Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10660
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10660
10.20873/uft.rbec.e10660
2020
ISSN: 2525-4863
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Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
experiência do projeto educativo do MST
Luís Henrique dos Santos Barcellos
1
, Cláudio Rodrigues da Silva
2
, Agnes Iara Domingos Moraes
3
, Julio Cesar Torres
4
1, 2, 4
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - UNESP. Faculdade de Filosofia e Ciência/FFC, Câmpus de Marília.
Rua Hygino Muzy Filho, 737, Mirante. Marília - SP. Brasil.
3
Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul - UEMS.
Autor para correspondência/Author for correspondence: luishbarcellos@gmail.com
RESUMO. O objetivo desta pesquisa foi analisar a questão da
Educação Inclusiva em documentos orientadores do MST, mais
especificamente, em sua proposta de educação. Para o
desenvolvimento do estudo, trabalhou-se com a pesquisa de
natureza bibliográfica e análise documental. O Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra é o principal movimento
brasileiro de luta e resistência pela terra e contra o avanço do
capitalismo e, para defender suas bandeiras, elege como um dos
eixos principais o desenvolvimento de uma educação
emancipadora, que congregue trabalho e educação na gestão da
produção, por meio de relações e ações democráticas. Foi
investigado como o Movimento trata a inclusão em seu projeto
educativo e, para tanto, buscou-se estabelecer uma aproximação
entre Educação Especial e Inclusiva, e estas com a Educação do
Campo, a partir das diretrizes expressas no projeto educativo do
MST. Foi possível constatar princípios organizativos gerais,
mas, devido à própria dimensão territorial das ações do
Movimento, e o respeito às particularidades das ações tomadas
nas localidades, as diferentes experiências educativas do MST
podem destoar, em maior ou menor grau, entre si.
Palavras-chave: Educação do Campo, Educação Inclusiva,
Educação Especial, MST.
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres, J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
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Limits and challenges of inclusive education in the
countryside: the experience of the MST educational
project
ABSTRACT. The objective of this research was to analyze the
Inclusive Education in MST guiding documents, more
specifically, in its education proposal. For the development of
the study, bibliographic research and documentary analysis were
used. The Movement of Landless Rural Workers (MST) is the
main Brazilian movement of struggle and resistance for land and
against the advancement of capitalism. To defend its ideas, the
MST chooses as one of the central lines the development of an
emancipatory education, which combines work and education in
the management of production, through democratic relations and
actions. The research seeks to investigate how the Movement
treats inclusion in its educational project, therefore, an
approximation was established between Special and Inclusive
Education, and these with Rural Education, based on the
guidelines expressed in the MST pedagogical project. It was
possible to verify general organizational principles, but, due to
the territorial dimension of the Movement's actions, and the
respect for the particularities of the actions taken in the
localities, the different educational experiences of the MST may
disagree, to a greater or lesser extent, with each other.
Keywords: Rural Education, Inclusive Education, Special
Education, MST.
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres, J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
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Límites y retos de la educación inclusiva en el campo: la
experiencia del proyecto educativo MST
RESUMEN. El objetivo de esta investigación fue analizar la
cuestión de la Educación Inclusiva en los documentos
orientadores del MST, más específicamente, en si propuesta
educativa. Para el desarrollo del estudio se trabajó con la
investigación bibliográfica y el análisis de documentos. El
Movimiento de Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) es el
principal movimiento brasileño de lucha y resistencia por la
tierra y contra el avance del capitalismo y, para defender sus
banderas, elige como uno de los ejes principales el desarrollo de
una educación emancipadora, que reúne trabajo u educación en
gestión de la producción, a través de relaciones y acciones
democráticas. Se buscó investigar cómo el Movimiento trata la
inclusión en su proyecto y, para ello, se buscó establecer un
acercamiento entre la Educación Especial e Inclusiva, y estas
con la Educación del Campo, a partir de las orientaciones
expresadas en el proyecto educativo del MST. Se pudo constatar
principios organizativos generales, pero, por la dimensión
territorial de las acciones del Movimiento, y el respeto a las
particularidades de las acciones realizadas en las localidades, las
diferentes experiencias educativas del MST pueden contradecir,
en mayor o menor extensión, entre sí.
Palabras clave: Educación del Campo. Educación Inclusiva.
Educación Especial. MST.
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres, J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
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Introdução
É sabido que o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) é
responsável por muitas das experiências
inovadoras de escola no/do campo no
Brasil, e que tem como um de seus
princípios a inclusão. Além disso,
preocupa-se com a questão do atendimento
às pessoas público-alvo da Educação
Especial.
Posto isso, o objetivo desta pesquisa
foi analisar a questão da educação
inclusiva em documentos do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), mais especificamente, em sua
proposta de educação
i
. Portanto,
investigou-se como o Movimento
ii
trata a
inclusão em seus princípios educativos
partindo de seus documentos orientadores.
Para tanto, buscou-se estabelecer uma
aproximação entre Educação Especial e
Inclusiva, e estas com a Educação do
Campo, a partir das diretrizes expressas no
projeto educativo do MST.
Como opção metodológica, para
aproximar os temas da educação inclusiva
e da educação especial, pautamo-nos pela
Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva (Brasil,
2008), e pela utilização da interface entre
Educação do Campo e Educação Especial,
aproximando as discussões à realidade
educacional do MST enquanto um espaço
de educação no campo. Importante
mencionar, também, as diretrizes para a
acessibilidade e inclusão com a aprovação
do Estatuto da Pessoa com Deficiência,
que entrou em vigor em 2016. (Brasil,
2015).
Para o desenvolvimento do estudo,
trabalhou-se com a pesquisa de natureza
bibliográfica e análise documental.
Realizou-se o levantamento e análise da
produção de pesquisadores sobre o tema,
da legislação concernente à Educação do
Campo, e documentos oficiais do MST
(boletins e cadernos de educação).
A principal vantagem da pesquisa
bibliográfica reside no fato de
permitir ao investigador a cobertura
de uma gama de fenômenos muito
mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente. Esta
vantagem se torna particularmente
importante quando o problema de
pesquisa requer dados muito
dispersos pelo espaço ... A pesquisa
bibliográfica também é indispensável
nos estudos históricos. Em muitas
situações, não há outra maneira de
conhecer os fatos passados senão
com base em dados secundários (Gil,
1999, p. 65).
A pesquisa de natureza bibliográfica
funcionou como aporte teórico, que
fundamentou os estudos sobre o objeto,
permitindo o debate entre diferentes
autores, desenvolvendo, dessa forma, uma
dialética entre os posicionamentos e ideias.
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os documentos, importantes fontes
de informação, permitiram, no caso da
pesquisa, avaliar o que o próprio MST tem
produzido a respeito de sua experiência
educacional, bem como o posicionamento
do Movimento acerca da questão da
educação inclusiva.
A pesquisa documental assemelha-se
muito à pesquisa bibliográfica. A
única diferença entre ambas está na
natureza das fontes. Enquanto a
pesquisa bibliográfica se utiliza
fundamentalmente das contribuições
dos diversos autores sobre
determinado assunto, a pesquisa
documental vale-se de materiais que
não receberam ainda um tratamento
analítico, ou que ainda podem ser
reelaborados de acordo com os
objetivos da pesquisa (Gil, 1999, p.
66).
Os documentos produzidos pelo
MST têm como público principal as
pessoas do próprio Movimento, os
educadores, lideranças e a comunidade
como um todo. Os documentos acessados
são de domínio público e encontram-se
disponíveis na internet.
A questão legal entre a Educação
Especial e Inclusiva e a Educação do
Campo
Desde a Conferência Mundial sobre
Educação para Todos, em Jomtien, na
Tailândia, em 1990, e a Declaração de
Salamanca (1994), assistimos ao
movimento de defesa da inclusão e da
educação de todos, independentemente de
suas características pessoais, como
condição física ou intelectual, cor da pele,
gênero, local de moradia etc. Luta-se pelo
respeito às necessidades de cada um.
Assim, é de suma importância termos em
mente que todos, sem exclusão, têm direito
à educação, respeitando seus limites,
desejos e individualidades.
No Brasil, a Política Nacional de
Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva (Brasil, 2008, p. 13)
visa “assegurar a inclusão escolar de
alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação”, ou seja, o
público-alvo da Educação Especial. Dessa
forma, ao menos no campo normativo,
busca-se garantir o atendimento a essas
populações. Garantias como as de acesso
às salas de ensino regular, atendimento
educacional especializado, continuidade
dos estudos, acessibilidade, formação de
professores especializados, formação
continuada, transversalidade da
modalidade prevista para todas as etapas
da educação, e a articulação de políticas
públicas (Brasil, 2008), fariam, do ponto
de vista político-normativo, o sistema
educacional inclusivo funcionar.
O problema é que a legislação
nacional se efetiva mediante a pressão
popular e, de fato, as práticas de educação
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especial e inclusiva têm aumentado quanto
ao acesso em alguns setores, mas,
historicamente, a educação das populações
do campo, tem sido negligenciada sob
vários aspectos. Observa-se o recorrente
fechamento de escolas e ataques aos
órgãos e programas nacionais de
organização da educação do campo.
Acrescenta-se que, ao longo dos
últimos anos, basicamente, o que se
observa é que o MST tem se configurado
como um dos principais espaços de
concretização da educação do campo
enquanto modalidade de ensino, pois, as
propostas oficiais dos sistemas públicos
iii
de ensino, em linhas gerais, propõem uma
transposição da organização material e
didática da escola urbana para a escola
rural, não atendendo as especificidades das
populações do campo.
Para que os princípios da educação
para todos e da educação inclusiva
sejam concretizados, faz-se
necessário que sejam contemplados
todos os segmentos que compõem a
população nacional, inclusive os
povos do campo em sua totalidade,
ou seja, inclusive as pessoas com
deficiência. Além disso, esses povos
têm especificidades étnico-culturais
que demandam pedagogias
específicas. Ou seja, uma educação
massiva e inclusiva no campo
potencializa os desafios a serem
vencidos se comparados aos de
áreas urbanas , em especial no que
se refere à formação de educadores
(Torres et al., 2015, p. 160).
Os estudantes público-alvo da
Educação Especial, ou seja, aqueles que
necessitam de um atendimento educacional
especializado, veem-se, ainda, mais
desprovidos de atenção por parte das
políticas públicas que não se concretizam
no campo brasileiro. Nesse sentido, pode-
se afirmar que é necessário que as
populações do campo sejam atendidas em
sua totalidade, e com o olhar específico,
como garante a política de educação do
campo, sem juízo ou prejuízo quanto aos
seus valores e modos de vida. Isso remete
ao que na legislação federal e na literatura
denomina-se interface entre a Educação do
Campo e a Educação Especial.
Caiado e Meletti (2011, p. 172)
destacam que “a necessidade da interface
entre a educação especial e a educação do
campo está presente em vários
documentos...”, entre eles, as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo, a Resolução 2/2008, a
Política Nacional de Educação Especial na
Perspectiva da Educação Inclusiva, dentre
outros. Ainda, segundo essas autoras,
... a legislação assegura que: 1)
enquanto modalidades de ensino, o
atendimento educacional
especializado deve estar presente em
todas as etapas da educação básica,
ensino superior e demais
modalidades da educação, seja em
escolas urbanas ou rurais; 2) sendo
um dos objetivos da educação do
campo a universalização do direito à
escola, crianças, jovens e adultos que
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vivem no campo, e têm alguma
necessidade educacional especial por
deficiência, têm direito ao
atendimento educacional
especializado (Caiado & Meletti,
2011, p. 174).
Desse modo, os fundamentos da
Educação Inclusiva, expressos nos
documentos oficiais que dão corpo às
políticas educacionais no Brasil,
desnudam, ainda mais fortemente, a
histórica defasagem de oportunidades
educacionais dos povos do campo no país.
Sobre o MST e a organização da
pedagogia do Movimento
O Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra é um movimento social
brasileiro de luta e resistência pela terra e
contra o avanço do capitalismo. “De
acordo com o próprio MST, desde sua
fundação, este se organiza em torno de três
objetivos: lutar pela terra; pela reforma
agrária; e por uma sociedade mais justa e
fraterna” (Paludeto, 2018, p. 23). Seu
surgimento é marcado pela organização de
agricultores ou trabalhadores rurais
desapropriados ou ameaçados.
O MST emergiu no cenário social e
político brasileiro mostrando as
contradições, reivindicando, no cerne
de sua ação prática, o acesso à terra,
a reforma agrária e um projeto amplo
de igualdade social, constituindo uma
das maiores novidades da história
política contemporânea do
campesinato brasileiro, sendo
considerado, posteriormente, a voz
mais expressiva da questão agrária da
América Latina (Paludeto, 2018, p.
37).
Com o seu desenvolvimento e
notoriedade nacional e internacional, o
Movimento cresceu, tornando-se um dos
mais expressivos movimentos de luta por
reforma agrária na América Latina. Tem
um projeto contra-hegemônico, pensando
meios para uma sociedade
democraticamente organizada e
socialmente mais igualitária, contra o
avanço das relações capitalistas de
produção, sobretudo no campo, expressas
atualmente na forma do agronegócio
iv
.
Tendo em vista a não concretização
de políticas educacionais nacionais para as
populações do campo no Brasil, o MST
elege como uma de suas principais
bandeiras de luta o desenvolvimento de um
projeto educacional emancipatório,
humanista e socialista, voltado aos
interesses e necessidades dos povos do
campo, considerando, ainda, as
especificidades dessas populações,
enxergando o povo em luta como sujeito
histórico e cultural que precisa ter sua
cultura respeitada.
Para tanto, o MST elaborou e buscou
executar uma proposta de educação
que foge à lógica burguesa. Uma
educação que transita entre a
formação intelectual e política ao
mesmo tempo. Para Floresta (2006),
essa proposta de educação constitui
uma dinâmica de apropriação do
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saber em que a produção e
socialização do conhecimento escolar
se coloca a serviço da emancipação
coletiva e popular (Peloso, 2013, p.
9).
Diante das parcas iniciativas públicas
na oferta de escolas do campo, no campo e
para o campo, somada a necessidade de
ampliação da presença dessas escolas, o
Movimento demanda, mas também
possibilita a existência de escolas com
propostas voltadas para o campo e, para as
especificidades e necessidades dessas
populações, sem deixar ninguém fora da
escola, inclusive o público-alvo da
Educação Especial e os jovens e adultos
que não realizaram seus estudos quando
crianças. Além disso, o MST defende a
tese de que educação é mais que escola.
Mas, a escola é um fator inegavelmente
imprescindível.
É em meio a esse cenário que o MST
luta, juntos aos órgãos públicos
responsáveis, por escolas nos
assentamentos e acampamentos, e para a
ampliação das escolas do campo como um
todo, com oferta de educação de qualidade.
São muitos os desafios, e a concretude das
propostas se dão em meio a contradições.
Ademais, inegavelmente, a luta primeira é
pela existência de escolas e, no segundo
momento, pelo controle político e
pedagógico das mesmas.
A nosso ver, a possibilidade de uma
educação do campo voltada para seus
sujeitos, inclusive àqueles que são público-
alvo da Educação Especial, que respeite as
especificidades dos espaços sociais onde
ela se desenvolve, no caso do MST nos
assentamentos e acampamentos, é uma
prática que contribui para assegurar a
escola em uma perspectiva inclusiva.
A pedagogia do movimento e a questão
da inclusão
O MST pauta-se por princípios,
sejam eles organizativos, para dar certa
unidade de ação e organização nos
diferentes acampamentos e assentamentos,
e nas mais diversas manifestações e lutas
do Movimento, sejam eles princípios
filosóficos, aqueles que remetem à visão de
mundo, de pessoa e sociedade. E, mais
especificamente, a respeito da proposta de
educação do MST, guia-se por princípios
pedagógicos que remetem ao modo de
fazer e pensar a educação com vistas a
consolidar os princípios filosóficos.
Neste tópico, buscamos descrever os
princípios filosóficos do MST, e discutir o
quão ligados estão a uma proposta de
sociedade e educação inclusivas. Cinco são
os princípios filosóficos do Movimento
(MST, 1996). O primeiro é a educação
para transformação social. O caráter
pedagógico e político que o MST assume é
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de uma educação para transformar as bases
da sociedade para a construção de novas
relações sociais, num projeto humanista e
socialista, por meio de uma educação de
classe, massiva, orgânica ao MST, voltada
para a ação e aberta ao mundo e ao novo.
A educação para o trabalho e a
cooperação, segundo princípio, trata da
forma como pensar e como questionar as
relações hegemônicas de trabalho atuais, e
considerar a luta pela reforma agrária no
campo, além da construção de novas
relações de trabalho e produção no campo
e na cidade, dando respostas aos problemas
dos acampamentos e assentamentos e à
vida como um todo, por meio da
cooperação e da organização coletiva.
O terceiro princípio, o da educação
voltada para as várias dimensões da
pessoa humana, propõe uma educação
pautada pela formação omnilateral, ou seja,
das várias dimensões da pessoa humana
ou, ainda, educação politécnica oposta à
divisão do trabalho intelectual e manual,
buscando formar em todas as esferas da
vida humana.
A educação com/para valores
humanistas e socialistas, é o quarto
princípio, na educação do novo homem e
da nova mulher. O Movimento propõe o
cultivo de valores assentados no centro do
processo de (trans)formação da pessoa
humana, tais como companheirismo,
solidariedade, busca da igualdade, direção
coletiva, e divisão de tarefas,
planejamento, respeito, disciplina no
trabalho, estudo e militância, construção do
ser coletivo, sensibilidade e respeito ao
meio ambiente, sacrifícios pelo bem
coletivo, cultivo do afeto e do sonho.
Por fim, o quinto princípio é o da
educação como um processo permanente
de formação e transformação humana. O
ser humano, enquanto ser em movimento,
tem sempre a capacidade de se
transformar, e a educação é um processo
permanente e diretamente vinculado a sua
formação e transformação.
Como se pode perceber, mais do que
uma educação inclusiva, os princípios
filosóficos do Movimento buscam a
constituição de uma sociedade inclusiva e
livre das amarras da exploração capitalista,
com pessoas que se reconhecem e o
reconhecidas em seu trabalho, e ajam de
forma coletiva e cooperativa em sociedade,
com valores, compreendendo e respeitando
o momento de cada um, assim como suas
igualdades e diferenças.
Além desses princípios, destaca-se,
para as finalidades deste artigo, o próprio
princípio da inclusão, que o Movimento
preza pela questão do respeito à
diversidade e às diferenças.
De acordo com Caldart (2004, pp.
119-120), “os sem-terra também trazem
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em si uma multiplicidade de origens
étnicas e culturais”, e “junto com a herança
(de classe, de etnia, de cultura) vem, então,
a construção da nova identidade”. Ainda de
acordo com a autora, é a construção de
uma identidade coletiva que traz certa
unidade ao povo em luta, identidade
marcada pela passagem da condição de
sem-terra (condição de falta), para a
condição de Sem Terra, ou seja, um nome
próprio que demonstra a sensação de
pertencimento, de lutadores sociais, de
existência (Caldart, 2004).
Torres et al. (2015, p. 155) destacam
a questão da diversidade e algumas
implicações para o projeto educativo do
Movimento:
A vivência ou a convivência,
comumente em situações as mais
adversas, seja em assentamentos, seja
em acampamentos, leva os sem-terra
a terem que aprender, por força da
necessidade, a conviver com as
diferenças nos mais variados
aspectos. O diferencial, nesses casos,
é que o aprendizado ocorre na
prática, em situações reais.
A convivência das diferenças em
meio a um ambiente social marcado pela
precariedade, como nos acampamentos,
gera estranhamentos e conflitos que, aos
poucos, vão dando lugar ao
reconhecimento ao próximo (Turatti,
2005). A situação de vida em meio à luta
vai gerando, não sem contradições e
desafios, empatia, solidariedade e
companheirismo. O MST, enquanto
movimento social, organiza a luta
pautando-se por princípios responsáveis
por trazer certa unidade dentro da
diversidade, buscando respeitar os
interesses e peculiaridades locais de cada
assentamento e acampamento.
Os principais valores que embasam o
seu projeto educativo são, conforme
palavras do próprio Movimento, a
indignação diante das injustiças e da perda
da dignidade humana, o companheirismo e
a solidariedade, a igualdade combinada
com o respeito às diferenças, a justiça e a
democracia (MST, 1996; 1999; 2001b).
Aliás, o Movimento enfatiza “a busca da
igualdade combinada com o respeito às
diferenças culturais, de raça, de gênero, de
estilos pessoais” (MST, 1996, p. 9). Isso
vai ao encontro dos princípios da Educação
Inclusiva e dos Direitos Humanos.
Diversos documentos do Movimento
fazem menções, diretas ou indiretas, à
questão da Educação Inclusiva e da
Educação Especial. Apresentam-se, a
seguir, algumas dessas menções, para fins
de exemplificação.
No documento denominado “Como
fazemos a escola de educação
fundamental” (MST, 1999, p. 39), o
Movimento informa que a inclusão é um
princípio do MST:
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O nosso princípio é o da inclusão,
que deve ser um critério básico na
opção a ser feita. E entendemos por
inclusão a luta para que todos os
educandos estejam na escola, a
abertura aos portadores de
necessidades especiais, a qualidade
social do processo educativo, e a
ruptura da lógica de uma escola
pobre para os pobres do campo.
Nesse mesmo documento, o MST
aponta que:
Entre os desafios que temos pela
frente, um deles é o de
desenvolvermos um processo
educativo que permita a superação da
dominação machista imposta pela
cultura em que estamos inseridos, e
um melhor entendimento da questão
de gênero. A sociedade que
queremos construir se constrói na
sociedade de hoje. Superar
concepções tradicionais de família e
de relacionamento entre gerações
também faz parte desta construção.
Outro desafio é a superação do
racismo e o aprofundamento da
questão étnica. Outro ainda é o do
respeito às diferenças que existem no
jeito de ser das pessoas, e uma
preocupação específica com os
educandos portadores de
necessidades especiais, para o que
ainda não olhamos com a atenção
devida. (MST, 1999, p. 24).
Na publicação denominada
“Construindo o caminho” (MST, 2001a, p.
131), o Movimento reconhece, dentre suas
“Linhas de ação e atividades de Educação
para os coletivos do setor e para todo
MST”, a necessidade de prestar “…atenção
às necessidades especiais de educandos
portadores de deficiências, às questões de
gênero, sexualidade, saúde”.
No documento intitulado “Pedagogia
do Movimento Sem Terra:
acompanhamento às escolas” (MST,
2001b, p. 13), o Movimento ressalta a
questão da
Sensibilidade para a presença de
educandos portadores de
necessidades educativas especiais.
Este é um sinal de que avançamos
nas relações humanas a ponto de
percebermos e trabalharmos as
diferenças que existem entre os seres
humanos que compõem a identidade
Sem Terra. Nesta escola existem
educandos nestas condições? E no
assentamento ou acampamento,
crianças, jovens ou adultos que são
portadores destas necessidades
especiais? alguma preocupação
específica sobre isso? Como são
tratados?
Ainda, nesse documento (MST,
2001b, p. 13), o Movimento aponta que:
Os processos pedagógicos que
precisamos potencializar através de
nosso acompanhamento: o
aprendizado coletivo do jeito de
trabalhar com estas necessidades
educativas especiais; também a
postura de como trabalhar outros
tipos de diferenças, na perspectiva de
crescimento humano e
aprofundamento da nossa própria
identidade.
Na seção denominada “Síntese dos
encaminhamentos”, constante no
documento intitulado II Seminário
Nacional da Infância Sem Terra (MST,
2017, p. 180), o Movimento menciona a
necessidade de “... escolarização da
infância, educação integral (disputar o
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres, J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
experiência do projeto educativo do MST...
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projeto), PPP, desenvolvimento da
infância, crianças especiais, educadores
qualificados...”, dentre outras medidas.
No texto intitulado “A educação do
Campo”, referente ao VI Congresso
Nacional do Movimento (MST, 2017, p.
172), consta a defesa do “d) atendimento
especializado aos portadores de
necessidades educacionais especiais no
próprio campo”.
Segundo Dal Ri e Vieitez (2008),
conforme o Movimento foi se expandindo,
as demandas em torno da educação
também foram expandidas. Partindo do
que apontam esses autores, considera-se
que o espaço destinado à Educação
Especial e à Educação Inclusiva também
foi sendo ampliado, à medida que o projeto
educativo Sem Terra foi crescendo.
Além de se pautar por princípios
inclusivos, o MST tem uma preocupação
específica com a educação especial.
Coloca-se a pensar, em cada localidade, as
especificidades e seu público real. Nesse
sentido, qualquer aluno público-alvo da
Educação Especial precisa ser assistido em
suas especificidades, e ter garantido seu
direito de participar igualitariamente no
grupo, tendo respeitadas as suas
possibilidades.
Como apontado, solidariedade,
companheirismo, respeito às diferenças,
educação como direito de todos,
participação, luta contra a mercantilização
da educação, dentre outros, estão entre os
valores e consignas do Movimento.
Destaca-se, ainda, que o MST preza pela
participação e pelo trabalho coletivo
envolvendo educandos, educadores e as
comunidades. Aliás, a luta por uma
educação pública, gratuita, inclusiva,
democrática e de qualidade social, é uma
questão de princípio para o Movimento.
Partindo do que aponta Torres
Santomé (2003), ao discutir a questão da
educação em tempos de neoliberalismo,
considera-se que a lógica de mercado é
incompatível com os princípios da
Educação Inclusiva. Assim, considera-se
que, ao fazer a defesa intransigente da
educação pública, gratuita e universal
como um dever do Estado, e um direito de
cidadania, o Movimento corrobora os
princípios da Educação Inclusiva.
Além disso, ressalta-se que a gestão
democrática é um princípio-chave do
projeto educativo do Movimento, que
defende a democratização do ensino
público (Dal Ri & Vieitez, 2008). Isso
remete à histórica demanda de movimentos
populares de luta pela educação e, também,
à clássica consigna de movimentos de
pessoas com deficiência, qual seja, “Nada
sobre nós sem nós”, bem como à inter-
relação necessária entre gestão
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres, J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
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democrática e Educação Inclusiva (Moraes
& Silva, 2018).
Considera-se que os princípios
filosóficos e pedagógicos, os valores, bem
como a lógica de organização do
Movimento, favorecem ou tendem a
favorecer, em alguma medida, questões
destacadas na literatura da área da
Educação Especial (Moraes & Silva, 2018;
Oliveira, 2018; Pletsch, 2010), tais como,
autonomia, respeito e valorização da
diversidade e das diferenças,
intersetorialidade, trabalho colaborativo,
participação efetiva de todos os segmentos
nos processos pedagógicos e decisórios,
dentre outras.
Todavia, ainda que sejam registradas
diversas conquistas, em termos de políticas
públicas, especialmente no âmbito do
campo jurídico-normativo, como as
políticas específicas de cada modalidade de
ensino e da preocupação com a interface
entre elas, constatam-se diversos
descompassos no plano prático, ou seja,
não necessariamente o que está previsto ou
determinado na legislação é cumprido,
adequadamente, por todos os entes
federados ou por todas as escolas. Isso
remete às problematizações de Secchi
(2010) acerca da questão do ciclo de
políticas públicas.
Nozu, Ribeiro e Bruno (2018, p.
342), ao realizarem análise da produção de
Teses e Dissertações acadêmico-científicas
sobre a temática em tela, apontam que A
análise da interface entre Educação
Especial e Educação do Campo requer
atenção, cuidado, sensibilidade e ética por
parte do pesquisador, considerando as
múltiplas exclusões, invisibilizações,
silenciamentos e marginalizações que
atravessam a temática”.
Destaca-se que as reformas
educacionais e outras medidas
governamentais implementadas pelo
Governo Federal nos últimos anos sem
desconsiderar, também, medidas adotadas
nas esferas estadual e municipal , afetam
negativamente a educação escolar pública
em todos os níveis. Porém, afetam
sobremaneira a Educação Especial e a
Educação do Campo, pois essas
modalidades demandam maior aporte de
recursos financeiros, se comparadas ao
ensino regular. Ressalta-se o desafio
ampliado, em se tratando de estudantes
público-alvo da Educação Especial
residentes no campo, e que demandam,
concomitantemente, mais de uma
modalidade da educação escolar (Caiado &
Meletti, 2011; Torres et al., 2015).
Portanto, a interface entre essas
modalidades implica desafios
potencializados, desafios esses que são
reconhecidos e reiterados pelo MST, que,
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres, J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
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não sem adversidades ou contradições,
empenha-se para enfrentá-los e superá-los.
De acordo com os preceitos da
política educacional brasileira (Brasil,
2008, p. 1),
O movimento mundial pela educação
inclusiva é uma ação política,
cultural, social e pedagógica,
desencadeada em defesa do direito de
todos os alunos de estarem juntos,
aprendendo e participando, sem
nenhum tipo de discriminação. A
educação inclusiva constitui um
paradigma educacional
fundamentado na concepção de
direitos humanos, que conjuga
igualdade e diferença como valores
indissociáveis, e que avança em
relação à ideia de equidade formal ao
contextualizar as circunstâncias
históricas da produção da exclusão
dentro e fora da escola.
Ao se falar de educação inclusiva,
primeiramente se deve ter em mente que
esta não se limita ao público-alvo da
Educação Especial, mas, congrega todos
aqueles que são colocados em situação de
inclusão/exclusão, tanto na dimensão
social, quanto econômica ou educacional.
Correntemente, no meio educacional,
utiliza-se o termo “exclusão” para
definir a prática discriminatória em
relação aos portadores de
necessidades educativas especiais…
O que se pretende aqui é ampliar o
sentido da exclusão em educação
para categorias culturais e
econômicas, como os privados
financeiramente do acesso à escola,
os povos indígenas, alunos que levam
para a escola uma linguagem
estigmatizada socialmente e,
especificamente, os habitantes da
zona rural, que por privação de
direitos sociais cada vez mais aguda,
têm o seu direito à educação negado
(Martins, 2008, p. 4).
A Política de Educação Especial
(Brasil, 2008, p. 1) reconhece que “a
escola historicamente se caracterizou pela
visão da educação que delimita a
escolarização como privilégio de um
grupo, uma exclusão que foi legitimada nas
políticas e práticas educacionais
reprodutoras da ordem social...”. Nesse
sentido, é importante perceber que a
construção de uma escola inclusiva
perpassa muito mais do que o acesso à
escola básica, pois é necessário
democratizar o acesso ao conhecimento de
uma forma que se congreguem as
diferenças, respeitem-nas, e que se parta
delas para a construção de uma prática
pedagógica que possibilite o pleno
desenvolvimento de cada aluno de forma
integral.
A Educação Especial e a Educação
do Campo, “... com suas particularidades e
complexidades, revelam-se duas áreas
marcadas pelo histórico descaso de ações
na área de políticas blicas” (Caiado &
Meletti, 2011, p. 171). Nesse sentido, ao
falar do histórico de não atendimento
educacional à população do campo e, da
não concretização de políticas de educação
do campo que respeitem seus sujeitos, os
coloquem no centro do processo educativo,
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres, J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
experiência do projeto educativo do MST...
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compreendam e garantam suas
particularidades, por conseguinte, está se
colocando o resgate aos princípios da
Educação Inclusiva.
Uma importante questão a se levar
em conta é que a existência de textos legais
não garante a efetivação de políticas
públicas, devendo haver pressão popular
para que políticas sejam efetivamente
implementadas. Movimentos sociais, como
o MST, e outros setores da sociedade civil
organizada, têm atuado nesse sentido.
Política de Educação Especial e
Inclusiva brasileira e a Educação do
Campo no contexto do MST
Embora com avanços importantes no
campo normativo brasileiro no que tange à
Educação Especial e Inclusiva e à
Educação do Campo, enquanto
modalidades de ensino, enormes são,
ainda, os desafios na concretização de
políticas educacionais inclusivas no
campo.
A política educacional brasileira
preconiza que a Educação Especial,
pautada pela transversalidade, perpassa
todos os níveis, etapas e modalidades da
educação, nesse sentido, “a interface da
educação especial na educação indígena,
do campo e quilombola deve assegurar que
os recursos, serviços e atendimento
educacional especializado estejam
presentes nos projetos pedagógicos
construídos com base nas diferenças
socioculturais desses grupos”. (Brasil,
2008, p. 10).
Sendo assim, a legislação preconiza
o direito ao atendimento educacional
especializado (AEE) a toda a população,
inclusive aos povos indígenas, quilombolas
e do campo, como no caso do MST,
assegurando o trabalho educativo por meio
de um projeto pedagógico que leve em
conta a especificidade de cada espaço
escolar, de cada aluno e suas necessidades.
Caiado e Meletti (2011), ao
pesquisarem a Educação Especial no
contexto da Educação do Campo,
demonstram a importância de se enxergar
que, no campo brasileiro, existem crianças
e jovens com deficiência que têm sido
tratados numa condição de invisibilidade.
Demonstram que muitas dessas pessoas
saem do campo para terem acesso à
escolarização, e que quando se educam no
campo, não necessariamente têm acesso ao
AEE, carecendo de uma boa estrutura e
planejamento de ensino que levem em
conta suas especificidades. Por isso a
importância de se considerar a interface
entre a Educação Especial e a Educação de
Jovens e Adultos (Freitas, 2014), bem
como, a baixíssima oferta de Educação
Infantil e a importância do Atendimento
Educacional Especializado para o
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desenvolvimento da criança com
deficiência.
O apelo à afirmação de que “...
alunos com deficiência que vivem no
campo!”, feito por Caiado e Meletti (2011,
p. 183), vai ao encontro dos dados que
demonstram incipiente atendimento
educacional aos povos do campo.
Quadro 1 Condições de oferta de Educação Especial por localização da escola.
Fonte: Cruz e Monteiro (2019, p. 48).
Com base nos dados apresentados
pelo Quadro 1, pode ser observado que a
presença de salas de AEE ainda é
incipiente, tanto em área urbana quanto
rural. Das escolas localizadas em área
rural, apenas 16,1% possuem sala de
recursos multifuncionais para AEE.
Os números não melhoram quando
se observam questões relativas à
acessibilidade física e arquitetônica. No
campo, apenas 25,9% das escolas possuem
banheiro adequado ao uso dos alunos com
deficiência ou mobilidade reduzida,
enquanto que, na área urbana, o número
mais que dobra e chega a 58,4%. Porém,
mesmo assim, ainda se mostra muito
baixo. Ainda a respeito da acessibilidade,
percebe-se que, no campo, apenas 17,9%
das escolas têm dependências e vias
adequadas a alunos com deficiência ou
mobilidade reduzida.
Rodrigues (2006, p. 302) afirma que
“... o que se entende por uma Escola
Inclusiva pressupõe uma escola centrada
na comunidade, livre de barreiras (desde as
arquitetônicas às curriculares), promotora
de colaboração e de equidade...”. Nesse
sentido, para ser inclusiva a escola precisa
ter condições de receber a todos,
compreender a cada um e desenvolver uma
prática centrada na pessoa humana, na
relação com a comunidade. Ou seja, a
escola inclusiva, mais do que espaço de
presença do aluno público-alvo da
Educação Especial, ou de qualquer pessoa
em situação de exclusão ou, ainda, lugar de
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mera integração, é um espaço de formação
e desenvolvimento humano, onde se
prepara e se possibilita desenvolver as
capacidades de cada um. De acordo com
Rodrigues (2006, p. 303), as diferenças
entre integração e inclusão têm como
consenso que:
... a integração pressupõe uma
“participação tutelada” numa
estrutura com valores próprios e aos
quais o aluno “integrado” tem que se
adaptar. Diferentemente, a EI
(Educação Inclusiva) pressupõe uma
participação plena numa estrutura em
que os valores e práticas são
delineados tendo em conta todas as
características, interesses, objetivos e
direitos de todos os participantes no
ato educativo.
De acordo com as diretrizes da
política educacional brasileira, numa
perspectiva inclusiva, a Educação Especial
“passa a integrar a proposta pedagógica da
escola regular, promovendo o atendimento
às necessidades educacionais especiais de
alunos com deficiência, transtornos globais
do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação”. (Brasil, 2008,
p. 9). Portanto, independentemente do
nível, etapa ou modalidade de ensino, os
alunos precisam ser atendidos numa
perspectiva inclusiva, seja qual for sua
diferença e necessidade.
Acontece que no campo, como
afirmamos, o desafio é ampliado quando se
trata dos alunos público-alvo da Educação
Especial. Complementarmente às
dificuldades, do esvaziamento e da não
concretização de uma educação do campo,
as populações camponesas que integram o
MST e sua luta, têm a particularidade de
serem sujeitos de um movimento social.
Para compreender as peculiaridades
da proposta do MST quanto à questão da
educação inclusiva, aproximamos as
discussões da interface entre Educação do
Campo e Educação Especial e Inclusiva.
Porém, novamente, torna-se importante
observar que a Educação proposta pelo
MST não busca necessariamente se
vincular, nem seguir diretamente a política
educacional brasileira. Porém, acredita-se
ser essa aproximação necessária pela
defesa do MST ao direito da educação
pública, estatal e, para todos. Nesse
sentido, a luta do Movimento é,
primeiramente, pela existência de escolas
no campo e depois, pela ocupação da
escola, ou seja, o controle político e
pedagógico desses espaços,
transformando-as em escolas do
Movimento.
Ademais, para compreender o MST e
a sua proposta de educação, temos de
compreender que sujeito social o
Movimento visa formar, no caso, o Sem
Terra.
O Sem Terra é o sujeito formado na
luta, na vivência coletiva, no seio do
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engajamento em um movimento social,
que se coloca em prol do desenvolvimento
de outro projeto de sociedade. Sujeito que
busca se enraizar, encontrar na terra seu
sustento e força de vida. Sujeito que passa
a compreender a exploração de seu
trabalho, e que na luta pela terra, no
contexto da luta de classes, busca a
redução das desigualdades, ou, ainda, a
construção de um projeto socialista de
sociedade, que devolva a terra sua função
social, e que a livre do uso indiscriminado
de agrotóxicos, que garanta ao trabalhador
a sua dignidade e humanidade.
Nesse sentido, o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra constrói
seu projeto de formação em movimento, de
acordo com as demandas objetivas,
considerando a história e a memória,
autoeducando os seus membros e a si
próprio. O Movimento se torna o grande
educador do povo em luta, que traz como
principais princípios educativos a própria
luta, a prática social e o trabalho. De
acordo com Torres et al. (2015, p. 151), “o
projeto educativo do MST abrange todos
os níveis e diferentes modalidades de
ensino, tanto no âmbito formal quanto no
o formal...”.
Torres et al. (2015) elencam
princípios e práticas importantes da
educação no/do MST que relevam a
preocupação do Movimento no sentido de
efetivar uma prática educacional inclusiva
em acepção ampla quanto aos sujeitos de
sua educação, sejam eles crianças, jovens
ou adultos, pessoas com deficiência,
mulheres ou pessoas LGBTQIA+,
independentemente de cor, credo ou etnia
etc. e, de forma crítica, contra-hegêmonica,
ou seja, garantindo a participação plena na
estrutura de valores e práticas sociais.
Esses princípios são: (i) a construção de
relações interpessoais, as relações no
Movimento ganham o comunitário,
coletivo, por meio da vivência em meio às
maiores adversidades; (ii) a gestão
democrática onde se colocam as pessoas
em situação de igualdade real de
participação política; (iii) inversão das
relações tradicionais presentes no combate
feito pelo Movimento às tradições
machistas e patriarcais, historicamente
presentes no campo brasileiro, envolvendo
principalmente as questões de gênero, da
participação da mulher e do lugar da
criança no Movimento; (iv) esforço para
uma educação massiva, ou seja, uma
educação para todos.
Como ressaltado, o MST considera
as dimensões política, econômica e
cultural que inclui a educação
escolar , bem como questões étnico-
culturais, de gênero, geracionais, das
pessoas com deficiência, entre outras
que, em última instância, comumente
resultam em preconceitos,
discriminações ou hierarquizações
com diversos desdobramentos, como
a marginalização ou a exclusão
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres, J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no campo: a
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social. Em outras palavras, o MST
considera dialeticamente várias das
questões elencadas no contexto
daquilo que comumente se pensa
acerca da educação inclusiva no
Brasil (Torres et al., 2015, p. 156).
Constata-se, assim, que o MST adota
uma perspectiva dinâmica, ampla e contra-
hegemônica de educação inclusiva.
Destaca-se, ainda, que há uma inter-relação
necessária entre a concepção de sociedade
e de educação defendida pelo Movimento
no que se refere a medidas visando
combater as marginalizações e hierarquias
sociais verticais. No entanto, para a
consecução desses objetivos, o Movimento
enfrenta diversos desafios e contradições.
Conclusão
É inegável a importância da
discussão da inclusão e da implementação
de políticas educacionais inclusivas que
garantam a educação para todos. Em
contrapartida, temos visto a não
concretização desse direito à inclusão por
parte da escola pública, das políticas de
educação no campo enquanto modalidade
de ensino, e a pouca efetivação das
políticas inclusivas no tocante à Educação
Especial, sobretudo no campo.
Por sua vez, o MST se organiza para
lutar por reforma agrária e, no bojo dessa
luta, se depara com muitas outras, com o
intuito de uma sociedade mais justa e
fraterna. O Movimento assume, dentre
outras, a luta por escola para todos, e
desenvolve uma pedagogia própria, com
projeto de educação emancipatório,
voltado aos desejos e necessidades dos
Sem Terra e, possivelmente, de outras
populações camponesas.
O Sem Terra, sujeito da educação do
MST, é um sujeito em luta, que com o
Movimento, por meio de seus princípios,
busca promover a igualdade combinada
com o respeito à diferença, tendo a
inclusão como um princípio.
Fica claro que tanto a Educação
Especial, quanto a Educação do Campo,
são áreas marcadas pelo descaso e não
efetivação de políticas e programas.
que se considerar ainda que, no caso dos
povos do campo, para determinados
estudantes pode haver a necessidade da
interface entre Educação do Campo,
Educação Especial e/ou Educação de
Jovens e Adultos, o que tende a
potencializar os desafios apresentados
neste texto/trabalho. Outro ponto a se
destacar é a questão da precariedade, da
descontinuidade, da inexistência, da
incipiência, da inconstância da oferta da
Educação Infantil no campo, e a Educação
Especial configura-se fator-chave nessa
etapa crucial para o desenvolvimento
global da criança.
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No recorte que elegemos entre as
populações camponesas e a Educação
Especial e Inclusiva, nota-se que muitos
alunos com deficiência, moradores do
campo, deixam seu local de residência para
frequentarem escolas urbanas. Além disso,
as próprias escolas, principalmente rurais,
não oferecem condições adequadas de
acesso e permanência aos alunos com
deficiência, demonstradas pela falta de
salas para o AEE, e a não superação de
outras diversas barreiras arquitetônicas e
pedagógicas.
Na atual conjuntura, são ainda
maiores os desafios enfrentados pelo
Movimento para levar a termo o seu
projeto educativo, inclusive, no que se
refere às medidas relacionadas à Educação
Inclusiva e à Educação Especial.
A Educação Inclusiva, mais do que
garantir acesso e integrar, precisa incluir e,
também, garantir aprendizado e o
desenvolvimento de todo e qualquer
educando, independentemente de seu local
de moradia, sua condição física,
intelectual, social ou econômica,
respeitando seus limites e possibilidades.
É preciso ter claro que o MST está
presente em quase todo o território
brasileiro. A amplitude e a diversidade das
iniciativas e das condições de execução da
educação no Movimento implicam uma
espécie de cautela metodológica em
relação a determinadas generalizações no
que se refere ao seu projeto educativo (Dal
Ri et al., 2019). Assim, considera-se
pertinente a realização de estudos
empíricos para compreender melhor os
êxitos, as condições adversas e as
contradições envolvidas nas diversas
experiências educativas do MST no que se
refere à Educação Especial nas escolas do
Movimento.
As diretrizes para a educação do
campo encontram dificuldades e se
efetivam, de fato, em poucas escolas da
área rural. Em linhas gerais, muitas das
experiências positivas a respeito da
educação do campo são encontradas, não
sem contradições e problemas, em escolas
vinculadas ao MST. Nesse sentido, é que
se pode afirmar que existem projetos
educacionais que respeitam as
especificidades e necessidades da
população camponesa no Brasil, sobretudo
a partir das ações e lutas travadas nos
acampamentos e assentamentos do
Movimento. Todavia, como se alertou, a
própria característica territorial do
Movimento, e o respeito às
particularidades das ações tomadas nas
localidades, tornam possível que mesmo
com os princípios organizativos gerais, as
diferentes experiências educativas do MST
destoem, em maior ou menor grau, entre si.
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Nos últimos anos, temos assistido ao
fechamento de escolas no/do campo e,
definitivamente, com o governo federal
atual, o ataque a órgãos como o INCRA e
suas políticas, a abertura desenfreada para
propostas capitalistas de produção no
campo expressas pelo agronegócio, com a
produção transgênica e o praticamente
livre uso de agrotóxicos e, mais
recentemente, a extinção da Coordenação
Geral de Educação do Campo e Cidadania
e, com ela, o PRONERA (Programa
Nacional de Educação na Reforma
Agrária), demonstram o projeto desse
governo para as populações camponesas e
para os movimentos sociais do campo.
O desmonte das políticas para o
campo, o combate e criminalização, por
parte do governo federal, aos movimentos
sociais que lutam contra injustiças e
demonstram a exploração do capital em
relação à classe trabalhadora e, por
consequência, a marginalização dessas
populações e desses lutadores, demonstra
um projeto político que trata como
bandidos aqueles que lutam por direitos,
por melhores condições de vida, e que
estão sendo cotidianamente colocados à
margem, tanto no sentido de periférico,
quanto no sentido de marginal,
delinquente.
Nesse paradigma, as diferenças são
tratadas numa relação de poder, de guerra,
de hierarquia, com discursos e práticas de
ódio dirigidas a grupos distintos, marcadas
por práticas do não respeito e da o
congregação das diferenças como algo
propriamente humano. Tendo em vista tal
cenário, é preciso cada vez mais que os
discursos inclusivos tomem forças e sejam,
consecutivamente, de fato, permeados por
práticas verdadeiramente inclusivas.
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para o Programa Escola Ativa (pp. 171-
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Expressão Popular.
Cruz, P., & Monteiro, L. (2019). Anuário
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i
O interesse pelo tema é fruto de investigações que
vêm sendo desenvolvidas nos últimos anos pelo
Grupo de Pesquisa que integramos. Parte
considerável dos estudos do Grupo voltam-se,
atualmente, para pesquisas sobre a Pedagogia do
MST e a contribuição de suas experiências
educativas para o debate da Educação do Campo no
Brasil.
ii
Ao longo do texto utilizaremos a expressão
Movimento, com inicial em maiúscula, para nos
referirmos ao MST.
iii
Embora muitas escolas do MST presentes em
assentamentos e acampamentos sejam, a rigor,
escolas oficiais, são também escolas do MST. A
preocupação da escola ser do MST é justamente por
seus ideais, embora não sem contradições e
problemas, de se configurar como uma escola do
campo, no campo e para o campo.
iv
De acordo com Leite e Medeiro (2012, p. 81), o
termo agronegócio “foi criado para expressar as
relações econômicas (mercantis, financeiras e
tecnológicas) entre o setor agropecuário e aqueles
situados na esfera industrial, comercial e de
serviços.
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experiência do projeto educativo do MST...
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ISSN: 2525-4863
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 06/10/2020
Aprovado em: 03/11/2020
Publicado em: 04/12/2020
Received on October 06th, 2020
Accepted on November 03th, 2020
Published on December, 04th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Luís Henrique Santos Barcellos
http://orcid.org/0000-0001-6104-7054
Cláudio Rodrigues da Silva
http://orcid.org/0000-0001-9036-3101
Agnes Iara Domingos Moraes
http://orcid.org/0000-0001-5775-3431
Júlio Cesar Torres
http://orcid.org/0000-0002-1002-0078
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Barcellos, L. H. S., Silva, C. R., Moraes, A. I. D., & Torres,
J. C. (2020). Limites e desafios da educação inclusiva no
campo: a experiência do projeto educativo do MST. Rev.
Bras. Educ. Camp., 5, e10660.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10660
ABNT
BARCELLOS, L. H. S.; SILVA, C. R.; MORAES, A. I. D.;
TORRES, J. C. Limites e desafios da educação inclusiva
no campo: a experiência do projeto educativo do MST.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e10660,
2020. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10660