Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10676
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
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2020
ISSN: 2525-4863
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Educação de Jovens e Adultos do/no campo e as políticas
educacionais: conquistas a partir dos movimentos sociais
Adalberto Penha de Paula
1
, Marina Comerlatto da Rosa
2
1
Universidade Federal do Paraná - UFPR. Licenciatura em Educação do Campo. Rua Jaguariaíva, 512, Caiobá, Setor Litoral.
Matinhos - PR. Brasil.
2
Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UTFPR.
Autor para correspondência/Author for correspondence: adalbertoppenha@gmail.com
RESUMO. Discute a Educação do Campo e a sua relação com
os movimentos sociais do campo, a partir da realidade educativa
de um acampamento do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra. Tem como ponto de partida os processos escolares
relacionados com a Educação de Jovens e Adultos do/no
Campo, considerando as políticas educacionais que se
materializam nos documentos orientadores das práticas
pedagógicas realizadas no cotidiano da escola do campo.
Assume a concepção de educação e escola pautada na Educação
do Campo e na Pedagogia do MST, isto é, os princípios
pedagógicos e filosóficos que fundamentam a luta pela terra e
pelo direito à educação deste movimento social do campo. O
estudo problematiza os documentos produzidos pela Secretaria
de Educação do Estado do Paraná, os materiais produzidos pelo
MST e a produção acadêmica sobre Educação do Campo e
Educação de Jovens e Adultos. Por fim, apresenta o descaso do
Estado com a Educação do Campo e evidencia que com a
ascensão dos movimentos sociais surgiu um forte movimento
pela educação no Brasil, que luta pela garantia dos direitos dos
povos do campo, das águas e das florestas.
Palavras-chave: Educação do Campo, Escola do Campo, MST.
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Youth and Adult Education in the countryside and
education policies: achievements from the social
movements
ABSTRACT. This paper discusses Rural Education and its
relation with the field social movements, from the education
reality in a settlement of the Landless Rural Workers’
Movement. Its starting point is the school processes related to
the Youth and Adult Education in the countryside, considering
the education policies registered in the documents that guide the
teaching practices carried out in the routine of the field school. It
is based on the conception of education and school for Rural
Education and the MST pedagogical practices, that is,
pedagogical and philosophical principles that support the fight
for land and for the right to education within this field social
movement. The study problematizes the documents produced by
the Education Secretariat of the State of Paraná, the materials
produced by the MST and the academic production on Rural
Education and Youth and Adult Education. Finally, the results
point out the government’s disregard with the Rural Education
and evidences that with the advent of social movements a strong
pro-education movement appeared in Brazil, one which fights
for the guarantee of the rights of the peasants, the waters and the
forests.
Keywords: Rural Education, Countryside School, MST.
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Educación de Jóvenes y Adultos del/en campo y las
políticas educacionales: conquistas a partir de los
movimientos sociales
RESUMEN. Discute la Educación del Campo y su relación con
los movimientos sociales del campo, a partir de la realidad
educativa de un campamento del Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra. Tiene como punto de partida los procesos
escolares relacionados con la Educación de Jóvenes y Adultos
del/en el Campo, considerando las políticas educacionales que
se materializan en los documentos orientadores de las prácticas
pedagógicas realizadas en el cotidiano de la escuela del campo.
Asume la concepción de educación y escuela pautada en la
Educación del Campo y en la Pedagogía del MST, esto es, los
principios pedagógicos y filosóficos que fundamentan la lucha
por la tierra y por el derecho a la educación de este movimiento
social del campo. El estudio problematiza los documentos
producidos por la Secretaria de Educación del Estado de Paraná,
los materiales producidos por el MST y la producción
académica sobre Educación del Campo y Educación de Jóvenes
y Adultos. Por fin, presenta el descaso del Estado con la
Educación del Campo y evidencia que con la ascensión de los
movimientos sociales surgió un fuerte movimiento por la
educación en Brasil, que lucha por la garantía de los derechos de
los pueblos del campo, de las aguas y de las florestas.
Palabras clave: Educación del Campo, Escuela del Campo,
MST.
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Introdução
O presente texto problematiza e
apresenta a Educação do Campo a partir do
contexto educacional de um acampamento
do Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST) que foi constituído no
ano de 2003. As discussões se relacionam
com aspectos da experiência educativa
com jovens e adultos realizada na
Comunidade Camponesa Emiliano Zapata,
localizada no município de Ponta Grossa,
estado do Paraná. As reflexões
apresentadas são resultado de uma
pesquisa realizada em 2010 na
Universidade Estadual de Ponta Grossa,
que visa contribuir com uma análise
histórica e crítica documental (Ragazzini,
2001), busca apontar os avanços e
retrocessos da educação de jovens e
adultos do/no campo a partir de um
contexto específico, isto é, um
acampamento. Questiona se a prática
dos/as professores/as condiz com a
realidade camponesa dos sujeitos, se a
política educacional, ou seja, que se
expressa através dos documentos
produzidos pelo Estado, são coerentes com
a realidade camponesa, no caso, as
Diretrizes Curriculares da Educação do
Campo (DCEC) e as Diretrizes
Curriculares da Educação de Jovens e
Adultos (DCEJA) ambas do ano de 2006.
Metodologicamente, utiliza-se o
estudo bibliográfico e documental (Caleffe
& Moreira, 2006), analisam-se os
documentos produzidos pela Secretaria de
Estado da Educação do Paraná (SEED-
PR), ou seja, as Diretrizes que orientam o
trabalho pedagógico dos/as professores/as
que atuam na Educação de Jovens e
Adultos (EJA) e na Educação do Campo
(EdoC), além dos documentos produzidos
pelo MST que expressam a sua proposta
educativa. Realiza-se o diálogo entre estes
documentos para compreender a Educação
de Jovens e Adultos e a Educação do
Campo que se efetivam na escola existente
no Acampamento frente as proposições do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra neste contexto.
O trabalho está organizado em dois
momentos, o primeiro apresenta a
Formação do MST e as Origens do
Acampamento Comunidade Camponesa
Emiliano Zapata, no segundo momento
discute as políticas públicas de educação
expressas nas Diretrizes Curriculares da
Educação do Campo e as Diretrizes
Curriculares da Educação de Jovens e
Adultos no Paraná.
Após as reflexões realizadas, tecem-
se as considerações finais a partir das
problematizações ao longo do texto, as
quais indicam que existem limites na
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discussão sobre a educação dos sujeitos do
campo, das águas e das florestas a partir
das suas especificidades, demonstrando o
descaso do Estado com a Educação do
Campo, principalmente no que se refere à
Educação de Jovens e Adultos do/no
Campo. No entanto ressalta-se que, com a
ação dos movimentos e organizações
sociais e populares, a EdoC tem ocupado o
espaço das políticas públicas e das
instituições como as escolas e
universidades.
Formação do MST
Trabalhadoras e trabalhadores rurais
indignados com as condições de vida no
campo, reflexo dos acontecimentos
econômicos e políticos no Brasil na década
de 1980, começaram a se organizar a partir
da região sul do país, isto é, nos estados do
Rio Grande do Sul, Santa Catarina e
Paraná e se amplia com o Mato Grosso do
Sul e São Paulo. Com esta organização
busca-se criar formas de resistência e luta
frente a um processo de expulsão da terra
promovido pelo governo brasileiro. Além
de inserirem em suas bandeiras de luta
outras causas importantes como a
educação, cultura, saúde e lazer, conforme
afirmam Morissawa (2001), Stedile e
Fernandes (2005) e Souza (2006).
Importante ressaltar que as/os
trabalhadoras/es que se organizaram em
diferentes regiões brasileiras, não tinham
conhecimento um do outro, o que indica
que a luta os aproxima diante das mesmas
causas.
O MST surgiu da reunião de vários
movimentos populares de luta pela
terra, os quais promoveram
ocupações de terra nos estados do
Rio Grande do Sul, Santa Catarina,
Paraná e Mato Grosso do Sul, na
primeira metade da década de 80.
Oficialmente, o MST foi fundado em
Janeiro de 1984, na cidade de
Cascavel, no estado do Paraná, por
ocasião do Primeiro Encontro
Nacional dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra, com 80 representantes de
13 estados. Atualmente, o
movimento está presente em 23 dos
26 estados da Federação, e é capaz de
organizar manifestações em duas
dezenas de capitais simultaneamente.
(Comparato, 2001, p. 105).
Então, durante evento em Cascavel,
no estado do Paraná, forjou-se o
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra (MST): “estava assim, fundado e
organizado um movimento de camponeses
sem terra de alcance nacional voltado à
luta por terra e pela reforma agrária”.
(Morissawa 2001, p. 138). Assim,
iniciando a sua importante trajetória
enquanto movimento social de luta que
visa à transformação social.
O movimento social é uma ação
grupal para transformação (a práxis)
voltada para a realização dos mesmos
objetivos (o projeto), sob a
orientação mais ou menos consciente
de princípios valorativos comuns (a
ideologia) e sob uma organização
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diretiva mais ou menos definida (a
organização e a sua direção).
(Scherer-Warren, 1989, p. 20).
Depois desse momento de fundação
o movimento articula-se de forma
nacional, organizando congressos,
seminários, encontros regionais e nacionais
para fazer novas frentes nos demais
Estados. Fortalecendo a luta por terra,
educação, reforma agrária popular e
demais direitos sociais, visando à
transformação da sociedade, forjando
novas formas de produzir um modelo
societário contra hegemônico. Segundo,
Martins (2004) e Caldart (2004) o
movimento social se faz enquanto sujeito
coletivo e de caráter educativo.
Origens do Acampamento Comunidade
Camponesa Emiliano Zapata
Diante desta breve contextualização
sobre o MST, apresentamos o
Acampamento Comunidade Camponesa
Emiliano Zapata, constituído em Ponta
Grossa, no estado do Paraná, o
acampamento tem importante significado
no processo de formação e luta dos
sujeitos, neste caso, o sujeito Sem Terra,
“... o acampamento é na sua concretude o
espaço de luta e resistência, é quando
partem para o enfrentamento direto com o
Estado e com os latifúndios ... cujas
consequências são (im)previsíveis.”
(Fernandes, 1996, p. 239).
Como é sabido o que provocou a
formação do MST, foi uma política
nacional desenvolvimentista (condições
objetivas), mas particularmente, a reação
das/os trabalhadoras/es ao processo
histórico de desigualdade social (condições
subjetivas). No município de Ponta Grossa,
não é diferente, pois é reconhecida como
polo do agronegócio, das multinacionais,
principalmente, da produção de
commodities como milho, soja, trigo, feijão
entre outros. As propriedades produtoras
pertencem a grande burguesia agrária da
região dos Campos Gerais, uma elite que
está à frente dos diversos setores que
compõe a sociedade ponta-grossense
muito tempo.
Historicamente, o controle político da
cidade esteve centrado nas mãos de
famílias históricas, que remontam à
formação da sociedade ponta-
grossense no século XIX e que se
projetam no cenário político local ao
longo de sua história. Esse fato está
intimamente relacionado à estrutura
de desenvolvimento econômico
brasileiro ligada à atividade tropeira e
à formação de grandes propriedades
rurais no interior do Brasil, que
ocorreu nos culos XVII e XIX.
(Schimanski, 2007, p. 89).
na década de 1970, Ponta Grossa
também sofreu mudanças, momento de
fervor político-econômico da sociedade
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brasileira no que ser refere ao
desenvolvimento urbano.
... mudanças no quadro
socioeconômico da cidade podem ser
observadas. O processo de
industrialização, o êxodo rural e o
crescimento populacional urbano são
algumas das transformações
evidenciadas no período. Essas
mudanças estão relacionadas à
crescente industrialização do Brasil e,
consequentemente, do Estado do
Paraná e da cidade de Ponta Grossa
verificada na época. (Schimanski,
2007, p. 114).
Neste contexto instalado no Brasil,
percebe-se que estas mudanças vieram a
culminar em muitos habitantes no espaço
urbano, o que acarretou vários problemas
sociais, políticos e econômicos. A estrutura
urbana não comportava todas estas famílias
expulsas da terra, fato que produziu
condições de vida miseráveis, as famílias
constituíram muitas comunidades
localizadas nas periferias urbanas, isto é,
vítimas da expulsão do sujeito que vivia e
trabalhava a partir da terra, dos bens
naturais. Este contexto fortemente
motivado pela intensa urbanização e
mecanização agrícola, não foi diferente na
região de Ponta Grossa,
... a aceleração do processo de
urbanização, não em Ponta
Grossa, mas em todo o Paraná, à
rápida mecanização da agricultura.
Nesse contexto, pessoas ligadas às
atividades agrícolas de base familiar,
as quais, por falta de condições
econômicas não conseguem
acompanhar a evolução tecnológica,
descapitalizam-se e perdem suas
terras, deixam o campo e passam a
procurar na indústria e nos serviços
“a sua sobrevivência, deslocando-se
para os centros urbanos”; Dessa
maneira, um novo contingente
populacional vindo de outras
localidades acaba por se instalar em
Ponta Grossa, criando uma nova
configuração urbanística. (Paula,
1990, p. 51).
Diante desta realidade constatada da
história do Brasil, em seu processo de um
suposto desenvolvimento econômico,
também provocou intensas mudanças na
vida da população, o que de alguma forma
foi a condição material na formação de
diversas organizações e movimentos
populares, sociais de luta e resistência a
um modelo de desenvolvimento somente
para uma parcela da sociedade, baseado na
exploração e dominação de outra parte da
sociedade, ou seja, da força de trabalho da
classe trabalhadora.
Este cenário nacional está
intrinsecamente relacionado à história da
formação do Acampamento Comunidade
Camponesa Emiliano Zapata, que é
resultado das contradições sociais oriundas
do processo de industrialização,
mecanização da agricultura, bem como da
organização política dos/as
trabalhadores/as rurais,
...com um grupo de dez famílias
oriundas da região, em uma área
cedida por um uma família assentada
no assentamento Palmares II no
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município de Palmeira-PR, é
montado um acampamento que veio
a se chamar Antônio Conselheiro.
Neste local as famílias
permaneceram por nove meses, este
foi um período de organização
interna e acúmulo de forças.
Posteriormente as famílias melhor
organizadas ocuparam uma área da
EMBRAPA no município de Ponta
Grossa... a ocupação desta área foi
curta, pois, a reintegração de posse se
deu de forma rápida ... resolveram
sair desta área, esta manobra
estratégica gerou um acampamento
na beira da estrada próximo da área,
neste local as famílias permaneceram
por mais de três meses ate a
concretização de uma negociação
favorável para as famílias. Após este
momento foi negociada uma área da
mesma empresa... Onde as famílias
constituíram seus barracos, e
começando a produção, tendo como
prioridade à subsistência das famílias
acampadas. Este local foi batizado de
acampamento Emiliano Zapata ...
(Troguilho, 2005, p. 42).
São anos de luta por vários direitos,
onde um deles é o acesso à escolarização
de jovens e adultos do/no campo, no
entanto não é algo permanente, visto as
situações de ameaça de despejo das
famílias, fechamento de turmas e
consequentemente fechamento de escolas.
Porém, que se ressaltar, é a escola
formal, do Estado, dentro de um território,
que ainda busca sua legitimidade frente ao
próprio Estado, isto é, ainda estão na fase
de Acampamento, buscando
reconhecimento e legitimidade para se
constituir enquanto Assentamento. O
acesso a EJA dentro do Acampamento é
uma conquista, pois, muitas crianças e
jovens tem que sair do campo para
estudarem em escolas com práticas da
educação rural e escolas urbanas, com
metodologia e conteúdos
descontextualizados da realidade do sujeito
Sem Terra.
Percebe-se que na organização deste
movimento social existem alguns
princípios e prioridades a serem
conquistadas. Uma delas é a conquista do
conhecimento, onde a escola pública de
qualidade se torna um dos meios, pois “o
trabalho de educação é uma atividade
política importante para o processo de
transformação da sociedade”. (Morissawa
2001, p. 241).
Apresentada as singularidades deste
movimento social e da formação do
Acampamento Comunidade Camponesa
Emiliano Zapata, bem como a importância
do acesso ao conhecimento, a
escolarização e consequentemente da
conquista da EJA dentro da comunidade,
discute-se, na continuidade das reflexões,
elementos das políticas educacionais da
EJA e da EdoC, que se constituem
enquanto política pública no estado do
Paraná.
A Política Educacional: Diretrizes para
a Educação do Campo e as Diretrizes
para a Educação de Jovens e Adultos no
estado do Paraná
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As Diretrizes Curriculares da
Educação Básica do Estado do Paraná
(DCE-PR) são documentos elaborados de
forma coletiva, o qual é apresentado às
escolas e aos/as professores/as como
documentos oficiais e orientadores das
práticas educativas realizadas no cotidiano
escolar. No Caderno das Diretrizes
Curriculares da Educação do Campo,
afirma-se que:
As Diretrizes Curriculares da
Educação Básica do Paraná
expressam o conjunto de esforços de
professores, pedagogos, equipes
pedagógicas dos Núcleos Regionais
de Educação e técnico-pedagógicos
da SEED, na construção de um
documento orientador do currículo
para toda a Rede Pública Estadual de
Ensino. Durante o período de sua
construção realizamos seminários,
simpósios, reuniões técnicas e
encontros descentralizados, com o
objetivo de favorecer a participação
dos educadores nas discussões que
aconteceram ao longo de três anos,
com intensos debates. (Paraná,
2006a, p. 7).
As DCE-PR no seu conjunto são
diretrizes elaboradas de acordo com etapas,
modalidades de ensino e de cada disciplina
que compõe a organização curricular das
escolas do Paraná. É importante destacar
que tais Diretrizes são apontamentos para a
prática pedagógica, porém ela poderá se
efetivar a partir dos esforços de diferentes
sujeitos da comunidade escolar, ... a sua
implantação e a sua efetiva implementação
dependem de todos os que vivem a escola
e de uma série de variáveis...” (Paraná,
2006a, p. 7).
Diretrizes Curriculares da Educação do
Campo
As DCEC caracterizam-se como
mais um elemento que possa favorecer a
concretização da educação, direito
universal, em um espaço que
historicamente foi negado um olhar mais
atento do Estado. Tal proposição busca
estabelecer diretrizes de efetivação de
políticas de melhorias, que favoreçam a
prática educativa docente, bem como o
processo de ensino-aprendizagem dos
sujeitos do campo, das águas e das
florestas.
Neste sentido, a Educação do Campo
enquanto política pública,
... vem se concretizando no estado do
Paraná, assim como no Brasil. Uma
política pública pensada, mediante a
ação conjunta de governo e sociedade
civil organizada. Caracterizada como
o resgate de uma dívida histórica do
Estado aos sujeitos do campo, que
tiveram negado o direito a uma
educação de qualidade, uma vez que
os modelos pedagógicos ora
marginalizavam os sujeitos do
campo, ora vinculavam-se ao mundo
urbano, ignorando a diversidade
sociocultural do povo brasileiro,
especialmente aquela expressa na
prática social dos diversos sujeitos do
campo. (Paraná, 2006a, p. 9).
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No estado do Paraná, assim como
em todo território brasileiro, tais políticas
educacionais para a Educação do Campo
começaram a ser pensadas a partir da
ascensão dos movimentos sociais e
organizações populares, que na década de
1980 iniciaram um debate mais
aproximado junto ao Estado, sobre várias
questões, dentre elas a Educação. Como
exposto nas DCEC, “num momento
político, final dos anos de 1990, em que os
movimentos sociais conquistaram espaço
na agenda política ... faz-se necessário
apontar algumas diretrizes, com o caráter
de contribuições, para a educação do
campo”. (Paraná, 2006a, p. 15).
Portanto, cabe enfatizar os diferentes
momentos que a Educação do Campo
viveu, assim, neste trabalho toma-se como
ponto de partida na apresentação da sua
trajetória o recorte temporal entre 1960 e
2006. Dentro deste recorte temos os
seguintes marcos regulatórios da educação
brasileira: na década de 1960 elaborou-se
a Lei de Diretrizes e Base da Educação
(LDB) 4024/61, na sequência a
Constituição Federal de 1988 e como
consequência de uma nova Constituição
para o país, a reformulação da LDB na
década de 1990, a qual se deu a lei
9394/96. Em 2002, têm-se as Diretrizes
Operacionais da Educação do Campo em
nível nacional, e no estado do Paraná, em
2006, a elaboração das Diretrizes
Curriculares da Educação do Campo.
Assim, apresenta-se um panorama geral
dos projetos que conduziram a educação
brasileira na sua história recente e mais
especificamente a EdoC após 2002.
Também se destaca, para além das
legislações, a reforma do Estado com a
ampliação do ideário neoliberal e a
ascensão dos movimentos sociais, neste
caso, junto à questão da educação. Este
conjunto de contextos demarca a
necessidade de diálogo entre o Estado e a
sociedade civil, além de ser parte do
processo de amadurecimento da
democracia brasileira, estes cenários
situam o quanto a educação dos povos do
campo, das águas e das florestas foi e são
marginalizados em relação às políticas
públicas, as políticas educacionais, no
sentido de garantir o direito à educação
destes sujeitos a partir das suas
singularidades e demandas.
Em 1960, a Lei 4024/61, que “...
deixou a educação rural a cargo dos
municípios” (Paraná, 2006a, p. 18),
evidencia a exclusão das populações do
campo, não atende a especificidade de uma
população que neste período histórico é
predominantemente rural. No entanto, este
contexto favoreceu o surgimento de ideias
sobre a Educação Popular, mais
expressamente do educador Paulo Freire,
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ideários que viriam a contribuir nas
reflexões referentes à Educação do Campo,
além do legado freireano na construção
epistemológica e ontológica que produz a
EdoC.
Na Lei 5692/71, uma nova
reformulação das diretrizes e bases da
educação, não apareceram mudanças
significativas para a escola localizada no
campo, o que reforça a afirmação do
abandono histórico do Estado, da
invisibilidade, por parte dos governantes,
dos sujeitos que vivem e trabalham a partir
da terra, das águas e das florestas. Com a
Constituição Federal de 1988, “... a
educação se destacou como um direito de
todos”. (Paraná, 2006a, p. 18). Mais tarde,
a educação das populações rurais iria
aparecer, mesmo que timidamente, na LDB
nº 9394/96, conforme artigo 28.
Na oferta da educação básica para a
população rural, os sistemas de
ensino proverão as adaptações
necessárias à sua adequação, às
peculiaridades da vida rural e de cada
região, especialmente: I - conteúdos
curriculares e metodologia
apropriadas às reais necessidades e
interesses dos alunos da zona rural; II
- organização escolar própria,
incluindo a adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas; III - adequação
à natureza do trabalho na zona rural.
(Lei n. 9.394, 1996).
Percebe-se que marco legal começa-
se a existir, de maneira mais objetiva e
direcionada, uma maior possibilidade de
uma educação coerente com o meio
específico no qual ela está inserida, nesse
caso “no campo” e “do campo”, visando
organizar-se a partir da realidade dos
sujeitos, considerando que a noção de
campo é ampliada para sujeitos das águas e
das florestas. Mesmo que tímido o artigo
28 possibilita efetivar mudanças
significativas conforme o contexto das
comunidades atendidas, como a questão do
calendário escolar, alteração que muitas
das vezes reduz a questão da evasão
escolar, problema recorrente nas pesquisas
educacionais. Essa nova perspectiva para a
Educação do Campo aparece nas DCEC:
Ao reconhecer a especificidade do
campo, com respeito à diversidade
sociocultural, o artigo 28 traz uma
inovação ao acolher as diferenças
sem transformá-las em
desigualdades, o que implica que os
sistemas de ensino deverão fazer
adaptações na sua forma de
organização, funcionamento e
atendimento para se adequar ao que é
peculiar à realidade do campo, sem
perder de vista a dimensão universal
do conhecimento e da educação.
(Paraná, 2006a, pp. 18-19).
Tais mudanças expressas nos
documentos oficiais reforçam a presença
do Estado no que se refere à educação aos
povos do campo, das águas e das florestas.
No entanto não esqueçamos que o Estado,
segundo Carnoy (1984, p. 98), “... é
simultaneamente, um instrumento
essencial para a expansão do poder da
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classe dominante e uma força repressiva
(sociedade política) que mantém os grupos
subordinados fracos e desorganizados”.
Diante desta definição de uma das facetas
do Estado, é necessário sempre questionar
quais as intenções do Estado? Por mais que
existam avanços em determinadas políticas
educacionais, que se analisar
profundamente o que se revela para além
da política em si, como ela se materializa
(ou não) no cotidiano das escolas, das
comunidades.
Assim, com a forte presença do
Estado e pouca participação popular na
construção das políticas educacionais, fica
evidente os seus interesses nos rumos da
educação brasileira, como aponta Camini
(2006), principalmente ao considerar a
reforma do Estado.
Na década de 1990, assistimos a um
movimento nacional articulado pelo
governo, visando a promover
reformas estruturais no ensino,
mudanças que, na essência buscavam
atender as medidas de ajuste fiscal e
às exigências das agencias
multilaterais de fomento e
financiamento. Os alicerces destas
políticas têm como princípios: a
universalização, a descentralização, a
municipalização, a participação das
comunidades na gestão das escolas,
um maior controle social do gasto
publico e dos resultados
educacionais, além de definição de
critérios justos e objetivos para
distribuição e o repasse de verbas.
(Camini, 2006, p. 71).
Com a Resolução CNE/CEB n. 1, de
3 de abril de 2002, foram aprovadas as
Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo, a qual
estabelece normas para as instituições
escolares, conforme seu artigo 2º.
Estas Diretrizes, com base na
legislação educacional, constituem
um conjunto de princípios e de
procedimentos que visam adequar o
projeto institucional das escolas do
campo às Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil, o
Ensino Fundamental e Médio, a
Educação de Jovens e Adultos, a
Educação Especial, a Educação
Indígena, a Educação Profissional de
Nível Técnico e a Formação de
Professores em Nível Médio na
modalidade Normal. (Diretrizes
operacionais para a educação básica
nas Escolas do Campo, 2002).
A Resolução trouxe mais força aos
movimentos da sociedade civil, que
debatem, refletem e reivindicam mais
respeito e garantia dos direitos aos povos
do campo, das águas e das florestas. Desde
o fim da década de 1990, tais grupos
organizam assembleias, simpósios e
encontros a fim de tornar cada vez mais
presente tal discussão entre a sociedade,
buscando despertar no Estado e na
sociedade civil a urgência de políticas
públicas cada vez mais viáveis e efetivas
para atender as demandas dos sujeitos e
não do Estado em si ou das políticas e
oriundas dos organismos internacionais.
no contexto do estado do Paraná,
no ano de 2006, após diversos momentos
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de discussão e debate entre sociedade civil
(principalmente com forte atuação dos
movimentos sociais do campo) e o Estado,
foi elaborado as Diretrizes Curriculares da
Educação do Campo. Esse documento é
um “importante instrumento para a
construção de uma educação pública e
gratuita de qualidade, presente e que
respeite e valorize a diversidade humana,
contribuindo assim com a construção de
uma sociedade cada vez mais justa e
solidária”. (Paraná, 2006a, p. 9).
As DCEC apresentam as concepções
que o Estado tem de campo, ou seja,
espaço para construção e fortalecimento da
identidade dos sujeitos, respeitando o seu
modo de vida, a história, o trabalho
(Paraná, 2006a). No Documento estão
expressos os eixos temáticos: a) Trabalho:
divisão social e territorial; b) Cultura e
identidade; c) Interdependência campo-
cidade, questão agrária e desenvolvimento
sustentável; d) Organização política,
movimentos sociais e cidadania. Estes que
possibilitam pensar a EdoC a partir das
suas problemáticas, necessidades e
urgências a fim de construir novas práticas
pedagógicas, de alterar o modo de ser da
escola destinada ao sujeito do campo, das
águas e das florestas.
Também são apresentadas
alternativas metodológicas aos/as
professores/as, conforme as diferentes
realidades da Educação do Campo, com
foco em outra organização pedagógica da
rotina escolar, como o regime de
alternância dos tempos educativos, isto é,
tempo escola e tempo comunidade,
inspirados na Pedagogia da Alternância.
Tal organização curricular pode contribuir
com a permanência dos estudantes na
escola, pois potencializa um trabalho
pedagógico que considera a realidade do
sujeito, respeita os tempos do trabalho
familiar.
O tempo escola, onde os educandos
têm aulas teóricas e práticas,
participam de inúmeros
aprendizados, se auto-organizam para
realizar tarefas que garantam o
funcionamento da escola, avaliam o
processo e participam do
planejamento das atividades,
vivenciam e aprofundam valores.... O
tempo comunidade que é o momento
onde os educandos realizam
atividades de pesquisa da sua
realidade, de registro desta
experiência, de práticas que
permitem a troca de conhecimentos,
nos vários aspectos, Este tempo
precisa ser assumido e acompanhado
pela comunidade .... (Benjamin &
Caldart, 2000, p. 60).
Como as Diretrizes Curriculares da
Educação do Campo, as Diretrizes
Curriculares da Educação de Jovens e
Adultos, configuram-se como documento
oficial reconhecido pela Secretaria
Estadual de Educação do Paraná,
elaborado coletivamente, envolvendo
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diferentes sujeitos da comunidade
educativa.
Diretrizes Curriculares da Educação de
Jovens e Adultos
O documento traz importantes
elementos para pensar a EJA no Brasil,
mais especificamente, no estado do Paraná,
além de apontar tópicos necessários para a
prática pedagógica junto aos sujeitos, que
por muito tempo na história da educação
brasileira foram usados como meio de
garantir fins eleitoreiros de muitos
políticos que não tem compromisso com a
educação, conforme ponderações de
Alvarenga (2007). No entanto, com a
acessão dos movimentos sociais e
populares, através da Educação Popular,
foi possível pensar um projeto educativo
aos jovens e adultos que atenda aos seus
interesses, por mais que se tenha forte
atuação do Estado, porém o diálogo com a
sociedade é outro.
Sem dúvida após vivermos a
contradição entre a Educação de
Jovens e Adultos como importante
estratégia de legitimação política do
Estado autoritário, levando a
desconfianças sobre a
ideologização deste campo, e a
Educação Popular interpretada
como legitima educação forjada
pelos movimentos sociais, os
amplos debates em torno desta
questão vêm consolidando a
perspectiva da EJA como política
pública flexionada pelo surgimento
das novas condições de
relacionamento entre o Estado e
sociedade. (Alvarenga, 2007, p.
25).
Na construção das Diretrizes da EJA,
no Paraná, fica evidente em sua
organização curricular a busca por
melhorias de condições, tanto pedagógicas
quanto de compreensão da história de cada
sujeito. Esta preocupação pode ser
observada no seguinte fragmento,
...permitir aos educandos
percorrerem trajetórias de
aprendizagem não-padronizadas,
respeitando o ritmo próprio de cada
um no processo de apropriação dos
saberes; ... organizar o tempo escolar
a partir do tempo disponível do
educandotrabalhador, seja no que se
refere à organização diária das aulas,
seja no total de dias previstos na
semana. (Paraná, 2006b, p. 25).
O Documento também apresenta
uma reflexão acerca dos objetivos da
escola, da educação de jovens e adultos,
pois os/as professores/as que trabalham
com essa modalidade de ensino devem
compreender o quanto esses sujeitos são
diferenciados, exigem uma especificidade
no trabalho pedagógico realizado em sala
de aula. Devem entender os sentidos que
levaram cada um ao retorno escolar, quais
suas motivações, interesses e perspectivas.
Após esse diagnóstico qualitativo sobre os
sujeitos, as Diretrizes apresentam quais os
objetivos da EJA.
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...como modalidade educacional que
atende a educandos-trabalhadores,
tem como finalidades e objetivos o
compromisso com a formação
humana e com o acesso à cultura
geral, de modo que os educandos
aprimorem sua consciência crítica, e
adotem atitudes éticas e
compromisso político, para o
desenvolvimento da sua autonomia
intelectual. (Paraná, 2006b, p. 27).
Outro aspecto relevante que merece
destaque é a presença da discussão
referente ao perfil dos estudantes, afirma
que, estes “trazem uma bagagem de
conhecimentos de outras instâncias sociais,
visto que a escola não é o único espaço de
produção e socialização dos saberes”.
(Paraná, 2006b, p. 30). Característica que
deve ser respeitada e valorizada pelos
docentes que trabalham com esta
modalidade.
No texto outra preocupação
evidenciada é com o currículo, para a
reflexão de cunho pedagógico indicam que
a “proposta metodológica das práticas
pedagógicas da EJA deve considerar os
três eixos articuladores propostos para as
Diretrizes Curriculares: cultura, trabalho e
tempo, os quais deverão estar inter-
relacionados”. (Paraná, 2006b, p. 35).
Diante dos conhecimentos prévios e
da experiência de vida dos sujeitos e a
necessidade de um currículo coeso com
este contexto, é necessário reconhecer que
o estudante da EJA, muitas das vezes antes
de tornar-se novamente aluno/a, são
trabalhadores/as, trazem consigo diferentes
conhecimentos, oriundos das diferentes
experiências de vida, muitas das vezes
marcadas pelo mundo do trabalho. Questão
que exige dos/as professores/as maior
compreensão da realidade dos/as alunos/as,
da diversidade cultural e da origem dos
conhecimentos. Neste sentido, ao pensar
nos sujeitos do campo, das águas e das
florestas é condição necessária, também,
conhecer o contexto e a história dos
sujeitos para se efetivar uma prática
docente coerente e significativa.
Segundo as Diretrizes Curriculares
da Educação de Jovens e Adultos a
educação é marcada pelos aspectos a
seguir:
Política: cuja tarefa é levar à reflexão
para desvelar a realidade e os
mecanismos discriminatórios e
excludentes e vivenciar, por meio de
diálogos, debates, discussões, o
incentivo a tomada de posições;
Econômica: que tem um papel forte
na sociedade, porque rege leis e
consegue impô-las aos outros;
Científica: em que o avanço
científico e tecnológico tem
implicações significativas nos
padrões culturais, nas relações
sociais, na reorganização do mundo
do trabalho, e por efeito, nas
concepções e práticas de educação
que devem se comprometer, cada vez
mais, com o acesso ao conhecimento;
Ético-social: como a dimensão de
valores que necessitam ser,
constantemente, problematizados,
dada sua condição histórico-cultural.
(Paraná, 2006b, p. 38).
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Com tais conhecimentos, o/a
professor/a poderá ter maior conhecimento
dos sujeitos envolvidos no processo de
educação de jovens e adultos de
determinado contexto pedagógico. Porém,
sua formação profissional tem um papel
importante na prática pedagógica do
cotidiano, no entanto conforme Arroyo
(2006, p. 17) “... a formação do educador e
da educadora de jovens e adultos sempre
foi um pouco pelas bordas, nas próprias
fronteiras onde estava acontecendo a EJA”.
Esse caráter universalista, generalista
dos modelos de formação de
educadores e esse caráter histórico
desfigurado dessa EJA explica por
que não temos uma tradição de um
perfil de educador de jovens e
adultos e de sua formação. Isso
implica sérias consequências. O
perfil do educador de jovens e
adultos e sua formação encontra-se
ainda em construção. Temos assim
um desafio, vamos ter que inventar
esse perfil e construir sua formação.
Caso contrário, teremos que ir
recolhendo pedras que existem ao
longo de anos de EJA e irmos
construindo esse perfil da EJA e,
consequentemente, teremos que
construir o perfil dos educadores de
jovens e adultos e de sua formação.
(Arroyo, 2006, p. 18).
Mesmo diante das contradições entre
a formação e a prática, os docentes
necessitam contribuir para além da
aquisição dos conhecimentos científicos,
são necessárias práticas que contribuam
com um processo de organização das
escolas, que fortaleça uma educação que
gere autonomia e emancipação aos
sujeitos. Por fim, o documento traz o
aspecto da avaliação, destacando a sua
importância frente aos processos
educacionais, apontando a importância de
um processo libertador e que conduza o
estudante a perceber onde deve avançar
diante do processo de ensino-
aprendizagem.
Mediante estes dois documentos
oficiais (DCEC e DCEJA), organizados
pela SEED-PR em conjunto com os
movimentos organizados da sociedade
civil e da rede pública de educação,
demonstrando uma maior participação
popular na elaboração das políticas, pode-
se compreender melhor quais são as
possibilidades, limites e desafios da
Educação do Campo, mais especificamente
na modalidade da Educação de Jovens e
Adultos do/no Campo. No diálogo entre os
conteúdos dos dois documentos (DCEC e
DCEJA), percebem-se elementos
interessantes, com destaque ao ponto que
indica a preocupação de compreender a
realidade discente, buscando adaptar as
práticas pedagógicas à realidade do aluno,
utilizando metodologias adequadas e
favoráveis àquele grupo específico. É
perceptível o interesse de produzir
diretrizes que possam garantir o direito a
uma educação de qualidade, mesmo com
limites, mas que vem suprir uma demanda
que historicamente foi negligenciada pelo
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próprio Estado, conforme as
singularidades, demandas dos sujeitos do
campo, das águas e das florestas.
Considerações finais
A problemática do trabalho dialoga
com aspectos da experiência educativa
com jovens e adultos organizada no
Acampamento Comunidade Camponesa
Emiliano Zapata, no município de Ponta
Grossa, estado do Paraná, para assim
apresentar os elementos das políticas
educacionais, expressas nas Diretrizes da
EdoC e da EJA.
Um aspecto abordado se refere à
natureza pública e estatal da escola de
jovens e adultos do Acampamento,
evidenciando que esse espaço educativo
tem a presença direta do Estado, no
entanto, as orientações emanadas do
Estado, por meio das diretrizes não
apresenta diálogo com os pressupostos
educativos do MST. Essa condição fez
indagar novas questões a serem
aprofundadas: até que ponto os
documentos produzidos pela Secretaria de
Educação do Paraná, são utilizados e
efetivados na prática escolar em um
Acampamento do MST? Qual a relação da
educação efetivada na escola com os
princípios educativos do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra? Questões
que demandam mais pesquisa, porém é
possível inferir momentos de aproximação
com os pressupostos pedagógicos do MST,
mesmo que de forma indireta, visto que os
estudantes são militantes ao MST e podem
compartilhar suas trajetórias e
conhecimentos nas aulas, bem como
existem professores/as que buscam
coerência pedagógica e metodológica,
conforme a realidade que se está
realizando o trabalho docente.
O envolvimento dos estudantes Sem
Terra garante nas discussões e
encaminhamentos da prática docente
elementos que são presentes somente na
vida do sujeito Sem Terra, este que
vivencia um processo educativo não
formal, para além da escolarização,
realizado a partir de um projeto de
educação defendido pelo MST (Caldart,
2004), o qual é uma construção coletiva e
em constante movimento. Tal formação
oferece possibilidades de novas relações
com o conhecimento, dando maior sentido
aos conhecimentos científicos apropriados
na escola, trazendo temas específicos para
a sala de aula, como a Questão Agrária, a
Agroecologia, os Conflitos Ambientais e
Territoriais entre outros, de forma a
contribuir no processo de ensino e
aprendizagem.
Ao discutir a prática educativa
realizada na escola de jovens e adultos no
Acampamento, percebe-se que a rotina
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escolar não é diferente da realizada no
contexto urbano, o que impõe uma prática
fundamentada nos princípios da Educação
Rural, isto é, do modelo educacional
urbano e não da Educação do Campo.
Práticas que se distanciam do projeto de
educação preconizado pelos movimentos
sociais do campo, das águas e das florestas
que tem, na sua natureza, o respeito pela
identidade, cultura e modo de vida dos
sujeitos, esta afirmação é possível a partir
do estudo das Diretrizes e dos materiais
utilizados pelos docentes.
Os documentos oficiais produzidos
pelo Estado apresentam profícuos
direcionamentos para os docentes que
atuam na Educação de Jovens e Adultos e
na Educação do Campo. Entretanto, é
notável os distanciamentos entre o
contexto da sala de aula e os escritos de
tais documentos, principalmente a
Diretrizes da EJA, pois com as Diretrizes
da EdoC é evidente o diálogo com muitos
princípios defendidos pelo MST. O que
demanda estabelecer novos diálogos a
partir da realidade dos sujeitos, neste caso,
sujeitos dos movimentos sociais do campo.
Nos estudos referentes aos princípios
educativos do MST, percebe-se a proposta
de um projeto alternativo de sociedade que
se articula com a educação, visto que logo
após a constituição do Movimento na
década de 1980, a educação passou a ser
uma das suas grandes bandeiras de luta.
Outro aspecto a ressaltar é a Pedagogia do
Movimento (Caldart, 2004), a qual não
está vinculada a um ou outro teórico,
configura-se numa relação de diálogo com
as diferentes pedagogias que pressupõe a
emancipação dos sujeitos, a transformação
social. A teoria pedagógica do MST é
balizada por princípios filosóficos e
pedagógicos singulares, priorizando as
relações entre ser humano, trabalho,
natureza e sociedade nas suas formulações
e práticas segundo defende Caldart (2004).
Ao realizar o diálogo entre a
Educação do Campo e a Educação de
Jovens e Adultos, é possível vislumbrar
aproximações das suas intencionalidades.
Contudo, é preciso que os docentes e a
comunidade se apropriem, com uma
análise crítica de tais documentos que
fundamentam as práticas educativas e os
princípios do MST, bem como o Estado
oferte formação continuada específica para
estes professores/as. Assim, as
possibilidades de práticas coerentes com os
sujeitos da escola de jovens e adultos do/no
campo, localizada no Acampamento da
Comunidade Camponesa Emiliano Zapata
tornam-se mais concretas.
São evidentes os desafios de
constituir um processo educativo diferente
das práticas pedagógicas hegemônicas, de
uma escola pautada por pedagogias
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burguesas. No entanto, as contradições são
presentes e compreendê-las é uma
condição necessária, principalmente ao
considerar as especificidades do sujeito
coletivo MST. Por fim, entende-se a
urgência histórica de avanço no processo
de desenvolvimento da consciência de
classe e da articulação de estratégias de
luta, de modo que os sujeitos se constituam
como intelectuais orgânicos, através de
processos coletivos que se dão pela
educação, enquanto espaço de organização
política e cultural.
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 07/10/2020
Aprovado em: 10/11/2020
Publicado em: 04/12/2020
Received on October 7th, 2020
Accepted on November 10th, 2020
Published on December, 04th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
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Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Adalberto Penha de Paula
http://orcid.org/0000-0002-9906-3989
Marina Comerlatto da Rosa
http://orcid.org/0000-0001-9140-8471
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e Adultos do/no campo e as políticas educacionais:
conquistas a partir dos movimentos sociais. Rev. Bras.
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PAULA, A. P.; ROSA, M. C. Educação de Jovens e
Adultos do/no campo e as políticas educacionais:
conquistas a partir dos movimentos sociais. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e10676, 2020.
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