Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10709
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e10709
10.20873/uft.rbec.e10709
2021
ISSN: 2525-4863
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Problematizações sobre a delimitação entre rural e urbano
e suas implicações na educação
Línlya Sachs
1
, Thaís Maiara Bailão
2
, Diego Fogaça Carvalho
3
1, 2
Universidade Tecnológica Federal do Paraná - UFTPR. Departamento Acadêmico de Matemática. Avenida Alberto
Carazzai, 1640. Cornélio Procópio - PR. Brasil.
3
Universidade Pitágoras Unopar; Universidade Anhanguera - Uniderp.
Autor para correspondência/Author for correspondence: linlyasachs@yahoo.com.br
RESUMO. uma longa discussão na literatura, que envolve
diversas áreas do conhecimento, a respeito das possibilidades de
delimitação entre territórios rurais e urbanos inclusive,
diferentes países utilizam distintas regras para tal delimitação. O
objetivo deste artigo está em problematizar algumas implicações
dessa delimitação no âmbito educacional. Para isso,
apresentamos os procedimentos metodológicos adotados,
baseados na pesquisa especulativa; fazemos uma revisão da
literatura, mostrando distintos modos de definição de territórios
urbanos e rurais e, no que se refere à educação, revisamos a
legislação específica vigente para a educação do campo;
seguimos apresentando alguns casos específicos de escolas e
municípios para, então, problematizarmos as implicações dessas
decisões nas políticas públicas e ações pedagógicas. Concluímos
indicando a necessidade de repensar estratégias dicotômicas e
arbitrárias de delimitação de áreas urbanas e rurais e a
importância de proposição de políticas públicas que levem em
consideração o contexto de um modo mais amplo.
Palavras-chave: educação, rural, urbano, políticas públicas,
ações pedagógicas.
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Issues about the delimitation between rural and urban and
its implications for education
ABSTRACT. There is a long discussion in the literature, which
involves several areas of knowledge, regarding the possibilities
of delimitation between rural and urban territories; in fact,
different countries use different rules for such delimitation. The
aim of this article is to discuss some implications of this
delimitation in the educational sphere. For this, we present the
methodological procedures adopted, based on speculative
research; we review the literature, presenting different ways of
defining urban and rural territories and, with regard to
education, we revise the specific legislation in force for rural
education; we continue to present some specific cases of schools
and municipalities in order to discuss the implications of these
decisions in public policies and pedagogical actions. We
conclude by indicating the need to rethink dichotomous and
arbitrary strategies for delimiting urban and rural areas and the
importance of proposing public policies that take the context
into account more broadly.
Keywords: education, rural, urban, public policy, pedagogical
actions.
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Cuestiones sobre la delimitación entre lo rural y lo urbano
y sus implicaciones para la educación
RESUMEN. Existe una larga discusión en la literatura, que
involucra varias áreas de conocimiento, en cuanto a las
posibilidades de delimitación entre territorios rurales y urbanos;
de hecho, diferentes países utilizan diferentes reglas para tal
delimitación. El objetivo de este artículo es discutir algunas
implicaciones de esta delimitación en el ámbito educativo. Para
ello, presentamos los procedimientos metodológicos adoptados,
basados en la investigación especulativa; revisamos la literatura,
presentando diferentes formas de definir los territorios urbanos y
rurales y, en materia de educación, revisamos la legislación
específica vigente para la educación rural; seguimos presentando
algunos casos específicos de escuelas y municipios con el fin de
discutir las implicaciones de estas decisiones en las políticas
públicas y acciones pedagógicas. Concluimos señalando la
necesidad de repensar estrategias dicotómicas y arbitrarias para
delimitar áreas urbanas y rurales y la importancia de proponer
políticas públicas que tomen en cuenta el contexto de manera
más amplia.
Palabras clave: educación, rural, urbano, políticas públicas,
acciones pedagógicas.
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Introdução
Há uma longa discussão na literatura,
que envolve diversas áreas do
conhecimento, a respeito das
possibilidades de delimitação entre
territórios rurais e urbanos. Inclusive,
diferentes países utilizam distintas regras
para tal delimitação. países, como é o
caso do Brasil, que utilizam critérios legais
ou político-administrativos para isso;
outros, como a Argentina, consideram
patamares demográficos; Israel e outros,
por sua vez, têm a predominância da
ocupação agrícola como principal aspecto
para a definição. Também, alguns
pesquisadores e organizações sugerem que
diferentes critérios sejam combinados e,
desse modo, seria possível superar divisões
dicotômicas entre rural e urbano.
Dessas definições, decorrem
consequências diversas, entre elas
econômicas e políticas. No quesito
econômico, podemos citar a cobrança de
impostos (diferentes em áreas urbanas e
rurais) e investimentos públicos e privados,
em diversos setores (de produção, de
serviços, de moradia, de lazer etc.). No que
se refere às políticas, muitas ações podem
ser realizadas ou o, dependendo do
entendimento que se tem sobre os espaços
rurais e urbanos e da delimitação feita,
como políticas públicas específicas, sejam
elas educacionais, do âmbito da saúde, de
condições de transporte ou de
financiamentos, por exemplo.
Neste artigo, estamos interessados
em problematizar algumas implicações
dessa delimitação no âmbito educacional.
Para isso, apresentamos os procedimentos
metodológicos adotados, baseados na
pesquisa especulativa. Fazemos, então,
uma revisão da literatura, apresentando
distintos modos de definição de territórios
urbanos e rurais. no que se refere à
educação, revisamos a legislação
específica vigente para o que atualmente é
chamado de “educação do campo”.
Seguimos apresentando alguns casos
específicos de escolas e municípios para,
então, problematizarmos as implicações
dessas decisões nas políticas públicas e
ações pedagógicas.
Procedimentos metodológicos
Para esta investigação, optamos por
utilizar alguns procedimentos inspirados na
pesquisa especulativa. De acordo com Van
Der Maren (1996), esse tipo de pesquisa
tem por objetivo a produção de declarações
teóricas a partir de outras declarações
teóricas. Consequentemente, a natureza
dos dados que são submetidos a seus
procedimentos analíticos é de origem
teórica. Nesse caso, o pesquisador é levado
a realizar escolhas de modo que o texto por
ele produzido se refere às interpretações
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advindas dos textos que compõem o
corpus. Todavia, nesse processo de
produção textual, é importante que o
pesquisador cuide para não se limitar a
interpretar; o texto final assume a
característica de ser um recontar.
De acordo com Martineau, Simard e
Gauthier (2001), os procedimentos
metodológicos da pesquisa especulativa se
resumem em três eixos: a interpretação, a
argumentação e o recontar.
No Quadro 1, encontra-se uma
síntese desses procedimentos:
Quadro 1 Quadro com os três pontos da pesquisa especulativa.
Eixo
Significado
Interpretação
O pesquisador, para construir seu texto, precisa interpretar textos de outros
pesquisadores, para ter uma visão do que está pesquisando. Ele precisa realizar
uma leitura hermenêutica nos textos, fazer uma reflexão e interpretar os textos.
Argumentação
O pesquisador deve escrever um texto original, pois apenas interpretar e discutir
os textos já produzidos a respeito de determinado assunto não satisfaz esse tipo
de pesquisa.
Recontar
O pesquisador precisa dialogar com a literatura, e a narrativa é um fator de
coerência discursiva. O foco desse tipo de pesquisa está na capacidade do
pesquisador produzir um problema sem precedentes e propor uma nova análise.
Fonte: Rossetto (2021).
Desse modo, pode-se compreender
que, anteriormente à realização dos
procedimentos, o pesquisador precisa
constituir um corpus, ou seja, obter um
conjunto de textos que julga serem
propícios para o desenvolvimento da
pesquisa. No caso desta pesquisa, o corpus
intertextual é formado pelos materiais
citados nas duas próximas seções,
referentes à revisão de literatura, sobre
distintos modos de definição de territórios
urbanos e rurais, e à educação do campo.
Na sequência, inicia-se o processo de
interpretação. Nesse momento, o
pesquisador reúne uma coleção de texto
que são pertinentes para a sua pesquisa, de
modo a interpretá-los, mediante uma
conduta hermenêutica.
Com isso, o pesquisador elabora um
texto original, em que supera as
interpretações realizadas sobre o corpus
construído. Entendemos esse momento
como oportuno para a elaboração de novos
argumentos, que orbitam entre as intenções
da pesquisa, que se ancoram nas
interpretações a respeito dos textos
originais.
Após o processo de argumentação,
chega-se ao recontar, em que uma narrativa
é elaborada com base nos argumentos
originais do pesquisador e articulada com o
referencial teórico adotado na pesquisa,
configurando-se a sua elaboração a
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respeito do fenômeno investigado. Neste
caso, fizemos esse recontar no formato de
problematização, discutindo implicações
das decisões em políticas públicas e ações
pedagógicas.
Revisão da literatura
A utilização do conceito de território,
neste texto, aproxima-se de abordagens
contemporâneas, que superam o conceito
presente na geografia tradicional, mais
próximo da ideia de espaço físico. Nesse
novo sentido, território passa a se
articular à questão dos direitos e das
disputas pelos bens econômicos, de um
lado, e, de outro, pelo pertencimento ou
pelas raízes culturais de um povo ou etnia”
(Gohn, 2008, p. 445, grifo da autora).
Entendemos a utilização tradicional
do conceito de espaço físico como
problemática por prescindir de uma
compreensão de que os espaços a serem
denominados como rurais ou urbanos são,
antes de tudo, sociais. Qualquer
delimitação perpassa diferentes formas de
atuação humana e social em um espaço
físico; assim, não é possível desconsiderar
essas muitas características. Como afirma
Gohn (2008, p. 445), “classe social, raça,
etnia, grupos religiosos, recursos e
infraestrutura passam a ser indicadores
para a análise de um território e seus
conflitos”. Contudo, a incorporação de
fatores torna ainda mais difícil a distinção
entre territórios urbanos e rurais. Ainda
assim, compreendemos a importância de
abordá-la para que possamos entender e
reconhecer consequências dela decorrentes
e problematizar políticas públicas e outras
ações aqui, especificamente no âmbito
educacional.
O caso brasileiro é exemplar para
iniciarmos a discussão. O Decreto-lei
311, de 2 de março de 1938, ainda vigente,
estabelece as definições oficiais das
divisões territoriais dos municípios,
podendo variarem os critérios de
delimitação entre as áreas urbanas e rurais
de um município para outro. Fica
estabelecido, por esse Decreto-lei, que os
municípios compreendem um ou mais
distritos. As áreas urbanas dos distritos são
chamadas de cidade, no caso do distrito-
sede, e de vila, no caso dos demais
distritos; o que resta da área do município,
além da cidade e das vilas, são chamadas
de áreas rurais. Conforme aponta o
Instituto Interamericano de Cooperação
para a Agricultura (2013), está presente aí
uma compreensão do rural como resíduo
do urbano.
A partir dessa definição, em que as
sedes de todos os distritos são consideradas
urbanas, independentemente de suas
características, Veiga (2004, p. 6) é
enfático ao afirmar: “o Brasil é bem mais
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rural do que oficialmente se calcula”.
Trata-se, portanto, de um critério de
delimitação político-administrativa. Os
municípios, a partir de seus próprios
interesses e entendimentos, fazem suas
delimitações. Sem dúvida, um aspecto
importante para as decisões pelos gestores
e representantes parlamentares é a
arrecadação de impostos.
O Código Tributário Nacional,
instituído pela Lei 5.172, de 25 de
outubro de 1966, determina que, por um
lado, o Imposto sobre a Propriedade
Territorial Rural (ITR), de competência da
União, incide sobre propriedades
localizadas fora do perímetro urbano dos
municípios; por outro lado, o Imposto
sobre a Propriedade Predial e Territorial
Urbana (IPTU), de competência dos
municípios, incide sobre as propriedades
na zona urbana. Fica claro, pois, o
interesse imediato dos municípios de tornar
urbano um território considerado rural.
Essa Lei estabelece, então, critérios
mínimos para tal: haver pelo menos dois
dos seguintes “melhoramentos”,
construídos ou mantidos pelo Poder
Público:
I meio-fio ou calçamento, com
canalização de águas pluviais;
II abastecimento de água;
III sistema de esgotos sanitários;
IV rede de iluminação pública, com
ou sem posteamento para distribuição
domiciliar;
V escola primária ou posto de
saúde a uma distância máxima de 3
(três) quilômetros do imóvel
considerado (Lei nº 5.172, 1966).
Com isso, percebemos que os fatores
indicados por Gohn (2008) para a
compreensão do território não são
minimamente considerados no país para a
delimitação entre rural e urbano.
O Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), reconhecendo esse
problema, realizou um estudo sistemático
de critérios adotados por vários países e
organizações e, então, apresentou uma
proposta para modificar a delimitação na
realização do Censo Demográfico 2020
i
(Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística, 2017).
O estudo identificou que os critérios
mais comuns adotados pelas nações são os
legais ou político-administrativos, como no
Brasil, mas também na Colômbia e no
Uruguai, e os que consideram patamares
demográficos, como é o caso da Argentina,
que adota o patamar mínimo de 2000
habitantes para que a área seja considerada
urbana.
Abramovay (2000) indica alguns
inconvenientes desse segundo critério: os
limites são arbitrários e podem ser muito
diferentes de um país a outro (o que
dificultaria qualquer tipo de comparação) e
ele “não permite uma abordagem regional
da ruralidade. Ele nos diz que tal
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localidade ou tal município é ou não rural
segundo os critérios estipulados , mas
não é capaz de indicar se existem regiões
ou territórios mais ou menos rurais”
(Abramovay, 2000, p. 5).
Há, também, países ou organizações
que consideram a combinação de fatores.
A Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE),
visando obter diagnósticos mais precisos
para elaboração e avaliação de políticas
para desenvolvimento econômico, social e
político dos países-membros, propõe a
densidade demográfica como um critério
principal, mas juntamente com a
acessibilidade a centros urbanos (levando
em conta, para isso, o tempo de
deslocamento entre as áreas) e a
quantidade e a proporção da população de
uma determinada localidade que vive em
grandes centros urbanos. Com isso, obtém-
se cinco classificações para as localidades:
predominantemente rural remota,
predominantemente rural próxima a uma
cidade, intermediária remota, intermediária
próxima a uma cidade e
predominantemente urbana (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística,
2017).
Os Estados Unidos da América
adotam o patamar demográfico, de modo
que as áreas com mais de 2500 habitantes
são consideradas urbanas. Porém, outros
fatores são considerados: a densidade
populacional e o uso do solo. Este último
analisa a cobertura do solo e a presença de
superfícies impermeáveis (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística,
2017).
No caso brasileiro, o IBGE, em seu
Manual da Base Territorial de 2014,
considera, de modo adicional à delimitação
legal dos municípios, a quantidade de
domicílios e a distância entre eles. Com
isso, nomeia oito tipos de setores
censitários.
As áreas urbanas são divididas em
área urbana, área não urbanizada de
cidade ou vila e área urbana isolada.
Os setores censitários externos ao
perímetro urbano são classificados
como aglomerado rural de extensão
urbana, povoado, núcleo, lugarejo e
área rural. A área não urbanizada de
cidade ou vila é aquela que, embora
legalmente urbana, apresenta
ocupação eminentemente rural,
enquanto a área rural de extensão
urbana se constitui numa ocupação
com características urbanas que está
situada fora do perímetro urbano
municipal (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística, 2017, p. 39).
Com uma análise cuidadosa das
características de várias regiões e
municípios do Brasil, o IBGE propõe,
então, uma nova classificação das áreas
rurais e urbanas de cada município, com
critérios comuns para todo o país. O
principal critério considerado foi a
densidade demográfica assim como a
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OCDE e a União Europeia combinado
com o critério de acessibilidade a centros
urbanos. Assim, de acordo com essa
tipologia, tem-se como base células
quadradas de 1 km por 1 km. São
consideradas células de ocupação densa as
que apresentam mais de 300 habitantes por
km² e cuja soma com as suas oito células
contíguas (que são quadrículas vizinhas
laterais, superiores, inferiores e diagonais)
tem um valor mínimo de 3000 habitantes.
Se as duas condições não forem cumpridas,
a célula é classificada como ocupação
dispersa.
Utilizando os resultados do Censo
2010 e essas condições, chegou-se aos
seguintes resultados: cerca de 149 milhões
de pessoas (de um total de cerca de 190
milhões) habitam áreas de ocupação densa;
1549 municípios (de um total de 5565) não
apresentam áreas de ocupação densa; 1587
municípios têm alto grau de urbanização
(com mais de 75% da população em áreas
de ocupação densa), 1450 têm moderado
grau de urbanização (entre 50 e 75% da
população em áreas de ocupação densa) e
2528 têm baixo grau de urbanização
(menos de 50% da população em áreas de
ocupação densa).
O critério da acessibilidade a centros
urbanos considera o tempo de
deslocamento e leva a duas possibilidades:
remoto, quando a distância relativa do
município a centros urbanos está acima da
média nacional; e adjacente, quando está
abaixo da média ou é, ele próprio, um
centro urbano. No Brasil, 96,1% dos
municípios são considerados adjacentes. É
importante notar as diferenças regionais:
38,31% dos municípios da Região Norte
são considerados remotos, enquanto apenas
são remotos 0,67% dos municípios da
Região Sul. Esses resultados dependem das
logísticas de transporte, seja por rodovia ou
hidrovia, e suas condições (se são rodovias
pavimentadas ou não, por exemplo).
Combinando esses critérios, da
densidade populacional e da acessibilidade
a centros urbanos, o IBGE elaborou a
seguinte proposta de tipologia:
a) Município predominantemente
urbano:
municípios em Unidades
Populacionais com mais de 50000
habitantes em área de ocupação
densa;
municípios em Unidades
Populacionais que possuem entre
25000 e 50000 habitantes em área de
ocupação densa com grau de
urbanização superior a 50%; e
municípios em Unidades
Populacionais que possuem entre
10000 e 25000 habitantes em área de
ocupação densa com grau de
urbanização superior a 75%.
b) Município intermediário:
municípios em Unidades
Populacionais que possuem entre
25000 e 50000 habitantes em área de
ocupação densa com grau de
urbanização entre 25 e 50%;
municípios em Unidades
Populacionais que possuem entre
10000 e 25000 habitantes em área de
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ocupação densa com grau de
urbanização entre 50 e 75%; e
municípios em Unidades
Populacionais que possuem entre
3000 e 10000 habitantes em área de
ocupação densa com grau de
urbanização superior a 75%.
c) Município predominantemente
rural:
municípios em Unidades
Populacionais que possuem entre
25000 e 50000 habitantes em área de
ocupação densa com grau de
urbanização inferior a 25%;
municípios em Unidades
Populacionais que possuem entre
10000 e 25000 habitantes em área de
ocupação densa com grau de
urbanização inferior a 50%; e
municípios em Unidades
Populacionais que possuem entre
3000 e 10000 habitantes em área de
ocupação densa com grau de
urbanização inferior a 75% (Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística,
2017, p. 58-59).
Essa proposta, por um lado, supera a
dicotomia total e a arbitrariedade da
delimitação político-administrativa em
vigência no Brasil, por outro, não
considera diversos fatores sociais para
análise de um território (como classe
social, raça, etnia, grupos religiosos,
recursos e infraestrutura), indicados por
Gohn (2008) o que acontece também
com outras tipologias adotadas ao redor do
mundo.
É importante sublinhar que as
diferentes delimitações aqui apresentadas
não compreendem o rural necessariamente
como agrícola, ou seja, os critérios não são
ocupacionais ou de fonte de renda. O
Projeto Rurbano, desenvolvido na
Unicamp, “explora, fundamentalmente, os
tipos de ocupações das pessoas; e as rendas
das famílias residentes nas áreas rurais
agrícolas, pluriativas e não-agrícolas”
(Silva, 2002, p. 411) e mostrou que
demandas (patrimoniais) para a expansão
de ou migração para áreas rurais que não
estão relacionadas à prática agrícola de
populações urbanas de baixa renda por
terrenos para autoconstrução de suas
moradias, populações de alta renda por
áreas de lazer ou segunda residência,
necessitando de serviços e de trabalhadores
(caseiros, jardineiros, empregados
domésticos), e indústrias e empresas não
agrícolas por espaços para suas instalações
(Silva, 2002).
Ney e Hoffmann (2008, p. 376)
fazem uma ressalva importante: “se, por
um lado, o meio rural é uma categoria
espacial cuja delimitação claramente não
deve depender da exclusividade ou até
mesmo da predominância da atividade
agrícola, por outro, ele é o local de
residência de mais de 85,5% dos
agricultores”. Os autores adotaram o
conceito de meio rural abrangendo, além
da zona rural dos municípios, também os
municípios com população urbana inferior
a 20 mil habitantes e com densidade
populacional do município inferior a 60
habitantes por km².
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Por fim, algumas abordagens,
principalmente tendo como base a obra de
Henri Lefebvre, propõem a adoção da
dialética para compreensão da relação
rural-urbano ou campo-cidade. Não
pretendemos, aqui, esgotar a discussão
sobre a temática, mas colocá-la em relação
com o âmbito educacional,
problematizando as consequências dos
distintos modos de definição de territórios
urbanos e rurais.
Legislação educacional
Esta seção não tem como objetivo
realizar uma análise histórica da legislação
brasileira que trate da educação em
territórios rurais, mas apresentar a
legislação vigente atualmente a esse
respeito. Enfatizamos, aqui, alguns
pontos para a problematização posterior.
Iniciamos citando a Constituição
Federal de 1988, que trata da educação no
artigo 6º, quando a menciona entre os
direitos sociais e, mais especificamente,
nos artigos de 205 a 214. O artigo 205
estabelece a educação como direito de
todos e dever do Estado e da família em
promovê-la e o artigo 206 determina que o
ensino deve ser promovido em igualdade
de condições de acesso e permanência na
escola.
No âmbito da educação do campo,
uma discussão recorrente é a respeito do
oferecimento do acesso à educação em
local próximo à residência do estudante.
Isso não é tratado explicitamente na
Constituição Federal, mas, ao garantir
igualdade nas condições de acesso e de
permanência, evoca-se essa necessidade.
Isso aparece na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB), 9.394, de
20 de dezembro de 1996:
Art. O dever do Estado com
educação escolar pública será
efetivado mediante a garantia de:
...X vaga na escola pública de
educação infantil ou de ensino
fundamental mais próxima de sua
residência a toda criança a partir do
dia em que completar 4 (quatro) anos
de idade (Lei nº 9.394, 1996).
Porém, “mais próxima” ainda deixa
dúvidas sobre como isso se dá. O tema é
abordado com mais detalhes nas Diretrizes
complementares, normas e princípios para
o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do
Campo (Resolução do Conselho Nacional
de Educação 2, 2008), que tratamos
adiante.
A LDB, em seu artigo 28, trata
especificamente da educação básica “para
a população rural”. uma abertura sobre
o que se entende por “população rural”,
“vida rural” e “zona rural” termos
utilizados no referido artigo. A delimitação
utilizada no Brasil, desde 1938, entre áreas
urbanas e rurais, como apresentado
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anteriormente, é de caráter político-
administrativo. Parece haver fragilidades
em condicionar o cumprimento do que está
estabelecido no artigo 28 da LDB (muitas
vezes, pelo próprio município) à
delimitação realizada pelo município; por
isso, é possível que se tenha uma
compreensão mais ligada às características
sociais, econômicas e culturais como no
sentido aqui adotado do termo território.
Em legislação posterior (Resolução do
Conselho Nacional de Educação 1,
2002, Resolução do Conselho Nacional de
Educação 2, 2008), esses termos são
mais bem detalhados.
É importante dizer que, no fim da
década de 1990, posteriormente à
publicação da LDB, houve uma forte
mobilização dos movimentos sociais do
campo para que houvesse uma
transformação significativa da educação no
meio rural. A educação rural”, enquanto
expressão e concepção, por estar carregada
de descaso e de subordinação ao capital, de
acordo com Munarim (2008), é substituída
por uma nova concepção de educação, a
“educação do campo”, com diferentes
preceitos políticos e pedagógicos.
Decorrente a isso, diversas políticas
públicas foram realizadas em âmbito
nacional para a efetivação da educação do
campo, nesses novos termos e concepção.
Duas resoluções têm destaque: uma de
2002, que estabelece as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo (Resolução do
Conselho Nacional de Educação 1,
2002) e uma de 2008, com Diretrizes
complementares, normas e princípios para
o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do
Campo (Resolução do Conselho Nacional
de Educação nº 2, 2008).
A identidade das escolas do campo
passa a ser definida, da seguinte forma:
... pela sua vinculação às questões
inerentes à sua realidade, ancorando-
se na temporalidade e saberes
próprios dos estudantes, na memória
coletiva que sinaliza futuros, na rede
de ciência e tecnologia disponível na
sociedade e nos movimentos sociais
em defesa de projetos que associem
as soluções exigidas por essas
questões à qualidade social da vida
coletiva no país (Resolução do
Conselho Nacional de Educação nº 1,
2002).
Há uma ruptura, desse modo, com
interpretações simplistas da LDB no que se
refere a “população rural”. Nas diretrizes
complementares, essa nova concepção é
reforçada:
Art. A Educação do Campo
compreende a Educação Básica em
suas etapas de Educação Infantil,
Ensino Fundamental, Ensino Médio e
Educação Profissional Técnica de
nível médio integrada com o Ensino
Médio e destina-se ao atendimento às
populações rurais em suas mais
variadas formas de produção da vida
- agricultores familiares,
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extrativistas, pescadores artesanais,
ribeirinhos, assentados e acampados
da Reforma Agrária, quilombolas,
caiçaras, indígenas e outros
(Resolução do Conselho Nacional de
Educação nº 2, 2008, grifos nossos).
O tema da proximidade da escola à
residência e o deslocamento de estudantes
é tratado com detalhamento nas diretrizes
complementares (Resolução do Conselho
Nacional de Educação 2, 2008), em seus
artigos 3º, 4º, 5º e 6º.
Na Educação Infantil e nos anos
iniciais do Ensino Fundamental, está
estabelecido que a educação escolar
sempre será oferecida “nas próprias
comunidades rurais, evitando-se os
processos de nucleação de escolas e de
deslocamento das crianças” (Resolução do
Conselho Nacional de Educação 2,
2008) e, no caso dos anos iniciais do
Ensino Fundamental, excepcionalmente,
poderá ocorrer “deslocamento intracampo
dos alunos, cabendo aos sistemas estaduais
e municipais estabelecer o tempo máximo
dos alunos em deslocamento a partir de
suas realidades” (Resolução do Conselho
Nacional de Educação nº 2, 2008).
Com relação aos anos finais do
Ensino Fundamental e ao Ensino Médio, “a
nucleação rural pode constituir-se em
melhor solução, mas deverá considerar o
processo de diálogo com as comunidades
atendidas, respeitados seus valores e sua
cultura”, sendo que “sempre que possível,
o deslocamento dos alunos...deverá ser
feito do campo para o campo, evitando-se,
ao máximo, o deslocamento do campo para
a cidade” (Resolução do Conselho
Nacional de Educação nº 2, 2008).
No que se refere à Educação de
Jovens e Adultos, “também deve
considerar que os deslocamentos sejam
feitos nas menores distâncias possíveis,
preservado o princípio intracampo”
(Resolução do Conselho Nacional de
Educação nº 2, 2008).
-se que um movimento legal,
no sentido de garantia de educação na
própria comunidade rural, com pequenos
deslocamentos, e, quando necessário
ocorrerem maiores deslocamentos, que eles
sejam intracampo, isto é, de um território
camponês a outro também camponês. A
delimitação de áreas rurais pelos
municípios pode influenciar na
interpretação desses dispositivos, no caso
da ausência de escolas próximas; é
possível que os poderes públicos afirmem
que determinada comunidade não é
camponesa, por estar em área considerada
urbana.
Também, a legislação trata de
aspectos curriculares e pedagógicos. Na
Constituição, consta que: “Serão fixados
conteúdos nimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar
formação básica comum e respeito aos
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valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais” (Constituição da República
Federativa do Brasil, 1988). Na LDB, por
sua vez, está assegurado que:
Art. 26. Os currículos da educação
infantil, do ensino fundamental e do
ensino médio devem ter base
nacional comum, a ser
complementada, em cada sistema de
ensino e em cada estabelecimento
escolar, por uma parte diversificada,
exigida pelas características regionais
e locais da sociedade, da cultura, da
economia e dos educandos (Lei nº
9.394, 1996).
Ambos os textos destacam as
características regionais a serem
consideradas na educação o que não pode
ser determinado por delimitações político-
administrativas dos municípios.
Assim, o artigo 28 da LDB indica
várias adaptações que devem ser feitas na
educação básica para a população rural,
tanto no que se refere a currículo, quanto
com relação à organização da escola e do
calendário.
Art. 28. Na oferta de educação básica
para a população rural, os sistemas de
ensino promoverão as adaptações
necessárias à sua adequação às
peculiaridades da vida rural e de cada
região, especialmente:
I - conteúdos curriculares e
metodologias apropriadas às reais
necessidades e interesses dos alunos
da zona rural;
II - organização escolar própria,
incluindo adequação do calendário
escolar às fases do ciclo agrícola e às
condições climáticas;
III - adequação à natureza do
trabalho na zona rural.
Parágrafo único. O fechamento de
escolas do campo, indígenas e
quilombolas será precedido de
manifestação do órgão normativo do
respectivo sistema de ensino, que
considerará a justificativa
apresentada pela Secretaria de
Educação, a análise do diagnóstico
do impacto da ação e a manifestação
da comunidade escolar
ii
(Lei
9.394, 1996).
As diretrizes complementares
reafirmam: “A organização e o
funcionamento das escolas do campo
respeitarão as diferenças entre as
populações atendidas quanto à sua
atividade econômica, seu estilo de vida,
sua cultura e suas tradições” (Resolução do
Conselho Nacional de Educação 2,
2008). Também, as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo (Resolução do
Conselho Nacional de Educação 1,
2002) reforçam que “as propostas
pedagógicas das escolas do campo,
respeitadas as diferenças e o direito à
igualdade..., contemplarão a diversidade do
campo em todos os seus aspectos: sociais,
culturais, políticos, econômicos, de gênero,
geração e etnia”.
Com isso, fica ainda mais claro que a
identidade de “escola do campo” ou de
“população rural”, seja qual for o termo
utilizado (pela legislação e pelo poder
público, em âmbitos federal, estadual ou
municipal), que não se restringe a
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resultados de divisões político-
administrativas.
Por fim, o Decreto 7.352, de 4 de
novembro de 2010, que dispõe sobre a
política de educação do campo e o
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária Pronera, amplia ainda
mais o entendimento, ao definir:
I populações do campo: os
agricultores familiares, os
extrativistas, os pescadores
artesanais, os ribeirinhos, os
assentados e acampados da reforma
agrária, os trabalhadores assalariados
rurais, os quilombolas, os caiçaras, os
povos da floresta, os caboclos e
outros que produzam suas condições
materiais de existência a partir do
trabalho no meio rural; e.
II escola do campo: aquela situada
em área rural, conforme definida pela
Fundação Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística - IBGE, ou
aquela situada em área urbana, desde
que atenda predominantemente a
populações do campo (Decreto
7.352, 2010).
Desse modo, não mais dúvidas de
que, de acordo com a legislação
educacional, as populações do campo não
se restringem àquelas residentes em áreas
rurais e as escolas do campo não são
somente as que estão situadas em áreas
rurais dos municípios. Para essas
definições, as fronteiras são menos fixas do
que são as delimitações político-
administrativas.
Casos específicos
Apresentamos, nesta seção, casos
específicos que mostram a arbitrariedade
da definição de rural e urbano e que
colocam luz na problemática. São dois
casos do município de Londrina, estado do
Paraná, que apresentamos de forma
conjunta, por se entrelaçarem em vários
aspectos. A proposta é apenas exemplificar
e poderíamos fazer isso com muitas
outras escolas, outros municípios, outras
arbitrariedades; mas escolhemos estes.
O município de Londrina, na
mesorregião Norte Central do estado do
Paraná, foi fundado em 1934 e marcado
pelo cultivo do café, até meados da década
de 1970. Atualmente, além da sede do
município, oito distritos cercando a
cidade: Warta, São Luiz, Espírito Santo,
Irerê, Maravilha, Paiquerê, Guaravera e
Lerroville. Em linhas gerais, grande parte
desses distritos constituem a zona rural de
Londrina. Destacaremos aqui o Distrito de
Warta e o Distrito de Espírito Santo.
A ocupação do Distrito de Warta,
como relata Melatti (1992), deu-se,
inicialmente, pela Companhia de Terras
Norte do Paraná, que realizou um
empreendimento-colonizador, atraindo
imigrantes poloneses residentes no estado
de Santa Catarina, na década de 1930. A
criação oficial do distrito aconteceu apenas
em 14 de dezembro de 1953 e o nome
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“Warta” foi escolhido pelos habitantes, por
ser um rio da Polônia.
O Distrito de Espírito Santo,
localizado a sudoeste do distrito-sede, é
constituído por duas áreas, denominadas
Patrimônio do Espírito Santo e Patrimônio
Regina. O Patrimônio Regina, que nos
interessa aqui, tem esse nome por uma
homenagem feita a Regina Helena
Carneiro, filha de um fazendeiro, dono de
grande parte das terras que hoje formam o
Patrimônio. Após a posse dessas terras, a
família inaugurou a Fazenda Seara, por
volta dos anos 1940, que reunia em torno
de si cerca de 60 famílias. Antes disso, o
local chamava-se Três Bocas, em
referência ao rio Três Bocas, que passa ali
por perto (Bailão, 2019).
O desenvolvimento dos dois distritos
deu-se fortemente vinculado à cafeicultura.
Em 1975, ocorreu uma geada que destruiu
os cafezais de toda a região. Assim, muitas
pessoas que viviam no Patrimônio Regina
migraram para a cidade, fazendo com que
essa população diminuísse drasticamente.
O mesmo aconteceu com o Distrito de
Warta, que teve a produção de café
substituída por outras, com trabalho
mecanizado, em especial, trigo e soja. De
acordo com França et al. (2016),
atualmente, 57,99% da área rural são
ocupados pelas culturas de soja, trigo,
aveia e milho.
Conforme apresenta Manaia (2009),
em 1970, a população rural de Warta era
de 4760 habitantes e urbana de 412; em
1980, a população rural passou para 956 e
a urbana para 357; já em 2000, a população
rural passou a 565 e urbana para 932.
Houve uma migração inicial para a sede do
município de Londrina, nas décadas de
1970 e 1980, e um posterior retorno de
parte dos habitantes para o distrito, devido
à diferença no custo de vida, às condições
de segurança e à facilidade de
deslocamento entre uma área e outra
(Manaia, 2009).
A área total do Distrito de Warta é de
2.773 ha, sendo 20 ha ocupados por sua
sede e o restante pela área rural. Na zona
urbana, as residências ocupam 62% da
área, o comércio e a prestação de serviço
ocupam 1% e os lotes mistos (residência e
comércio ou serviço) representam 5% o
que demonstra uma predominância de
pequenos estabelecimentos comerciais e
prestadores de serviços (França et al.,
2016).
Comércios que existiam na década
de 1970 no Patrimônio Regina, como
açougue e farmácia, não existem mais.
Hoje, basicamente apenas dois
comércios, chamados de “boteco” pelos
moradores. A geada fez com que aqueles
que plantavam café retirassem o que havia
sobrado, para poder plantar milho, soja e
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trigo posteriormente. À época, a maioria
das terras pertencia a poucas famílias,
constituindo grandes fazendas, como a
Fazenda Seara e a Fazenda Santa Helena.
Atualmente, diversas pequenas
propriedades na região, mas os agricultores
frequentemente arrendam suas terras para
os grandes proprietários, que possuem
maquinário, como tratores, plantadeiras,
colheitadeiras, caminhões, pois não têm
condições econômicas para investir na
agricultura e sobreviver a partir dela.
Assim, boa parte da agricultura na região
próxima ao Patrimônio Regina é
comandada por três famílias de grandes
proprietários, que produzem em toda essa
área (Bailão, 2019).
No ano de 1994, foi realizado um
plebiscito para definir qual seria o nome do
novo distrito formado pela união do
Patrimônio do Espírito Santo e do
Patrimônio Regina que poderia ser
“Espírito Santo” ou “Regina”, ficando a
decisão a ser tomada pela população. Por
uma diferença de apenas cinco votos,
ganhou a primeira opção. Foi então que,
em 20 de julho de 1994, por meio da Lei
Municipal 5842, ficou oficialmente
criado o Distrito de Espírito Santo (Bailão,
2019). Consequentemente, parte da área do
Patrimônio do Espírito Santo ficou sendo
chamada de sede do distrito e, então,
considerada área urbana e o restante do
Distrito, incluindo todo o Patrimônio
Regina, considerado rural em
cumprimento ao Decreto-lei 311, de
1938.
Ao olharmos para a educação
oferecida em áreas rurais do município de
Londrina ou em seus distritos
(essencialmente rurais), temos a seguinte
situação: de acordo com a Secretaria de
Estado de Educação do Paraná
iii
, apenas
duas escolas estaduais localizadas na zona
rural do município enquanto, em
contraposição, 71 escolas estaduais em
áreas urbanas. Por outro lado, a Secretaria
Municipal de Educação de Londrina
considera todas as 13 escolas municipais
localizadas em distritos,
independentemente de estarem em zona
urbana ou rural, como “escolas rurais”
iv
.
Dentre as únicas duas escolas da rede
estadual em área rural, uma delas é o
Colégio Estadual do Patrimônio Regina, no
Distrito de Espírito Santo. Como
apresentamos anteriormente, isso se deve
ao plebiscito que determinou a sede do
distrito, considerada urbana, e o restante,
como sendo área rural. Notamos que todas
as outras escolas localizadas nos distritos,
por estarem em suas sedes, são
consideradas escolas urbanas por mais
que isto esteja distante da realidade (rural)
desses locais. Haveria a possibilidade de
que essas escolas fossem reconhecidas,
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pelo governo estadual, como “rurais” ou
“do campo”, apesar de situadas em zona
urbana. Em diversos municípios, isso
acontece; porém, no município de
Londrina, não.
Chegamos, inclusive, a ter uma
situação extrema: uma escola municipal
dividindo o mesmo prédio com uma escola
estadual, sendo a primeira considerada
rural; e a segunda, urbana. Isso acontecia
no Distrito de Warta, com a Escola
Municipal Edmundo Odebrecht e o
Colégio Estadual da Warta, até fevereiro
de 2020 quando a escola municipal
ganhou prédio próprio, a poucos metros de
distância da anterior. Assim, em vários
desses distritos, poucos metros separam o
rural do urbano, representados pelas
escolas municipais e estaduais,
respectivamente.
Desse modo, na seção seguinte,
discutiremos algumas implicações dessas
decisões arbitrárias em políticas públicas e
pedagógicas.
Problematização
A proposta desta pesquisa foi realizar
uma problematização, com base na
literatura revisada e na legislação em vigor.
Iniciamos com uma problematização
referente ao financiamento da Educação. O
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento
da Educação Básica e de Valorização dos
Profissionais da Educação (Fundeb),
instituído pela Lei 11.494, de 20 de
julho de 2007, tem papel central, para
muitos municípios e estados brasileiros, na
garantia do financiamento da Educação. A
partir de um valor mínimo instituído por
aluno, a depender da arrecadação
municipal e estadual (de impostos
previamente definidos), o governo federal
pode complementar os recursos, para que,
assim, haja, no país, uma distribuição mais
igualitária da verba destinada à Educação.
Não temos como objetivo, neste texto,
aprofundar nessa temática, abordando as
fragilidades e potencialidades do Fundeb,
mas queremos colocar luz no problema
decorrente da definição de rural e urbana
das escolas municipais e estaduais.
A Lei 11.494 estabelece, em seu
artigo 36, valores de referência anuais por
aluno diferentes, dependendo do nível, da
modalidade de ensino e de sua localização.
O que nos interessa, aqui, é apenas
apresentar as diferenças de valores para o
ensino “no campo” e “urbano” esses são
os termos utilizados, que também
abordaremos na sequência.
Enquanto os anos iniciais do Ensino
Fundamental urbano têm ponderação
v
de 1,
esse mesmo nível no campo tem
ponderação de 1,05; os anos finais do
Ensino Fundamental urbano de 1,10 e, no
campo, de 1,15; e, por fim, o Ensino
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Médio urbano tem ponderação de 1,20 e,
no campo, de 1,25 (Lei nº 11.494, 2007).
Assim, o Fundeb garante
financiamento maior para alunos
matriculados em escolas “no campo”, com
vistas a diminuir desigualdades históricas.
Uma primeira questão que se coloca é: o
que é uma escola “no campo”? A
legislação que aborda a tipologia das
divisões territoriais dos municípios (o
Decreto-lei 311, de 1938) utiliza os
termos urbano e rural e, adicionalmente,
cidade e vila, para fazer referência às áreas
urbanas do distrito-sede e demais distritos
do município, respectivamente. Por outro
lado, a legislação educacional mais recente
utiliza a expressão “do campo”, desde
2002 (Resolução do Conselho Nacional de
Educação 1, 2002), justamente por
tentar superar a divisão entre urbano e rural
dos municípios e vincular-se outros
aspectos territoriais (Gohn, 2008). Como
interpretar, então, a expressão “no campo”
utilizada pelo Fundeb? A contração “no”
faria uma indicação de localização,
equivalendo-se à ideia de zona rural, ou
seria apenas uma outra forma de dizer “do
campo”, respeitando as diretrizes da
Educação do Campo (Resolução do
Conselho Nacional de Educação 1,
2002, Resolução do Conselho Nacional de
Educação 2, 2008)? A quem cabe essa
definição: ao município ou à gestão escolar
municipal ou estadual?
Supondo que caiba à gestão escolar
municipal ou estadual essa definição,
havendo a possibilidade de uma escola em
área urbana ser considerada “no campo”,
qual o interesse em fazê-lo assim, no que
se refere ao financiamento garantido pelo
Fundeb? À primeira vista, parece ser
interessante, pois isso garantiria valores
maiores para alunos dessa escola; porém, é
importante lembrar que o financiamento se
faz, inicialmente, pelo próprio município
e/ou estado. Apenas nos casos em que a
arrecadação não supre os valores
estabelecidos, há a complementação pela
União.
Assim, um município com baixa
arrecadação de impostos, em um estado na
mesma situação pode necessitar dessa
complementação. Desse modo, parece
interessante à gestão nomear a escola como
sendo “no campo”. Por outro lado, em um
município com alta arrecadação de
impostos, essa definição acarretaria um
compromisso de gasto com essa escola o
que pode não ser de interesse do governo
municipal e/ou estadual. Vemos, portanto,
que essa abertura de possibilidade de
definição (entre “no campo” e urbano)
implica em consequências financeiras, que
podem esbarrar em interesses específicos
dos governos municipais e estaduais.
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Seguimos problematizando a
delimitação entre rural e urbano a partir de
algumas políticas públicas específicas para
a educação do campo.
Instituído formalmente no ano de
2013, o Programa Nacional de Educação
do Campo (Pronacampo) reuniu várias
ações, antes dispersas, referentes à
educação do campo. É bem verdade que,
nos últimos anos, após as graves mudanças
na política nacional, essas ações têm
minguado. Porém, antes disso, o
Pronacampo, estruturado em quatro eixos
(Gestão e Práticas Pedagógicas; Formação
Inicial e Continuada de Professores;
Educação de Jovens e Adultos e Educação
Profissional; e Infraestrutura Física e
Tecnológica), teve importante atuação
nacional, em várias frentes.
Um exemplo é o Programa Nacional
do Livro Didático direcionado para escolas
do campo, conhecido como PNLD Campo.
A primeira edição, em 2012, destinou-se à
escolha de livros didáticos para os anos de
2013 a 2015 e a segunda, em 2015, para os
anos de 2016 a 2018. Os livros eram
referentes aos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Também não cabe aqui uma
discussão sobre a qualidade dos livros que
compuseram o PNLD Campo, mas realizar
uma problematização das possibilidades
educacionais decorrentes de delimitações
arbitrárias entre rural e urbano.
Para participar desses editais, as
escolas deveriam “estar situadas ou manter
turmas anexas em áreas rurais” (Resolução
do Fundo Nacional de Desenvolvimento da
Educação 40, 2011). Desse modo,
escolas que tenham características
identitárias que poderiam torná-las “do
campo”, não poderiam receber livros
didáticos apropriados a essa realidade.
Imaginemos a seguinte situação:
professores e gestores de uma escola,
localizada em área determinada como
urbana, compreendem a importância de
adotar um material didático que valorize
saberes próprios da comunidade em que
estão. Nesse sentido, eles realizam ações
pedagógicas com o intuito de conhecer
quem são os estudantes, suas práticas, os
saberes familiares, as referências laborais,
as lutas, as dificuldades e os anseios que
perfazem o coletivo que compõe o entorno
escolar. Percebem, então, que os livros
didáticos utilizados até aquele momento
não contribuem com as propostas
pedagógicas por eles desenhadas. Ao
conhecerem o PNLD Campo, vislumbram
uma possibilidade de maior adequação do
material àquilo que planejaram para suas
práticas. Mas, pelo simples fato de a escola
estar situada em uma área dita urbana, não
poderiam sequer solicitar esse material.
Ainda no âmbito do Pronacampo, foi
instituído o Programa de Apoio à
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Formação Superior em Licenciatura em
Educação do Campo (Procampo), que
objetivou a formação profissional
adequada e a formação continuada dos
profissionais, que atuam ou possam vir a
atuar nos anos finais do Ensino
Fundamental e no Ensino Médio, em
escolas do campo.
Tomemos como exemplo o primeiro
edital, lançado no ano de 2009, de
convocação das instituições de ensino
superior para criação de cursos de
Licenciatura em Educação do Campo:
Para fins deste edital, as propostas de
projetos de cursos de licenciatura
específicos para a formação de
professores para a docência nos anos
finais do ensino fundamental e ensino
médio para atuarem nas escolas do
campo, deverá se destinar àqueles
que tenha concluído o ensino médio e
não possuam formação superior:
Professores em exercício nos
sistemas públicos de ensino que
atuam nas escolas rurais e não tem
habilitação legal para a função
(Licenciatura);
Educadores que têm experiência
e/ou atuam em educação do campo;
Jovens e adultos das comunidades
do campo (Edital de Convocação da
Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade 09,
2009).
Podemos perceber que termos
distintos como “escolas rurais”, “educação
do campo” e “comunidades do campo”;
assim, parece não haver uma restrição para
participação apenas de candidatos
residentes na zona rural ou que atuam ou
atuaram em escolas localizadas em zona
rural.
A partir desse edital, as instituições
contempladas criaram seus próprios
processos seletivos para preenchimento das
vagas oferecidas. Pensemos, então, em
uma situação fictícia, mas possível de
acontecer. Uma determinada instituição,
contemplada pelo edital, abriu o curso de
Licenciatura em Educação do Campo, com
alguma habilitação específica digamos,
em Matemática, para exemplificar (mas
poderia ser qualquer outra).
Na organização do seu processo
seletivo, estabeleceu uma primeira fase de
entrega de documentos e outra de
realização de uma prova (algo como um
vestibular). Nessa primeira fase, era
necessário ao candidato entregar algo que
comprovasse sua atuação ou experiência
em escolas do campo ou sua residência em
comunidades do campo.
Um professor, sem formação em
licenciatura, muitos anos responsável
pela disciplina de Matemática nos anos
finais do Ensino Fundamental, que atua em
uma escola localizada na área urbana de
um distrito (poderia ser do Distrito de
Warta exemplificado anteriormente, ou
qualquer outro), entende a importância de
realizar um curso de formação inicial e se
interessa em candidatar-se para este curso
de Licenciatura em Educação do Campo. A
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ausência de profissionais com a formação
necessária torna possível que pessoas como
ele assumam essas aulas em diversas
escolas, especialmente em pequenos
municípios, distritos e no interior do país.
Ele, então, pede à secretaria da
escola em que trabalha um comprovante de
sua atuação, que emite uma declaração.
Assim, ele faz sua inscrição e aguarda o
resultado da primeira fase da seleção.
Quando sai o resultado, percebe que sua
inscrição foi indeferida por não cumprir os
requisitos exigidos em edital afinal, no
documento enviado, não havia referência
alguma de que a escola seja rural ou “do
campo”. O que ele pode fazer? Recorrer?
Com qual justificativa? O nome da escola,
a sua localização e, também, seu projeto
político-pedagógico não comprovam o que
ele percebe ao conversar com os estudantes
e seus familiares que a comunidade tem
diversas características que poderiam
classificá-la como rural.
Assim, a esse professor fecha-se uma
possibilidade de formação, que leve em
conta seu contexto de atuação. Ele poderia
ser um professor de Matemática, com a
formação legal exigida, mas, mais que isso,
com uma formação inicial que aborde
temas políticos, econômicos, sociológicos,
agrários e específicos do ensino de
Matemática na educação do campo.
Esses são alguns exemplos de muitas
possíveis implicações que as decisões
arbitrárias e administrativas dos
municípios podem ter em políticas públicas
e ações pedagógicas.
Algumas considerações
Diante do exposto, com base na
literatura referente a diferentes formas de
definição de territórios urbanos e rurais, na
legislação específica vigente para a
educação do campo e em casos específicos,
problematizamos as implicações que essas
decisões têm em políticas públicas e ações
pedagógicas. Listamos diversas situações
possíveis de acontecerem e problemas
delas decorrentes.
Cientes de que tal situação não
possui solução simples, indicamos a
necessidade de repensar estratégias de
delimitação de áreas urbanas e rurais
dicotômicas e arbitrárias (por parte de
administradores dos municípios, como
acontece atualmente no país). Experiências
internacionais e propostas sugeridas por
vários pesquisadores ou pelo próprio IBGE
podem contribuir para a superação de um
modelo ineficiente em termos territoriais
(e, também, políticos, econômicos, sociais,
culturais etc.) e que induz a erros e
consequências não desejáveis, como
apresentados por exemplo, com relação a
políticas públicas e ações pedagógicas.
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Especificamente no que tange à
educação do campo, sublinhamos a
importância de políticas públicas que
levem em consideração o contexto e que
não sejam limitantes a espaços ou escolas
que tenham a denominação rural ou “do
campo”. Tais políticas devem abranger
territórios que se constituem, por suas
características sociais, históricas, culturais
e econômicas, como rurais no sentido
mais amplo do termo , valorizando-os e
possibilitando desenvolvimentos distintos
dos que são vistos em contextos urbanos.
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i
O Censo Demográfico de 2020 foi adiado para o
ano de 2021, em razão da pandemia de Covid-19.
Em 23 de abril de 2021, foi noticiado pelo
Ministério da Economia que a pesquisa foi adiada
para 2022, por não haver previsão orçamentária
para sua realização.
ii
Este parágrafo único, que utiliza a expressão
“escola do campo”, foi adicionado à LDB pela Lei
12.960, de 27 de março de 2014.
iii
Consulta pelo site da Secretaria de Estado de
Educação do Paraná. Recuperado de:
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25
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nteudo.php?conteudo=538.
iv
Consulta pelo site da Secretaria Municipal de
Educação de Londrina. Recuperado de:
http://repositorio.londrina.pr.gov.br/index.php/men
u-educacao/unidades-escolares/224-escolas-
rurais/file.
v
De acordo com a Lei 11.494, de 20 de julho de
2007, “a ponderação entre diferentes etapas,
modalidades e tipos de estabelecimento de ensino
adotará como referência o fator 1 (um) para os anos
iniciais do ensino fundamental urbano”.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 10/10/2020
Aprovado em: 24/11/2020
Publicado em: 28/04/2021
Received on October 10th, 2020
Accepted on November 24th, 2020
Published on April, 28th, 2021
Contribuições no Artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
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No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Sachs, L., Bailão, T. M., & Carvalho, D. F. (2021).
Problematizações sobre a delimitação entre rural e urbano
e suas implicações na educação. Rev. Bras. Educ. Camp.,
6, e9057. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10709
ABNT
SACHS, L.; BAILÃO, T. M.; CARVALHO, D. F.
Problematizações sobre a delimitação entre rural e urbano
e suas implicações na educação. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 6, e9057, 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10709