Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10665
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10665
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2020
ISSN: 2525-4863
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Judicialização do direito à educação: gestão democrática
em tempos da COVID-19
Thiago Tavares da Silva Ferreira
1
, Roberto Francisco de Carvalho
2
1
Tavares Advocacia. Avenida Murilo Braga, nº 1384, Centro. Porto Nacional - TO. Brasil.
2
Universidade Federal do Tocantins -
UFT.
Autor para correspondência/Author for correspondence: ttavares.jus@gmail.com
RESUMO. A Organização das Nações Unidas para a Educação,
a Ciência e a Cultura - Unesco, revelou que a pandemia causada
pela COVID-19 afetou mais de 90% dos estudantes do mundo
devido ao fechamento temporário das escolas (Unesco, 2020).
A Constituição Federal (CF) de 1988 assegura o direito de todos
à educação com qualidade e o reconhece como um direito
público subjetivo, conforme estabelece os artigos 205, 206 e
seus incisos VI e VII, ambos da CF/88 (Brasil, 1988). O
presente artigo, de natureza teórico documental, apresenta uma
abordagem qualitativa e utiliza-se da teoria gramsciana
(Gramsci, 1982) para analisar a gestão democrática educacional,
bem como o padrão de qualidade da educação (Cabral, 2008), o
que possibilitou verificar a influência da ideologia capitalista no
processo educacional brasileiro. Devido ao desconhecimento
dos cidadãos sobre o sistema judicial (Sadek, 2010) este estudo
tem por objetivo discutir o direito à educação e apresentar a
judicialização desse direito como uma ferramenta da gestão
democrática (Ferreira, 2008) considerando o contexto histórico
que compreende a década de 1980 até o ano de 2020, momento
em que a garantia desse direito tem sido cada vez mais
prejudicada em razão da crise causada pela pandemia da
COVID-19.
Palavras-chave: Judicialização, COVID-19, Direito à
Educação.
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Judicialization of the right to education: democratic
management in times of COVID-19
ABSTRACT. The United Nations Educational, Scientific and
Cultural Organization - Unesco, revealed that the pandemic
caused by COVID-19 affected more than 90% of the world's
students due to the temporary closure of schools (Unesco, 2020).
The Federal Constitution of 1988 guarantees the right of all to
quality education and recognizes it as a subjective public right,
as established by articles 205, 206 and its items VI and VII, both
of CF / 88 (Brazil, 1988). The present article, of a documental
theoretical nature, presents a qualitative approach and uses the
Gramscian theory (Gramsci, 1982) to analyze the democratic
educational management, as well as the quality standard of
education (Cabral, 2008), which made it possible to verify the
influence of capitalist ideology in the Brazilian educational
process. Due to the citizens' lack of knowledge about the judicial
system (Sadek, 2010) this study aims to discuss the right to
education and present the judicialization of that right as a tool of
democratic management (Ferreira, 2008) considering the
historical context that comprises the decade of 1980 to 2020, in
which the guarantee of this right has been increasingly
undermined due to the crisis caused by the pandemic of
COVID-19.
Keywords: Judicialization, COVID-19, Right to Education.
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Judicialización del derecho a la educación: gestión
democrática en tiempos del COVID-19
RESUMEN. La Organización de las Naciones Unidas para la
Educación, la Ciencia y la Cultura - Unesco, reve que la
pandemia provocada por el COVID-19 afectó a más del 90% de
los estudiantes del mundo debido al cierre temporal de escuelas
(UNESCO, 2020). La Constitución Federal de 1988 garantiza el
derecho de todos a una educación de calidad y lo reconoce como
un derecho público subjetivo, tal como lo establecen los
artículos 205, 206 y sus incisos VI y VII, ambos del CF/88
(Brasil, 1988). El presente artículo, de carácter teórico
documental, presenta un enfoque cualitativo y utiliza la teoría
Gramsciana (Gramsci, 1982) para analizar la gestión educativa
democrática, así como el estándar de calidad de la educación
(Cabral, 2008), lo que permitió verificar la influencia de la
ideología capitalista en el proceso educativo brasileño. Debido
al desconocimiento de los ciudadanos sobre el sistema judicial
(Sadek, 2010) este estudio tiene como objetivo discutir el
derecho a la educación y presentar la judicialización de ese
derecho como herramienta de gestión democrática (Ferreira,
2008) considerando el contexto histórico que comprende la
década de 1980 a 2020, en los que la garantía de este derecho se
ha visto cada vez más socavada por la crisis provocada por la
pandemia de COVID-19.
Palabras clave: Judicialización, COVID-19, Derecho a La
Educación.
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Introdução
A Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura -
Unesco, revelou que a pandemia causada
pela COVID-19 afetou a vida escolar de
mais de 90% dos estudantes do mundo,
que deixaram de ter aulas devido ao
fechamento temporário das escolas
(UNESCO, 2020). Diante disso, é
importante ressaltar que a Constituição
Federal brasileira de 1988 assegurou o
direito de todos a uma educação de
qualidade por força dos artigos 205, 206 e
seus incisos VI e VII (Brasil, 1988).
A Carta magna de 1988 elevou o
direito à educação ao mais alto patamar e o
reconheceu como o primeiro dos direitos
sociais (Cury, 2010), conforme dispõe o
artigo 6º. “São direitos sociais a educação,
a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a
segurança, a previdência social, a proteção
à maternidade e à infância, a assistência
aos desamparados, na forma desta
Constituição” (Brasil, 1988).
Assim, o presente trabalho tem por
objetivo discutir o direito à educação e
apresentar a judicialização desse direito
como uma ferramenta da gestão
democrática (Ferreira, 2008) considerando
o contexto histórico que compreende a
década de 1980 até o ano de 2020, em que
a garantia do direito à educação tem sido
cada vez mais prejudicada em razão da
crise causada pela pandemia da COVID-
19.
Esperamos com este estudo
contribuir com o debate acerca do tema e
com a conscientização do cidadão no
sentido de exigir o cumprimento do direito
material, no caso presente, o direito do
estudante em ter uma educação com
qualidade, bem como o direito formal,
demonstrando alguns caminhos para a
judicialização da educação como
ferramenta para proteção desse direito
(Ferreira, 2008).
Metodologia
Na realização deste estudo utilizamos
a pesquisa teórico-documental, de natureza
qualitativa, por meio da qual foi possível
verificar um arranjo de leis referentes à
educação que dificultam o entendimento
dos cidadãos a esse respeito (Lagares,
2014). Também foram identificados os
elementos constitucionais que compõem
tal direito, sendo eles a gestão democrática
e a gestão educacional (Voirol, 2012).
Ao pensarmos a educação numa
perspectiva gramsciana deparamo-nos com
as proposições de Gramsci, para quem
deve existir uma escola única e inicial, de
cultura geral, humanista, formativa
(Gramsci, 1982). Nessa perspectiva, o
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presente estudo analisou a gestão
democrática educacional (Cabral, 2008),
bem como a garantia do padrão de
qualidade da educação (Brasil, 1988)
expondo o tensionamento entre o direito à
educação e a ideologia capitalista e as
formas de assegurar esse direito.
No bojo desse embate o
desconhecimento das leis e de como
acionar a justiça para garantir direitos na
perspectiva da gestão democrática ainda é
uma realidade vivenciada pela maioria das
pessoas no Brasil. Esse fato é intensificado
pela forma mercadológica como a escola é
tratada, onde a educação acontece a partir
do viés fundamentalmente econômico, em
que o estudante é considerado um mero
consumidor e a educação gerenciada como
uma mercadoria (Biesta, 2013).
A pesquisa aqui apresentada buscou
responder como garantir o direito à
educação diante da pandemia da COVID-
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i
bem como dos arranjos legislativos
(Lagares, 2014) que dificultam ainda mais
o entendimento desse conjunto normativo e
se traduzem numa legislação simbólica
(Neves, 2007) pouco compreendida e
acessada pela sociedade civil.
Em razão dos arranjos legislativos e
do desconhecimento da população acerca
dos mecanismos de acionamento do poder
judiciário, bastante desconhecido (Sadek,
2010), abordamos neste trabalho algumas
maneiras de o cidadão acionar o Estado no
sentido de preservar o direito à educação.
Discussão
A Constituição de 1988, na primeira
parte do artigo 205, concebe a educação
como “direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada
com a colaboração da sociedade”, ou seja,
os cidadãos (Cabral, 2008). A segunda
parte do mesmo artigo trata dos três
objetivos da educação que deve visar ao
“pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”.
Adicionalmente, os incisos VI e VII do
artigo 206 dispõem sobre “a gestão
democrática e a garantia do padrão de
qualidade” (Brasil, 1988).
Além das normas constitucionais a
serem observadas, Coutinho (1999) alerta
que participação política na sociedade
brasileira é produzida de maneira
fragmentada e precária. Nessa mesma
direção Lagares (2014) utiliza a expressão
“arranjos” ao tratar da legislação brasileira
da educação e afirma que, mais do que
uma construção normativa esparsa, trata-se
de um projeto democrático estrutural e
socialmente desigual. Santos (2020), por
sua vez, sustenta que desde os anos de
1980, a ideologia capitalista prejudica o
direito de todos à educação, sobremodo o
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direito dos menos favorecidos. Esse quadro
apontado pelos autores se agravou
consideravelmente no final do ano de 2019
e início de 2020 devido à pandemia
causada pela COVID-19 (Croda, 2020)
fazendo com que cerca de 90% do total de
estudantes do mundo tivessem o seu direito
à educação prejudicado com o fechamento
temporário das escolas, devido à pandemia
(Unesco, 2020).
A Constituição Federal de 1988,
conhecida como a Constituição Cidadã
(Oliveira; Oliveira, 2011) enfrentou os
problemas aderentes à educação brasileira.
Nesse sentido, definiu diretrizes, constituiu
princípios e estabeleceu normas que
evidenciam a relevância que o tema da
educação merece, posto que se trata de
“um direito social fundamental,
possibilitando o desenvolvimento de ações
por todos aqueles responsáveis pela sua
concretização, ou seja, o Estado, família,
sociedade, escola e os educadores”
(Ferreira, 2008). Além disso, consagrou a
educação como um direito público
subjetivo, o que permite a todos exigir do
Estado a prestação jurisdicional do direito
à educação (Muniz, 2002).
A Constituição cidadã estabeleceu
um capítulo para tratar da educação, além
de inúmeras disposições correlatas a esse
direito e à obrigação do Estado (Cury,
2010), a exemplo dos artigos 205 e 206, já
mencionados.
Assim, sendo o Estado responsável
por assegurar o direito de todos à
educação, a responsabilidade de acioná-lo
no sentido de cumprir essa obrigação é
descentralizada e plural, tornando-se, desta
forma, um dever da família, da sociedade e
da escola (Cury, 2010), que não devem
perder de vista o estabelecido na CF de
1988, artigo 206, incisos VI e VII,
respectivamente, que asseguram “a gestão
democrática do ensino público” e a
“garantia de padrão de qualidade” (Brasil,
1988).
Embora o direito de todos à
educação faça parte dos direitos sociais
assegurados constitucionalmente, a gestão
educacional brasileira é concebida de
maneira desconexa, fragmentada e
inconsistente. Essa perspectiva de gestão é
traduzida pelo discurso das classes
dominantes que se alimentam das
desigualdades sociais e defendem um
sistema de educação que desfavorece a
construção de um projeto democrático,
diante da estrutura social desigual em que
vivemos (Frigotto, 2009).
A gestão educacional pode ser
compreendida como “um amplo espectro
de iniciativas desenvolvidas pelas
diferentes instâncias de governo, seja em
termos de responsabilidades
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compartilhadas na oferta de ensino, ou de
outras ações que desenvolvem em suas
áreas específicas de atuação” (Vieira
Lerche, 2007, p. 63). Já a gestão
democrática está relacionada com o
envolvimento de todos os agentes da
educação o Estado, a sociedade, a escola
e os educadores no processo educacional
(Bastos, 1999; Gadotti, 1997; Libâneo,
Oliveira e Toschi, 2003; Zeichner, 2002;
Ferreira, 2008).
Desta forma, sendo a educação
direito de todos e dever do Estado (Brasil,
1988), este deve garantir aos cidadãos esse
direito, entretanto, o Estado utiliza-se de
argumentos como a falta de recursos, entre
outros tantos, para justificar a não oferta de
vagas nas escolas públicas. Contudo, a
justificativa de limitação orçamentária não
pode ser um argumento aceitável, uma vez
que este discurso serve apenas para
camuflar as más escolhas do Estado em
deixar todos sem a tutela da proteção do
direito social à educação (Silveira, 2013).
Assim, o acesso desigual à educação,
na acepção econômico financeira do termo,
impede que um dos objetivos mais
importantes da Constituição se realize,
aumentando, com isso, a desigualdade,
principalmente da população mais pobre,
sobre o argumento da falta de verbas
orçamentárias (Rodrigues & Rodrigues,
2017). É de prioridade absoluta a garantia
do direito à educação a partir do que
preconizam as leis que o protegem. Assim,
diante de tal violação nasce o direito de se
exigir juridicamente a efetividade do
direito à educação (Silveira, 2013).
O acesso a tal direito no Brasil, como
anunciado, tem sido mais dificultado no
período da pandemia, que colocou o Brasil
numa situação de calamidade pública. A
condição de calamidade pública foi
declarada mediante a aprovação, pelo
Senado Federal, do Decreto Legislativo
06/2020, de 20 de março de 2020,
encaminhado pelo presidente da República,
e que estará em vigor até 31 de dezembro
de 2020.
Convém salientar que, desde a
década de 1980, a ideologia capitalista vem
impondo uma gestão educacional
desfavorável à garantia do direito à
educação (Santos, 2020). Em razão disso,
considerando que se trata de um direito
social fundamental, a judicialização da
educação é necessária para assegurar esse
direito, devendo ser utilizada por todos os
agentes da educação, ou seja, pela família,
Estado, sociedade e escola a fim de exigir a
garantia do direito à educação, conforme
estampado na Constituição Federal
(Ferreira, 2008).
Embora os cidadãos possam acionar
a justiça para a garantia do acesso à
educação (Oliveira & Teixeira, 2019), ao
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se buscar informações a esse respeito em
sites eletrônicos dos Ministérios Públicos
Estaduais do Brasil, do Superior Tribunal
de Justiça - STJ, bem como em jornais e
revistas, é possível constatar que poucos
acionam a proteção do Estado
(Casagrande, 2008; Silveira, 2008; Vieira,
2008; Cury et al, 2009). Isso ocorre em
razão do desconhecimento da população
acerca do sistema judicial (Sadek, 2010).
Diante do desafio de proteger o
direito de todos à educação, impõe-se a
necessidade de os pesquisadores
contribuírem com esse debate e com o
processo de conscientização da população.
Nessa perspectiva, estes devem adotar uma
postura franca em face da falta de
conhecimento dos direitos por parte da
população, o que possibilitará a
transformação das dificuldades do
conhecimento em vantagens pedagógicas
(Ferreiro, 1994). Nesse processo, é
imprescindível difundir, entre outras
informações, os três objetivos da educação,
plasmados no artigo 205 da CF/88, que
estabelece: “a educação, direito de todos e
dever do Estado e da família, será
promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (Brasil,
1988).
Contudo, o alcance dos objetivos
educacionais, da gestão democrática e da
educação de qualidade estabelecidos pelo
art. 205 da CF de 1988 não será possível
somente a partir da ação do Estado, mas
exige, indispensavelmente, para a sua
garantia a colaboração efetiva da sociedade
(Cabral, 2008). Sendo assim, a teoria
Gramsciana de educação (Gramsci, 1982)
nos ajuda a entender a importância da
participação ampla, ativa e consciente da
sociedade civil na perspectiva da
construção democrática e da busca pela
materialização dos direitos formalmente
assegurados, entre eles a educação de
qualidade e a gestão democrática dessa
política.
Desta forma, a gestão democrática
pode ser interpretada de várias maneiras, e,
sob a ótica gramsciana, esta pode ser
entendida como uma sistemática de
aprendizagem e disputa política (Gramsci,
1982). Sendo assim, a gestão democrática
ultrapassa a jurisdição da prática educativa
e conota as especificidades da prática
social e de sua autonomia, mesmo que
mitigada, de modo a oportunizar a criação
de mecanismos de participação efetiva e de
aprendizado da temática democrática
(Santos, 2006).
Por conseguinte, do raciocínio das
estruturas de poder autoritarista que
perfazem as relações sociais e, tendo em
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sua estrutura as práticas educacionais,
Viana (1986, p. 23) entende que o processo
participativo se faz presente ... numa
atividade de trabalho, que se caracteriza
pela integração de todos os setores da
atividade humana social, num processo
global, para a solução dos problemas
comuns”.
Na visão de Santos (2006), a gestão
democrática consiste na divisão efetiva do
poder entre a sociedade política e a
sociedade civil, a fim de construir um
projeto de nação onde a comunidade
escolar, alunos, pais, professores, gestores,
funcionários e a comunidade construam
uma democracia.
Para Gadotti (2001) existem duas
condições que viabilizam a implantação da
gestão democrática: a primeira diz respeito
ao ambiente escolar, que deve formar para
a cidadania e a segunda trata-se da gestão
democrática, que tem o poder de melhorar
um dos objetivos específicos da escola,
qual seja o ensino em si, pois a
participação, segundo o autor, pertence à
própria natureza do ato pedagógico. Neste
sentido, a gestão democrática da educação
passou a ser amplamente discutida nos
debates pedagógicos, pelos setores público
e privado, pois, até os anos de 1980, de
acordo com Vianna (1986), as experiências
a esse respeito eram muito incipientes e
isoladas e não tinham um impacto
significativo sobre os sistemas de ensino.
A gestão democrática foi
amplamente debatida na década de 1980
pela Constituinte de 1988, no contexto da
luta pelo direito à educação (Santos, 2020),
fato esse que culminou na promulgação da
Constituição da República Federativa do
Brasil que assegurou o princípio da gestão
democrática do ensino público. Acerca
desse tema, importa assinalar que os
municípios devem legislar normas de
gestão democrática do ensino público para
o seu sistema de ensino, conforme
preceitua a CF/88 em seu art. 206 incisos
VI e VII ao dispor que o ensino será
ministrado com base na gestão
democrática, com padrão de qualidade do
ensino público, na forma da Lei (Brasil,
1988). É possível extrair pela inteligência
do dispositivo constitucional
supramencionado, bem como na norma
infraconstitucional posta na LDB de 1996
relativa à educação básica art. 3º, inciso
VIII , conforme se depreende, que o
ensino será ministrado com base na gestão
democrática do ensino público (Brasil,
1996).
Neste mesmo trilhar legislativo, a
LDB/96 reafirmou um modelo de atuação
das escolas que tem por base a autonomia
escolar, bem como a gestão democrática,
premissa em que a razão do
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desenvolvimento da autonomia se pela
efetiva democratização da gestão, de modo
que a democracia administrativa é outro
fator que deve acrescer autonomia à escola.
Nessa perspectiva, conforme a escola vai
ganhando maiores proporções, consolida-
se, assim, o que dispõe o artigo 14 da
LDB/96, nos incisos I e II, sobre as normas
da gestão democrática, bem como
confirma a participação das comunidades
escolares (Brasil, 1996).
A concretização da gestão
democrática requer a participação coletiva
da sociedade, a fim de efetivar a prática da
participação sob a perspectiva da
consciência nas tomadas de decisão no
ambiente escolar. A partir disso a escola
cumpre seu objetivo de assegurar a
participação cidadã de maneira que esta
torne-se pressuposto e uma das ferramentas
que integram os processos de
funcionamento da gestão escolar.
Ainda sobre a gestão democrática,
Dourado (2001, p. 79) compreende que
esta constitui-se de um
... processo de aprendizado e de luta
política que não se circunscreve aos
limites da prática educativa, mas
vislumbra, nas especificidades dessa
prática social e de sua relativa
autonomia, a possibilidade de criação
de canais de efetiva participação e de
aprendizado do “jogo” democrático
e, consequentemente, do repensar das
estruturas de poder autoritário que
permeiam as relações sociais e, no
seio dessas, as práticas educativas.
Saviani (1999) complementa a esse
respeito que o primeiro elemento da gestão
democrática está ligado à situação
histórico-geográfica na qual é necessária
uma aproximação da escola para conhecer
o seu contexto real e levantar os problemas
educacionais de uma dada situação.
A necessidade de uma norma
relevante relacionada à gestão democrática
remonta à indispensabilidade em se ter um
dispositivo que garanta a efetividade do
direito de todos à educação. Nesse sentido,
a gestão democrática está atrelada à cultura
que, por sua vez, remete à necessidade de
uma análise histórico-geográfica que leve
em conta a efetividade da gestão, por
conseguinte, dependente da participação da
sociedade civil, comunidade, diretores,
professores, alunos e pais. Embora
existam inúmeras leis espalhadas que
tratem dessa temática, não um
dispositivo concentrado que trate sobre o
direito material à educação em si, bem
como sobre o direito formal e o processo
judicial para a garantia desse direito.
Assim, diante dessa lacuna normativa,
Lagares (2014) mapeou e descreveu as
mudanças ocorridas do final de 1980 até o
início do século XXI com relação às
políticas públicas e a gestão da educação e
buscou reunir, nesta obra, um conjunto de
normas jurídicas a fim de identificar as
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principais leis referentes ao direito de
todos à educação brasileira, com qualidade.
No que tange à garantia de direitos,
em 1980, período de transição do
autoritarismo para a democracia,
iniciaram-se as discussões sobre o tema do
acesso à justiça no âmbito do Estado
brasileiro. Nesse momento emergiram
diálogos sobre a garantia dos direitos dos
indivíduos e das coletividades diante do
abuso de poder do Estado ou da negativa
deste em cumprir as normas
constitucionais previstas nas políticas
públicas (Oliveira & Teixeira, 2019).
Como fruto desse debate a
Constituição Cidadã consagrou o direito de
acesso à Justiça como um princípio
constitucional e reconheceu a Magistratura,
o Ministério Público MP e a Defensoria
Pública como instituições indispensáveis a
administração da Justiça (Motta, 2007),
estando o Poder Judiciário à disposição dos
cidadãos, de modo que estes possam
judicializar o direito de todos à educação
(Oliveira & Teixeira, 2019). Todavia,
poucos se utilizam da tutela do Poder
Judiciário (Casagrande, 2008; Silveira,
2008; Vieira, 2008; Cury et al., 2009), por
desconhecimento e por não saberem a
quem devem procurar para a garantia desse
direito (Sadek, 2010).
Neste sentido, é importante ressaltar
que a gestão democrática consiste no
envolvimento de toda a comunidade
escolar, do Estado, da sociedade, da escola
e dos educadores no processo educacional
(Ferreira, 2008), o que exige que estes
tenham conhecimento da legislação
concernente a sua atuação (Batista, 1999).
Nessa perspectiva, a criação de um
ambiente que proporcione o diálogo sobre
a legislação se faz necessária, o que enseja
a efetividade da gestão democrática e abre
discussão para o debate em torno desta,
que consiste num conjunto de tomadas de
decisões administrativas educacionais que
abarcam desde a oferta de ensino aos
cidadãos até a execução de ações para o
desenvolvimento desse ensino (Vieira
Fraga, 2007). Ocorre que a ideologia
capitalista transforma a gestão democrática
numa relação fundamentalmente
econômica que considera o estudante um
simples consumidor e a educação é gestada
como uma mercadoria (Biesta, 2013),
indiferenciada das mercadorias em geral.
Segundo Gaulejac (2007), ao
adentrar a ideologia capitalista é possível
verificar sua interferência na gestão
educacional, uma vez que as tomadas de
decisão no âmbito da escola sofrem
influências do capitalismo. Nesse processo,
como país economicamente hegemônico,
“os Estados Unidos consolidam sua
dominação por meio do saber em ciência
gerencial” Gaulejac (2007, p. 67). Tal
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ciência, conhecida como administração
tecnicista, tem suas raízes assentadas no
pensamento neoliberal, notadamente de
Schumpeter (1984), e tem influenciado o
Brasil em todas as suas extensões.
Especificamente em relação à educação
podemos identificar a ampliação, de forma
intensificada, da esfera privada sobre a
esfera pública e das políticas de lógica
econômico-mercantil sobre as políticas
públicas sociais, afetando decisivamente a
efetivação do direito à educação (Carvalho,
2011).
Para Saviani (1999) a realidade
brasileira evidencia a fragilidade no
tocante aos processos normativos da gestão
democrática e da gestão educacional diante
da influência da ideologia capitalista no
sistema de ensino. Tal influência resulta no
não envolvimento dos agentes da educação
no sentido da construção de uma gestão
efetivamente democrática, tendo por
consequência o não cumprimento dos
preceitos constitucionais dispostos nos
artigos 205 e 206 da Constituição Federal
de 1988.
Habermas (2009), ao analisar a
influência do capitalismo nas estruturas
sociais, faz uma distinção entre os dois
campos em que o homem atua e sofre tais
influências. O primeiro campo diz respeito
ao trabalho ou ação racional teleológica
por meio do qual o homem passa por um
processo de emancipação progressiva, de
maneira natural. No outro campo situa-se a
interação social que possibilita a criação
das normas que regem a sociedade, as
quais são formuladas a partir das
experiências dos seres humanos em
sociedade ao utilizarem-se da comunicação
e da ação. Em outras palavras, trata-se de
“uma interação simbolicamente mediada”,
que, por sua vez, norteia “segundo normas
de vigência obrigatória que definem as
expectativas recíprocas de comportamento
e que têm de ser entendidas e
reconhecidas, pelo menos, por dois sujeitos
agentes” (Habermas, 2009, p. 57).
Tomando por referência o exposto
pelos autores, observa-se que, no Brasil,
desde os anos de 1980, a ideologia
capitalista interfere e prejudica o direito de
todos à educação, sobremodo o direito dos
menos favorecidos (Santos, 2020). Esse
prejuízo foi agravado com o fechamento
temporário das escolas devido à pandemia
causada pela COVID-19, contudo, sendo a
educação um direito de todos, considerado
pela Constituição Federal um direito social
fundamental, a judicialização da educação
coloca-se como uma ferramenta
indispensável à proteção desse direito
(Ferreira, 2008).
Para tanto, o acionamento do Poder
Judiciário para judicializar o direito de
todos à educação pode ser feito por meio
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das Defensorias Públicas, que, em muitos
casos, implantaram atendimento voltado
para demandas judiciais pertinentes ao
acesso à educação (Silva, 2018). Outra
forma de buscar a garantia desse direito é
pela intervenção do Ministério Público,
que, desde a criação da Ação Civil Pública
no ano de 1985, potencializou o
atendimento aos cidadãos na busca da
proteção dos direitos difusos aqueles que
fazem parte de um grupo indeterminado ,
e os direitos coletivos os que compõem
um grupo determinável (Arantes, 2004).
Diante do exposto, é pertinente
reforçar o percurso histórico da educação
brasileira que desde a promulgação da
Constituição Federal de 1988 rompeu com
a lógica autoritária e vem avançando no
sentido da construção de uma gestão
democrática que busque não apenas
garantir o direito à educação, mas que
assegure, também, nesse processo a
participação de todos os sujeitos
envolvidos com a educação e com a escola.
Nessa perspectiva, os avanços
pretendidos, e assegurados pela Lei,
tornam-se ainda mais desafiadores diante
da pandemia causada pela Covid-19, que,
ao colocar o país numa situação de
calamidade pública, reforça a necessidade
de que seja buscado o caminho da
judicialização, caminho esse que, segundo
Oliveira & Teixeira (2019), apresenta-se
como a alternativa mais adequada para
garantir o direito constitucional de todos à
educação.
Ancorado em Gramsci, Carvalho
(2011) sustenta que a judicialização do
direito à educação, como parte do processo
de democratização da educação, em geral,
situa-se no leque das diversas lutas
travadas no âmbito da sociedade capitalista
em busca da constituição de uma
consciência coletiva e de práticas voltadas
para o interesse coletivo/comum que
promove a emancipação humana.
Para tanto, faz-se necessário articular
as lutas macrossociais com as
microssociais, abrangendo os diversos
espaços sociais presentes no âmbito da
sociedade civil e sociedade política
(Gramsci, 1978). Por essa via de
entendimento, espaços institucionais como
as igrejas, escolas, universidades,
ambientes culturais, político-legislativos,
entre outros, são importantes. Tais
instituições/setores sociais são espaços
concretos de luta política por democracia e
participação efetiva, a exemplo do direito à
educação. É por meio das mencionadas
lutas, sem desconsiderar o contexto social
mais amplo, que podemos diminuir a
distância entre dirigentes e dirigidos e
entre os que têm mais e aqueles que têm
menos acessos aos bens culturais e
simbólicos como é o caso da educação. É
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com esse sentido que entendemos a
importância da judicialização da educação
como resultado de lutas históricas, pois
vislumbra um projeto de educação e de
gestão democrático-emancipador menos
fragmentário e menos desigual.
Ainda seguindo as trilhas de
Carvalho (2011), com o entendimento de
democracia e gestão democrática
fundamentado em Gramsci, o que se busca
é a realização continua e permanente do
processo de desalienação dos sujeitos no
processo de produção e reprodução da vida
na sociedade contemporânea. Para tanto,
... quanto mais o ser social interage
em sociedade, nos seus diversos
espaços, tanto mais supera os
entraves e barreiras constitutivas do
processo de alienação, possibilitando
a ampliação da liberdade e da
autonomia dos indivíduos nos
espaços sociais. A socialização nos
diversos espaços de tomadas de
decisão é um caminho fértil para uma
pretensa diminuição da fragmentação
e do controle produtivista capitalista
em direção a uma perspectiva social
de tendência mais emancipadora
(Carvalho, 2011, p. 73).
Lembremos, entretanto, com base na
referência em pauta, que a emancipação
não ocorrerá de forma espontânea, sem
lutas a serem realizadas no interior da
sociedade capitalista, gestada na lógica da
democracia e gestão liberal/neoliberal.
Nesse sentido, conforme Gramsci, citado
por Coutinho (2007), as lutas tem o sentido
progressivo, pois incorporam os diversos
espaços sociais de produção e reprodução
material e imaterial da vida em sociedade
e, abrange, também, a conquista dos
direitos, como os direitos à educação.
Nessa direção,
... num regime democrático
republicano que, graças à articulação
dialética entre os organismos
tradicionais de representação
democrática (parlamentos etc.) e os
novos institutos de democracia direta
(conselhos de fábrica, de bairro),
permite o avanço progressivo no
sentido de transformações sociais e
econômicas profundas, da conquista
permanente de posições no rumo do
socialismo (Coutinho, 2007, p. 161).
Por essa via de entendimento, o
processo de judicialização da educação no
Brasil situa-se ao lado dos diversos
embates acerca da ampliação progressiva
da liberdade, dos direitos sociais, dos
direitos políticos, buscando diminuir a
distância entre dirigentes e dirigidos.
Assim, agindo no interior da sociedade e
gestão social não democrática, luta-se por
incorporar
... determinadas conquistas liberais,
considerando-as imprescindíveis à
democracia (penso nos direitos civis,
no direito de expressão, no direito ao
livre pensamento etc.), mas que
incorpora também outros direitos
democráticos, como, sobretudo, o
direito à participação. Para tanto,
devemos imaginar formas
institucionais que combinem a
democracia representativa tradicional
com a democracia participativa, de
base, mas que incorpore também os
chamados direitos sociais, que são
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direitos indiscutíveis da democracia
moderna: o direito à previdência, à
educação, à saúde e, no limite, o
direito social à propriedade, o que
implica a socialização dos meios de
produção (Coutinho, 2000, p. 129-
130).
A democracia e gestão no âmbito das
instituições sociais, por essa via
argumentativa, é pensada e praticada na
perspectiva da filosofia da práxis
(Gramsci, 2007), situando as práticas
sociais, como as educacionais, na
articulação entre: estrutura e superestrutura
social; formas históricas de pensar e fazer
política; dirigentes e dirigidos; trabalho e
educação, conhecimento científico, cultura
e educação; teoria e prática; gestão do
capital e gestão democrática das
instituições sociais; direitos sociais e
direito à educação.
Considerações finais
Em face da responsabilidade
constitucional do Estado em garantir o
acesso à educação a todos, com qualidade,
nasce o direito dos cidadãos de exigirem o
cumprimento da Lei para assegurar tal
acesso, mesmo diante da crise sanitária
causada pela COVID-19. Essa prática,
embora não seja tão presente na sociedade
brasileira, devido ao desconhecimento dos
cidadãos sobre o sistema judicial pode
ser adotada para acionar os governantes no
sentido de proteger e assegurar o direito
constitucional (Sadek, 2010).
A pesquisa revelou que,
considerando o contexto histórico
brasileiro de forjamento e promulgação da
CF de 1988, a ideologia capitalista
difundida pela classe dominante continuou
prejudicando o cumprimento das leis
garantidoras de direitos, impedindo que
estas sejam efetivamente concretizadas. No
que tange à educação, as camadas sociais
empobrecidas, na acepção jurídica do
termo, são as mais afetadas quanto ao
acesso a esse direito, pois desconhecem as
formas e os caminhos para pleitearem a sua
garantia (Santos, 2020).
Diante disso, a judicialização do
direito à educação, sob a ótica da gestão
democrática em tempos de pandemia da
COVID-19 apresenta-se como o meio mais
adequado para fazer com que o Estado
assegure o direito de todos à educação,
tendo em vista que este é concebido na
norma constitucional brasileira, desde
1988, como direito público subjetivo.
O estudo revelou, também, a
necessidade de uma atuação específica,
especialmente por parte da escola e dos
pesquisadores do campo da educação no
seio da luta pela construção da gestão
democrática no sentido de conscientizar
os cidadãos quanto ao direito de todos à
educação e sobre os mecanismos a serem
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utilizados para assegurar tal direito.
Também evidenciou a importância do
envolvimento da família e da comunidade
escolar com o processo de gestão
democrática que deve ser construído,
coletivamente, por meio da luta política no
sentido de aprofundar as práticas
democráticas, como propõe Gramsci, bem
como preservar o direito à educação. O
direito à educação, historicamente
negligenciado pelo Estado brasileiro, como
afirmado neste texto, tem sido ainda mais
prejudicado no contexto da pandemia da
COVID-19, o que impõe como alternativa
a judicialização desse direito como
ferramenta para sua proteção. Para tanto,
deve ser buscada a intervenção das
Defensorias Públicas, bem como a do
Ministério público por meio da Ação Civil
Pública.
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i
A pandemia teve inicio no final de 2019 e, em 31
de dezembro do mesmo ano, de acordo com a
Organização Mundial da Saúde (OMS), o mundo
foi alertado “... sobre vários casos de pneumonia na
cidade de Wuhan, província de Hubei, na República
Popular da China.” (Croda, 2020).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 06/10/2020
Aprovado em: 16/11/2020
Publicado em: 04/12/2020
Received on October 06th, 2020
Accepted on November 16th, 2020
Published on December, 04th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
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Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Thiago Tavares da Silva Ferreira
http://orcid.org/0000-0001-9544-7953
Roberto Francisco de Carvalho
http://orcid.org/0000-0001-7278-181X
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COVID-19. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e10665.
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FERREIRA, T. T. S.; CARVALHO, R. F. Judicialização do
direito à educação: gestão democrática em tempos da
COVID-19. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5,
e10665, 2020. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10665