Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10666
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
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2020
ISSN: 2525-4863
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Mais Gerente e menos Gestor: uma análise do marco
regulatório direcionado à gestão da escola pública
paraense
i
Cassio Vale
1
, Gilmar Pereira da Silva
2
, Francisco Willams Campos Lima
3
1, 2
Universidade Federal do Pará - UFPA. Programa de Pós-Graduação em Educação na Amazônia. Rua Augusto Corrêa,
01. Guamá - PA. Brasil.
3
Universidade do Estado do Pará - UEPA.
Autor para correspondência/Author for correspondence: cassiovale07@yahoo.com.br
RESUMO. Este artigo trata da gestão da escola pública
paraense a partir da implementação do “Pacto pela Educação do
Pará”, que é balizado na lógica de parcerias entre o Estado e a
iniciativa privada como estratégia de melhoria dos índices
educacionais. O questionamento consiste em: como o marco
regulatório do Pacto pela Educação do Pará direciona a atuação
do gestor escolar na escola pública? A metodologia está
ancorada na pesquisa bibliográfica, em interlocução com autores
que discutem sobre a gestão escolar; na pesquisa documental,
que ocupou papel essencial em função dos documentos
decorrentes desse Pacto, os quais, em geral, são decretos.
Ambos os procedimentos forneceram subsídios às análises,
assentadas na perspectiva crítico-descritiva. Os resultados
revelaram que o marco regulatório do Pacto pela Educação do
Pará induz a um direcionamento para que os gestores escolares
possam ter um perfil mais afinado com a figura do gerente que
cobra, monitora e cumpre metas, de modo que a excelência de
seu trabalho começa pelos critérios de escolha dos profissionais
afeitos à lógica gerencialista que adentrou a educação pública
paraense no que se refere à legislação analisada.
Palavras-chave: Educação Paraense, Gestão Escolar Pública,
Gerencialismo.
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More an Administrator and less Manager: an analysis of
the regulatory framework aimed at the public-school
management in Pará
ABSTRACT. This paper deals with the public-school
management in Pará state as it has been implemented through
the “Pact for Education in Pará”, which is based on the logic of
partnerships between the state and the private sector,
manifesting a strategy of educational indicators improvement.
The question consists of: how the Pact for Education regulatory
framework directs the school manager’s action in a public-
school setting? The methodology is anchored in bibliographical
research, as approached by authors who discuss school
management; document analysis, which had an important role
regarding the documents from the Pact, such as decrees. Both
procedures allowed our analyses, based on a critical and
descriptive perspective. Results show that the Pact for Education
in Pará regulatory framework drives school managers to have a
profile mostly aligned with the figure of an administrator, which
demands, surveils and accomplishes goals; in this manner, the
job excellence starts with the choice of professionals who work
within the managerial logic that has become part of public
education in Pará, especially regarding the analyzed legal texts.
Keywords: Education in Pará State, Public-School
Management, Managerial Logic.
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Más Administrador y menos Gestor: un análisis del marco
regulatorio direccionado a la gestión de la escuela pública
paraense
RESUMEN. Este artículo versa sobre la gestión de la escuela
pública paraense a partir de la implantación del “Pacto por la
Educación de Pará”, señalado en la lógica de asociaciones entre
el Estado y la iniciativa privada como estrategia de mejora de
los índices educativos. El cuestionamiento consiste en: ¿cómo el
marco regulatorio del Pacto por la Educación de Pará orienta la
actuación del gestor escolar en la escuela pública? La
metodología está anclada: en la investigación bibliográfica; en la
interlocución con autores que discuten acerca de la gestión
escolar; en la investigación documental, que desempeñó un
papel fundamental en la función de los documentos de dicho
Pacto, los cuales suelen ser decretos; ambos procedimientos
proporcionaron subvenciones a los análisis, asentadas en la
perspectiva crítico-descriptiva. Los resultados ponen en relieve
que el marco regulatorio del Pacto por la Educación de Pará
induce a una orientación de los gestores escolares por tener un
perfil más semejante a la figura de un gerente que exige,
monitora y cumple metas, de manera que la excelencia de su
trabajo comienza por los criterios de elección de profesionales
acostumbrados a la lógica gerencialista que se adentró en la
educación pública paraense en cuanto a la legislación
examinada.
Palabras clave: Educación Paraense, Gestión de la Escuela
Pública, Gerencialismo.
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Introdução
A gestão escolar, enquanto atividade
voltada para alcançar uma finalidade
determinada, é norteada por legislação
específica e pelas peculiaridades de cada
escola, em especial as escolas públicas,
que aqui serão analisadas com destaque
porque a gestão das escolas particulares
possui uma lógica própria e não tem a
obrigatoriedade de cumprir princípios
democráticos constitucionais, em que os
pais que concordam com a filosofia dessas
instituições fazem matrícula de seus filhos
e seguem um regimento interno.
Na gestão da escola blica, um
marco regulatório a ser seguido, a exemplo
da Constituição Federal Brasileira de 1988,
que em seu Art. 206, sobre os princípios
que irão nortear o ensino, destaca no Inciso
VI a necessidade de haver “gestão
democrática do ensino público na forma da
lei”. Tal inciso tem teor impositivo pela
exigência de gestão democrática somente
na esfera pública por entender que a esfera
privada possui uma lógica própria,
influenciada por interesses mercantis. Por
outro lado, a expressão “na forma da lei”
abre possibilidades para interpretações
equivocadas e/ou deturpadas desse cargo
nos estados e municípios, como é o caso do
estado do Pará, aqui analisado por meio do
seu Pacto pela Educação. Este foi um
projeto local que funcionou numa lógica de
parcerias entre o Estado e a iniciativa
privada, o qual originou decretos
orientando critérios para ocupar o cargo de
gestor das escolas estaduais.
Cabe frisar que:
Em nosso dia-a-dia, administração
(ou gestão, que será aqui tomada
como sinônimo) costuma ser
associada com chefia ou controle das
ações de outros. Isso decorre do fato
de que, diuturnamente, convivemos
com o arbítrio e a dominação e quase
não nos damos conta disso. É
compreensível, portanto, que gerir,
administrar, seja confundido com
mandar, chefiar (Paro, 1998, p. 4).
Neste texto, assumimos o conceito de
gestão escolar defendido por autores como
Santos (2012) e Paro (1998), que a
compreendem como instrumento de
mediação racional para formação de
sujeitos autônomos, considerando meios e
fins como um todo indivisível. Ou seja, o
gestor da escola pública precisa evitar
conduzir o trabalho da comunidade escolar
com base em fatores isolados como
norteadores de suas decisões, antes deve
fazê-lo a partir de um conjunto de fatores
que implica diretamente o produto neste
caso, o aluno e seu processo formativo.
Destacamos também que, na escola
sob sua responsabilidade, o gestor escolar
necessita ter um perfil técnico compatível
com as exigências do cargo de qualquer
profissional, acrescidas de elementos como
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sensibilidade para tomada de decisões,
porque estará trabalhando com pessoas e,
em especial, com crianças e adolescentes
em diversas fases da vida, com anseios
distintos que interferem no processo de
ensino e aprendizagem. Daí ser pertinente
evitar posturas extremante gerenciais,
autoritárias e meramente cobradoras de
metas, que são consoantes a ambientes do
mundo empresarial, o qual almeja
resultados quantitativos como único
parâmetro de êxito da equipe.
O caso específico aqui analisado é a
gestão das escolas públicas paraenses.
Desde 2013, passa por mudanças
significativas em função do projeto
intitulado “Pacto pela Educação do Pará”,
que representa “uma iniciativa que busca a
melhoria da qualidade da educação básica
do Estado, a partir de ações voltadas para a
qualidade do ensino e capacitação de
professores, aperfeiçoamento do currículo
e infraestrutura escolar” (“Pacto pela
Educação no Pará é lançado com o apoio
do BID”, 2013).
As ações desse Pacto são
direcionadas pelo Comi Estadual e os
Comitês regionais sob presidência do então
governador Simão Robson de Oliveira
Jatene (2011-2018), pois foi em sua gestão
que o projeto foi lançado e teve o marco
regulatório aprovado, com implicações
diretas para os gestores das escolas
públicas. Com base nesse contexto,
orientamo-nos pelo seguinte
questionamento: como o marco regulatório
do Pacto pela Educação do Pará direciona
a atuação do gestor escolar na escola
pública?
Nesse percurso reside nossa
interrogação a respeito da relação entre a
definição da política de gestão do Pacto, a
qualidade dos resultados dessas políticas e
a atuação do gestor. A condução da
investigação valeu-se da pesquisa
bibliográfica, em interlocução com autores
que discutem a gestão escolar, e da
pesquisa documental, que ocupou papel
essencial em função dos documentos
decorrentes desse Pacto, em geral,
decretos. Tais procedimentos forneceram
subsídios a nossas análises por meio de
uma perspectiva crítico-descritiva,
considerando a pressuposição de Marx
(2008), para quem o concreto é resultado
de sínteses, não o ponto de partida. “O
concreto é concreto, porque é síntese de
muitas determinações, isto é, unidade do
diverso” (Marx, 2008, p. 258).
Desta feita, o eixo norteador do
questionamento aqui desenvolvido se
assenta na concepção de que a educação se
constrói como uma prática histórica e
social, vinculada à forma como o ser
humano constitui sua existência na vida em
sociedade, que revela, consequentemente, a
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forma como concebe o mundo em que se
encontra inserido. Assim, o mundo social e
a manifestação histórica da educação
enquanto fenômeno social e dinâmico se
revelam no existir humano e em suas
possibilidades de legitimação ou de
transformação.
Nessa perspectiva, a referência
analítica à qual se ancora o artigo não se
restringe à definição da adoção de
métodos, nem somente à categorização de
instrumentos de coleta de dados, mas
incorpora um caráter amplo, configurado
como eixo estruturante da problemática
levantada, pois possui relevância à
compreensão da realidade, assim como
incorpora a pretensão de ampliar o
horizonte investigativo do sujeito
pesquisador (Lüdke & André, 1986).
Na perspectiva de compreender a
realidade e de tomar esse processo de
compreensão como ampliação do horizonte
de conhecimento, a vivência no contexto
educacional e em relação com os demais
sujeitos sociais possibilita, a partir das
compreensões adquiridas, perspectivar e
sinalizar caminhos para a definição das
políticas e programas educacionais
conduzidos pelo Estado. Nesse percurso, é
possível desvendar os múltiplos concretos
que ensejam e seus reflexos, decorrentes
das ações efetivadas no âmbito dos
sistemas de ensino, das instituições
escolares, das práticas educacionais que
desenvolvem, dos sujeitos e da formação a
que estão sendo submetidos.
Para Bogdan e Biklen (1994), a
pesquisa qualitativa possibilita o
comprometimento do pesquisador com sua
realidade, assim como favorece o diálogo
permanente entre o sujeito que pesquisa e o
sujeito que é pesquisado, numa interação
contínua.
Para os autores, o investigador que se
orienta pelos pressupostos da pesquisa
qualitativa conduz à apreensão do objeto
situado no contexto da história dos órgãos
a que se encontra vinculado, ou seja,
possui relevância para o processo de
síntese da reprodução do concreto, por
meio do pensamento, em relação às
circunstâncias históricas e aos movimentos
dos que fazem parte as peculiaridades do
objeto em estudo. Também é característica
dessa abordagem que o “interesse da
investigação é muito mais no processo do
que propriamente no produto” (Bogdan &
Biklen, 1994, p. 49), ou seja, no percurso
de apreensão e compreensão das múltiplas
determinações do objeto é possível
identificar que integram-se elementos do
cotidiano, das representações, dos
significados, das vivências, das
subjetividades dos sujeitos.
Com vistas a buscar o somente a
aparência imediata do fenômeno da gestão
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escolar pública no estado do Pará, mas a
concretude de sua essência, o trabalho
focaliza suas causas e o contexto sócio-
político em que está inserido (Triviños,
1987). Desse modo, relevância ao
desenvolvimento do fenômeno em sua
estrutura íntima, a fim de identificar as
forças decisivas responsáveis por sua
efetivação.
Assim, o artigo comporta o contexto
sociopolítico que fundamenta a criação e
adoção do Pacto pela Educação no Pará e
sua influência no desenvolvimento da
função dos gestores da escola e da política,
conforme expresso nas leis, decretos,
discursos que conduzem à compreensão
das dinâmicas políticas e ideológicas das
ações desenvolvidas pelo governo.
Faz-se presente também o
levantamento bibliográfico e documental,
cujo objetivo se volta para a construção do
arcabouço teórico que deu suporte à
problematização do objeto e à construção
das análises, permeando todos os
momentos do estudo, enquanto um
processo contínuo.
O empreendimento na pesquisa
documental priorizou o destaque do
contexto sociopolítico e educacional em
que se implanta o Pacto, em nível nacional
e local. Com isso, buscamos empreender
tanto uma descrição e explicação da
realidade da forma como se apresenta
quanto um desvelamento dos
determinantes não explícitos, mas
relevantes na definição da forma de gestão
prescrita no contexto estudado.
A gestão da escola pública como
mediadora do processo formativo
A educação, enquanto processo que
contribui para a formação de cidadãos, é
um ato presente nas mais diversas
civilizações. Sua forma foi variando ao
longo dos anos e, na atualidade, ela pode
ser entendida como forma de apropriação
de saberes que são produzidos por homens
e para homens como prática social, no
sentido de sempre manter atualizadas essas
civilizações. Isso, porque passar o que já se
aprendeu para as novas gerações é uma
forma de não permanecer numa situação
anterior, tendo que se aprender tudo de
novo a cada nova geração (Paro, 1998).
Logo, uma civilização sem educação está
condenada ao atraso. Por isso, seu valor
social é indiscutível e requer investimento
constante para que haja progresso.
Paro (1998) destaca ainda que a
educação e, particularmente, a escola
pública na sociedade contemporânea, são
um lugar fecundo para que haja
minimização nas desigualdades sociais, o
que deve ser um de seus pilares embora
sua finalidade seja a formação humana de
sujeitos preocupados com a causa alheia e
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protagonistas de suas próprias histórias,
que não se subordinam aos desmandos de
interesses capitalistas. Concordamos com
essa posição e acrescentamos que tal
formação humana pode envolver estudo,
comprometimento com causas coletivas,
compreensão e luta constantes por
melhores condições de vida, assim como
defesa do bem público enquanto espaço de
todos e para todos; com isso, requer não
ser subordinada à lógica privatista
mercantil no conteúdo nem na gestão, que
são algumas das formas de enfraquecer o
bem público com a penetração de ideais
próprios do mercado.
Ainda de acordo com o autor,
duas questões que a escola pública deve
tratar como prioridade em seu processo
organizativo para que se alcance o sentido
de formação humana defendida: i) a escola
não pode ser entendida como local estrito
de preparação para o mercado de trabalho,
mesmo sendo uma de suas funções, visto
que ela favorece o estímulo ao senso
crítico dos alunos para que estes vivam
bem e não apenas sobrevivem, o que inclui
possibilidades de desfrutar dos mais
variados bens criados socialmente pela
humanidade; ii) a escola tem que ser
prazerosa para o aluno, e a educação
pautada numa lógica de diálogo
permanente, com subsídios de trabalho
tanto para o educador quanto para o
educando. Esses dois pontos merecem
destaque enquanto balizantes do trabalho
do gestor escolar, que este é mediador
do processo formativo.
Corroborando a importância da
escola na sociedade contemporânea, Hora
(2010, p. 39) destaca que:
São variadas as instituições sociais
que contribuem para o alargamento
da consciência do pensar, do saber e
do fazer coletivo. A escola destaca-se
entre elas por ser espaço privilegiado
de desenvolvimento da educação
sistematizada, reconhecida na
sociedade globalizada de economia
centrada no conhecimento como
significativo valor estratégico para o
crescimento social e como
importante fator para a qualidade de
vida das pessoas. A finalidade da
educação escolar na sociedade
contemporânea, que é explicitada
pelas propostas e práticas de
universalização da escola,
caracteriza-se pela ação de realizar a
formação dos sujeitos para a vida
social.
Como sinônimo de motor para o
desenvolvimento econômico e social na
lógica neoliberal, a escola tem destaque
nas ações governamentais em função
também do vasto público atendido, que
representa uma parcela importante da
sociedade com acesso às informações
atualizadas fora dos meios de
comunicação, além de que poderão formar
novas opiniões sobre os dilemas sociais, a
partir das políticas e projetos propostos
pelos governos que se materializam na
escola básica
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O alunado, enquanto produto das
políticas educacionais governamentais, é
alvo de constantes reformas no interior das
escolas, as quais são motivadas pelas
peculiaridades de cada instituição, em
virtude de as propostas voltadas para a
escola serem organizadas em geral de
forma vertical, apenas para o cumprimento.
Nesse processo, o gestor escolar, que atua
como condutor dos processos educativos,
deve ter algumas características essenciais
que favoreçam um desenvolvimento
pedagógico exitoso.
Hora (2010) destaca que o gestor
educacional deve ter práticas direcionadas
para o transformar e transformar-se
constantemente em seus mais diversos
aspectos pessoais, profissionais e sociais.
Isso, porque seu compromisso deve estar
alinhado com os interesses da classe
trabalhadora, a qual ele representa, a fim
de concretizar sua atuação na escola como
gestão que democratiza as relações,
abarcando a construção coletiva dos atos
da comunidade sob sua responsabilidade,
entre muitos outros aspectos.
A mesma autora enfatiza que a
educação é um ato político. Por isso, os
gestores educacionais precisam trabalhar
na perspectiva de sempre ouvir os
partícipes da comunidade escolar, no
intuito de democratizar as relações no
interior da escolar e, consequentemente,
democratizar a sociedade, porque a escola
não pode ser pensada fora de um contexto
isolado. Essa postura ajuda a conseguir
soluções para os problemas do dia a dia,
com aproximações consensuadas, porque
uma gestão democrática não é sinônimo de
pacificidade constante, além de que é
pouco provável que ocorra numa realidade
de sociedade capitalista. Assim, o gestor
escolar pode priorizar direcionar as ações
da escola sob sua responsabilidade, sempre
articulando educação como possibilidade
de elevação social e intelectual dos alunos,
com formulação de senso crítico e estímulo
à interpretação de sua realidade. Isso se
porque ela
Prepara cidadãos resistentes à
submissão realizada por projetos
impostos de fora e de cima, e que não
se permitem instrumentalizar pelo
mercado. Ao contrário, fazem-se
portadores de uma concepção de
democracia, como sujeitos políticos
ativos e capazes de responsabilidades
sociais, de reinventar o mundo e
recriar um Estado realmente público
(Hora, 2010, p. 21).
Logo, enquanto mediadora de um
processo educativo, a gestão da escola
pública aqui analisada precisa possibilitar
ferramentas para que os alunos tenham um
desenvolvimento em sua totalidade. Esse
percurso precisa ocorrer entendendo os
processos de submissão dentro e fora da
escola, com argumentos racionais na luta
contra os desmandos de projetos
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orquestrados pela classe dominante, como
apresenta Karl Marx. Muitos projetos e
programas governamentais pautados pelo
Estado e materializados na escola pública
não perspectivam redução das
desigualdades sociais pelo menos no
discurso oficial, visto que, na sociedade
capitalista, o tipo de Estado moderno que
conhecemos é influenciado por decisões de
grupos privados que desejam a ampliação
de seus domínios e manutenção do status
quo.
Para que essa gestão consiga
conduzir um trabalho coletivo capaz de
favorecer o afloramento do espírito de
sujeitos mais autônomos e atuantes em
uma sociedade mais justa e igualitária é
pertinente que possua algumas
características técnicas e pedagógicas.
Para tanto, é necessário que o gestor
possua algumas habilidades e
competências específicas, com a
percepção de que no ato pedagógico
se a reconstrução do
conhecimento; precisa manter
interlocução comunicativa com sua
equipe e usuários da escola. São
condições que vão para além de ser
um gerente profissional, porque a
escola forma, constrói cidadãos, a
partir de valores, princípios,
sentimentos e não bens palpáveis,
mercadorias, restringindo-se ao nível
da riqueza imaterial (Santos, 2007, p.
13).
Para Santos (2007), a gestão da
escola pública precisa cumprir alguns
requisitos a fim de ser considerada ponte
para a democratização das relações
humanas na defesa da coisa pública como
possibilidade de alteração no quadro de
desigualdade social típico da sociedade
capitalista. Entre os requisitos, podemos
citar: trabalho em equipe com decisões
coletivizadas envolvendo os sujeitos da
comunidade escolar; criação de colegiados
com autonomia; processos para escolha de
gestores que precisam ser os mais
democráticos possíveis; além da
construção do projeto político-pedagógico
pela comunidade escolar, do qual podem
emergir outros projetos que possibilitem a
atuação política, em especial dos alunos,
visando melhorias naquela comunidade
específica. Ainda assim, “todas essas
medidas não significam que esteja
assegurada a democracia, embora
favoreçam consideravelmente relações
mais humanas e solidárias, que podem
contribuir para o aperfeiçoamento do
homem” (Santos, 2007, p. 16).
Dessa forma, a democratização da
gestão da escola básica não pode
restringir-se aos limites do próprio
estado, promovendo a
participação coletiva apenas dos que
atuam em seu interior mas
envolver principalmente os usuários
e a comunidade em geral, de modo
que se possa produzir, por parte da
população, uma real possibilidade de
controle democrático do Estado no
provimento de educação escolar em
quantidade e qualidade compatíveis
com as obrigações do poder público e
de acordo com os interesses da
sociedade (Paro, 1998, p. 7).
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Logo, a função de gestor escolar
requer ir além das atividades técnicas que
são de sua competência, porque as
questões burocráticas são importantes e
precisam ser resolvidas sempre que
necessitar, mas não merecem se sobressair
às questões pedagógicas numa escala de
prioridades. Estas últimas devem primar
por uma formação cidadã crítica, em que
os alunos se percebam como sujeitos
advindos da escola pública e defendam
permanentemente esse espaço dos
desmandos de interesses de grupos
privados mercantis, que almejam
subordinar a escola pública aos ideais do
mundo empresarial competitivo,
excludente e defensor da meritocracia,
como se todos tivessem as mesmas
condições, o que não é possível numa
sociedade capitalista como a realidade
brasileira com ordem para muitos e
progresso para poucos.
A gestão da escola blica orientada
pelos princípios gerencialistas
O neoliberalismo consiste em um
projeto de classe que surgiu na crise dos
anos 1970 e se constituiu como uma
proposta para superar o cenário caótico da
economia. Suas propostas eram mais
refinadas do que aquelas dos liberais
clássicos, cujos defensores agora tinham
outras ambições além da limitação estatal
nas decisões de compra e venda e disputas
mercantis. A atual filosofia econômica,
“mascarada por muita retórica sobre
liberdade individual, autonomia,
responsabilidade pessoal e as virtudes da
privatização, livre-mercado e livre-
comércio, legitimou políticas draconianas
destinadas a restaurar e consolidar o poder
da classe capitalista” (Harvey, 2011, p.
16).
A nova feição do liberalismo é
composta por ambições mais claras em
torno da centralização da economia nas
mãos da classe burguesa, que perdera
domínio com a democratização das
relações sociais em âmbito internacional.
Por isso, dizemos que o neoliberalismo
apresenta aspectos mais refinados, uma vez
que exalta aspectos do mundo empresarial,
como rigorosidade das metas como padrão
de excelência, e os expande para os setores
sociais, como a educação. Isso se dá não
num viés mercantil, mas também com o
tradicional exercício comercial, o qual
possui uma lógica própria que não deve ser
aplicada ao processo de formação de
alunos, pois este merece ir além dos
parâmetros quantitativos de formas
fechadas utilizados com mercadorias.
Tal ideário se intensificou com o
Consenso de Washington, realizado no ano
de 1989, quando economistas de várias
partes do mundo elaboraram estratégias
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afinadas com propostas do mundo
empresarial. O objetivo era que países em
desenvolvimento, como o Brasil, pudessem
desenvolver políticas públicas balizadas
nessas estratégias; em sua maioria, elas
estavam associadas ao benefício de grupos
favorecidos social e economicamente, que
historicamente influenciam as decisões
governamentais. Assim, o neoliberalismo
e, principalmente, as parcerias público-
privadas se fortalecem no Brasil como uma
de suas principais defensivas. Isso se deu
por meio do documento intitulado Plano
Diretor de Reforma do Aparelho do Estado
(PDRAE), em 1995, que se tratava de um
manifesto do qual emergiu uma nova
relação entre Estado e sociedade na
condução do bem público. Com a chegada
das políticas neoliberais nos anos de 1990,
bem como com a redefinição do papel do
Estado, a educação começou a seguir a
mesma racionalidade e adquiriu novos
contornos na contradição entre o público e
o privado (Kato, 2013).
Esse documento representa um
esgarçamento do papel do Estado e realiza
uma defesa dos princípios da
administração gerencial advinda das
empresas privadas, os quais devem ser
referência para as ações da gestão pública e
estendidos aos setores sociais como forma
de melhorar a eficiência e apresentar
resultados numéricos satisfatórios.
Assim, a esfera pública brasileira se
adequou aos propósitos do gerencialismo,
endeusando os índices como referência do
trabalho, pois a administração pública
gerencial teria maiores possibilidades de
mensurar controle e resultados, que ela
“deixa de basear-se nos processos para
concentrar-se nos resultados, e não na
rigorosa profissionalização da
administração pública” (“Plano Diretor de
Reforma do Aparelho do Estado”, 1995, p.
16). Logo, o discurso oficial à época,
frisava que todos os setores públicos
precisariam assumir no seu processo de
trabalho os ditames da lógica gerencial
como referência de atuação e gestão
escolar. Isso gerou mudanças
significativas, visto que o documento fazia
uma crítica à Constituição Federal de 1988,
caracterizando-a como um atraso para a
sociedade brasileira do ponto de vista da
condução da coisa pública, que deveria ser
mais eficiente e moderna, algo que
somente a lógica empresarial poderia
possibilitar, caso fosse assumida pelo
Estado.
O PDRAE realizava intensas críticas
à gestão pública brasileira, taxando-a como
ineficiente e causadora de todos os déficits
sociais, porque em tese haveria recursos
para realizar ações exitosas, mas não se
tinha gestão competente para administrar
de forma coerente; por isso, as mazelas
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sociais seriam recorrentes no histórico do
Brasil, segundo a lógica daqueles que
defenderam essa proposta de reforma
estatal.
O gestor da escola pública precisaria
ter um novo perfil, diferente da proposta
democrática garantida constitucionalmente,
passando a assumir feições mais próximas
à dos gerentes das multinacionais, num
viés controlador, rígido, os quais sabem o
que fazer para que o produto (alunos) seja
valorizado no mercado, na gica do
gerencialismo “compreendido como
sistema de descrição e interpretação do
mundo a partir das categorias da gestão
privada” (Di Giovanni & Nogueira, 2015,
p. 2).
Logo, o gestor escolar considerado
competente seria aquele que assumisse as
categorias da gestão privada na condução
de suas ações, como controle do trabalho
docente, padronização dos perfis de
alunado de modo semelhante a
mercadorias, planejamento focado nas
metas e não no processo pedagógico, rigor
no alcance de resultados numéricos,
tratando-os como cumprimentos de
manuais, e tantas outras que
assemelhariam a escola a uma fábrica.
A escola passa a ser semelhança do
mercado, enquanto “negócio” que
precisa mostrar resultados
satisfatórios para compensar os
investimentos efetuados. Para tanto,
no âmbito da escola, cabe ao gestor
conduzir esse processo numa visão
gerencial (Dublante, 2009, p. 13).
A vertente gerencialista na gestão da
escola pública passou a ser constante nos
discursos oficiais orientados pelo PDRAE,
assim como representa um posicionamento
liberal assumido pelo Estado brasileiro, o
qual compara formação de alunos com
produção de mercadorias, na defesa
falaciosa de manuais fechados, cartilhas,
orientações formuladas por especialistas
estratégicos, os quais seriam a solução para
elevação dos índices educacionais nas
avaliações em larga escala. Além disso,
essa perspectiva preconizava que o aspecto
pedagógico do trabalho do gestor pouco
colaborava para o alcance desses
resultados. Para os defensores desse
documento, a incorporação da gica
privada no interior da escola básica seria
essencial para obter avanços sociais,
desconsiderando os problemas de uma
realidade local, a exemplo de condições
inadequadas das escolas, ausência de
merenda escolar, material e tantas outras
questões que interferem diretamente nos
resultados avaliativos, mas não são
critérios avaliados nos padrões pré-
definidos das provas.
Além disso, tal manifesto culpabiliza
o gestor escolar pelo alcance das metas
propostas, como se todo o trabalho
dependesse de uma única pessoa, o que é
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não verdade. O gestor ocupa posição
essencial para o êxito de uma escola sob
sua responsabilidade, mas são necessários
instrumentos e condições técnicas,
pedagógicas e estruturais para que o
trabalho possa ser materializado e,
consequentemente, possa refletir nos
números que representam indicativos.
Ainda que estes, por si só, não deem conta
de apresentar a realidade escolar.
Esses números são importantes para
elaboração de políticas públicas
educacionais, porque dão algumas
direções, a exemplo do que acontece no
cenário internacional e em âmbito local, no
caso do “Pacto pela Educação do Pará”,
que será analisado a seguir.
A gestão escolar sob direcionamento do
setor privado no Pacto pela Educação do
Pará
Os pactos na educação fazem parte
do contexto histórico do Brasil em
diferentes épocas e situações, sendo mais
evidentes a partir da década de 1930, no
governo de Getúlio Vargas (1930-1945).
Foram se refinando em governos
subsequentes, com interesses e propostas
distintos, sempre em nome do bem
público, como ressalta Bresser-Pereira
(2016).
Ainda de acordo com esse autor, os
pactos políticos e, consequentemente, os
pactos na área social reforçam os interesses
entre coalização de setores distintos, que se
unem para execução de atividades em
nome do bem público. Logo, tais pactos
representam a realidade de momentos
diferentes no Brasil, a junção de interesses
de grupos distintos e o fortalecimento da
atuação de setores privados junto à esfera
pública, o que interfere no papel do Estado
quando os pactos são firmados.
Um dos pactos mais recentes em
âmbito federal foi o Pacto Nacional pela
Alfabetização na Idade Certa (PNAIC),
lançado na gestão de Dilma Rousseff
(2011-2016), em 8 de novembro de 2012,
que iria realizar investimento de R$ 2,7
bilhões nos dois anos subsequentes para
que as crianças brasileiras pudessem ser
alfabetizadas em Língua Portuguesa e
Matemática até os 8 anos de idade.
Naquele momento, as 27 unidades
federativas haviam aderido, e este
contava também uma participação inédita
de todos os secretários estaduais de
educação (“Governo investe R$ 2,7 bilhões
para alfabetizar crianças até oito anos”,
2012).
No estado do Pará, aqui tratado com
maior destaque, o governo estadual lançou
o “Pacto pela Educação do Pará”, que
almejava elevar os resultados numéricos do
Índice de Desenvolvimento da Educação
Básica (IDEB), balizado na lógica de
parcerias público-privadas firmadas entre o
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governo e empresas privadas, em ações
que seriam implantadas nas escolas
públicas estaduais.
A organização desse Pacto foi
orientada pelo Comitê Estadual e pelos
comitês regionais criados via Decreto nº
694, de 26 de março de 2013, logo após o
lançamento do Projeto. Tal decreto faz
uma caracterização dos membros que iriam
compor os Comitês, destacando que a
presidência do Comitê Estadual seria
exercida pelo então governador Simão
Jatene, e os regionais seriam presididos por
alguém vinculado à Secretaria da
Educação.
A gestão desses comitês, em sua
maioria, era composta por pessoas ligadas
diretamente ao governo, de modo que o
Estadual tem um total de 13 pessoas, sendo
distribuídas da seguinte forma: 5 cadeiras
estão ligadas diretamente ao governo por
meio de secretarias; 1 (um) representante
de Organismo Internacional, indicado pelo
Banco Interamericano de Desenvolvimento
(BID), que é parceiro no Pacto desde a
formulação da proposta; 2 (dois)
representantes de empresas que possuem
autonomia para indicar seus
representantes; 1 (um) representante da
sociedade civil sem autonomia na escolha,
porque este segmento é indicado pelo
governador. Ou seja, 9 possíveis votos
afinados com os propósitos das empresas
privadas e da gestão pública estadual,
demonstrando simetria na relação público-
privada. Além desses, possuem votos no
Comitê: 1 (um) representante da
Assembleia Legislativa do Estado; 1 (um)
Presidente da Federação dos Municípios do
Estado do Pará (FAMEP); 1 (um)
Presidente da União Nacional dos
Dirigentes Municipais de Educação
(UNDIME/PA); e 1 (um) representante da
Universidade do Estado do Pará (UEPA).
Consideramos que, se o Pacto tem
uma proposta democrática na deliberação
das decisões, esse Comitê Estadual poderia
ser mais bem equilibrado entre os grupos
sociais com participação de gestores das
escolas públicas, que iriam ajudar na
implantação das ações, além de
representante de pais e alunos com idade
adequada. O número significativo de
secretários poderá favorecer a tomada de
decisões advinda do próprio governo, com
pouca possibilidade do controverso, o que
é saudável numa democracia.
Os comitês regionais possuem
representantes de outros segmentos, mas
não fogem à gica dessa proposta de
distribuição das cadeiras e da relação entre
as esferas pública e privada. Tal
composição sofreu algumas alterações por
meio do Decreto 792, de 1º de julho de
2013, ampliando o número de cadeiras
para 18 e fortalecendo o mero de
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associações municipais, como a do
Consórcio Integrado dos Municípios
Paraenses (COIMP) e Associação dos
Municípios do Nordeste Paraense
(AMUNEP).
Nesse mesmo ano, foi publicado
mais um decreto nesse marco regulatório
do Pacto pela Educação do Pará”, que
impactou diretamente na gestão das
escolasblicas. Assim como na lógica
do PDRAE na esfera federal de 1995 que
tomava a gestão como causadora das
mazelas sociais educacionais na legislação
estadual do Pará a gestão escolar virou
alvo das ações gerenciais que foram
tomadas como parâmetro para aqueles que
desejassem assumir a gestão das escolas.
O Decreto 695, de 26 de março de
2013, “estabelece critérios para o exercício
das funções de Diretores e Vice-Diretores
das Escolas da Rede Estadual de Ensino a
serem adotados pela Secretaria de Estado
de Educação, e outras providências”,
com o propósito de uniformizar o padrão
de gestão no estado do Pará.
No Art. 2º, fica previsto que os
gestores serão escolhidos por critérios
estipulados pelas escolas da rede da
Secretaria Estadual de Educação
(SEDUC), mas não se cita quais seriam
esses critérios ou pelos menos os
parâmetros que a Escola e a Secretaria irão
utilizar, deixando pouco claras as regras
estipuladas para que os possíveis
pleiteantes ao cargo possam se preparar.
Os critérios deveriam, em tese, conter
elementos com foco no viés pedagógico e
de formação política dos alunos, como
propõe Paro (1998), que defende a gestão
escolar como instrumento de mediação de
formação de cidadãos em suas variadas
vertentes, posição com a qual
concordamos.
Também é proposto que o candidato
tenha formação adequada com o previsto
na Resolução 001/2010 do Conselho
Estadual de Educação do Pará, que por sua
vez, na seção VI, propõe critérios como a
exigência de ser pedagogo ou licenciado
com pós-graduação na área e ter pelo
menos dois anos de experiência. Nesse
ponto, em relação aos anos de experiência,
uma divergência em relação à
Resolução, porque o Decreto no Inciso IV
prevê exigência mínima de cinco anos de
experiência em escolas da rede estadual de
ensino, o que dá pouca possibilidade de
atuação para aqueles recém-egressos no
serviço público. Assim, o marco
regulatório do Pacto coaduna-se à ideia de
gerencialismo apresentada por Di Giovanni
e Nogueira (2015), a qual faz uso das
categorias da gestão privada, como
exclusão, competição e produção na gica
mercantil, sem levar em consideração os
aspectos pedagógicos e/ou
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comprometimento do candidato com a
realidade da escola que almeja gerir.
ainda outros critérios que os
candidatos a gestor e vice-gestor das
escolas estaduais devem preencher num
sistema pautado pelo sistema gerencialista,
com provas e cursos técnicos, o que em
parte deve estar presente na carreira desses
profissionais. Destacamos também os
aspectos contraditórios do decreto
mencionado, pois, ao mesmo tempo em
que diz que as escolas adotarão seus
critérios individuais, determina exigências
para os concorrentes aos cargos.
Em relação aos princípios
democráticos constitucionalmente
previstos para a educação pública,
identificamos que ausência, por
exemplo, de eleição direta realizada pela
comunidade escolar ou instrumentos
similares, os quais, de acordo com Santos
(2007), seriam indicativos de
democratização das relações. De acordo
com essa autora, a gestão democrática não
é algo pronto, proposto em manuais, e
pode ser materializada no cotidiano das
contradições da escola; portanto, sempre é
um processo contínuo.
Assim, o marco regulatório desse
Pacto traz consequências para a educação
pública paraense, particularmente para a
gestão das escolas estaduais, com
condução das ações sob forte influência
dos próprios governantes e intensa
participação de representantes da iniciativa
privada, a qual possui uma lógica própria
dos processos de gestão, que não deve ser
transportada em sua íntegra para um
espaço de formação de pessoas, como a
escola.
Considerações finais
O “Pacto pela Educação do Pará”
possui uma base pautada no sistema de
parcerias entre o Estado e setores da
sociedade o que inclui empresas privadas
, a fim de que juntos possam elaborar
ações para as escolas blicas. Essas ações
devem culminar na elevação dos resultados
numéricos do IDEB, os quais são sinônimo
e principal parâmetro de qualidade para o
discurso oficial.
O marco regulatório analisado é
composto por três decretos que apresentam
a composição dos comitês capazes de
decidir sobre os rumos das ações
educacionais no Estado do Pará. Assim,
identificamos intensa participação da
iniciativa privada, com autonomia para
escolha dos seus representantes; esse
processo difere dos representantes da
sociedade civil, cujo número é bem
inferior, além de este ser indicado pelo
presidente do Comitê (governador), o que
aponta para a possível submissão da esfera
pública à privada.
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Sabemos que muitos decretos podem
salvar vidas, a exemplo daqueles
decorrentes de situações emergenciais,
como catástrofes que requerem tomada
de decisão por parte dos governantes para
que o caos não seja maior , embora sua
essência tenha um viés autoritário, porque
não decorre de diálogo com instâncias
deliberativas, como ocorre em geral nas
leis. Em nossas análises e a partir das
interlocuções com as referências, não foi
possível identificar teor emergencial na
publicação dos três decretos, que poderiam
conter maior participação social na sua
formulação, ou de legislação
complementar.
No caso específico em análise, os
decretos deveriam ter critérios mais
transparentes e detalhados para uma
seleção justa dos pleiteantes aos cargos de
direção das escolas públicas estaduais,
porque condições nos documentos e
poucos elementos que favoreçam
processos democráticos para um cargo que
conduzirá um espaço de formação de
cidadãos.
Além disso, um direcionamento
para que os gestores escolares possam ter
um perfil mais afinado com a figura do
gerente, que cobra, monitora e cumpre
metas, de modo que a excelência de seu
trabalho começa pelos critérios de escolha
dos profissionais afeitos à lógica
gerencialista que adentrou a educação
pública paraense, pelo menos no que se
refere à legislação analisada.
O gestor escolar tem papel de
destaque na escola sob sua
responsabilidade, mas o é o protagonista
e não merece ser culpabilizado por todos
os êxitos ou fracassos da instituição, visto
que é pertinente que seja um profissional
comprometido com a realidade local e
precisa dividir o trabalho com uma equipe
também comprometida, para não incorrer
no erro de práticas autoritárias e
tradicionais.
Reiteramos que o gestor escolar deve
possuir algumas características técnicas
pertinentes para a condução de seu
trabalho, mas que elas não se sobreponham
aos interesses pedagógicos: de diálogo
constante com a comunidade escolar; de
proximidade dos alunos, para que estes não
tenham medo da figura do gestor e possam
vê-lo como alguém disposto a colaborar
com seu progresso; de receptividade com a
comunidade escolar; e outros ainda, que
possam lhe assegurar condições de
condução de um trabalho harmonioso e
prazeroso. Essa postura tem que ser
distanciada do perfil de gerente das
empresas, cuja gica é diferente daquela
das escolas, embora os defensores do
neoliberalismo queiram assimilar a escola
às empresas. Ainda é possível, portanto,
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encontrarmos instrumentos de resistências
na defesa constante do bem público
enquanto espaço que forma para a vida, e
não somente para os treinos dos
vestibulares.
A escola pública paraense vem
passando por desafios constantes, como a
penetração de princípios gerencialistas que
almejam transformá-la em depósito de
fabricação de mercadorias, como funciona
nas empresas privadas. Por esta razão, é
necessário haver uma defesa permanente
da gestão democrática como instrumento
de resistência aos desmandos do capital,
porque escola e empresa possuem lógicas
distintas, e é dever da escola denunciar
quando pretendem colocar o lucro acima
dela.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 07/10/2020
Aprovado em: 03/11/2020
Publicado em: 04/12/2020
Received on October 07th, 2020
Accepted on November 03th, 2020
Published on December, 04th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
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Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Cassio Vale
http://orcid.org/0000-0002-8956-4536
Gilmar Pereira da Silva
https://orcid.org/0000-0001-9814-9089
Francisco Williams Campos Lima
https://orcid.org/0000-0002-4753-6422
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Vale, C., Silva, G. P., & Lima, F. W. C. (2020). Mais
Gerente e menos Gestor: uma análise do marco
regulatório direcionado à gestão da escola pública
paraense. Rev. Bras. Educ. Camp., 5, e10666.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10666
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VALE, C.; SILVA, G. P.; LIMA, F. W. C. Mais Gerente e
menos Gestor: uma análise do marco regulatório
direcionado à gestão da escola pública paraense. Rev.
Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e10666, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10666