Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10512
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10512
10.20873/uft.rbec.e10512
2020
ISSN: 2525-4863
1
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Educação superior no campo: universidade e movimentos
sociais em diálogo na formação de educadoras e
educadores
Maria Divanete Sousa da Silva
1
, Salomão Antônio Mufarrej Hage
2
, Hellen do Socorro de Araújo Silva
3
1, 2, 3
Universidade Federal do Pará - UFPA. Escola de Aplicação da UFPA. Avenida Perimetral, 1000, Terra Firme. Belém - PA.
Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: divaped@bol.com.br
RESUMO. Este artigo reflete sobre a Formação de Educadoras
e Educadores do Campo no Curso de Licenciatura em Educação
do Campo ofertado pela Universidade Federal do Pará, Campus
de Cametá/PA, no território da Amazônia Tocantina, com a
participação dos movimentos sociais do campo. Ele resulta de
uma pesquisa desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em
Educação, da Universidade Federal do Pará, acrescido de
contribuições acumuladas pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação do Campo na Amazônia, com a participação de seus
integrantes na Rede Universitas/Br, que investiga sobre a
educação superior no Brasil. Tem como objetivo analisar o
processo de implantação do curso de Licenciatura em Educação
do Campo Ledoc, com a participação dos movimentos sociais,
bem como compreender a importância destes coletivos no
fortalecimento da educação superior do campo, neste território.
A metodologia ancorou-se no Materialismo Histórico e
Dialético para compreender o movimento real que envolveu a
articulação entre a Universidade e os movimentos sociais, na
efetivação do curso, com a realização de análise bibliográfica,
documental e pesquisa de campo. Os resultados revelaram que a
força política dos movimentos sociais impulsionou a
implementação da política de formação de educadoras e
educadores do campo, nas universidades públicas,
especificamente na Amazônia Tocantina, que conta com uma
forte presença de movimentos sociais representativos de povos
tradicionais e camponeses.
Palavras-chave: Educação do Campo, Formação de
Educadores, Movimentos Sociais, Educação Superior, Políticas
Educacionais.
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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Rural Higher Education: university and social movements
in dialogue in the formation of teachers
ABSTRACT. This article reflects on the Formation of teachers
from the field in the Rural Education Degree Course offered by
the Federal University of Pará, Campus of Cametá/PA, in the
territory of the Amazon Tocantina, with the participation of the
rural social movements. It results from research developed in the
Graduate Program in Education, at the Federal University of
Pará, plus contributions accumulated by the Group of Studies
and Research in Rural Education in the Amazon, with the
participation of its members in the Universitas/Br Network,
researching higher education in Brazil. It aims to analyze the
process of implementing the Rural Education Degree Course -
Ledoc, with the participation of social movements, as well as
understanding the importance of these collectives in
strengthening rural higher education in this territory. The
methodology was anchored in Historical and Dialectical
Materialism to understand the real movement that involved the
articulation between the University and social movements, in the
realization of the course, with the accomplishment of
bibliographical, documentary analysis and field research. The
results revealed that the political strength of the social
movements drove the implementation of the formation policy
for teachers in the field, in public universities, specifically in the
Tocantina Amazon, which has a strong presence of social
movements representing traditional and peasant peoples.
Keywords: Rural Education, Teachers Formation, Social
Movements, Higher Education, Educational Policies.
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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Educación Superior en el Campo: universidad y
movimientos sociales en diálogo en la formación de
educadoras e educadores
RESUMEN. Este artículo reflexiona sobre la Formación de
Educadoras y Educadores do Campo en la Licenciatura en
Educación do Campo ofrecido por la Universidad Federal de
Pará, Campus de Cametá/PA, en el territorio de la Amazonía
Tocantina, con la participación de los movimientos sociales do
campo. Es el resultado de la investigación desarrollada en el
Programa de Posgrado en Educación, de la Universidad Federal
de Pará, más los aportes acumulados por el Grupo de Estudios e
Investigaciones en Educación Rural en la Amazonía, con la
participación de sus miembros en la Red Universitas/Br,
investigando la educación superior en Brasil. Tiene como
objetivo analizar el proceso de implementación de la
Licenciatura en Educación do Campo - Ledoc, con la
participación de los movimientos sociales, así como comprender
la importancia de estos colectivos en el fortalecimiento de la
educación superior en el campo, en este territorio. La
metodología fue basada en el Materialismo Histórico y
Dialéctico para comprender el movimiento real que implicó la
articulación entre la Universidad y los movimientos sociales, en
la realización del curso, con la realización de análisis
bibliográfico, documental e investigación de campo. Los
resultados revelaron que la fuerza política de los movimientos
sociales impulsó la implementación de la política de formación
de educadoras y educadores en el campo, en las universidades
públicas, específicamente en la Amazonia Tocantina, que cuenta
con una fuerte presencia de movimientos sociales
representativos de pueblos tradicionales y campesinos.
Palabras-clave: Educación Rural, Formación de Educadores,
Movimientos Sociales, Educación Superior, Políticas
Educativas.
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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Introdução
A formação de educadoras e
educadores do campo é uma demanda
histórica dos movimentos sociais, em
especial do Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra MST, que ao longo de
suas lutas vem pautando na agenda pública
o direito à educação superior do campo
referenciada pela concepção e pelos
princípios da Educação do Campo.
Scherer-Warren (1989) afirma que a
resistência e a afirmação da luta coletiva se
reinventam na articulação direta com os
movimentos sociais populares, que de
forma tensa e conflituosa procuram maior
aproximação com o poder público para
formulação e aprovação das políticas
educacionais na perspectiva da mudança
social.
Neste cenário os Cursos de
Licenciatura em Educação do Campo
emergem com a perspectiva de superar
uma certa visão generalista de educadora e
educador, que privilegia na formação os
mesmos saberes, independente da
diversidade de sujeitos que demandem a
necessidade de uma educação diferenciada.
É no sentido de se consolidar uma
formação profissional e uma educação que
possuas vínculo com os saberes e com a
cultura camponesa que esse curso é
inaugurado (Arroyo, 2012), e se constitui
inserido nas lutas sociais por políticas de
ampliação de escolas públicas no e do
campo, associado a estratégias curriculares
e de trabalho docente capaz de alterar a
estrutura atual do trabalho pedagógico por
outra lógica de funcionamento pautada na
transformação da escola na perspectiva da
educação emancipatória.
Com a compreensão de que a
Licenciatura se constitui desde a
especificidade da Educação do Campo, os
movimentos sociais propuseram que a
formação das educadoras e educadores não
se limitasse à docência, mas se articulasse
com os projetos sociais e econômicos que
encontram-se em execução nos territórios
do campo. Sendo assim, a gestão de
processos educativos sociais, que envolve
o trabalho pedagógico com coletivos
sociais na perspectiva organizativa para
implementação de projetos de
desenvolvimentos nos territórios rurais,
compõe o perfil profissional das
educadoras e educadores do campo.
O contexto de lutas dos movimentos
sociais, instituições públicas e outros
coletivos corporificaram-se nos cursos de
licenciatura por áreas de conhecimentos,
que registra suas primeiras experiências
piloto em 2004, construídas como o
acúmulo adquirido com as experiências do
curso de Pedagogia da Terra, ofertado por
meio do Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (PRONERA).
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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A execução das experiências piloto
foi materializada, a convite do MEC, na
Universidade Federal de Minas Gerais
UFMG, Universidade Federal da Bahia
UFBA, Universidade Federal de Sergipe
UFS e Universidade de Brasília UnB. A
escolha pelas referidas universidades deu-
se em função do acúmulo de experiências
em relação à Educação do Campo (Molina,
2014).
As experiências provenientes destes
acúmulos possibilitaram a ampliação dessa
política, por intermédio da SECADI, com
o lançamento de Editais Públicos, em 2008
e 2009, para que instituições públicas
brasileiras aderissem à oferta do curso. Em
função disso, em 2011, trinta instituições
públicas universitárias passam a ofertar a
Licenciatura em Educação do Campo
(Molina & Sá, 2011).
Com a conquista do Decreto
7.352/2010, que institui a Política Nacional
de Educação do Campo se demanda
também a criação do Programa Nacional
de Educação do Campo (PRONACAMPO)
para cumprimento das determinações
previstas na referida legislação. Para se
materializar as ações previstas, foi
instituído, em 2012, outro Grupo de
Trabalho com a participação de integrantes
de movimentos sociais e sindicais, para
apresentarem ações a serem integradas ao
Programa (Molina, 2014).
Em que pese às contradições no
processo de implantação do
PRONACAMPO, diante da disputa de
concepções de formação pelo modelo
hegemônico da agricultura industrial, como
é o caso do PRONATEC Campo,
representou uma importante conquista dos
movimentos sociais, a ampliação dessa
política através do lançamento de um novo
Edital SESU/SETEC/SECADI nº 2/2012,
convocando as universidades públicas a
assumir a Licenciatura em Educação do
Campo, como um curso permanente,
garantindo a institucionalidade da
formação de educadores. Aliada a essa
ampliação, deu-se a conquista de 600
vagas para o concurso de docentes
permanentes para atender demandas de
novos cursos que passaram a ser ofertados
em 42 universidades públicas (Molina,
2014).
Os Cursos de Licenciatura em
Educação do Campo foram estruturados a
partir das orientações estabelecidas pela
minuta original do MEC que previa um
conjunto de elementos na composição da
estrutura pedagógica do curso, além dos
objetivos pelos quais foi criada essa nova
graduação. Esse curso é destinado à
formação de educadores para atuarem nas
dimensões formativas que envolvem a
docência nos anos finais Do Ensino
Fundamental e o Ensino Médio; na gestão
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de processos educativos escolares e na
gestão de processos educativos sociais ou
comunitários.
A organização curricular se efetiva
por meio da Formação em Alternância
organizada entre Tempos e Espaços
Formativos (Tempo Escola e Tempo
Comunidade) como estratégia de
articulação entre educação, trabalho e
território. Essa relação ancora-se em
princípios que reconhecem que a
aprendizagem se constrói no contexto
concreto das relações dos sujeitos no
trabalho, na família, na luta, no movimento
(Rocha-Antunes & Martins, 2011), por isso
não pode estar dissociado da educação.
A matriz curricular estrutura-se de
forma interdisciplinar para incidir no
trabalho docente, que se organza em quatro
áreas de conhecimento: Artes, Literatura e
Linguagens; Ciências Humanas e Sociais;
Ciências da Natureza e Matemática; e
Ciências Agrárias. Por meio da formação
nessas áreas, pretende-se construir um
perfil de habilitação que atenda às três
dimensões formativas: docência por área
de conhecimento; gestão de processos
educativos escolares; e gestão de processos
educativos comunitários ou sociais
(Molina & Hage, 2015).
Para os autores, a matriz formativa
assumida pela Licenciatura em Educação
do Campo tem a intencionalidade
pedagógica de formar educadores capazes
de compreender os processos sociais em
que suas ações educativas estão inseridas.
E a “Alternância é compreendida tanto
como metodologia, quanto também como
pedagogia, materializando e oportunizando
novas estratégias de produção de
conhecimento que buscam
verdadeiramente incorporar os saberes dos
sujeitos camponeses” (Molina & Hage,
2015, p. 141).
Apostando nesse perfil profissional e
teórico/metodológico a Universidade
Federal do Pará, por meio do Campus de
Cametá atendeu a chamada do Edital de
2012 e passou a ofertar o Curso de
Licenciatura em Educação do Campo na
Amazônia Tocantina. A implantação do
Curso se deu em função do processo de
mobilização dos movimentos e
organizações populares desse território em
articulação com outros coletivos de
educação nele atuantes.
Nosso artigo tem como objetivo
analisar o processo de implantação do
Curso de Licenciatura em Educação do
Campo Ledoc, em articulação com os
movimentos sociais dos povos tradicionais
e camponeses, bem como compreender a
importância da força política destes
coletivos no fortalecimento da educação
superior do campo, na Amazônia
Tocantina.
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O texto está estruturado em três
partes, além da introdução e considerações
finais. Na primeira, abordaremos o
protagonismo dos movimentos sociais na
implantação da Ledoc no território da
Amazônia Tocantina; na segunda,
apresentamos o referencial teórico-
metodológico desenvolvido no estudo; e
por fim refletimos sobre a força política
dos movimentos sociais no fortalecimento
da Educação Superior do Campo, na
Amazônia Tocantina.
O protagonismo do movimento social na
implantação da Ledoc no território da
Amazônia Tocantina
A ação dos movimentos sociais do
campo se fortalece mediante as
contradições sociais provocadas pela
expansão e consolidação do capitalismo no
campo, que com sua lógica produtivista,
tende a transformar tudo em mercadoria.
Assim, as formas de vida, os modos de
produção e as relações das populações com
seus territórios são ameaçadas; e são
estabelecidas relações antagônicas e
conflituosas de classe e,
consequentemente, a disputa por diferentes
interesses.
Foram as condições históricas pela
permanência no campo, pelo direito a terra
e o acesso à educação, como um bem
necessário à transformação social, que
desafiaram os trabalhadores e
trabalhadoras do campo a organizarem-se,
para coletivamente lutarem por tais
direitos, contrastando com a concepção de
vida e de mundo da classe capitalista.
Assim, os movimentos sociais
adquiriram uma identidade própria, que se
afirma e se fundamenta por pautas
coletivas que envolvem as condições de
existência de uma classe social, a dos
trabalhadores. Tal identidade atribuída aos
movimentos sociais é compreendida por
Ribeiro (2010) da seguinte forma:
O sujeito político coletivo identifica
os movimentos sociais populares,
que, no seu processo organizativo,
são capazes de construir uma unidade
de interesses comuns, em uma
diversidade de interesses específicos,
próprios da identidade à qual nos
referimos, mas também da
contraditoriedade presente no seu
interior, através do movimento de
conservar/transformar. Nesses
movimentos, as reinvindicações
superam a dimensão pontual e
temporal, orientadas que são por um
projeto de sociedade que se confronta
com o atual (Ribeiro, 2010, p. 136).
Ainda sobre a compreensão de
movimentos sociais, Montaño e Duriguetto
(2011) também consideraram que,
o movimento social, dentre outras
determinações, é conformado pelos
próprios sujeitos portadores de certa
identidade/necessidade/reinvindicaçã
o/pertencimento de classe, que se
mobilizam por respostas ou para
enfrentar tais questões o
movimentos social constitui-se pelos
próprios envolvidos diretamente na
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questão (Montaño & Duriguetto,
2011, p. 264).
Em ambas afirmações, o movimento
social demarca uma posição na luta de
classe, à medida que suas disputas políticas
pautam um projeto de sociedade que
atenda às necessidades das classes
trabalhadoras, que Marx e Engels (1998, p.
9) definem como os trabalhadores
assalariados que não detém os meios de
produção e, por isso, são obrigados a
vender sua força de trabalho à classe dos
capitalistas que possui os meios de
produção social que empregam os
assalariados. Para os autores, a luta de
classe fez-se presente em todas as
sociedades, mesmo que os modos de
produção sejam diferenciados ao longo da
história, as condições de opressão de uma
classe sobre a outra permanece.
Essas condições têm mobilizado os
trabalhadores a reagirem, organizando-se
em movimentos sociais desencadeando
processos de luta contra o desenvolvimento
e a expansão do capitalismo no campo,
cujo impacto tem provocado implicações
de ordem socioeconômica, cultural e
educacional, que se intensifica com o
processo de apropriação da terra, da
agricultura e o controle dos modos de
regulação que impõe uma lógica
hegemônica para as escolas, para a
formação de educadoras e educadores do
campo e para o currículo, sob o
enquadramento aos meios de produção do
sistema capitalista.
Nossas reflexões acerca do
protagonismo dos movimentos sociais do
campo se ancoram na diversificação e na
unidade mantida por estes movimentos,
que tem como elo de articulação centrar
suas demandas na questão agrária e na luta
por uma educação popular que denuncie as
situações de opressão presentes nos
sistemas de ensino (Freire, 2016).
É neste contexto que a formação
inicial de educadoras e educadores do
campo vai se implementando na
intencionalidade de formar os sujeitos do
campo para intervir nas escolas
consideradas rurais, para a formação dos
sujeitos críticos e de intelectuais orgânicos
que tomam posição diante da disputa por
território existente no campo da Amazônia
Tocantina.
Gramsci (2000) destaca que o
intelectual precisa exercer uma função
orgânica, ética e coerente, visto que tem a
função de dirigir as ideias coletivas e
protagonizar certas pretensões em favor da
classe que pertence.
Portanto, situado neste cenário
crítico e contra hegemônico, o processo de
formação inicial, via Curso de Licenciatura
em Educação do Campo, assume destaque
ao fomentar a construção de outra forma de
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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organização do trabalho pedagógico, em
que o processo de ensino e aprendizagem
esteja em sintonia com a construção da
escola do campo, que valorize a identidade
sociocultural dos sujeitos que lutam
historicamente por uma educação
emancipadora com âncoras na práxis
educativa (Freire, 2016).
O projeto do Curso de Licenciatura
em Educação do Campo do território da
Amazônia Tocantina foi elaborado por
docentes da Faculdade de Educação e da
Faculdade de Agronomia do campus de
Cametá da UFPA juntamente com os
movimentos sociais, e ONGs locais, em
que se incluem o Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, a Casa Familiar
Rural de Cametá, a Associação Paraense
de Apoio às Comunidades Carentes
(APPAC), a Colônia de Pescadores e a
Secretaria Municipal de Educação de
Cametá, que integram o Fórum de
Educação do Campo, das Águas e das
Florestas da Região Tocantina - FECAF,
em articulação com o Fórum Paraense de
Educação do Campo - FPEC.
Esses Fóruns agregam vários agentes
sociais, públicos, e coletivos que se
articulam e se mobilizam pela
implementação de políticas públicas de
Educação do Campo no Pará e, em
especial, na Amazônia Tocantina (PPC,
2017). A proposta apresentada representou
uma aposta em um Curso que fosse
representativo da diversidade que constitui
o território como demanda especifica
destes movimentos sociais e sindicais.
Essa articulação resulta de
experiências educativas de Educação do
Campo realizadas no território,
impulsionando ações, cujo desdobramento
resultou em políticas públicas de formação
de educadores. Como marco inicial desse
processo, destacamos as experiências
desenvolvidas com educadores de turmas
multisseriadas realizadas pelo Grupo de
Estudos e Pesquisas em Educação do
Campo na Amazônia - GEPERUAZ, sob a
mediação da Secretaria de Educação de
Cametá, na gestão municipal do Partido
dos Trabalhadores - PT (2001-2004). Tais
experiências voltaram-se à formação
continuada de educadores/as que estavam
atuando na docência anos e não haviam
participado de um curso que pudesse
auxilia-los teórico e metodologicamente
com o seu fazer pedagógico nas escolas
rurais.
Importa destacar que a história da
Educação do Campo no contexto da
Amazônia Tocantina emerge das
contradições educacionais a partir da
carência de formação continuada aos
educadores das escolas rurais. As
necessidades históricas da população dos
territórios rurais registram a omissão do
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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Estado para com esses sujeitos; ao mesmo
tempo em que inúmeros se destacam nesse
território, dentre eles: experiências
educativas acumuladas por educadores,
motivadas por uma gestão pública
comprometida com a realidade educacional
do meio rural, naquele momento histórico;
além da ampliação do debate no interior da
Universidade; bem como a formação de
grupos de estudos e pesquisas sobre
educação do campo e a consolidação de
um conjunto de coletivos em defesa dessa
educação. A seguir o estrato da entrevista
de uma docente, que corrobora com essas
afirmações.
A nossa discussão sobre a Educação
do Campo não nasce com a
Licenciatura em Educação do
Campo, nasce com as experiências
das escolas multisseriadas, depois
com a experiência da gestão da
Secretaria de Educação de Cametá e
se aprofundam com a experiência
enquanto docente substituta do
Campus de Cametá. E a gente
começa todo um trabalho a partir do
Curso de Pedagogia, dentro do
Campus de Cametá. Nós traçamos
um movimento ali dentro, com os
estudantes, com as lideranças, com os
movimentos sociais, com vários
grupos. Nosso grupo se consolidou e
fez surgir o primeiro grupo de
pesquisas da Região Tocantina que
foi o GEPECART
i
, depois surgiu o
Fórum de Educação do Campo, que
não tinha o nome que tem hoje
(Docente, Cecília Lima).
O depoimento revela como se deu a
ampliação das experiências, discussões,
debates e os coletivos rumo à consolidação
da Educação do Campo no território, e
expressa a importância da força coletiva na
conquista de direitos que reconhecemos
nos movimentos sociais, e, sobretudo, a
capacidade que eles possuem na inversão
de políticas verticalmente impostas à
população do campo.
Nesse sentido, Arroyo (2012)
ressalta que os movimentos sociais não
podem ser vistos como destinatários de
políticas, nem como reivindicadores de
mais escolas e de mais profissionais, mas
como sujeitos coletivos de políticas de
formação de docentes-educadores”
(Arroyo, 2012, p. 360). A partir desse
marco inicial da construção histórica da
Educação do Campo na Amazônia
Tocantina, os coletivos se organizam e
unificam a luta em torno da realidade
socioeducacional desse território. E, a
materialização dessa unidade se configura
com a criação do Fórum de Educação do
Campo, das Águas e das Florestas
FECAF, antes denominado de Fórum de
Educação do Campo da Região Tocantina -
FECART, o qual expressa uma força
política de grande relevância na
consolidação da política de formação de
educadores do campo.
O acúmulo de experiências de luta e
mobilização em torno de temáticas
educacionais e questões socioeconômicas
do Campo assumidas ao longo da
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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existência do FECAF foram determinantes
para a implementação do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo no
território da Amazônia Tocantina. Foi a
partir dos arranjos tecnológicos,
produtivos, socioeducacionais e culturais
advindos dessas experiências que a
universidade se lançou por meio de uma
proposta pedagógica de formação de
educadores, cujo desafio se traduz na
construção de uma sólida e teórica
formação de educadores articulada com o
ensino, pesquisa, extensão e militância
(PPC, 2017).
A chamada pública das Instituições
Federais de Ensino Superior para oferta de
Cursos de Licenciatura em Educação do
Campo ocorreu no ano de 2012, por meio
do Edital 02/2012
(SESU/SETEC/SECADI/MEC) acerca do
atendimento desse edital, o Campus da
UFPA/Cametá submeteu uma proposta
pedagógica de formação superior ao MEC
para qualificar profissionais com
ênfase/habilitação em Ciências Agrárias e
da Natureza, a fim de que esses atuassem,
nos Anos Finais do Ensino Fundamental e
no Ensino Médio, ministrando os
componentes curriculares dessa área de
conhecimento.
A escolha de tal ênfase levou em
consideração o contexto e a realidade do
território da Amazônia Tocantina, embora
o edital do MEC apontasse preferência
para a área de Ciências da Natureza e
Matemática. Ademais, os profissionais
desse curso também atuarão na gestão de
processos educativos escolares e na gestão
de processos educativos em espaços
sociais.
A articulação desse perfil
profissional que abrange três campos de
atuação, conforme explicitado acima, parte
da compreensão de que a escola possa
contribuir com a formação de jovens
capazes de entender a complexidade que
dinamiza o campo brasileiro. Portanto, “é
necessário formar educadores que atuarão
ali e que sejam também capazes de
entender criticamente esses processos e
sobre eles intervir” (Molina, 2017, p. 595).
Desse modo, a formação de
educadores do campo é transgressora
quanto a visões escolarizadas fechadas,
como adverte Arroyo (2010, p. 480) ao
enfatizar que “a visão fechada do escolar
tem levado a secularização e ignorância da
dinâmica social, econômica, política e
cultural mais ampla, com suas
complexidades e tensões”.
Na perspectiva de promover a
formação docente enraizada nas
identidades dos sujeitos do campo, na
tentativa de superar os déficits
educacionais do território da Amazônia
Tocantina, bem como, formar educadores
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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que sejam capazes de compreender
criticamente a realidade diante das tensões
e contradições presentes no campo, a
Proposta Pedagógica do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo
incluiu os municípios de Cametá, Oeiras
do Pará, Baião, Mocajuba, Limoeiro do
Ajuru, e Igarapé-Miri para oferta do curso.
A seleção das turmas ocorreu por
meio de Processo Seletivo Especial (PSE)
realizado em 2013, 2014, 2015 e,
recentemente, em 2018, totalizando 10
turmas com 400 vagas ofertadas. O
funcionamento dessas se deu no formato
intensivo e extensivo. No primeiro
formato, o curso ocorre no período de
janeiro/fevereiro e julho/agosto de cada
ano letivo. O segundo, que envolveu turma
de Oeiras do Pará, Cametá e Igarapé-Miri
compreende os períodos de março a junho
e setembro a dezembro.
A oferta do curso no formato
extensivo tem apresentado vários desafios
no que tange à materialização da formação
em Alternância. Durante a pesquisa de
campo, e nas aulas por nós ministradas em
uma dessas turmas, notou-se a insatisfação
dos estudantes diante do ensino. Afinal, as
aulas contínuas, ao longo de todo o
semestre, e a dificuldade de deslocamento,
por um longo período de tempo, até a sede
do município para o Tempo Universidade,
bem como o retorno diário para as
atividades profissionais desenvolvidas
pelos estudantes apontaram a fragilidade
da prática ora desenvolvida.
Em face desta situação, grande parte
dos estudantes não encontravam outra
alternativa que não fosse desistir do curso.
Eram evidentes nos depoimentos as
angústias que muitos sentiam em ter que
abandoná-lo, principalmente, porque
compreendiam a importância do curso e
tinham clareza que esse formato os excluía
de um direito duramente conquistado.
Com isso iniciou-se um diálogo
longo e intenso entre os estudantes das
turmas, mediado pela Coordenação do
Campus UFPA/Cametá, Coordenação da
Faculdade de Educação do Campo -
FECAMPO e alguns professores do curso
na tentativa de uma possível alteração para
o período intensivo.
Apesar da resistência de poucos
estudantes pela alteração desse formato e
após muitas tentativas de sensibilizar os
que não eram favoráveis, posto que estes,
ainda que minoritariamente, estavam
respaldados legalmente pelo edital que
regeu a seleção, chegou-se a um consenso:
a mudança, ratificando a oferta do curso no
período intensivo, com exceção da turma
de Cametá (2016) que continuou a
desenvolver as práticas educativas de
modo extensivo. O próprio PPC do Curso
(2017), destaca em sua justificativa que
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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não será ofertada vagas para período
extensivo, tendo em vista a dificuldade de
desenvolver a formação em alternância que
se constitui um dos princípios fundantes do
curso.
A pauta por formação docente de
educadores do campo, como demanda
local dos agentes coletivos, para os campos
de atuação indicados e mencionados
nesta seção, está em consonância com a
carência educacional nos níveis de ensino
apresentados no item anterior.
No caso específico da gestão em
espaço social, o município de Cametá
apresenta um campo fértil para atuação
desses profissionais, tendo em vista a
diversidade de organizações, movimentos
sociais e sindicais existentes nesse
território que emergiram como estratégia
de resistência diante das condições
adversas provenientes do avanço
desordenado do capitalismo no campo.
Assim sendo, contribuir com as
organizações de interesse coletivo, que
visam desenvolver empreendimentos
solidários na perspectiva de potencializar a
vida das famílias, fomentar debates sobre
pautas que envolvam temas relacionados à
educação, à produção, à soberania
alimentar e tantos outros que estão
implicados na forma de existir dos sujeitos
do campo se constituem em desafios para
os educadores do campo.
Construir um Projeto Pedagógico do
Curso de Licenciatura em Educação do
Campo, no Campus Universitário do
Tocantins em Cametá, é reconhecer que o
território da Amazônia Tocantina revela a
complexidade de construção da Educação
do Campo como um paradigma (contra-
hegemônico) na ação política de “produzir
teorias, construir, consolidar e disseminar
nossas concepções, ou seja, os conceitos, o
modo de ver, as ideias que conformam
uma interpretação e uma tomada de
posição diante da realidade que se constitui
pela relação entre campo e educação
(Caldart, 2004, p. 11).
Por isso, entendermos que é pela
conquista da contra-hegemonia, do assumir
uma posição de classe e por despertar nos
sujeitos a necessidade de exercerem a
função de intelectuais orgânicos engajados
e organizados no movimento nacional e
estadual, e em movimentos regionais de
Educação do Campo, que procuram pautar
em suas agendas de reivindicações o
direito à universidade pública, com a
perspectiva de afirmar as políticas públicas
de formação de educadores do campo
como um direito de todos.
Referenciais teórico-metodológico do
estudo
Os aspectos teórico-metodológico
despendido nesse estudo ancoraram-se no
Materialismo Histórico e Dialético, por
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M. Silva, H. S. A. (2020). Educação superior no campo: universidade e movimentos sociais em diálogo
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entender que este nos ajuda a compreender
o movimento da realidade em que nosso
objeto de estudo se situa. Sendo assim,
nossas reflexões teóricas foram
referenciadas nos principais autores que
nos possibilitaram dialogar sobre a
Licenciatura em Educação do Campo na
relação com os movimentos sociais.
Nesse sentido tomamos como base as
contribuições de Arroyo (2012) que
elucida sobre a formação de educadores do
campo vinculada aos movimentos sociais.
Para o autor a Ledoc se constitui enquanto
política de formação diferenciada, pois
intenciona superar a concepção generalista
de educador. Propõe-se forjar a formação
de educadores considerando as
especificidades dos sujeitos, engajados e
comprometidos com a dinâmica social do
campo. Tal formação deve, sobretudo, está
em consonância com a pedagogia dos
movimentos sociais, visto que estes são
demandantes de política de formação, bem
como protagonistas de experiências
pedagógicas.
Cabe destaque às contribuições de
Ribeiro (2010) acerca da compreensão de
movimentos sociais como sujeito político
coletivo que forjam suas lutas em torno de
causas comuns de seu grupo, de sua
organização, mesmo diante da
especificidade de interesses de cada
sujeito. Somando-se a esta compreensão,
Montaño e Duriguetto (2011) destacam os
movimentos sociais como sujeitos
portadores de certa identidade que
configuram pertencimento de classe,
portanto conformam uma unidade para
enfrentar suas reivindicações.
Considerando que a Ledoc foi
forjada a partir das lutas dos movimentos
sociais e tem como proposta consolidar a
formação educadores/as alicerçada nos
princípios da educação emancipadora é que
destacamos Freire (2016) como referencial
potencializador na compreensão da práxis
educativa. Transgredir as estruturas
engessadas de ensino, por outra forma de
organizar o trabalho pedagógico,
valorizando os saberes, os conhecimentos
produzidos nas práticas sociais dos sujeitos
do campo, bem como, problematizar a
realidade é conduzir a formação sob a
perspectiva libertadora.
Quanto aos procedimentos
metodológicos o estudo desenvolveu-se a
partir de análise bibliográfica e documental
e pesquisa de campo. Como técnica de
coleta de dados, realizamos análise do
Projeto Pedagógico do Curso (PPC),
versão atualizada de 2017; Matriz
Curricular do Curso de Licenciatura em
Educação do Campo da FECAMPO
considerando que estes nos ajudam a situar
a historicidade de nosso objeto, a
relacionar com o contexto mais amplo e
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compreender a totalidade de
acontecimentos que o envolvem.
Na compreensão de Lüdke e André
(1986, p. 40) “a escolha dos documentos
não é aleatória. geralmente alguns
propósitos, ideias ou hipóteses guiando a
sua seleção”, portanto uma
intencionalidade, que por sua vez deve
estar relacionada com os objetivos
propostos. Sendo assim, analisar o
processo de implantação e fortalecimento
Ledoc, em parceria com o movimento
social, na Amazônia Tocantina requer
compreender a perspectiva anunciada nos
documentos legais que orientam o curso.
As fontes documentais proporcionam
dados em quantidade e qualidade suficiente
para evitar demanda maior de tempo se
fossem coletados diretamente das pessoas
(GIL, 2008), pois a capacidade humana de
memorizar não é suficiente para registrar
todos os acontecimentos. “A memória
pode também alterar lembranças, esquecer
fatos importantes, ou deformar
acontecimentos” (Cellard, 2012, p. 295).
Optamos pela observação
participante, por considerar que essa
técnica possibilita chegar “ao
conhecimento da vida de um grupo a partir
do interior dele mesmo” (Gil, 2008, p.
103). Assim sendo, nossa observação
ocorreu em vários momentos, por ocasião
de várias atividades que envolviam o
fenômeno pesquisado. Procuramos
observar os eventos relacionados à Ledoc,
em distintos momentos do processo
formativo, Tempo Universidade e Tempo
Comunidade, realizados com a
participação dos sujeitos do curso.
Minayo (2015) destaca que toda
observação deve ser registrada, logo
utilizamos o diário de campo como
instrumento de anotações dos fatos
observados. Nele, registramos a relação
orgânica dos educadores com as
organizações populares, sindicais e
movimentos sociais do campo; a
materialização do currículo articulado com
os problemas sociais advindos da realidade
concreta, os sujeitos coletivos como
protagonistas no processo de luta por
políticas públicas, as forças que operam na
contramão de uma educação libertadora e
os desafios na superação de processos
históricos geradores de desigualdade
social.
A entrevista também foi uma técnica
utilizada na coleta de dados que interessam
a investigação; ela “é, portanto, uma forma
de interação social. Mais especificamente,
é uma forma de diálogo assimétrico, em
que uma das partes busca coletar dados e a
outra se apresenta como fonte de
informação” (Gil, 2008, p. 109).
Para Ludke e André (1986, p. 33), a
técnica de entrevista se caracteriza pela
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relação de interação, “havendo uma
atmosfera de influência recíproca entre
quem pergunta e quem responde”. Nesse
sentido, o entrevistador deve permitir ao
entrevistado o fluxo natural das
informações, mas sem induzi-lo a
respostas, deixando-o fluir livremente.
Consideramos nessa investigação, a
entrevista semiestruturada, em função da
possibilidade do pesquisador acrescentar
outras questões não previamente definidas,
porém necessárias ao processo de
investigação, para melhor compreensão do
objeto. Essa técnica, “ao mesmo tempo em
que valoriza a presença do pesquisador,
oferece todas as perspectivas possíveis
para que o informante alcance a liberdade e
a espontaneidade necessárias,
enriquecendo a investigação” (Triviños,
2011, p. 146). Além disso, ela parte de
questionamentos básicos e se amplia para
interrogativas mais amplas, conforme as
respostas dos informantes.
Os sujeitos participantes da
entrevista, docentes, estudante e
representante de movimentos sociais foram
selecionados a partir de critérios que
envolviam a participação desses sujeitos
em atividades práticas de engajamento nas
organizações ou movimentos sociais, como
também nos processos de mobilização e
luta por condições de existência nos
territórios rurais.
No que se refere análise dos dados
nos referenciamos na cnica de análise de
conteúdo, embora não sigamos todo seu
rigor metodológico e a sequência de
procedimentos que esse método dispõe.
Consideramos essa técnica para análise dos
dados por se ocupar dos estudos sobre
“motivações de opiniões, de atitudes, de
valores, de crenças, de tendências”
(Bardin, 2016, p. 135), que podem se
expressar em conteúdos de mensagens dos
instrumentos analisados.
Sendo assim, consideramos para
análise dos dados as três etapas assinaladas
por Bardin (2016), são elas: a pré-análise, a
exploração do material; o tratamento dos
resultados, a inferência e interpretação. Na
primeira fase, que se refere à etapa de
organização do material o qual envolve o
objeto de estudo, estabelecemos contato
com os documentos referentes ao estudo
sobre a Ledoc; na segunda, buscamos
codificar, categorizar e sistematizar os
dados resultando em dois em eixos de
analises, sendo eles: o protagonismo dos
movimentos sociais na implantação da
Ledoc no território da Amazônia
Tocantina e a força política dos
movimentos sociais no fortalecimento da
educação superior do campo, na
Amazônia Tocantina, por fim, traçamos
as reflexões e interpretações dos eixos
considerando a perspectiva relacional entre
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a parte e a totalidade que envolve o
fenômeno investigado.
A força política dos movimentos sociais
no fortalecimento da educação superior
do campo, na Amazônia Tocantina
Os movimentos sociais são
produtores de concepções, de
conhecimento, de valores e de cultura,
enraizado na forma de viver, lutar e resistir
no campo, nas águas e nas florestas.
Portanto, as diversidades de vivências nos
mais distintos territórios devem adentrar no
espaço acadêmico como referência
pedagógica na formação de educadoras e
educadores do campo.
Desse modo, trazer os movimentos
sociais para o interior da Ledoc é provocar
a universidade a reconhecer a existência de
educandos, que chegam com outras
experiências sociais, outras culturas, outros
valores, mostrando-se Outros Sujeitos nas
relações políticas, econômicas, culturais”,
logo outras pedagogias precisam ser
reinventadas (Arroyo, 2014, p. 11).
Ao considerarmos os movimentos e
organizações sociais como centrais no
processo formativo da Licenciatura em
Educação do Campo buscamos articular as
reflexões, os posicionamentos e as
proposições apresentadas por alguns deles,
a partir do olhar dos sujeitos entrevistados
acerca da relação que a Ledoc estabelece
com os movimentos e/ou organizações
populares.
Os movimentos têm inclusive um dos
momentos de acompanhamento do
PPC é a participação do movimento
social, inclusive ele tem um assento
no conselho da faculdade, no NDE.
Mas, eles sempre justificam que não
podem vir. Aonde eles participam
mais é em eventos, quando a gente
faz um seminário, uma oficina,
quando a gente faz formação
continuada interna dentro do curso,
quando a gente faz uma roda de
conversa sobre a questão das
mulheres, isso eles vão. Agora,
quando é muito universidade é como
se eles dissessem assim: ah, vão
discutir sobre universidade, não
me interessa. Acabam que eles não
ocupam o lugar que está para eles
(Docente, Maria Lucia).
Hoje, a gente tem uma relação bem
direta com os movimentos sociais,
por exemplo, o último edital para o
processo especial, nós discutimos
dentro do FECAF, mesmo a
universidade desconsiderando todas
as nossas observações, solicitamos
que acrescentassem alguns critérios,
mas discutimos com os movimentos
sociais ... No momento de formação,
a gente tem buscado a participação
deles para estarem com a gente. A
gente já fez vários convites para o
sindicato participar com a gente, não
me recordo de nenhuma formação
que eles estiveram, mas nos eventos
eles tem estado. Na jornada de
reforma agrária, a gente conseguiu a
participação deles que acho que isso
é extremamente positivo tanto na
primeira quanto na segunda jornada
eles estiveram (Docente, Antônio
Sousa).
A gente tem estreitado uma relação
muito boa, um exemplo disso foi à
questão da entrevista, quando saiu à
entrevista. A gente pautou para a
universidade, os movimentos sociais
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pautaram para a universidade, para
que houvesse a volta da entrevista no
processo seletivo, e que os
movimentos sociais pudessem
acompanhar esses sujeitos, porque a
gente sabe que adentrou pessoas que
não eram oriundas do campo e por
isso tiveram várias dificuldades
(Movimento Social/STTR, Rita
Valente).
O curso procura interagir, faz
diferente dos outros cursos que não
tem esse viés de procurar os
movimentos sociais para levar os
alunos para dentro dos movimentos
sociais, de trazer pessoas dos
movimentos sociais pra dentro do
campo acadêmico. Mas a gente ainda
vê o sistema acadêmico, universitário
muito preso à questão teórica,
deixando pouco espaço para a
questão prática, isso acaba
influenciando nessa aproximação, da
sociedade com a universidade
(Estudante, Joaquim Santos).
Os depoimentos revelam a
aproximação que a Ledoc estabelece com
os movimentos sociais, embora essa
participação não seja efetiva em todo
processo de desenvolvimento do curso
como deveria, mas expressa a importância
que os movimentos sociais exercem para
que a proposta do curso se realize
considerando suas bases, principalmente,
na garantia de acesso ao curso aos sujeitos
que, de fato, sejam oriundos do campo,
haja vista que a intencionalidade da
formação implica também na construção
de um protagonismo em torno de um
projeto de campo, como nos colocam as
autoras.
As reivindicações dos movimentos
sociais quanto às políticas e práticas
de formação docente priorizam a
formação humana dos educadores do
campo, para se colocar como agente
participativo na construção de um
novo projeto de desenvolvimento
para o país, que afirme o lugar do
campo nesse novo projeto. (Molina
& Rocha-Antunes, 2014, p. 244).
No primeiro relato, identifica-se o
reconhecimento do movimento social
enquanto sujeito coletivo fundamental na
construção da proposta do curso, à medida
que este tem assento garantido no
Conselho da Faculdade, Núcleo Docente
Estruturante (NDE). Espaço importante e
determinante para proposição, deliberação
e encaminhamento de questões
relacionadas ao curso, portanto é
imprescindível à presença do movimento
social, mas sem representatividade.
Conforme o depoimento, a
participação do movimento social diz
respeito a pautas que envolvem temáticas
comuns, porém quando o tema é mais
fechado ao campo acadêmico uma
resistência desse coletivo em participar.
Esse fato limita o diálogo sobre o currículo
e dificulta a incorporação dos anseios e das
demandas na proposta do curso, bem como
críticas e sugestões.
A tímida participação dos
movimentos sociais na totalidade dos
processos formativos que envolvem a
Ledoc tem relação com a tradição de o
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“ensino superior, no país, ser lócus
privilegiado de formação das elites”
(Franco, 1987, p. 9), restringindo-se a um
grupo seleto da sociedade, sob a redoma
oligárquica. Assim priorizava-se o saber
científico como exclusivo e verdadeiro,
negando o saber popular. E, desta forma
excluindo diversas categorias sociais de
acesso ao conhecimento historicamente
produzido, dentre estes, os sujeitos do
campo.
O segundo depoimento revela um
momento importante de participação do
movimento social na construção do edital
de seleção dos educandos para ingressarem
na Ledoc, mesmo com as restrições
burocráticas da universidade que possui
uma tendência a generalizar a seleção. O
FECAF, que agrega diversos movimentos
sociais na Amazônia Tocantina, tem se
constituído em força política na defesa da
Educação do Campo, em especial do Curso
de Licenciatura em Educação do Campo.
A participação dos movimentos
sociais nos critérios de seleção que
atendam as especificidades dos sujeitos do
campo condição de ocupar o espaço da
universidade, para afirma-se como sujeito
de direitos por um lugar que lhes foi
negado no seu processo histórico. Fato que
sentido a afirmação de Arroyo (2014, p.
2015) quando diz que “a negação do
direito a lugares de conhecimento está
relacionada à negação de lugares de
existências, de seu conhecimento como
humanos, como produtores de verdades, de
conhecimentos”.
O estudo de Silva (2017) sobre a
Ledoc realizado nesse território afirma que
a definição de critérios de ingresso a partir
do olhar do movimento social é crucial
para garantir que efetivamente o curso seja
ofertado para os sujeitos do campo.
O Processo Seletivo Especial é um
dos caminhos que possibilita e que
efetiva o direito de ingressar em uma
universidade pública, num curso cuja
matriz formativa traz a história de
luta dos movimentos sociais e suas
pautas prioritárias, como educação,
trabalho, moradia, alimentação
saudável, renda e emprego, ou seja,
uma reforma agrária de fato e de
direito (Silva, 2017, p. 264).
A afirmação da autora converge com
o relato da representante do movimento
social, Maria Rita, no que se refere à
questão do ingresso dos educandos. A
manutenção da entrevista no edital implica
a garantia da especificidade do Curso, de
formar sujeitos educadores do campo. Esse
critério de seleção constitui-se em um
mecanismo para identificar a relação dos
candidatos acerca da realidade social e
educacional do campo, mas que foi
retirado da seleção por determinação da
universidade, razão para intensos
questionamentos de docentes e do próprio
movimento social.
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A exigência do protagonismo do
movimento social diante da necessidade de
acompanhar o processo seletivo é
fundamental para garantir o ingresso dos
camponeses na Ledoc, afinal a criação
desse edital deve evitar o ingresso de
outros candidatos que o pertencem à
realidade do campo, com risco de
descaracterizar o curso.
O último depoimento ressalta que o
diferencial do curso caracteriza-se pela
aproximação com os movimentos sociais,
embora a estrutura da universidade
dificulte essa relação, pois sabemos que
sua tradição foi priorizar o debate teórico,
secundarizando a dimensão da prática. A
dicotomia provocada por essa relação
distanciou a universidade da realidade
concreta de seus sujeitos, generalizando
uma formação desvinculada da diversidade
social e cultural que expressa à identidade
da população brasileira e, sobretudo dos
problemas concretos provocados pela
desigualdade social.
É na tentativa de romper com essa
estrutura engessada que a Ledoc se desafia,
em meio às burocracias e à estrutura rígida,
a lançar uma formação que dialogue com a
realidade concreta, superando essa
dicotomia e promovendo a relação
intrínseca entre teoria-prática, com a
mediação dos movimentos sociais. Na
compreensão do estudante entrevistado,
mesmo diante de suas críticas a estrutura
da universidade, identifica-se uma relação
com os movimentos sociais, mas que
precisa se ampliar, aperfeiçoar, para que de
fato a instituição tenha sentido para os
sujeitos que demandam formação.
Diante da cultura hegemônica da
universidade e a hierarquização dos
saberes, a Ledoc assume, em seu PPC
(2017), a Alternância Pedagógica, como
estratégia teórico-metodológica que vem
sendo utilizada em ações formativas dos
sujeitos do campo sob o protagonismo do
Movimento de Educação do Campo,
desenvolvida no contexto da escolarização,
tanto na educação Básica como Superior,
bem como nos diversos contextos onde se
desenvolvem as experiências educativas,
dentre estes: os espaços de trabalho, de
organização social e de vivências nos
territórios rurais (Hage, Silva & Farias,
2016).
Logo, manter a relação com os
movimentos sociais é assegurar um dos
princípios fundantes da Ledoc, pois a
pedagogia do movimento constitui-se em
referência política e pedagógica na
formação de educadores, portanto significa
“reafirmar os movimentos sociais como
sujeitos protagonistas deste projeto e
considerar a luta social como matriz
pedagógica que integra a sua concepção de
educação, compreendendo o campo como
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totalidade formadora” (Caldart, 2012, p.
552).
Reconhecer a relevância destes
sujeitos coletivos, como portadores de
prática educativa, como agente articulador
e mobilizador da sociedade na busca de
alternativa para transformação da realidade
e superação das mazelas provocadas pela
desigualdade social é transgressor. Dito
isto, é importante compreender que a
função das organizações e dos movimentos
sociais está para além da reprodução da
vida material, mas como agente político na
formação de consciência de classe.
Considerações finais
Nossas considerações acerca do
estudo realizado analisou a implantação da
LEDOC na relação com os movimentos
sociais e a força política deste último para
o fortalecimento da educação superior do
campo na Amazônia Tocantina.
Partimos das contradições
anunciadas nos documentos que orientam
as reformas do estado, os quais preveem
um modelo único de formação de
educadores. Razão que fez emergir essa
proposta diferenciada, ou seja, um projeto
de educação relacionado ao contexto
social, como referência principal, para o
processo educativo dos sujeitos do campo.
A formação de educadores e
educadoras, prevista nas reformas do
Estado, sob a orientação dos mecanismos
internacionais, tem se mostrado favorável à
sociabilidade do capital, à medida que
propõe uma proposta de educação alinhada
às bases produtivas. Por isso, a pedagogia
das competências, que se materializa sob o
controle institucional e regulação do
trabalho docente, reduz-se à prática
individual, com a finalidade de formação
técnica, isto é, formar um perfil de
educadores, tarefeiros e transferidores de
conhecimentos para mediar problemas
pontuais.
Notadamente, esta proposta de
formação não apresenta distinção entre as
múltiplas realidades. Por conta disso, as
especificidades do campo e de seus
sujeitos não são levadas em consideração,
impondo-se, portanto, um modelo
formativo generalista e urbanocêntrico,
capaz de conforma uma estrutura de
educação hegemônica e excludente.
Contrariando esse modelo autoritário
e homogêneo de formação de educadores,
os movimentos sociais apresentam suas
manifestações em defesa de uma proposta
de educação diferenciada. Inaugura-se
então, o paradigma da Educação do
Campo, com intencionalidade educativa de
confrontar esse modelo hegemônico de
educação.
Nesse viés, o referido paradigma
propõe uma formação específica aos
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sujeitos do campo, das águas e das
florestas, que articule a educação com as
outras dimensões da vida, relacionando-a
ao território, ao trabalho, à organização
coletiva, à luta social e à cultura. Desse
modo, o sentido da educação se amplia e
potencializa significados de transformação
social, ao incorporar o contexto e a
realidade vivida, por diferentes sujeitos no
processo formativo, a fim de possibilitar
aos educadores a compreensão do processo
histórico de um determinado contexto e
suas contradições sociais.
Resultante de vários encontros e
intensos debates de diversos coletivos e
instituições públicas, em um movimento
constante de tensão com o Estado,
consolida-se a política de formação de
educadores do campo, com o PRONERA e
o PROCAMPO. Cabe destacar, que ambos
se iniciaram como programas e,
posteriormente, institucionalizaram-se
como política permanente. Desse modo, as
estratégias teórico-metodológicas
assentadas na Alternância, como forma de
articular teoria e prática na construção do
conhecimento, ancoradas na relação
Trabalho-Educação-Território, cuja
intencionalidade é construir um processo
educativo vinculado às condições de
existência no campo, foram substanciais
nesse processo de construção.
As experiências educativas do
PRONERA contribuíram para a
consolidação de uma estrutura pedagógica
de formação superior para as Licenciaturas
em Educação do Campo, tendo em vista
que elas guardam os princípios educativos
dos movimentos sociais, portanto, sua
matriz pedagógica se alicerça na
compreensão ampliada e crítica de
educação ao considerar que os educadores
do campo podem atuar em três dimensões
profissionais, na docência, gestão escolar e
gestão comunitária. Sendo assim, a
formação precisa manter uma relação
intrínseca com esses três campos de
atuação profissional.
Identificamos que na história mais
recente do território da Amazônia
Tocantina, o capitalismo tem se expandido
com a diversificação de sua base produtiva,
materializado, por meio do agronegócio,
com exploração mineral, agropecuária e
soja, fazendo emergir novos atores sociais
do capital os grandes produtores rurais,
latifundiários, fazendeiros, madeireiros e
sojeiros que veem o campo, as águas e as
florestas como espaços de negócios, de
exploração e produção de riquezas. Tais
contradições têm provocado os sujeitos,
ribeirinhos, agricultores familiares,
indígenas, pescadores, quilombolas,
extrativistas, assentados a reexistirem na
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disputa pelo território numa relação
desigual de poder.
Em reação ao modelo de exploração
capitalista, os trabalhadores do campo das
águas e das florestas organizam-se em
coletivos constituindo-se em força política
para o enfrentamento desse modelo
econômico, com formas alternativas de
produzir e reproduzir a existência nesse
território. Identificamos em nossos estudos
a existência de associações, cooperativas,
sindicatos, pastorais e organizações o
governamentais, que além de se
expressarem como resistência à hegemonia
do capital, desenvolvem ações voltadas ao
atendimento à população desprovida de
políticas públicas de habitação, saúde,
trabalho e geração de renda.
Identificamos que o protagonismo do
Fórum de Educação do Campo, das Águas
e da Floresta tem se constituído em força
política na consolidação da LEDOC no
território da Amazônia Tocantina. Para
esse movimento, o curso apresenta grande
potencial para o desenvolvimento do
território, à medida que forma um
profissional com habilitação em Ciências
Agrárias e da Natureza, habilitados política
e pedagogicamente para desenvolver
atividades educativas nas organizações
populares, contribuindo para o processo de
mobilização, formação e auxílio aos
trabalhadores/as, a fim de promover acesso
aos programas e projetos junto às
instâncias governamentais.
Por fim, a historicidade dos
coletivos, seus processos de luta e
resistência nos levam a afirmar que os
movimentos sociais se constituem em
territórios formativos, à medida que
tenciona a estrutura da universidade sob o
modo hegemônico de produzir
conhecimento e propõe um currículo
contra-hegemônico, alicerçado em valores
e princípios da sociabilidade humana.
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Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação do
Campo da Região Tocantina.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 18/09/2020
Aprovado em: 22/09/2020
Publicado em: 24/09/2020
Received on September 18th, 2020
Accepted on September 22th, 2020
Published on September, 24th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Maria Divanete Sousa da Silva
http://orcid.org/0000-0002-6284-1505
Salomão Antônio Mufarrej Hage
http://orcid.org/0000-0002-2859-1346
Hellen do Socorro de Araújo Silva
http://orcid.org/0000-0002-5443-2373
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Silva, M. D. S., Hage, S. A. M., & Silva, H. S. A. (2020).
Educação superior no campo: universidade e movimentos
sociais em diálogo na formação de educadoras e
educadores. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e10512.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10512
ABNT
SILVA, M. D. S.; HAGE, S. A. M.; SILVA, H. S. A.
Educação superior no campo: universidade e movimentos
sociais em diálogo na formação de educadoras e
educadores. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v.
5, e10512, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10512