham suas
experiências uns com os outros, sendo algo
transformador para a formação dos sujeitos
que moram no Apanha-Peixe. João
acrescenta: “A comunidade é abençoada ...
Quem anda aqui gosta, gosta dos
habitantes de Apanha-Peixe.” Já o morador
Roberto reforça o companheirismo e
aproximação das famílias, e diz no
segundo enunciado:
Enunciado 2:
É a raiz nesse chão velho que eu
nasci e me criei, eu gosto muito
daqui. Foi onde eu conheci meus
amigos, onde estudei ... tenho um
bom relacionamento com as pessoas,
é isso, o que eu tenho que falar desse
lugar é que, é como tem gente que
diz assim, eu queria, eu vou embora
pra tal canto, mais eu quero morrer lá
no meu lugarzinho (Entrevistado
Roberto, 2018).
Para a Análise do Discurso (AD)
francesa, “o discurso não é simplesmente
aquilo que traduz as lutas ou os sistemas de
dominação, mas aquilo por que, pelo que
se luta, o poder do qual nos queremos
apoderar”, segundo Foucault (2004, p. 10).
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
Apanha-Peixe/RN: narrativas discursivas de moradores/as do lugar...
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Assim, partindo da formulação “raiz nesse
chão velho que eu nasci e me criei, eu
gosto muito daqui”, podemos analisar as
posições sujeitos e seus modos de
subjetivação no mundo e que “o sentido é
história e o sujeito se faz (se significa) na
historicidade em que está inscrito”
(Orlandi, 2005, p. 44).
Analisamos nessa discursividade
que, apesar da comunidade ser muito
querida e amada, ainda não oferece meios
financeiros dos habitantes se manterem,
acarretando a expulsão dos povos da
comunidade em busca de outras formas de
produção, e, por sua vez, desenraizando-se
das suas terras e cultura. Mas, com o
passar do tempo, a vida dos moradores/as
da comunidade vem melhorando. Aos
poucos, surgem casas de tijolos. Nos dias
atuais, não há mais habitantes residentes
em casas de taipas. Quanto à
predominância religiosa, a localidade é
conhecida como a “Apanha-Peixe dos
crentes” por ser um lugar com 70% da
população evangélica.
Memórias e histórias de vida de
moradores/as da Comunidade de
Apanha-Peixe/RN: análise das
narrativas numa perspectiva discursiva
Adentramos nas interpretações das
narrativas de moradores/as sob o viés
discursivo. Para tanto, recorremos às
lembranças dos outros, segundo
Halbwachs (1990), a memória individual
não está isolada ou fechada. Para evocar o
passado, devemos apelar para as
lembranças alheias, ou seja, às lembranças
contadas por outras pessoas.
Compreendendo que “o que somos ou,
melhor ainda, o sentido de quem somos,
depende das histórias que contamos e das
que relatamos sobre nós mesmos. Em
particular, das construções narrativas nas
quais cada um de nós é, e ao mesmo
tempo, o autor, o narrador e o personagem
principal” (Larrosa, 1994, p. 48). Nesta
seção, adentramos nas interpretações
através das narrativas de moradores/as
enquanto produções discursivas. Quanto às
narrativas, Moraes (2000, p. 81)
acrescenta:
... a narrativa não é um simples narrar
de acontecimentos, ela permite uma
tomada reflexiva, identificando fatos
que foram, realmente, constitutivos
da própria formação. Partilhar
histórias de vida permite a quem
conta a sua história, refletir e avaliar
um percurso compreendendo o
sentido do mesmo, entendendo as
nuanças desse caminho percorrido e
reaprendendo com ele ...
Com base em Moraes (2000), as
narrativas são momentos de reflexões
sobre a vida, a partir das quais ao
relembrar fatos marcantes, avaliar e
construir um caminhar para si, reaprende-
se com as próprias experiências. Portanto,
é no narrar dos acontecimentos que o
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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indivíduo reflete sobre sua própria história,
repensa, compreende sua trajetória e
reaprende com ela por meio da sua própria
reflexão.
As narrativas de moradores/as de
Apanha-Peixe, que participaram desta
pesquisa passaram a infância, adolescência
e vida adulta na comunidade. Para
compreender o papel das histórias de vida
permeadas nas memórias e que fortalecem
o constructo social, Souza (2007) apresenta
as memórias como sendo fundamentadas
por meio da construção social e coletiva,
ou seja, o indivíduo durante sua vida
através das experiências, constrói suas
aprendizagens por meio dos grupos sociais
no contexto em que está inserido.
Nesse sentido, entendemos que as
aprendizagens são construídas por meio do
contexto em que o sujeito está inserido, e
que as histórias construídas ao longo da
vida, apresentam “as implicações pessoais
e as marcas construídas na trajetória
individual/coletiva, expressas nos relatos
escritos, revelam aprendizagens da
formação” (Souza, 2007, p. 4). Quando
indagados sobre a Comunidade de Apanha-
Peixe/RN os/as entrevistados/as destacam
como um lugar tranquilo, mesmo diante
das dificuldades existentes, sobretudo
àquelas relacionadas a vínculos
empregatícios.
A comunidade tem uma identidade
construída e enraizada pela perseverança e
o desejo de mudanças dos/as seus/suas
moradores/as, visto que, apesar das
dificuldades em relação à falta de trabalho,
trazem nas suas memórias um respeito e
amor pelo lugar onde vivem. Diante das
lembranças, os participantes desenham um
cenário de Apanha-Peixe, com narrativas
permeadas pelo sentimento de pertença.
Isso nos conduz a reflexões sobre a
formação humanística dos sujeitos dessa
localidade. São nas histórias narradas pelos
habitantes, que percebemos uma
experiência, um modo particular de
interlocução com a dimensão humana,
conforme afirma Halbwachs (1990).
Na perspectiva dos Estudos
Culturais, Hall (2004; 2005) nos faz refletir
sobre a identidade. Assim, pressupomos
que essa identidade da comunidade é
construída historicamente e os sujeitos,
desde o sujeito do iluminismo, sociológico
para o sujeito pós-moderno, assumem
diferentes identidades sociais. Desse
modo, essas identidades culturais estão a
todo tempo se transformando pelos
sistemas e mudanças estruturais da
sociedade e das instituições, conforme
afirma Hall, (2004, p. 108):
Essa concepção aceita que as
identidades não são nunca unificadas;
que elas são, na modernidade tardia,
cada vez mais fragmentadas e
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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fraturadas; que elas não não são,
nunca, singulares, mas multiplamente
construídas ao longo de discursos,
práticas e posições que podem se
cruzar ou ser antagônicos. As
identidades estão sujeitas a uma
historicização radical, estando
constantemente em processo de
mudança e transformação.
Nesse contexto, a história de vida
produz identidades e revelações
surpreendentes. É lugar de transformação
dos conhecimentos em palavras e a
imagem na memória, é o lugar de
conciliação do passado com o presente, e
apontam perspectivas de futuro. É
precisamente nessa discursividade
identitária que: “As redes de memória, sob
diferentes regimes de materialidade,
possibilitam o retorno de temas e figuras
do passado, os colocam insistentemente na
atualidade, provocando sua emergência na
memória do presente” (Gregolin, 2001, p.
71).
Nesse sentido, direcionamos aos
entrevistados da comunidade a seguinte
pergunta: Nas suas memórias, você lembra
de algo que revolucionou a Comunidade
de Apanha-Peixe/RN? Qual? E como? O
colaborador João relata um momento de
muita alegria para o Apanha-Peixe, quando
receberam o fornecimento da água
encanada. Ele relembra um momento de
espera, que todos aguardavam
ansiosamente, pois viviam tempos difíceis,
onde os poços eram a solução para o
abastecimento da população e os/as
moradores/as transportavam em jumentos e
roladeiras. O morador João relembra esse
momento de felicidade, quando expressa:
“com a chegada da água, ficou aquela
alegria na comunidade. Era alegria demais!
E as coisas vêm melhorando”. Segundo
Thompson (1998, apud Souza, 2008, p.
97), "recordar a própria vida é fundamental
para nosso sentimento de identidade;
continuar lidando com essa lembrança
pode fortalecer, ou recapturar, a
autoconfiança".
Nesta perspectiva de recordar as
histórias de vida, outros momentos foram
relembrados na convivência no lugar,
Segundo Souza (2008), a produção dos
modos de vida cotidiana, encontra-se nas
histórias de vida e nos modos de narração.
Roberto relata a chegada da energia
elétrica, que revolucionou a Apanha-Peixe.
Para o entrevistado, a energia era um
sonho para todos da comunidade e destaca:
“eu ainda me lembro muito bem no meu
tempo de menino, quando começaram a
acender as lâmpadas das luminárias, aquilo
foi uma coisa marcante, a gente ficava
admirado em como era que aquilo
acendia”.
Outro acontecimento foi a chegada
da primeira televisão, Roberto relata a
alegria de todas as crianças, adolescentes e
adultos, pois trouxe informação, como
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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também aproximou os/as moradores/as,
que durante a noite reuniam-se para assistir
aos programas de TV. Roberto conta da
sua satisfação, dizendo: “assisti o primeiro
jogo, o primeiro programa, as novelas, não
tinha o que fazer no lugar antigamente, eu
sempre digo para o meu filho, hoje em dia,
em relação à antigamente, é mesmo que
estarmos vivendo na capital”. Dessas
narrativas, depreendemos que momentos
marcantes ficaram registrados nas
lembranças dos sujeitos do lugar.
A entrevistada Ana relembra, em
suas narrativas, outro benefício para a
comunidade: a chegada da colônia dos
pescadores que reforçou o nome de
Apanha-Peixe, através de uma
representação financeira, que melhorou a
situação econômica de diversas famílias.
Destacamos, nesses discursos, momentos
de resistência que marcaram
significativamente suas vidas, mas também
momentos de conquistas, entusiasmo e
alegrias. Sempre que ocorre um evento o
suficiente para iluminar seu próprio
passado, a história acontece, e ao relembrar
esses momentos importantes de suas
vivências, é visível que apesar das
dificuldades, a comunidade apresenta uma
relativa melhoria de crescimento e
modernização.
Os relatos trazem as lembranças e
experiências ao longo da vida. De acordo
com Josso (2007), a partir das narrativas
das histórias de vida ou, melhor dizendo,
de histórias centradas na formação. Os
projetos de vida e os múltiplos recursos
estão ligados de experiência formativa.
Para Josso (2010a, p. 19), “enquanto
atividade formadora, a narrativa de si e das
experiências vividas ao longo da vida,
caracteriza-se como ‘processo de
formação’ e ‘processo de conhecimento’”.
Percebemos na citação da autora, que esses
acontecimentos iluminam o próprio
passado; jamais pode ser deduzido dele.
Nas narrativas a seguir, adentramos
sobre a educação, buscamos identificar
como era o ensino antigamente comparado
com o ensino atual na comunidade. A
pergunta destinada aos participantes foi a
seguinte: Como foi a primeira vez que você
foi à escola? Diante desse questionamento,
os entrevistados Maria e João relatam uma
semelhança na descrição, pois estudaram
no mesmo local na casa de Dona Cúlinha,
uma senhora que ministrava aulas
particulares em sua casa aos meninos da
comunidade. Primeira professora da
comunidade, chamava-se Herculana
Morais (in memoriam) mais conhecida por
Dona Cúlinha. Nas suas aulas Dona
Herculana ensinava os jovens alunos a ler,
escrever, contar os números, estudar
tabuada e aprender as quatro operações, os
alunos também estudavam por meio de
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cartilhas (livros). Apenas os pais das
crianças que podiam pagar, estudavam
nessa escola. Em suas narrativas Maria diz
no terceiro enunciado:
Enunciado 3:
A minha escola, vou dizer o que foi
minha escola, foi um mês de escola.
Eu aprendi a ler só. Era na casa dela,
era particular, eu como não tinha
quem pagasse por mim, eu não podia
pagar, fui um mês. Fiquei lendo
só, sou como caboré de orelha, sei ler
e não sei escrever, escrevo ruim,
minha letra é ruim (Entrevistada
Maria, 2018).
Pensando na memória discursiva
como social, quando o sujeito do campo,
uma moradora diz sobre seus estudos e a
relação com a escola: “aí eu como não
tinha quem pagasse por mim, eu não podia
pagar, fui um mês”. Tal enunciado em
sua relação com os demais enunciados
dos/os moradores/as da Comunidade de
Apanha-Peixe/RN, nos lembra o que diz
Foucault (2004, p. 39) que os discursos:
“não podem ser dissociados dessa prática
de um ritual que determina para os sujeitos
que falam, ao mesmo tempo, propriedades
singulares e papeis preestabelecidos”. No
quarto enunciado João relata:
Enunciado 4:
Ela ensinava mesmo, era um ensino
pra pessoa aprender, ... Todas a
quartas feiras e sábado tinha um
argumento; ela saia fazendo as
perguntas, do que a gente tinha
estudado, se a gente tinha decorado
mesmo. ela saia e nós tudo
sentado num banco, saia fazendo
pergunta. Os que não respondiam
levavam a palmatorada. Era... tinha
que aprender mesmo o que ela
passava, não tinha conversa não,
tinha que aprender (Entrevistado
João, 2018).
Esse enunciado traz no dizer de
Pêcheux (1999, p. 53): “um jogo de força
que visa manter uma regularização pré-
existente com os implícitos que ela
veicula”, quando o morador diz que: “Ela
ensinava mesmo, era um ensino pra pessoa
aprender”. nessa forma uma
regularidade e dispersão deixando nos
implícitos algo por dizer. O enunciado traz
“Os que não respondiam levavam a
palmatorada”, mostrando a posição sujeito
da instituição escolar em regimes de
negociação e integração disciplinar.
João rememora que o ensino que
era voltado para advertência da palmatória.
Ele conta que teve a oportunidade de
frequentar a escola por mais tempo em
relação a Maria, destaca que, antigamente,
aprendia rápido e que as crianças
realmente iam para aprender. Esse discurso
acrescenta que, na época dos estudos, não
aprendeu a ler muito, foi aperfeiçoando e
desenvolvendo leitura na Bíblia, que é o
seu livro predileto.
É pela memória que os enunciados
trazem o discurso religioso e o discurso
escolar. Nesses discursividades dos
sujeitos, podemos ver os efeitos de sentido
de algumas semelhanças na escolarização,
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pois existia o prédio onde funcionava a
escola e algumas/uns professores/as.
Ele/elas estudaram na primeira escola
fundada na comunidade Escola Estadual
Domingo Ventura de Morais. A partir de
1960 foi criada a Escola Isolada Domingos
Ventura de Morais. Contudo, havia uma
grande necessidade da construção do
espaço escolar. Em 1964, a escola isolada
passou a se chamada de Escola Reunida
Domingos Ventura de Morais. Quanto o
ambiente pequeno, mas agradável,
organizado e acolhedor, onde tiveram a
oportunidade de ter o primeiro contato com
a leitura. No quinto enunciado, Ana narra:
Enunciado 5:
Apesar de pequena a escola era
organizada, algum tempo depois que
eu entrei entregavam materiais
para os alunos (cadernos, lápis etc.),
a gente tinha um contato bem legal
com os funcionários era bastante
divertido. Estudei todo o meu ensino
infantil e fundamental aqui na
comunidade (Entrevistada Ana,
2018).
No enunciado acima, a identidade
social local de pertencimento à
comunidade é apreendida na historicidade
desse enunciado acima (Hall, 2005),
quanto a morada diz “Estudei todo o meu
ensino infantil e fundamental aqui na
comunidade”. Nesse sentido, o enunciado
traz o efeito de memória do lugar social e
da relação entre lugar na posição sujeito
mulher camponesa inscrita na formação
discursiva campesina. O processo de
produção desse discurso é marcado por
lutas e resistências. A respeito disso,
trazemos Pêcheux (1999, p. 56), ao afirmar
que “um real histórico como causa do
fato de que nenhuma memória pode ser
uma frasco sem exterior”.
Para Santos (2003), é importante
compreender a memória como sendo
qualquer forma de pensamento, percepção
ou prática que tenha o passado como sua
principal relevância. Segundo a autora, a
memória de experiências passadas está
presente em cada palavra que dizemos em
cada passo que damos ou em cada sonho
que construímos, ela está presente no
pensamento, nos sentimentos e percepções,
bem como na imaginação (Santos, 2003).
Ou seja, tudo o que sabemos ou
aprendemos se deve às memórias que
possuímos ou iremos adquirir.
Compreendemos, portanto, uma
evolução no que concerne à escolarização,
pois a educação transformou e trouxe
benefícios para as novas gerações, com a
oportunidade para os mais jovens. No
nosso último questionamento aos
entrevistados, perguntamos: as histórias
contadas pelos mais velhos sobre a
comunidade, estão sendo repassadas para
os mais jovens? Interpretamos que os
participantes da entrevista foram
consensuais em afirmar que, os mais
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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jovens não despertam o interesse em
conhecer a história local.
Sobre isso a entrevistada Maria
discorre: “talvez que nem saibam, porque
não querem saber. Eles não sabem nem
disso, não sabem nem como foi à primeira
escola”. João acrescenta: “eu acho que eles
não se interessam. Está muito diferente
hoje. Hoje em dia eles têm muita
oportunidade, muita facilidade, hoje em dia
as coisas estão muito diferentes”.
Ao tratar da interpretação em redes
de sentido, Gregolin (2001, p. 63) afirma
que: “Os efeitos de sentido que circulam
nos discursos produzidos em uma
sociedade, constroem, com as formas
discursivas típicas de cada um desses
diversos gêneros, as representações do
imaginário de uma certa época”. Assim,
analisamos nas narrativas dos
entrevistados, Maria e João, a possível
falta de interesse dos mais jovens em
buscar um diálogo com mais velhos para
compreenderem a história do lugar, visto
que, com o acesso à tecnologia, muita
coisa mudou e beneficiou a comunidade,
mas também distanciou o diálogo entre os
mais velhos com os mais jovens sobre a
história que deveria ser repassada de
geração a geração.
Diante disso, Bosi (1994), sobrepõe
que é por meio da memória que o passado
se evidencia nas lembranças, vão
mesclando com as percepções do presente,
ou vice-versa, as impressões do presente
interagem com o passado e vai fixando na
consciência. Segundo a autora, não existe
presente sem passado, as ações, os eventos,
os comportamentos que vivenciamos são
marcados na memória (Bosi, 1994).
Percebemos nas narrativas de Maria e João
que os mais jovens da comunidade, não
estão buscando conhecer essas histórias.
Nessa perspectiva, vejamos o sexto
enunciado, quando Roberto afirma:
Enunciado 6:
Os nossos jovens não tem esse
interesse, porque isso é uma tradição
né, deveria ser passado de pai pra
filho, e filho pra neto, pra não se
perder a história. Tem jovem aqui
que não sabe a história de Apanha
Peixe, não sabe quem foi a primeira
pessoa que chegou aqui, você pode
perguntar que eles não sabem, não
sabe, não sabe! (Entrevistado
Roberto, 2018).
Ao apreendermos o enunciado
acima, em suas condições de produção a
partir de pensarmos que “o discurso é
determinado pelo tecido histórico-social
que o constitui”, como argumenta Gregolin
(2001, p. 3), quando o sujeito diz que:
“uma tradição né, deveria ser passado de
pai pra filho, e filho pra neto, pra não se
perder a história. Tem jovem aqui que não
sabe a história de Apanha-Peixe”, a
história está enraizada nessa memória
discursiva de dizer. Portanto, em nossa
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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análise dessa materialidade, asseveramos
com a autora que “a forma sujeito do
discurso é ideológica, assujeitada, não
psicológica, não empírica; na ordem do
discurso um sujeito da língua e na
História” (Gregolin, 2001, p. 3).
Neste sentido, Benjamin (1994)
afirma que, a narração está atrelada à
formação do ser, pois é a rememoração e a
retomada da palavra que evita a morte de
um passado que desapareceria no silêncio e
no esquecimento. Benjamin (1994, p. 221)
acrescenta que, “a memória é fonte de
ligação social, pois integra o presente ao
passado, projetando ainda o futuro. Ela é o
elemento que situa os indivíduos,
proporcionando o reconhecimento e o
reencontro, trazendo novos significados e
sentidos para as histórias”.
No sétimo enunciado, a narrativa da
jovem Ana corrobora com a discussão
elencada pelo entrevistado Roberto, pois
expressa sua dificuldade em falar sobre o
assunto quando ressalta no sétimo
enunciado:
Enunciado 7:
Não, eu acho que hoje não existe
mais continuidade do que a
comunidade é e do que a comunidade
foi. Eu até tenho dificuldade em falar
sobre isso devido eu não saber alguns
coisas, a relação dos mais jovens com
os mais velhos é até difícil devido à
tecnologia que pode ajudar bastante
mais que também atrapalha em
relação a isso a conversar com os
mais velhos sobre suas histórias que
traz de certa forma experiência para
nós (Entrevistada Ana, 2018).
Ao interpretarmos as materialidades
do sentido desse enunciado quando coloca
que: “a relação dos mais jovens com os
mais velhos é até difícil devido à
tecnologia que pode ajudar bastante mais
que também atrapalha”, temos um
processo discursivo de subjetivação e
produção de identidades sociais de sujeitos
do campo. Nesse sentido, concordamos
com Hall (2004, p. 109), que: “precisamos
compreendê-las com produzidas em locais
históricos e institucionais específicos, no
interior de formações e práticas discursivas
específicas, por estratégias e iniciativas
específicas”.
A partir das narrativas de Roberto e
Ana, fica patente a ausência da tessitura de
diálogos entre os jovens e os mais velhos.
O diálogo permite a aproximação entre
esses sujeitos e as suas relações afetivas,
trazendo à memória o processo de
formação de si na escuta e no diálogo com
o outro. Ademais, concebemos os sujeitos
dessas narrativas como uma construção do
próprio discurso, que não se confunde com
sujeito empírico e nem individual
(Gregolin, 2001).
Por meio das narrativas,
compreendemos nos discursos dos/das
entrevistados/as que alguns jovens não têm
interesse de conhecer a história da
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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Comunidade de Apanha-Peixe/RN contada
pelos mais velhos, mas ressaltam que
existe na comunidade outras formas de
aprendizagens, a saber: pescar, plantar,
estudar entre outras, que são
compartilhadas uns com os outros na
convivência em coletividade. Nessa linha
de raciocínio, Josso (2007, p. 2), afirma:
“... à narração das histórias de vida e a
partir delas, tornou-se indispensável a uma
Educação Continuada ...”. Conforme a
autora, as narrações centradas na formação
ao longo da vida revelam formas e sentidos
múltiplos de existencialidade singular-
plural, criativa e inventiva do pensar, do
agir e do viver junto.
Os enunciados de 1 a 7 remetem,
pois, às memórias discursivas que
constroem sentidos identitários no discurso
de moradores/as do lugar, concebidas por
Pêcheux (1999, p. 56) como “espaço
móvel de divisões, de disjunções, de
deslocamentos e de retomadas, de conflitos
de regularização.” É nesse espírito de viver
juntos, de estar juntos que os/as
moradores/as de Apanha-Peixe, se
confirmam, modificam e ampliam as
diferentes formas de aprendizagem uns
com os outros, em coletividade.
Sabemos que o sujeito no/do campo,
tem muito a contribuir com suas
experiências na comunidade; além do
potencial para produzir um espaço
formativo que construa e cultive
identidades, valorize a dignidade humana,
não apague as memórias dos sujeitos. E
que valorize seus costumes, oportunizando
aos/as moradores/as no/do campo olhar
novas perspectivas de um futuro mais justo
e igualitário, sobretudo, no sentido de
assegurar o direito das comunidades do
campo às políticas públicas de acesso à
educação, como afirma Arroyo (2004, p.
96): “A defesa dos movimentos do campo
por uma urgente política pública traz como
lúcida motivação a defesa de sua
permanência na terra”.
Algumas considerações
Entendemos que as narrativas
(auto)biográficas são caminhos para a
reflexão da prática cotidiana e que o sujeito
reconstrói o passado, na conciliação da
memória individual com a memória social.
Para isso, procuramos trazer as narrativas
numa perspectiva discursiva, na qual
conhecemos as histórias de vida e
formação dos/das moradores/as da
Comunidade de Apanha-Peixe/RN.
No caminhar da pesquisa, abordamos
fatos sobre a história da comunidade, a
saber: sua origem, o primeiro contato
dos/as moradores/as com a educação, a
chegada dos benefícios e a honra dos/as
moradores/as ao recebê-los. Tudo isso, são
espaços, territórios e lugares de
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
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pertencimento. Percebemos a importância
do trabalho com histórias de vida, visto
que marcam as pessoas, fazendo-as reviver
por meio de suas memórias, o crescimento
ao longo dos anos e os conhecimentos
adquiridos. Destarte, emerge a necessidade
de conhecer as memórias dos sujeitos, para
que essas lembranças não se percam no
tempo, pois ali vive uma identidade de um
povo.
Tomadas como materialidades
discursivas, as narrativas de moradores/as
da comunidade revelam que a história a
partir da memória, fortalece a construção e
a preservação da formação dos seus
espaços de vivências e aprendizagem
coletivamente. Esse estudo constituiu uma
reflexão sobre a trajetória das histórias de
vida e formação desses sujeitos que vivem
no/do campo e preservam o seu lugar de
pertencimento da memória individual e
social.
A pesquisa tem relevância social e
científica; pois apresenta as histórias de
vida dos/as moradores/as da Comunidade
de Apanha-Peixe/RN, que tem uma rica
trajetória de luta pela preservação do lugar.
Diante do exposto, esperamos contribuir
para uma maior reflexão sobre as histórias
de vida e a formação de sujeitos no/do
campo, bem como no entendimento de que
linguagem e discurso são lugares de
aprendizado e lugares de lutas constantes.
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i
Este artigo é parte da pesquisa apresentada no
Curso de Pós-Graduação Lato Sensu em Educação
e Contemporaneidade do Instituto Federal de
Educação, Ciência e Tecnologia IFRN, Campus
Mossoró/RN. Essa temática estudada nasceu a
partir das leituras na Disciplina de “História e
Memória e Formação Docente”.
ii
No processo das entrevistas e organização
metodológica do nosso trabalho, perguntamos aos
participantes se aceitavam participar da pesquisa e
se concordavam em assinar o termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o
termo de autorização de uso de imagem, das
narrativas e da publicação. Consideramos o respeito
pela dignidade humana e pela especial proteção
devida aos participantes das pesquisas científicas
envolvendo seres humanos e consideramos o
desenvolvimento e o engajamento ético.
Explicamos sobre os aspectos éticos da pesquisa
envolvendo seres humanos e ressaltamos o que
deve atender aos fundamentos éticos como constam
na Resolução Nº 510/2016.
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., & Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da comunidade de
Apanha-Peixe/RN: narrativas discursivas de moradores/as do lugar...
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iii
Todavia, em todas as entrevistas, utilizamos a
gravação de voz via celular como instrumento
metodológico da pesquisa, sendo um instrumento
de apoio para o método da pesquisa com narrativas,
além de preservar e registrar todos os
procedimentos discursivos dos depoentes, a técnica
permite que o entrevistador, preste mais atenção ao
depoimento cedido, podendo retornar ao arquivo
sempre que necessário.
iv
Constituição da República Federativa do Brasil.
(1988, 05 de outubro). Recuperado de:
http://www.senado.gov.br/sf/legislacao/const/.
v
Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (1996,
23 de dezembro). Estabelece as Diretrizes e Bases
da Educação Nacional. Recuperado de:
http://www.senado.gov.br/sf/legislacao.
vi
Lei no 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da
Criança e do Adolescente. Diário Oficial da
República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 16 jul.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 31/08/2020
Aprovado em: 10/10/2020
Publicado em: 25/11/2020
Received on August 31th, 2020
Accepted on October 10th, 2020
Published on November, 25th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Aleksandra Nogueira de Oliveira Fernandes
http://orcid.org/0000-0002-6625-7963
Viviana de Torres Morais
http://orcid.org/0000-0003-2734-6362
Stenio de Brito Fernandes
http://orcid.org/0000-0001-6300-9561
Ady Canário de Souza Estevão
http://orcid.org/0000-0002-6941-3773
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Fernandes, A. N. O., Morais, V. T., Fernandes, S. B., &
Estevão, A. C. S. (2020). História e memória da
Comunidade de Apanha-Peixe/RN: narrativas discursivas
de moradores/as do lugar. Rev. Bras. Educ. Camp., 5,
e10401. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10401
ABNT
FERNANDES, A. N. O.; MORAIS, V. T.; FERNANDES, S.
B.; ESTEVÃO, A. C. S. História e memória da
Comunidade de Apanha-Peixe/RN: narrativas discursivas
de moradores/as do lugar. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 5, e10401, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10401