Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10501
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10501
10.20873/uft.rbec.e10501
2020
ISSN: 2525-4863
1
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O Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária -
PRONERA em “desmonte”: 20 anos de lutas e conquistas
ameaçados pelo elitismo fundiário no cenário de 2016 a
2020
Guilherme Martins Teixeira Borges
1
, Maria Esperança Fernandes Carneiro
2
1
Centro Universitário de Goiás - UNIGOIÁS. Faculdade de Direito e Pró-reitoria de Ensino a Distância. Avenida João Candido
de Oliveira, 115, Cidade Jardim. Goiânia - GO. Brasil.
2
Pontifícia Universidade Católica de Goiás - PUC/GO.
Autor para correspondência/Author for correspondence: g.martins.borges@hotmail.com
RESUMO. O presente trabalho tem como objetivo analisar a
correlação histórica entre as políticas públicas fundiárias e as
educacionais e como essas inter-relações influenciaram os
movimentos sociais do campo a lutar por seus direitos sociais, em
especial pelo direito à educação, por meio da criação do Programa
Nacional da Educação na Reforma Agrária - PRONERA. Assim, este
estudo parte da análise histórica para a crítica atual frente aos
inúmeros instrumentos utilizados pelas diretrizes governamentais do
país, do ano de 2016 até 2020, como formas de deslegitimar o direito
à educação no campo para os trabalhadores rurais e desestruturar o
PRONERA, de uma vez por todas. Para compreender esta
problemática, foram eleitas como categorias de pesquisa: o
Capitalismo, a exploração, a propriedade privada, a reforma agrária, o
trabalho e a educação. Quanto ao processo metodológico, foram
contempladas as categorias teóricas de análise científica contempladas
pelo referencial materialista-histórico dialético, dada a configuração
social e política do objeto de estudo. Em relação às metodologias de
pesquisa o trabalho está construído via levantamento de pesquisa
teórica bibliográfica e documental. Para esse percurso de pesquisa,
foram empregados como marcos teóricos estruturantes autores como
Roseli Salete Caldart (2012), Isabel Brasil Pereira (2002), Paulo
Alentejano (2002), Gaudêncio Frigotto (2002), dentre outros. Ao final,
a pesquisa possibilitou destacar como os ataques aos direitos sociais,
em especial dos trabalhadores rurais, tem sido uma das pautas
escancaradas das elites brasileiras e que, aliadas ao projeto neoliberal
extremista, tem tanto no PRONERA, mas também em considerável
parte das políticas fundiárias de pauta social, uma ameaça aos
interesses econômicos das elites do país.
Palavras-chaves Pronera, Educação do Campo, Capitalismo
Agrário, Políticas Públicas.
Borges, G. M. T., & Carneiro, M. E. F. (2020). O Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária - PRONERA em
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The National Program of Education in Agrarian Reform -
PRONERA in “dismantling”: 20 years of struggles and
conquests threatened by the elitism fundiário no cenario
from 2016 to 2020
ABSTRACT. The present work aims to analyze the historical
correlation between public land and educational policies and
how these interrelationships influenced social movements in the
countryside to fight for their social rights, especially for the right
to education, through creation of the National Program for
Education in Agrarian Reform - PRONERA. Thus, this study
starts from the historical analysis for the current criticism in
view of the numerous instruments used by the country's
governmental guidelines, from the year 2016 to 2020, as ways to
delegitimize the right to education in the field for rural workers
and to disrupt PRONERA, once for all. To understand this
problem, they were chosen as research categories: Capitalism,
exploitation, private property, land reform, work and education.
As for the methodological process, the theoretical categories of
scientific analysis contemplated by the dialectical materialist-
historical framework were used, given the social and political
configuration of the object of study. Regarding the research
methodologies used, the work is constructed via a survey of
bibliographical and documentary theoretical research. For this
research path, authors like Roseli Salete Caldart (2012), Isabel
Brasil Pereira (2002), Paulo Alentejano (2002), Gaudêncio
Frigotto (2002), among others, were used as structuring
theoretical frameworks. In the end, the research made it possible
to highlight how the attacks on social rights, especially of rural
workers, have been one of the wide-open agendas of Brazilian
elites, which, together with the extremist neoliberal project, have
so much in PRONERA, but also in a considerable part of
policies of social issues, a threat to the economic interests of the
country's elites.
Keywords: Pronera, Rural Education, Agrarian Capitalism,
Public Policies.
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El Programa Nacional de Educación en Reforma Agraria -
PRONERA en "desmantelamiento": 20 años de luchas y
conquistas amenazadas por el elitismo basado en la tierra
en el escenario de 2016 a 2020
RESUMEN. El presente trabajo tiene como objetivo analizar la
correlación histórica entre la tierra pública y las políticas
educativas y cómo estas interrelaciones influyeron en los
movimientos sociales del campo para luchar por sus derechos
sociales, especialmente por el derecho a la educación, a través
de la creación del Programa Nacional de Educación en Reforma
Agraria - PRONERA. Así, este estudio parte del análisis
histórico de la crítica actual ante los numerosos instrumentos
utilizados por los lineamientos gubernamentales del país, desde
el año 2016 al 2020, como vías para deslegitimar el derecho a la
educación en el campo de los trabajadores rurales y para
trastocar PRONERA. De una vez por todas. Para entender este
problema, se eligieron como categorías de investigación:
capitalismo, explotación, propiedad privada, reforma agraria,
trabajo y educación. En cuanto al proceso metodológico, se
utilizaron las categorías teóricas de análisis científico
contempladas por el marco histórico-materialista dialéctico,
dada la configuración social y política del objeto de estudio. En
cuanto a las metodologías de investigación empleadas, el trabajo
se construye a través de un relevamiento de la investigación
teórica bibliográfica y documental. Para este camino de
investigación, autores como Roseli Salete Caldart (2012), Isabel
Brasil Pereira (2002), Paulo Alentejano (2002), Gaudêncio
Frigotto (2002), entre otros, fueron utilizados como marcos
teóricos estructurantes. Al final, la investigación permitió
resaltar cómo los ataques a los derechos sociales, especialmente
de los trabajadores rurales, han sido una de las agendas abiertas
de las élites brasileñas y que, junto con el proyecto neoliberal
extremista, tienen tanto en PRONERA, pero también en una
parte considerable de las políticas de los problemas sociales, una
amenaza para los intereses económicos de las élites del país.
Palabras clave: Pronera, Educación Rural, Capitalismo
Agrario, Políticas Públicas.
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Introdução
O presente artigo analisa o processo
de desestruturação das políticas públicas
educacionais voltadas ao campo, sobretudo
a partir do ano de 2016, no Governo de
Michel Temer, com a escancarada política
econômica ultraliberal estabelecida no
país.
Dentre essas medidas
desestruturantes, um dos pontos de maior
preocupação, no referido governo, se deu
com o “desmonte” do Programa Nacional
da Educação na Reforma Agrária
PRONERA, que representa um dos mais
importantes instrumentos de promoção da
Educação do Campo no Brasil.
A relevância dessa compreensão se
torna bastante atual, sobretudo diante do
contexto social e político no qual o Brasil
se encontra desde 2016 (Governos dos
Presidentes Michel Temer e Jair
Bolsonaro). Educação não é mais
prioridade nas ações no Ministério da
Educação, o campo, o espaço rural, a terra,
o meio ambiente equilibrado e todos que
deles, sustentavelmente vivem, não têm
mais proteção contra os comandos das
recentes políticas de governos.
De fato, manter o trabalhador rural
distante dos meios de produção e do acesso
à educação é uma estratégia de
massificação de mão de obra, porém, as
razões de tratar os direitos à Reforma
Agrária e à Educação como ameaças estão
ligados à própria manutenção da
superestrutura do capital.
O modelo político-econômico
comandado pelas elites brasileiras mantém
um rígido, para não dizer violento, controle
sobre a democratização do acesso aos bens
rurais no país. Isso porque, os direitos de
Reforma Agrária, caso efetivamente
implementados, representariam uma
ruptura com o ciclo exploratório do capital,
que desde os modelos escravocratas de
exploração tornam, ora a terra escrava, ora
o trabalhador ou mesmo os dois em seus
cativeiros político-econômicos.
Para compreender essas questões, foi
utilizado como aporte teórico
metodológico o materialismo-histórico
dialético, pois, dada a configuração social
e política do objeto de estudo,
caracterizado pelo movimento das ideias e
dos diversos grupos de interesse que
compõem o contexto do campo brasileiro e
do acesso à educação e seus entrelaços
com as políticas públicas educacionais e
fundiárias, as categorias teóricas de análise
científica contempladas pelo referencial
materialista-histórico dialético, foram
essenciais para os fins da abordagem desse
artigo. Já em relação à metodologia, o
trabalho está construído via pesquisa
teórica e bibliográfica.
Borges, G. M. T., & Carneiro, M. E. F. (2020). O Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária - PRONERA em
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Um esboço histórico do Programa
Nacional da Educação na Reforma
Agrária - PRONERA
O Programa Nacional da Educação
na Reforma Agrária - PRONERA constitui
o principal documento regulamentador da
Política Pública para a Educação do
Campo. O programa passou a ser uma
importante fonte que conecta as políticas
de Reforma Agrária e a promoção da
educação do campo, nas mais diversas
peculiaridades que o ambiente rural
necessita.
O PRONERA foi fruto de um
processo de lutas e reivindicações dos
camponeses, dos movimentos sociais
agrários, dos setores públicos e privados
que se preocupavam com a delicada
situação que afligia a educação nas áreas
rurais.
É nesse contexto que a atuação dos
movimentos sociais agrários foi importante
para a discussão da Educação do Campo:
No âmbito da educação para áreas
rurais, o paradigma da Educação do
Campo vai ser a base para esses
programas e políticas públicas, a
partir de então. Nesse momento,
inicia-se no interior das práticas
educativas dos movimentos sociais
um processo de construção de
pedagogias próprias dos sujeitos da
luta pela terra. Esses sujeitos também
passam a construir suas próprias
escolas e princípios político-
ideológicos que deram forma a um
modelo de educação que visa
reproduzir as formas camponesas no
campo, valorizando seus próprios
sujeitos (Oliveira, 2017, pp. 18-19).
Tais discussões foram fortalecidas
com a promulgação da Lei de Diretrizes e
Bases da Educação Nacional (LDB), em 20
de dezembro de 1996, que passou a prever
em seu artigo 28 a possibilidade de
currículo e metodologias apropriadas ao
meio rural e imprimiu maior compreensão
das especificidades e singularidades na
organização escolar em relação ao
calendário escolar dessas localidades.
Outro fator importante, embora não
seja o único movimento social voltado às
pautas fundiárias, foi a participação do
Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem-Terra (MST) neste processo, o que
possibilitou articular e dar maior
visibilidade ao I Encontro Nacional de
Educadores da Reforma Agrária (ENERA),
no ano de 1997, que também teve a
participação do Grupo de Trabalho de
Apoio à Reforma Agrária da Universidade
de Brasília (GT-RA/UnB), do Fundo das
Nações Unidas para a Infância (UNICEF),
do Fundo das Nações Unidas para a
Ciência e Cultura (UNESCO) e da
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(Borges & Carneiro, 2016).
Estas articulações passaram a ser
chamadas de Movimento pela Luta de uma
Educação do Campo que deu origem a
outras iniciativas, uma delas, oriunda dos
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trabalhos do I ENERA, criou um grupo
eleito para coordenar a produção do
processo de construção de um projeto
educacional das instituições de ensino
superior nos assentamentos, responsável
pela elaboração de um documento (texto-
base do PRONERA), apresentado no III
Fórum do Conselho de Reitores das
Universidades Brasileiras, ocorrido nos
dias 6 e 7 de novembro de 1997.
Em 16 de abril de 1998, por meio da
Portaria n. º 10/98, o extinto Ministério
Extraordinário de Política Fundiária, à
época chefiado pelo ministro Raul
Jungmann, criou o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária
(PRONERA), bem como a sua primeira
versão do Manual de Operações.
Assim, o PRONERA se formaliza
como um programa de governo resultante
dos progressos pelos quais a discussão e a
luta, que envolvem a Reforma Agrária,
empreenderam no país na década de
noventa, juntamente com uma atuação
mais incisiva do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Terra, um processo em
que, além da discussão fundiária, também
passava a debater outros direitos inerentes
a luta pela terra, como por exemplo, o
direito à educação:
O programa [PRONERA] criado por
portaria do então Ministério
Extraordinário da Política Fundiária
(MEPF), num contexto de ascensão
da luta pela Reforma Agrária que
aliava as condições de forte
organização e mobilização dos Sem
Terra por todo o território nacional à
sensibilidade da sociedade brasileira
em torno da causa, mobilizada após
os massacres de Corumbiara, em
Rondônia, em 1995, e de Eldorado
dos Carajás, no Pará, em 1996. Os
movimentos sociais do campo
souberam bem aproveitar este
ambiente favorável à Reforma
Agrária para trazer a público outras
pautas normalmente esquecidas ou
desconhecidas pelas autoridades,
entre elas a situação da Educação no
Campo, notadamente a falta de
escolas, e a falta de educadores para
as poucas que existiam, o que
impunha uma condição de acesso
apenas aos anos escolares iniciais,
reproduzindo, nos assentamentos, a
mesma lógica de negação histórica
do direito, aos camponeses, de acesso
aos níveis mais elevados de
escolaridade (Caldart, Pereira,
Alentejano & Frigotto, 2012, p. 632).
Essa proximidade entre o
PRONERA, enquanto política pública, e a
atuação dos movimentos sociais do campo
foi e ainda é, um dos principais fatores que
permitiu ao programa produzir bons
resultados, “pois foi uma luta que veio
desde baixo” (Oliveira, 2017, p. 22) e
conseguiu se projetar como uma política
pública fundiária e educacional a ser
promovida em todo país, respeitando as
particularidades da identidade do povo
camponês e de sua luta pela terra.
Por outro lado, ao se tornar um forte
instrumento de luta em favor dos
trabalhadores do campo, sobretudo para os
assentados e beneficiários da Reforma
Borges, G. M. T., & Carneiro, M. E. F. (2020). O Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária - PRONERA em
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Agrária, o PRONERA tem representado
uma ameaça às elites agrárias do país.
Logo, com base nas considerações
apontadas, algo que se pode inferir: o
PRONERA se insere no processo de lutas
de classes dos trabalhadores do campo face
às elites e ao agronegócio.
Nos primeiros anos do programa, a
maior preocupação se deu em razão dos
altos índices de analfabetismos dos
moradores do campo, em especial aqueles
que viviam em assentamentos para fins de
Reforma Agrária. Havia, portanto, uma
patente necessidade de se efetivar
processos de escolarização da população
rural brasileira, o que se deu por meio da
Educação de Jovens e Adultos. Em 13 anos
o programa realizou 167 cursos para nível
fundamental em todos os Estados e no
Distrito Federal, proporcionando uma
maior disseminação e visibilidade do
PRONERA pelo país (Instituto de Pesquisa
Econômica Aplicada, 2015, p. 26).
Na década de 2000 novas demandas
por parte dos movimentos sociais exigiram
do PRONERA outras abordagens
educacionais voltadas para a promoção do
ensino médio e do ensino superior:
Em razão destes resultados, o
Pronera, que até então executava
majoritariamente projetos de
alfabetização e escolarização em
séries iniciais, passou a incentivar
projetos de ensino fundamental
completo e nível médio. Com o
desenvolvimento destes projetos, a
consequente conclusão deste nível de
ensino e a necessidade de formação
de professores para as escolas
conquistadas para os PAs, os
próprios movimentos sociais
passaram a demandar projetos de
cursos superiores, inicialmente
restritos à área de Pedagogia e
licenciaturas, posteriormente
ampliados para outras áreas, como as
de Ciências Agrárias. (Caldart et al.,
2012, p. 632).
Assim, todos os movimentos
mencionados foram de suma importância
para potencializar o PRONERA como
marco regulatório das políticas públicas de
Educação do Campo, tanto que em 2010,
por meio do Decreto n. º 7.352/10 é
definitivamente incorporado como uma
política pública de Estado e não somente
de Governo.
Além disso, a sua execução passou a
ficar a cargo do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária - INCRA.
A incorporação do PRONERA à gestão do
INCRA foi relevante para uma melhor
estruturação do programa junto ao contexto
dos assentamentos rurais e dos
movimentos sociais do campo, uma vez
que a atuação do INCRA é realizada direta
e indiretamente junto dessas comunidades
agrárias.
Em seus vinte anos de história, o
PRONERA/INCRA, desde a sua criação
em 1998, manteve-se muito proativo na
promoção de políticas públicas
educacionais para o campo:
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Firmou convênios com universidades
públicas e qualificou quase 200 mil
brasileiros do campo. Os dados
apontam para mais de 165 mil
brasileiros atendidos pela Educação
de Jovens e Adultos EJA que
puderam ser alfabetizados, concluir o
Ensino Fundamental e Médio. Para
além disso, o PRONERA formou
mais de 5 mil graduados e 3 mil pós-
graduados. Adicionalmente, mais de
20 mil brasileiros do campo tiveram
acesso a cursos de extensão.
(Pinheiro, 2020, p. 3).
Em termos legais, o PRONERA é
regulamentado por 19 (dezenove)
disposições normativas em seu Decreto
regulador, que tratam de assuntos que vão
desde a organização do programa aos
cuidados com seus aspectos técnicos como,
por exemplo, os relativos à gestão
orçamentária, bem como com os princípios
norteadores da Educação do Campo. Outro
documento importante é o Manual de
Operações do PRONERA, aprovado em
sua atual edição pela Portaria/INCRA/P/N.
º 19, de 15 de janeiro de 2016, cujo
conteúdo aprofunda as logísticas de
cooperações e parcerias do programa com
as entidades de ensino.
Segundo o Manual, o objetivo do
PRONERA é fortalecer a educação nas
áreas de Reforma Agrária estimulando,
propondo, criando, desenvolvendo e
coordenando projetos educacionais,
utilizando metodologias voltadas para a
especificidade do campo, tendo em vista
contribuir para a promoção da inclusão
social com desenvolvimento sustentável
nos Projetos de Assentamento da Reforma
Agrária.
nos termos do Decreto n.º
7.352/10, o PRONERA tem três objetivos
centrais bem definidos, quais sejam: a)
oferecer educação formal aos jovens e
adultos beneficiários do Plano Nacional de
Reforma Agrária - PNRA, em todos os
níveis de ensino; b) melhorar as condições
do acesso à educação do público do
PNRA; e, c) proporcionar melhorias no
desenvolvimento dos assentamentos rurais
por meio da qualificação do público do
PNRA e dos profissionais que
desenvolvem atividades educacionais e
técnicas nos assentamentos.
Em relação aos princípios elencados
no programa vamos fazer uma longa
citação, ainda que, possa ser cansativa,
dada as especificidades do público
beneficiário em questão, podemos agrupá-
los em duas categorias. Um primeiro grupo
que trata dos princípios político-
pedagógico do PRONERA, e um segundo
que versa diretamente sobre os princípios
orientadores da proposta de Educação do
Campo.
São seis os princípios básicos de
natureza político-pedagógica do programa:
a) Democratização do acesso à
educação: a cidadania dos jovens e
adultos que vivem nas áreas de
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reforma agrária se assegurada,
também, por meio da oferta de uma
educação pública, democrática e de
qualidade, sem discriminação e cuja
responsabilidade central seja dos
entes federados e suas instituições
responsáveis e parceiras nesse
processo.
b) Inclusão: a indicação das
demandas educativas, a forma de
participação e gestão, os
fundamentos teóricos metodológicos
dos projetos devem ampliar as
condições do acesso à educação
como um direito social fundamental
na construção da cidadania dos
jovens e adultos que vivem nas áreas
de reforma agrária.
c) Participação: a indicação das
demandas educacionais é feita pelas
comunidades das áreas de reforma
agrária e suas organizações, que em
conjunto com os demais parceiros
decidirão sobre a elaboração,
execução e acompanhamento dos
projetos.
d) Interação: as ações desenvolvidas
por meio de parcerias entre órgãos
governamentais, instituições de
ensino públicas e privadas sem fins
lucrativos, comunidades assentadas
nas áreas de reforma agrária e as suas
organizações, no intuito de
estabelecer uma interação
permanente entre esses sujeitos
sociais pela via da educação
continuada e da profissionalização no
campo.
e) Multiplicação: A educação do
público beneficiário do PRONERA
visa a ampliação do número de
trabalhadores rurais alfabetizados e
formados em diferentes níveis de
ensino, bem como, garantir
educadores, profissionais, técnicos,
agentes mobilizadores e articuladores
de políticas públicas para as áreas de
reforma agrária.
f) Participação social: o PRONERA
se desenvolve por meio de uma
gestão participativa, cujas
responsabilidades são assumidas por
todos os envolvidos na construção,
acompanhamento e avaliação dos
projetos pedagógicos. A parceria é
condição essencial para a realização
das ações do PRONERA. Os
principais parceiros são os
movimentos sociais e sindicais do
campo, as instituições de ensino
públicas e privadas sem fins
lucrativos e os governos municipais e
estaduais. (INCRA - Manual de
Operações do Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária, 2016,
pp. 14-15).
A par desta análise, podemos aferir
que o PRONERA tem três dimensões de
constituição: jurídica, pedagógica e de
política pública. A dimensão jurídica do
programa é dada pelo próprio decreto que
o regulamenta ao cuidar de aspectos
eminentemente vinculados ao direito, tais
como a fixação de competências
legislativas e administrativas aos entes
federados (artigos 3º, 4º, 7º, dentre
outros). A segunda dimensão, de natureza
pedagógica, é expressa pela série de
disposições do programa que trazem as
premissas do que é a Educação do Campo
para o PRONERA, tanto que no artigo 2.º
do decreto regulamentador são elencados
os diversos princípios da educação do
campo. E, por fim, a dimensão de política
pública, que talvez seja a natureza mais
aproximada das finalidades do PRONERA,
na medida em que se torna um projeto
voltado a consecução de políticas públicas
do campo e da educação, simultaneamente.
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Ademais, inegável também é o papel dessa
dimensão em constituir o PRONERA com
vistas a promover um conjunto de ações
afirmativas para as comunidades
campesinas, aos beneficiários e assentados
da reforma agrária, bem como aos
agricultores familiares.
Considerando, ainda, a dimensão de
política pública do PRONERA, podemos
afirmar que, de forma inovadora, o
programa também expressa seu importante
papel como instrumento de promoção das
ações afirmativas que são medidas que
visam, a médio e longo prazo, tentar
amenizar as consequências negativas de
um processo histórico de exclusão social
dos habitantes do campo que lhes
dificultou o acesso aos direitos
fundamentais de um ser humano, a
exemplo do próprio direito à educação.
Assim, as ações afirmativas
constituem medidas de compensação pela
falha no cumprimento do mandamento da
Constituição Federal brasileira, que em seu
artigo 5.º, caput, garante, dentro outros
direitos fundamentais, a igualdade formal e
material.
Em uma leitura estritamente jurídica
o direito à igualdade se desenvolve numa
perspectiva formal e substancial. Tais
acepções expressam a ideia de que, embora
todos os seres humanos sejam iguais entre
si, historicamente, diversos grupos sociais
foram excluídos do acesso a direitos e, por
essa razão, é preciso tratar de forma igual
os iguais e de maneira desigual os
desiguais. A isto damos o nome de “fator
discriminação” (Mello, 2003).
Portanto, tendo em vista a realidade
social de nosso país, as ações afirmativas
são fatores de discriminação positivos na
medida em que buscam por meio de
instrumentos de compensação, amenizar as
enormes disparidades sociais em razão de
fatores econômicos, etnia, sexo dentre
outros.
No campo da educação superior as
ações afirmativas ganharam destaque com
a promulgação, no ano 2000, da Lei n. º
3.524 do Estado do Rio Janeiro que de
forma inovadora destinou 50% (cinquenta
por cento) das vagas das Universidades
fluminenses a estudantes que tivessem
cursado integralmente o ensino médio nas
redes públicas estaduais ou municipais. No
ano seguinte foi publicada a Lei n. º
3.708/2001, também do Estado do Rio de
Janeiro, que passou a reservar 40%
(quarenta por cento) das vagas dos
vestibulares da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro UERJ e da Universidade
Estadual do Norte Fluminense UENF
para negros e pardos.
Após essas iniciativas diversas
Universidades brasileiras seguiram os
mesmos passos, tais como a Universidade
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“desmonte”: 20 anos de lutas e conquistas ameaçados pelo elitismo fundiário no cenário de 2016 a 2020...
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de Brasília UNB e a Universidade do
Estado da Bahia UNEB e, no ano de
2002, o Governo Federal promulgou a Lei
n. º 10.550, por intermédio da qual se criou
o “Programa Diversidade na
Universidade”.
Este contexto trouxe um verdadeiro
chacoalhar sobre os modelos tradicionais
nos quais se desenvolvia o ensino superior
no país. Isso porque o acesso às
Universidades brasileiras sempre fora um
privilégio das classes mais abastadas e um
“não-direito” do trabalhador, do negro, do
pobre. Não é por menos que tais políticas
de cotas foram levadas ao questionamento
no Supremo Tribunal Federal STF, por
meio da Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. º 186-02/DF
proposta, em 20 de julho de 2009, pelo
partido político Democratas (DEM). Nesta
ação de constitucionalidade o referido
partido político insurgiu contra os atos
administrativos da Universidade de
Brasília UNB em relação à sua política
de ações afirmativas e à criação das cotas
raciais.
Vejamos alguns trechos da ADPF n.
º 186-02/DF e as alegações do DEM
contrárias às ações afirmativas:
Alega-se ofensa aos artigos 1º, caput
e inciso III; 3º, inciso IV; 4º, inciso
VIII; , incisos I, II, XXXIII, XLII,
LIV; 37, caput; 205; 207, caput; e
208, inciso V, da Constituição de
1988.
A peça inicial defende, em síntese,
que “... na presente hipótese,
sucessivos atos estatais oriundos da
Universidade de Brasília atingiram
preceitos fundamentais diversos, na
medida em que estipularam a criação
da reserva de vagas de 20% para
negros no acesso às vagas universais
e instituíram verdadeiro ‘Tribunal
Racial’, composto por pessoas não-
identificadas e por meio do qual os
direitos dos indivíduos ficariam,
sorrateiramente, à mercê da
discricionariedade dos
componentes...”.
Alega que o sistema de cotas da UnB
pode agravar o preconceito racial,
uma vez que institui a consciência
estatal da raça, promove ofensa
arbitrária ao princípio da igualdade,
gera discriminação reversa em
relação aos brancos pobres, além de
favorecer a classe média negra
(Supremo Tribunal Federal. Arguição
de Descumprimento de Preceito
Fundamental n. 186-02/DF, 2002).
Todavia, neste caso específico, o
direito à Educação saiu vitorioso, tendo o
Supremo Tribunal Federal reconhecido a
legitimidade das ações afirmativas
realizadas pela UNB. Tal decisão gerou
efeitos em todo o país:
Ementa: Arguição de
Descumprimento de Preceito
Fundamental. Atos que instituíram
sistema de reserva de vagas com base
em critério étnico-racial (cotas) no
processo de seleção para ingresso em
instituição pública de ensino
superior. Alegada ofensa aos arts. 1º,
caput, iii, 3º, iv, 4º, viii, 5º, i, ii
xxxiii, xli, liv, 37, caput, 205, 206,
caput, i, 207, caput, e 208, v, todos
da Constituição Federal. Ação
julgada improcedente. I Não
contraria - ao contrário, prestigia o
princípio da igualdade material,
previsto no caput do art. da Carta
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da República, a possibilidade de o
Estado lançar mão seja de políticas
de cunho universalista, que abrangem
um número indeterminado de
indivíduos, mediante ações de
natureza estrutural, seja de ações
afirmativas, que atingem grupos
sociais determinados, de maneira
pontual, atribuindo a estes certas
vantagens, por um tempo limitado, de
modo a permitir-lhes a superação de
desigualdades decorrentes de
situações históricas particulares. II
O modelo constitucional brasileiro
incorporou diversos mecanismos
institucionais para corrigir as
distorções resultantes de uma
aplicação puramente formal do
princípio da igualdade. III Esta
Corte, em diversos precedentes,
assentou a constitucionalidade das
políticas de ação afirmativa. IV
Medidas que buscam reverter, no
âmbito universitário, o quadro
histórico de desigualdade que
caracteriza as relações etnicorraciais
e sociais em nosso País, não podem
ser examinadas apenas sob a ótica de
sua compatibilidade com
determinados preceitos
constitucionais, isoladamente
considerados, ou a partir da eventual
vantagem de certos critérios sobre
outros, devendo, ao revés, ser
analisadas à luz do arcabouço
princípio lógico sobre o qual se
assenta o próprio Estado brasileiro...
(Brasil, Supremo Tribunal Federal.
Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental n. º 186-
02/DF, 2002).
Como esperado, esse resultado não
agradou às elites brasileiras, pelo contrário,
representou praticamente um objetivo de
sua parte manejar atos contra as ações
afirmativas.
Infelizmente, o que resultou em
quase 20 anos de evolução e garantia de
direitos sociais fundamentais no campo da
Educação parece hoje estar ameaçado no
Estado que deu origem aos programas de
ações afirmativas em nosso país. O atual
Deputado Estadual Rodrigo Amorim
(PSL), do Rio de Janeiro, que também é
advogado, propôs em maio de 2019 o
Projeto de Lei n. º 470/2019, que tem por
finalidade única extinguir as ações
afirmativas para pessoas negras nas
Universidades estaduais cariocas.
Assim justifica o deputado as razões
do seu projeto:
Cotas raciais sempre dividem
negativamente as sociedades onde
são implantadas, gerando o ódio
racial e o ressentimento das pessoas
que não entraram na Universidade,
apesar de terem obtido nota maior ou
igual à obtida pelos cotistas nas
provas de vestibular.
As cotas definidas pela cor da pele do
indivíduo corrompem as
Universidades onde são aplicadas,
aniquilando o valor do mérito
acadêmico e criando pressões sem
fim para discriminar as pessoas por
sua ‘raça’ em todos os veis de
ensino, do fundamental à
universidade.
Cada vez mais o noticiados casos
de candidatos que fraudam as auto
declarações raciais no intuito de
fazerem jus a uma vaga que na
verdade não fazem. Tal critério
jamais poderia ser utilizado para
defender direitos, já que não é
possível atestar a real necessidade de
um candidato apenas pela cor da sua
pele.
O referido sistema representa uma
afronta à meritocracia já que todos
são iguais perante a lei e, permitir um
sistema de cotas que utiliza como
critério a cor da pele causa uma
distorção nos direitos universais, pois
considera que a cor da pele define a
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incapacidade do indivíduo de buscar
por seus próprios méritos o objetivo
que deseja alcançar.
O presente projeto visa extinguir a
possibilidade da divisão social
instituída através do sistema de cota
racial que buscou garantir um
suposto direito de ingresso nas
universidades públicas do estado
definido apenas pela cor da pele do
indivíduo, e manter somente o direito
à cota para aqueles estudantes que
necessitam de fato do referido
sistema, por conta de fatores que de
fato os prejudica e não apenas pela
cor da pele. (Assembleia Legislativa
do Estado do Rio de Janeiro
Projeto de Lei n. º 470, 2019).
As motivações do deputado, em que
pese seu elevado grau de absurdos na
construção das ideias e análises apontadas,
causa-nos ainda maior perplexidade porque
representa uma parcela considerável do
pensamento da população brasileira, afinal
tal candidato foi o mais votado nas eleições
de 2018.
Ao final de sua justificativa, de que é
preciso “manter somente o direito à cota
para aqueles estudantes que necessitam de
fato do referido sistema, por conta de
fatores que de fato os prejudica e não
apenas pela cor da pele”, o desvelar dos
interesses que ele representa são
escancarados em sua proposta legislativa,
pois segundo o projeto: “Fica extinto o
sistema de cotas para ingresso nas
universidades estaduais no âmbito do
Estado do Rio de Janeiro, adotado com a
finalidade de assegurar seleção e
classificação final nos exames vestibulares
aos estudantes carentes, exceto:” filhos de
policiais civis e militares, bombeiros
militares, inspetores de segurança e
administração penitenciária, mortos ou
incapacitados em razão de suas atribuições
(PL n.º 470/2019).
Ora, por qual subjugação histórica,
social e política passaram os militares de
nosso país para justificar sua inclusão em
programas de ação afirmativa? Não existe.
Porém, ciclicamente, a estrutura do capital
por meio da classe dominante sempre
tentará alijar as duras conquistas das
minorias brasileiras no campo da
Educação. Por fim, realizadas essas
considerações gerais sobre as ações
afirmativas, como podemos compreender o
PRONERA inserido em tal categoria?
Em que pese a relevante conquista do
“Programa Diversidade na Universidade”,
mais uma vez os trabalhadores do campo,
em sua maioria, também ficaram às
margens desses benefícios, pois ainda
prepondera uma visão urbanocêntrica que
direciona as políticas públicas
educacionais no Brasil e, no caso das ações
afirmativas, a situação não foi diferente: o
trabalhador do campo não foi
contemplado.
Entretanto, se por um lado as ações
afirmativas mais recorrentes buscavam
enfrentar o processo histórico de exclusão
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dos negros e pobres de centros urbanos,
tivemos, por outro lado, o Programa
Nacional da Educação da Reforma Agrária
surgindo como um forte instrumento de
“fator discriminação” positivo em prol dos
trabalhadores rurais.
O PRONERA como “ameaça” e as ações
governamentais atuais para seu
desmonte
As ações de desmonte do Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária
ganharam mais força a partir do ano de
2016, com o golpe parlamentar, militar,
jurídico e midiático, que contou, também,
com interesses internacionais adjacentes
que impuseram o ultra neoliberalismo,
sobretudo com a emenda constitucional n.º
95/2016, também conhecida como a PEC
da Morte”, quando ainda tramitava na
Câmara dos Deputados e no Senado. Essa
emenda impôs políticas de congelamento
orçamentário durante o governo do ex-
presidente Michel Temer (2016 a 2019).
Por consequência, tais medidas
impactaram drasticamente nas políticas
sociais, em especial aquelas voltadas à
educação, a saúde, a segurança, a
previdência social, a assistência,
fragilizando ainda mais a rede de proteção
social do país.
A perspectiva político-econômica
ultra neoliberal do Governo Temer teve
por programa a agressiva privatização dos
bens públicos, preservação do rendimento
dos rentistas e banqueiros, destruição da
legislação trabalhista, cortes de recursos
sociais da saúde, cultura e educação,
concentração da renda e marginalização
social.
Tal perspectiva ultra neoliberal
cortou os recursos do PRONERA,
conforme constou das diretrizes para a
elaboração e execução da Lei
Orçamentária de 2019, que chegavam a
aproximadamente R$ 30 milhões em 2016,
pela metade em 2017 e, no ano de 2018,
foram previstas verbas de apenas cerca R$
7 milhões para o exercício do programa em
2019 (Brasil, Câmara dos Deputados,
2019).
O governo atual, do Presidente Jair
Bolsonaro (2019 a 2020), deu continuidade
às políticas ultra neoliberalistas do governo
Temer, mas também ao
neoconservadorismo, tendo por intuito,
como aponta Santos (2020, p. 22), “... calar
as vozes da classe operária, dos
trabalhadores rurais e urbanos, da
juventude, das mulheres, dos indígenas,
dos sem-terra, dos sem teto, dos negros, e
de todos os trabalhadores que sofrem
exploração, dominação e opressão”.
Podemos constatar como os cortes de
recursos para o PRONERA constituem-se
em política de alijamento social dos
trabalhadores rurais, na medida em que,
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conforme os últimos dados do Anuário
Brasileiro da Educação Básica 2019,
somente 29,8% das crianças que residem
nas áreas rurais apresentam nível suficiente
de alfabetização em leitura, ao passo que
as crianças que estudam na zona urbana
apresentam suficiência de 47,7% (Brasil,
Anuário Brasileiro da Educação Básica
2019, p. 52), fatos estes que indicam a
necessidade de os habitantes da zona rural
terem direito a uma atenção especial. Além
disso, também no ensino superior essa
realidade é constatada:
Segundo o Observatório do PNE
(2017), baseado na Pesquisa
Nacional por Amostra de Domicílios
do IBGE, indica que, em 2019, a taxa
líquida de matrícula na educação
superior das populações rurais era de
6,5%, e a taxa líquida do quartil mais
rico era de 41,5% e o do quartil mais
pobre da população, de somente
6,9%, e, por fim, a vergonhosa
desigualdade que nos indica que a
taxa líquida de matrícula na educação
superior da população branca era
quase o dobro das taxas das
populações negras e indígenas.
(Brasil, Pesquisa Nacional de
amostras por domicílio, 2019).
Ricardo Vélez Rodríguez, primeiro
ministro da educação do governo
Bolsonaro (jan.2019/abr.2019), em
entrevista ao Jornal Valor Econômico
afirma que: a ideia de universidade para
todos não existe”, e ainda acalora, “as
universidades devem ficar reservadas para
uma elite intelectual, que não é a mesma
elite econômica do país” (Brasil, Valor
Econômico, 2019).
A segunda nomeação para ministro
da educação no governo do presidente Jair
Bolsonaro (2019) foi o economista
Abraham Weintraub de falas e postura
polêmica, denunciando rapidamente seu
perfil autoritário e antidemocrático,
explicitando medidas para uma gestão
marcada pelo contingenciamento de gastos
na pasta da educação” (Santos, 2020, p.
30). Em sua gestão constatou-se cortes das
verbas para a educação, de modo geral, e
em especial para as Universidades que
promovem as maiores parcerias de projetos
vinculados ao PRONERA, portanto, desde
o início do mencionado governo se
temia a inviabilização do programa.
O Ministro supracitado comentou,
em 30 de abril de 2019, em entrevista ao
jornal Estado de São Paulo, a respeito dos
primeiros cortes aos recursos das
universidades, dentre as quais estavam a
UFF, UFBA e UNB, que perderiam 30%
(trinta por cento) de seus orçamentos. No
entanto, as justificativas do governo para
os cortes, explanadas pelo então Ministro,
tiveram um teor extremamente politizado
de cunho neoliberal na forma de se pensar
a Educação, bem como acerca do que se
espera da posição das elites do país frente
ao direito de acesso a uma educação
emancipadora.
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Vejamos a representatividade desse
discurso:
‘Universidades que, em vez de
procurar melhorar o desempenho
acadêmico, estiverem fazendo
balbúrdia, terão verbas reduzidas’,
disse o ministro.
De acordo com Weintraub,
universidades têm permitido que
aconteçam em suas instalações
eventos políticos, manifestações
partidárias ou festas inadequadas ao
ambiente universitário. ‘A
universidade deve estar com sobra de
dinheiro para fazer bagunça e evento
ridículo’, disse. Ele deu exemplos do
que considera bagunça: “Sem-terra
dentro do campus, gente pelada
dentro do campus.
Weintraub não detalhou quais
manifestações ocorreram nas
universidades citadas, mas disse que
esse não foi o único ponto observado.
Essas instituições também estão
apresentando resultados aquém do
que deveriam, disse. “A lição de casa
precisa estar feita: publicação
científica, avaliações em dia, estar
bem no ranking. Ele, no entanto,
não citou rankings. (Brasil, Estadão,
2019).
A posição do Ministro da Educação
Abraham Weintraub, que em sua formação
profissional é economista, deixa claro que
o fomento ao pensamento crítico dentro
das universidades, sobretudo as públicas,
será retaliado pelo governo por meio de
medidas de cortes em investimentos e uma
maior gerência do Estado dentro das
universidades e institutos federais.
Nesta visão, portanto, as ações do
PRONERA e todos os seus resultados e
frutos que persistem até os dias atuais, são
consideradas “balbúrdias”, como, por
exemplo, “Sem-terra dentro do campus”.
Ora, essa fala do Ministro é praticamente a
reprodução do mesmo discurso ideológico
da classe dominante de que lugar de
trabalhadores do campo não é na escola, ao
menos não naquelas que preparam os
alunos criticamente para entender as
mazelas da exploração capitalista.
Em outra oportunidade, também se
posicionaram em redes públicas o
Presidente Jair Bolsonaro e novamente o
Ministro da Educação Abraham
Weintraub, as suas preocupações com as
escolas de sem-terra:
O presidente Jair Bolsonaro criticou
nesta quinta-feira o que chamou de
‘forte doutrinação ideológica’ de
cerca de 200 mil alunos pobres e de
áreas rurais que frequentam
aproximadamente duas mil escolas,
nas palavras de Bolsonaro, ‘ditas
Sem Terrinha’, geridas pelo
Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST). Postado ao lado
de Bolsonaro no momento da fala, o
ministro da Educação, Abraham
Weintraub, aproveitou para defender
o fim do repasse de dinheiro público
para escolas do movimento.
Ali (nas escolas do MST), dia
sim, dia não, em vez de o Hino
Nacional e o hasteamento da
bandeira, se canta a Internacional
Socialista ou o hino do MST. E
uma forte doutrinação ideológica
nessa garotada. No meu entender,
não tem que ter política em sala de
aula. Nem de esquerda nem de
direita. Ou, se tiver, que tenha os dois
lados disse o presidente, para
quem a ‘garotada’ deve sair da escola
sabendo interpretar textos, a fórmula
da água ou uma regra de três simples.
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(Nossa intenção é) que tenhamos
no futuro, na ponta da linha, bons
profissionais e não bons militantes. O
que, no meu entender, não é bom
para o Brasil complementou.
o ministro da Educação, depois de
destacar que 30% das crianças
brasileiras não estão na pré-escola e
deveriam ter preparo para não
chegarem defasadas e em
desvantagem na primeira série do
ensino fundamental, disse que o
objetivo é deslocar alunos das escolas
do MST ‘para dentro da República’,
através de assistência, de creches,
pré-escola. Para o ministro, as
escolas não podem ser ‘uma coisa
fora da nação brasileira’.
Na mesma linha da fala do ministro,
Bolsonaro manifestou disposição de
colocar o governo para intervir na
‘questão ideológica’ das escolas do
MST.
Agora, na questão ideológica, eu
acho que o Estado poderia interferir.
Não podemos deixar que se formem
militantes ou brasileiros que não
terão qualquer qualificação no futuro,
que seriam apenas dependentes do
Estado em outras áreas declarou
Bolsonaro, sendo questionado, em
seguida, sobre de que forma o
governo atuar nesse espaço.
O que for possível fazer, a gente
faz. A gente quer que a escola forme
bons profissionais, bons patrões,
bons empregados, bons liberais. Isso
é coisa para mais de dez anos, mas
tem que ter o primeiro passo
respondeu. (Brasil, O Globo, 2019).
Além desses dados objetivos, o que
nos causa mais espanto são as demais
medidas tomadas pelos dirigentes públicos
que demonstram um nítido ataque aos
movimentos sociais e sindicais de
trabalhadores e trabalhadoras do campo,
quilombolas, comunidades tradicionais e
ao próprio INCRA.
Na reestruturação política do
INCRA, promovida pelo governo,
nomeou-se o coronel César Augusto
Gerken para a coordenação nacional do
PRONERA (Portaria n. º 741, de 15 de
abril de 2019). Conforme os dados
informados pelo próprio INCRA, o
currículo do novo gestor do programa o
apresenta como:
Coronel do Exército, com
experiência em gestão nacional e
internacional, formado na Academia
Militar das Agulhas Negras
(AMAN), tem pós-graduação em
Administração Pública na
Universidade Castelo Branco (UCB)
e em Bases Geo-históricas para
Formação Estratégica na Escola de
Comando e Estado-Maior do
Exército (ECEME). É mestre em
Ciências Militares, cursado na Escola
de Aperfeiçoamento de Oficiais
(EsAO), tem curso superior de
Defesa na Escola Superior de Guerra
(ESG), curso de Política Estratégica e
Alta Administração do Exército na
ECEME e MBA Executivo em
Administração na Fundação Getúlio
Vargas (FGV). Participou de duas
missões de Paz no Haiti.
Não há, portanto, nenhuma formação
profissional do novo coordenador na área
da Educação, tampouco vínculo com
demandas correlacionadas a questões
agrárias e, menos ainda, com movimentos
sociais. Nesse mesmo contexto, o atual
Governo também extinguiu todos os
Conselhos, Comissões e outros
mecanismos de participação social,
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eliminou também a Comissão Pedagógica
Nacional do PRONERA.
Outra discussão merecedora de
destaque é a vinculação do PRONERA ao
INCRA e, consequentemente, ao atual
Ministério da Agricultura. Sob uma visão
estritamente objetiva e, até certo ponto,
pragmática, a incorporação do PRONERA
à gestão do INCRA foi relevante para uma
melhor estruturação do programa junto ao
contexto dos assentamentos rurais e dos
movimentos sociais do campo, vez que a
atuação do INCRA é realizada direta e
indiretamente junto dessas comunidades
agrárias, nos assentamentos e demais
programas fundiários. Todavia, em um
aprofundamento mais crítico sobre esta
questão, deve-se, no nimo causar
estranheza, um programa de política
pública educacional como o PRONERA
não fazer parte do Ministério da Educação,
mas sim de uma autarquia federal
vinculada ao Poder Executivo no âmbito
da União.
A exemplo disso, programas
educacionais que também possuem suas
pautas voltadas a educação do campo são
gerenciados pelo Ministério da Educação,
conforme dados disponibilizados em seu
sítio eletrônico oficial, o Governo
brasileiro possui as seguintes ações
vinculadas à promoção de educação do
campo: a) PRONACAMPO; b) PROLIND
- Apoio à Formação Superior e
Licenciaturas Interculturais Indígenas; c)
PET Conexões de Saberes; e UNIAFRO -
Ações Afirmativas para a População Negra
no Educação Superior (Brasil, Ministério
da Educação, 2020).
Embora essa discussão seja bem
mais complexa, o que se revela nesse
ponto é justamente a constatação de como
os projetos de educação no campo no
cenário da Reforma Agrária revelam seus
espaços de lutas e de contradições. A
conquista da educação do campo, portanto,
está imbricada nos processos de luta por
reforma agrária (Ribeiro, 2011, p. 26).
Essa situação, somada às
perspectivas de cortes às ações do
PRONERA, ocasionaram a realização de
uma Audiência Pública, em 11/07/2019,
sobre o programa. Dentre os convidados
presentes estavam Deborah Duprat -
Procuradora Federal dos Direitos do
Cidadão (MPF), Edjane Rodrigues Silva -
Secretária de Políticas Sociais da Contag,
representando o Fórum Nacional de
Educação do Campo (Fonec), Clarice
Aparecida dos Santos - Doutora em
Políticas Públicas e Professora do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade de Brasília, Edward
Madureira Brasil - Reitor da Universidade
Federal de Goiás e Maria de Jesus dos
Santos Gomes - Representante do
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Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST).
Destacamos algumas das falas
pontuadas pelos participantes:
A redução do empenho de recursos
no âmbito do Pronera observada nos
últimos anos foi apontada pela
procuradora como fator crítico à
manutenção do Programa. Segundo
ela, em 2013 o valor representava
cerca de R$ 27 milhões, chegando
em 2018 a aproximadamente R$ 5
milhões. ‘O Pronera praticamente
não existe’. (Deborah Duprat)
... o Pronera inspirou as bases de
implementação de uma política
nacional de educação no campo,
defendendo a sua manutenção no
âmbito do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária
(Incra). ‘O que nós queremos é um
campo com gente vivendo com
qualidade e dignidade. E quando a
gente retira os direitos daqueles que
estão no campo nós estamos
comprometendo a produção de
alimentos saudáveis no nosso país.
Nós estamos contribuindo com a
saída da nossa juventude do campo’.
(Edjane Rodrigues Silva).
‘... O Pronera desafiou as instituições
de ensino e a ciência a pensar sobre
as questões trazidas pelo povo do
campo’, destacou a professora ao
ressaltar que os camponeses
passaram a apresentar à academia
problemas ligados à produção, à
organização social das comunidades
rurais e à educação no campo. A
redução dos índices de analfabetismo
nas áreas rurais, acrescentou, também
se deu em função da existência do
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária. (Clarice Aparecida
dos Santos).
... o Pronera possibilitou a formação
de diversos profissionais, como
pedagogos, veterinários, agrônomos e
advogados. Todos sabemos como foi
difícil cada universidade quebrar o
elitismo da educação nesse país.
(Maria de Jesus dos Santos Gomes).
(Procuradoria Federal dos Direitos do
Cidadão, 2019).
Em conclusão, notamos que o ataque
aos direitos sociais, em especial dos
trabalhadores rurais, tem sido uma das
pautas escancaradas das elites brasileiras e
que, aliadas ao projeto neoliberal
extremista, no PRONERA uma ameaça.
Assim, se realmente este for o fim do
programa, não dúvidas de que ele foi
uma política pública fundiária e também
educacional efetiva e eficaz que despertou
a classe dominante.
Considerações finais
O golpe final dado pelo atual
governo frente às políticas de educação
para o campo se concretizou por meio da
publicação do Decreto n. º 20.252 de 20 de
fevereiro de 2020, cujo conteúdo versa
sobre a reorganização da estrutura do
Instituto Nacional de Colonização e
Reforma Agrária (INCRA), em uma clara
opção pelo enfraquecimento de programas
importantes para o desenvolvimento dos
Movimentos Sem-Terra e Quilombolas.
Na reestruturação, o governo
extinguiu a Coordenação-Geral de
Educação do Campo e Cidadania do
âmbito do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), o
Borges, G. M. T., & Carneiro, M. E. F. (2020). O Programa Nacional da Educação na Reforma Agrária - PRONERA em
“desmonte”: 20 anos de lutas e conquistas ameaçados pelo elitismo fundiário no cenário de 2016 a 2020...
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que inviabiliza a continuidade das ações do
PRONERA no país. Além disso, toda a
política de educação do campo migra sua
competência do INCRA, cuja autonomia
era essencial para as atividades promovidas
no contexto do PRONERA e se estabelece
no Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento, cujo perfil atual é
notadamente voltado ao agronegócio, ou
seja, nenhum órgão governamental ficou
responsável pela execução do PRONERA.
As manifestações, sejam as dos
jornais ou dos dirigentes do Estado
brasileiro, demonstram que a luta de
classes sempre existiu na história agrária
brasileira e, necessariamente, também se
reflete na história da educação. A formação
das contradições se constrói, de um lado,
entre os instrumentos de dominação das
elites, suas ascensões aos cargos de direção
do Estado e sua agressividade ideológica e,
do outro lado, pela atuação de movimentos
sociais e pelo fortalecimento de uma
educação crítica e emancipadora.
Com isso, é notório que o
PRONERA faz parte desse processo de
luta de classes que envolve,
principalmente, campo e educação e, além
disto, sintetizou, até o momento, uma
importante conquista dos movimentos
sociais agrários frente ao capital e à classe
dominante.
Terra e Educação sempre foram
grandezas que, na luta de classes da
sociedade brasileira, estiveram sob o
domínio de uma minoria: dos latifundiários
e de sua elite intelectual. E isto, por sua
vez, implica dizer que a manutenção do
acesso à educação fora da vivência dos
trabalhadores da terra é o modo mais
seguro de formar e manipular uma massa
de mão de obra do campo aos interesses do
capital agrário (Borges, 2019, p. 17).
O direito de acesso aos mais altos e
diferentes níveis de Educação é velado
pelas elites brasileiras como um privilégio
e, por essa razão, não deve ser
democraticamente estendido a todos.
Manter o trabalhador na ignorância sobre a
realidade exploratória em que ele se insere
é uma necessidade do sistema capitalista e,
por isso, Educação não é para todos, é para
poucos.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 16/09/2020
Aprovado em: 03/11/2020
Publicado em: 04/12/2020
Received on September 16th, 2020
Accepted on November 03th, 2020
Published on December, 04th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Guilherme Martins Teixeira Borges
http://orcid.org/0000-0002-9667-8101
Maria Esperança Fernandes Carneiro
http://orcid.org/0000-0002-7272-6666
Como citar este artigo / How to cite this article
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Borges, G. M. T., & Carneiro, M. E. F. (2020). O Programa
Nacional da Educação na Reforma Agrária - PRONERA
em “desmonte”: 20 anos de lutas e conquistas ameaçados
pelo elitismo fundiário no cenário de 2016 a 2020. Rev.
Bras. Educ. Camp., 5, e10501.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10501
ABNT
BORGES, G. M. T.; CARNEIRO, M. E. F. O Programa
Nacional da Educação na Reforma Agrária - PRONERA
em “desmonte”: 20 anos de lutas e conquistas ameaçados
pelo elitismo fundiário no cenário de 2016 a 2020. Rev.
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e10501, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10501