Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10826
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10826
10.20873/uft.rbec.e10826
2020
ISSN: 2525-4863
1
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A Universidade Federal da Fronteira Sul no cenário
brasileiro: notas a partir de Darcy Ribeiro
Dionei Ruã dos Santos
1
, Sidinei Pithan da Silva
2
, Maria Cristina Pansera de Araújo
3
1
Universidade Federal da Fronteira Sul - UFFS. Ensino de Física. ERS 135 - Km 72, 200, Cx Postal 764. Erechim - RS. Brasil.
2, 3
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Unijuí.
Autor para correspondência/Author for correspondence: dionei.santos@uffs.edu.br
RESUMO. O artigo analisa os ideais fundantes de
universidades influenciadas diretamente por Darcy Ribeiro bem
como seus livros e textos, objetivando diagnosticar sua presença
nas universidades da atualidade. O texto estabelece algumas
possíveis relações com o projeto da Universidade Federal da
Fronteira Sul e do curso Interdisciplinar em Educação do
Campo, apontando possíveis marcas desse autor, ao mesmo
tempo resgatando seus conceitos e atualizando-os em razão de
inéditos campos de possibilidades, especialmente no que se
refere ao ingresso e permanência, no Ensino Superior, dos povos
historicamente excluídos da sociedade, como é o caso de
indígenas e sujeitos do campo.
Palavras-chave: Educação do Campo, Projeto de Universidade,
Educação Popular.
Santos, D. R., Silva, S. P., & Araújo, M. C. P. (2020). A Universidade Federal da Fronteira Sul no cenário brasileiro: notas a
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The Universidade Federal da Fronteira Sul in the
Brazilian scenario: notes from Darcy Ribeiro
ABSTRACT. The article analyzes the founding ideals of
universities directly influenced by Darcy Ribeiro as well as his
books and texts, aiming to diagnose their presence in
universities today. The text establishes some possible relations
with the project of the Universidade Federal da Fronteira Sul
and the Interdisciplinary course in Rural Education, pointing out
possible marks of this author, at the same time rescuing his
concepts and updating them due to unprecedented fields of
possibilities, especially in the which refers to the entry and
permanence, in Higher Education, of peoples historically
excluded from society, as is the case of indigenous and rural
subjects.
Keywords: Rural Education, University Project, Popular
Education.
Santos, D. R., Silva, S. P., & Araújo, M. C. P. (2020). A Universidade Federal da Fronteira Sul no cenário brasileiro: notas a
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La Universidade Federal da Fronteira Sul en el escenario
brasileño: notas de Darcy Ribeiro
RESUMEN. El artículo analiza los ideales fundacionales de las
universidades directamente influenciadas por Darcy Ribeiro así
como sus libros y textos, con el objetivo de diagnosticar su
presencia en las universidades de hoy. El texto establece algunas
posibles relaciones con el proyecto de la Universidad Federal de
Fronteira Sul y el curso Interdisciplinario en Educación Rural,
señalando posibles marcas de este autor, al mismo tiempo
rescatando sus conceptos y actualizándolos debido a campos de
posibilidades sin precedentes, especialmente en el que se refiere
al ingreso y permanencia, en la Educación Superior, de pueblos
históricamente excluidos de la sociedad, como es el caso de los
sujetos indígenas y rurales.
Palabras clave: Educación Rural, Proyecto Universitario,
Educación Popular.
Santos, D. R., Silva, S. P., & Araújo, M. C. P. (2020). A Universidade Federal da Fronteira Sul no cenário brasileiro: notas a
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Introdução
Pensar a universidade em um país
imerso num oceano de diversidades e
pluralidades culturais, de uma gênese
miscigenada comum, que resultou em
sujeitos únicos necessitados de um
intelecto consciencial docente capaz de
atender à especificidade de um corpo
discente brasileiro, requer a capacidade de
dialogar com autores, que percorreram um
caminho de luta por escolas e
universidades públicas, que atendam às
necessidades socioeconômicas e culturais
de seu povo.
Entendemos, com base em nosso
referencial teórico histórico-cultural, que
compreender a significação social das
universidades brasileiras e, em particular, a
universidade federal em que realizamos
nossa pesquisa, é fundamental para a
construção do sentido de nossas ações
como docentes, em especial no que diz
respeito à construção dos motivos das
atividades desenvolvidas em sala de aula.
O objetivo deste artigo é analisar os
ideais fundantes das universidades
influenciadas diretamente por Darcy
Ribeiro mais especificamente a
Universidade de Brasília (UNB) bem
como seus livros e textos, no intuito de,
posteriormente, diagnosticar sua presença
nas universidades da atualidade. Para tanto,
analisamos, mais especificamente, o
projeto da Universidade Federal da
Fronteira Sul e do curso Interdisciplinar
em Educação do Campo, buscando
encontrar marcas desse autor e, ao mesmo
tempo, resgatar seus conceitos e atualizá-
los em razão de inéditos campos de
possibilidades, especialmente no que se
refere ao ingresso e permanência, no
Ensino Superior, dos povos historicamente
excluídos da sociedade, como é o caso de
indígenas e sujeitos do campo. Na
interpretação de Vasconcellos (2015, p.
41), “Darcy Ribeiro se diferencia dos
autores marxistas porque se dedicou ao
estudo do índio”. Segundo ele, quase não
haviam marxistas estudando a questão
etnológica” (Vasconcellos, 2015, p. 41).
A pesquisa desenvolve-se no
contexto da práxis docente, em um curso
de Licenciatura em Educação do Campo
Ciências da Natureza na Universidade da
Fronteira Sul (UFFS). O estudo
caracteriza-se como um ensaio,
amparando-se em uma pesquisa
bibliográfica e documental (Gil, 2002). O
enfoque metodológico, portanto, privilegia,
em sentido hermenêutico, o estudo de
algumas obras clássicas do autor estudado,
bem como a leitura de comentadores de
Darcy Ribeiro. Também se dedica a
investigar alguns documentos centrais que
ajudam a caracterizar o cenário de
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emergência da UNB, da UFFS e da
Licenciatura em Educação do Campo.
O texto que integra o estudo está
organizado em três partes, como estratégia
de sustentação teórica para argumentar
acerca da pertinência das contribuições de
Darcy Ribeiro para pensar a Universidade
no Brasil, bem como para pensar os
desafios de refletir sobre a Educação do
Campo no contexto universitário. Na
primeira resgatamos as significações sobre
a ideia de Universidade Necessária” ao
Brasil em Darcy Ribeiro. Na segunda
discutimos algumas possíveis relações
entre os escritos de Darcy Ribeiro e a
gênese da Universidade da Fronteira Sul
(UFFS), buscando situar o curso
interdisciplinar em Educação do Campo. E,
na terceira, analisamos os desafios
colocados à prática pedagógica no Curso
Interdisciplinar em Educação do Campo
(Ciências da Natureza) da UFFS.
Apresentamos e analisamos,
inicialmente, alguns aspectos do projeto da
UNB, o qual expressa a mentalidade
utópica de um grupo intelectual acerca de
um projeto acadêmico, educacional,
arquitetônico e social, por isso chamado de
“Universidade Necessária” (Ribeiro,
1969), que propunha o apurado
investimento no desenvolvimento
científico, numa estrutura original,
nacional e autônoma, em que as ciências
pudessem dialogar entre si, bem como o
saber e o fazer se reencontrassem
efetivamente, rumo à constituição de um
povo e de uma nação soberana. Uma nação
que exige uma “universidade de verdade”,
expressa Ribeiro em seu discurso
Universidade para quê? , a qual permita
“dominar todo o saber humano”,
possibilitando “o convívio do matemático
com o antropólogo, do veterinário com o
economista, do geógrafo com o
astrônomo”, gerando um “centro nacional
de criatividade científica e cultural”
(Ribeiro, 2018, p. 106).
Darcy Ribeiro e a universidade
necessária ao Brasil
Encontramos em Darcy Ribeiro um
referencial icônico, expressivo e eficaz
para alavancar as reflexões sobre as
universidades no Brasil. Objetivamos
alicerçar a discussão sobre a universidade
brasileira em Darcy Ribeiro, um autor que
conduz a pensar o Brasil de maneira
original, de percebê-lo a partir do interior,
diferentemente das perspectivas desde o
litoral voltadas para o exterior. Ainda,
pensar uma universidade para o seu povo,
que contribua na resolução de problemas
econômicos e sociais de uma população
miscigenada de negros, brancos e
indígenas, que se formou sob anos de
exploração (Ribeiro, 1995).
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O contexto de incertezas em que
vivemos acerca dos rumos do nosso país,
como bem expressa Lilia Moritz Schwarcz
(2019) em seu livro intitulado Sobre o
autoritarismo brasileiro, tornam
fundamentais as obras deste autor, que
interpreta o Brasil a partir das
particularidades de sua formação
econômica, social e cultural. Entendemos
que os problemas listados por Schwarcz
(2019) em relação ao autoritarismo
brasileiro, tais como “o mito da
democracia racial”, e o “ódio ao diferente”,
podem também ser interpretados a partir da
obra de Ribeiro (1995). Além da carreira
de professor, pesquisador e escritor, Darcy
Ribeiro contribuiu significativamente para
a construção de novas universidades, que,
geralmente, tinham o objetivo de
germinarem mudanças, criando um modelo
universitário original, como a fundação da
“Universidade de Brasília e a Universidade
Estadual do Norte Fluminense (UENF), e,
no exílio, com a Universidade Nacional da
Costa-Rica e a Universidade de Argel”
(Gomes, 2005, p. 66).
Na visão de Ferraz e Santos (2014, p.
325), Darcy Ribeiro “fez parte de uma
geração de intelectuais e artistas que
acreditava firmemente ser possível
construir um projeto cultural abrangente
para o Brasil e para a América Latina”.
Helena Bomeny (2001), por sua vez, ao
escrever a obra Darcy Ribeiro: sociologia
de um indisciplinado, o compreende no
sentido nada convencional de uma
cidadania mineira, de um padrão de
ciências sociais e, mesmo, de um ideal de
pedagogia. Segundo ela, Darcy Ribeiro,
tornou-se um intelectual indisciplinado na
agenda pública brasileira, perseguindo, por
40 anos, uma intervenção na política
educacional em sintonia com os princípios
do movimento da Escola Nova, dado sua
proximidade com Anísio Teixeira. Essa
condição nos permite compreender o
entusiasmo de Darcy Ribeiro pela
educação e pelo valor da Escola e da
Universidade, bem como seu apreço pela
democracia. Em suas palavras, a autora
assim o define: “Darcy Ribeiro, o
pedagogo indisciplinado, foi, a meu ver, o
último membro da Escola Nova no Brasil”
(Bomeny, 2001, p. 26). O estudo de Lôbo,
Vogas e Torres (2008), nominado de
Darcy Ribeiro: o brasileiro, expressa bem
as relações entre Anísio Teixeira e Darcy
Ribeiro em sua luta pela escola pública
desde meados da década de 50 do século
20, e sua posterior colaboração no Instituto
Nacional de Pesquisa Educacionais (Inep)
durante o governo de Juscelino
Kubitschek, e mesmo a entrega do
“ambicioso projeto da Universidade de
Brasília” para o então presidente (Lôbo,
Vogas & Torres, 2008, p. 48).
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Em sua obra A universidade
necessária, escrita durante seu período no
exílio no Uruguai, Darcy Ribeiro (1969)
posicionou-se contra a mera modernização
reflexiva da Universidade. Conferia ele um
traço de autonomia universitária
condizente com um projeto de nação, o
qual era necessário para poder
“transformar a própria sociedade”, gerando
“a condição de um povo para si, dono do
comando de seu destino e disposto a
integrar-se na civilização emergente como
uma nação autônoma” (Ribeiro, 1969, p.
10). Na verdade, a escritura do livro
denuncia os interesses minoritários de uma
classe dominante que impôs seus interesses
em detrimento da população total. Em sua
versão, esta nova consciência crítica é a
que nos leva a ver o existente como não
natural, e abrir para uma nova
possibilidade de pensar e transformar o
Brasil (Ribeiro, 1969).
No retorno de seu exílio ao Brasil, e
devotado inicialmente à educação básica,
Darcy Ribeiro ainda dedicou-se à
construção da Universidade Estadual do
Norte Fluminense (Uenf), voltada para um
novo humanismo, compatível com a
sociedade tecnológica, a Universidade do
Terceiro Milênio, segundo o que consta no
seu plano orientador. Esta instituição foi
organizada com uma estrutura múltipla,
composta de centros integrados de ciências
básicas, centros experimentais de
tecnologia, centros complementares e um
parque tecnológico.
De acordo com o plano original, os
centros integrados compunham-se de 26
laboratórios, que visavam a possibilitar o
estudo para aprender a aprender. Os
programas objetivavam combinar, desde o
início, conhecimentos acadêmicos com
habilidades práticas. Os currículos
incluíam um ciclo básico e outro
profissional. O primeiro era composto de
matérias de formação geral e treinamento
pré-vocacional, associadas a matérias
inovadoras para ampliar a formação
humanística. Os estudantes deveriam
participar de, pelo menos, dois seminários,
um sobre questões e problemas brasileiros
e outro sobre teorias da sociedade e cultura
(Gomes, 2005).
Ao escrever O povo brasileiro: a
formação e o sentido do Brasil, Darcy
Ribeiro deixa clara a marca deste povo,
distinta de todos os outros, carente de uma
educação pensada nesse contexto.
Somos povos novos ainda na luta
para nos fazermos a nós mesmos
como um gênero humano novo que
nunca existiu antes. Tarefa muito
mais difícil e penosa, mas também
muito mais bela e desafiante. Na
verdade das coisas, o que somos é
uma nova Roma. Uma Roma tardia e
tropical (Ribeiro, 1995, p. 454).
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A preocupação era propor uma
universidade planejada pelo povo
brasileiro e para o povo brasileiro, não
mais influenciada por países do exterior de
forma descontextualizada, pois carecíamos
de uma educação que falasse ao interior do
Brasil, a uma massa social formada por
séculos de exploração, num país que era
um grande “moinho de moer gente”.¹
Estamos nos construindo na luta para
florescer amanhã como uma nova
civilização, mestiça e tropical,
orgulhosa de si mesma. Mais alegre,
porque mais sofrida. Melhor, porque
incorpora em si mais humanidades.
Mais generosa, porque aberta à
convivência com todas as raças e
todas as culturas e porque assentada
na mais bela e luminosa província da
terra (Ribeiro, 1995, p. 455).
Vale lembrar o contexto em que
operava Darcy Ribeiro: um ambiente
político intelectualmente muito fervilhante.
Diversos setores organizados da sociedade
brasileira apontavam a possibilidade de um
desenvolvimento autopropelido da nação
brasileira. “Ou seja, um desenvolvimento
que não estivesse marcado pela
heteronomia de relações assimétricas do
país com a economia mundial” (Leher,
2017, p. 148). Este movimento político-
intelectual não foi historicamente pontual,
pois repercute, nas universidades, em
diversos movimentos posteriores, com as
mesmas reivindicações, agora
recontextualizadas.
Darcy Ribeiro publica em 1962,
numa edição especial patrocinada pelo
Ministério da Educação e Cultura, cerca de
um ano após a Lei nº 3.998 que autorizou o
Poder Executivo a instituir a Fundação
Universidade de Brasília, um livro
contendo o projeto de organização da nova
universidade e os pronunciamentos de
educadores e cientistas sobre o texto da
lei.
2
Para Darcy Ribeiro (2011), o Brasil
não tinha uma verdadeira tradição
universitária a defender e preservar, porque
a universidade brasileira, a rigor,
“diferentemente do que ocorrera em outros
países das Américas nos quais elas foram
criadas desde o século XVI, somente em
1920, no século XX, foi instituída”
(Almeida Júnior, 2011, p. 7). Esta, como as
que se seguiram, originou-se da
congregação nominal de escolas
preexistentes, constituindo-se como
reitoria montada para serviços
centralizados de orçamento e
administração, para atos solenes de
“abertura e encerramento do ano letivo e
para o debate, ainda tímido, sobre a
inviabilidade da própria estrutura e a
necessidade de proceder-se a reforma
universitária” (Ribeiro, 2011, p. 11).
Seria, talvez, mais apropriado dizer
instauração que reforma. Tão pouco
de universidade em nosso ensino
superior. Nossa tradição é de escolas
independentes, eriçadamente
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defensoras de sua autonomia,
organizadas para receber alunos
graduados no curso secundário e
segregá-los para ministrar-lhes
preparo profissional em algumas
poucas modalidades de formação,
autorizadas por uma legislação
formalística e gida (Ribeiro, 2011,
p. 12).
A tarefa de projetar a UnB, segundo
Darcy Ribeiro (2011), propunha o desafio
de construir a “universidade necessária”,
que significava reconhecer que Brasília,
uma cidade criada no centro do país, onde
foi instalado o governo da república,
inevitavelmente necessitaria de uma
universidade como núcleo cultural, que
tivesse, conforme Darcy (2011, p. 18), “o
inteiro domínio do saber humano e que o
cultive não como um ato de fruição ou de
vaidade acadêmica, mas com o objetivo de,
montada nesse saber, pensar o Brasil como
problema”.
Não se trata de saber se convém ou
não criar mais uma universidade,
nem de examinar a capacidade de
recuperação das nossas escolas
superiores, mas de reconhecer que,
constituindo-se uma cidade no centro
do país e nela instalando o Governo
da República, se tornou inevitável a
instituição ali de um núcleo cultural e
que não pode faltar uma universidade
(Ribeiro, 2011, p. 18).
De acordo com Darcy Ribeiro, a
“universidade necessária” era uma
universidade brasileira voltada para
problemáticas do Brasil, de interesse de
seu povo. Estes ideais balizaram a criação
da UnB, cujo projeto propunha uma
universidade projetada “nas mesmas bases
dos centros de ensino e pesquisa que estão
revolucionando o mundo moderno”
(Ribeiro, 2011, p. 19).
No livro Universidade de Brasília, o
próprio Darcy Ribeiro expõe o projeto de
organização da UnB, mas, para aferir o
alcance desse projeto, ele traz para a
publicação pronunciamentos de vários
educadores que haviam se manifestado
sobre a proposta, constituindo fonte de
melhor compreensão e acolhimento que ela
recebeu por parte da inteligência brasileira
da época. Para nosso propósito de
encontrar vestígios dessas ideias, e até
mesmo presenças substanciais nas
universidades brasileiras criadas no
decorrer dos anos posteriores, como a
UFFS, por exemplo, estes se tornam
depoimentos preciosos. Assinaram esses
depoimentos: Almeida Júnior, Jayme
Abreu, Florestan Fernandes, Milton da
Silva Rodrigues, Anísio Teixeira, Jairo
Ramos, Fernando Henrique Cardoso,
Leopoldo Nachbin, José Leite Lopes,
Celso Furtado, Paulo Sawaya, Maria
Yedda Leite Linhares, Oracy Nogueira,
Oswaldo Gusmão, Walter Oswaldo Cruz e
Jacques Danon.³
O professor Almeida Júnior
4
refere-
se ao trabalho de Darcy Ribeiro, ao
projetar a UnB, como o trabalho de um
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líder, como um ilustre renovador, que
procura pôr abaixo tudo quanto nessa área
mal cuidada existe no país ainda antes de
construir o novo. Na análise das condições
presentes, apenas existia a possibilidade de
uma “universidade nova”, convindo a falar
em “instauração” e não em “reforma”. O
professor afirma concordar em quase tudo
com Darcy Ribeiro, apontando, no
depoimento, principalmente, a visão que
difere da sua sobre a instituição da
cátedra.
Os males que Darcy Ribeiro
enumera, e que de fato infelicitam
certos setores de nosso ensino
superior, residem muito menos na
instituição da cátedra do que na
personalidade de uns tantos
catedráticos (que não cultivam
devidamente o seu lote de terreno) e
também na inércia dos órgãos que
fecham os olhos aos abusos (Almeida
Júnior, 2011, p. 76).
Referente ao currículo do sistema em
vigor, o professor Almeida Júnior (2011)
destaca que o “arquiteto da Universidade
de Brasília” (referindo-se a Darcy Ribeiro)
formula duas críticas: a imposição de
padrões idênticos para cada categoria
profissional e a rigidez dos currículos
normais, que impedem combinações
curriculares adequadas às novas profissões.
Para Almeida Júnior (2011), as críticas
procedem, mas até certo ponto.
de uns anos a esta parte, graças à
nova jurisprudência do Conselho
Nacional de Educação, tem havido
afrouxamento no respeito sagrado
aos velhos padrões ... (como se pode
ver em relação a certas escolas
médicas por exemplo). De outro lado,
nada impede (salvo a falta de verba)
que os institutos de ensino superior
façam funcionar cursos pós-
graduados de especialização; mesmo
porque os certificados que lhes
correspondem não conferem novos
direitos aos respectivos titulares e,
assim, independem do registro
(Almeida Júnior, 2011, p. 77).
De outra parte, o depoimento do
professor Jaime Abreu
5
é um discurso
entusiasta com a nova universidade e a
possibilidade de debater-se a estrutura
organizatória mais própria a essa
universidade, discutindo quais princípios
devem regê-la e incorporando à básica
consideração dos aspectos brasileiros as
necessárias conexões com modelos
universitários outros da cultura universal.
O autor indaga: Que rumos tomará a nova
Universidade de Brasília, nessa
encruzilhada crucial de sua instituição,
onde haverá inevitável balizamento de
diretrizes? Aproximar-se mais do
tradicional modelo ocidental europeu ou
buscará inspirações razoáveis no novo
modelo americano? Incorporará o que de
melhor houver em um e em outro em
relação à problemática nacional brasileira?
Recebendo inicialmente e largamente
a contribuição cultural européia, ao
reconstruí-la no seu novo mundo,
constituiu objetivo deliberado da
educação americana “deseuropeizar”
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os novos cidadãos de provindos,
em relação a velhos moldes culturais
de origem, para enculturá-los no
novo mundo em processo de
formação (Almeida Júnior, 2011, p.
85).
Jaime Abreu conclui seu depoimento
declarando que todo seu pensamento
desejoso, em torno da nova Universidade,
abarca o pensar e repensar sua missão e
sua tarefa. Em outras palavras, a
Universidade deveria estar à altura de
efetivamente materializar as “sérias
responsabilidades que lhe cabem, como diz
Anísio Teixeira (A universidade e a
liberdade humana): na redireção da vida
social, no sentido da formação democrática
e moderna da cultura brasileira” (Almeida
Júnior, 2011, p. 88).
Buscando compreender como estas
ideias encontram-se hoje materializadas
nas universidades criadas mais
recentemente, e com o intento de localizar
a influência desse movimento intelectual,
que originou a Universidade de Brasília,
nas universidades que seguiram sendo
criadas, é que analisamos o projeto da
Universidade Federal da Fronteira Sul.
Darcy Ribeiro e a gênese da
Universidade Federal da Fronteira Sul e
do curso Interdisciplinar em Educação
do Campo
Ao adentrar o século 21, organismos
sociais dos três Estados do sul do Brasil
(Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do
Sul), que buscavam a construção de uma
universidade diferente, conquistaram a
Universidade Federal da Fronteira Sul
(UFFS), com o desafio de pensar uma
universidade pública e popular que
contribuísse para a redução da defasagem
educacional histórica em um país
constituído por séculos de exploração de
seu povo (UFFS, 2010a).
Para fazer frente a esses desafios, o
movimento Pró-Universidade
apostou na construção de uma
instituição de ensino superior distinta
das experiências existentes na região.
Por um lado, o caráter público e
gratuito a diferencia das demais
instituições da região, privadas ou
comunitárias, sustentadas na
cobrança de mensalidades. Por outro
lado, essa proposta entendia que para
fazer frente aos desafios encontrados,
era preciso mais do que uma
universidade pública, era necessário a
construção de uma universidade
pública e popular (UFFS, 2010a, pp.
12-13).
Segundo o documento consultado
(UFFS, 2010a), foi por meio do Programa
Universidade para Todos (Prouni), do
Programa de Apoio a Planos de
Reestruturação e Expansão das
Universidades Federais (Reuni) e do
Programa de Interiorização do Ensino
Superior do MEC, que foi possível a
proposição de projetos relativamente
ousados por uma universidade de
qualidade e, ao mesmo tempo, ao alcance
de todos, sobretudo daqueles públicos
historicamente excluídos.
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No processo de luta pela criação da
UFFS, formaram-se coordenações
interestaduais que desenvolveram debates
em forma de seminários, reuniões,
palestras, mobilizações e passeatas,
envolvendo os vários setores da sociedade
em diversos níveis, fazendo crítica à
universidade convencional e tradicional,
que, normalmente, reproduz e mantém o
sistema de exclusão presente na sociedade
atual. Criticando e buscando alternativas
ante a esses padrões que fortalecem setores
dominantes desta sociedade, que negam
acesso ao conhecimento e espaço às
camadas mais empobrecidas, a proposta
dessa nova universidade balizava-se em
uma compreensão democrática,
humanizadora, contextualizada na
realidade local, comprometida com a
justiça social e capaz de,
significativamente, contribuir com os
processos de desenvolvimento de cada
local onde fosse instalada. Assim, em 15
de setembro de 2009 criava-se a UFFS pela
Lei 12.029, com abrangência de 396
municípios da Mesorregião Fronteira
Mercosul: Sudoeste do Paraná, Oeste de
Santa Catarina e Noroeste do Rio Grande
do Sul (UFFS, 2010a).
A partir dos debates constrói-se o
Projeto Pedagógico Institucional (PPI),
estabelecendo que a Universidade deve
estar “comprometida com o
desenvolvimento sustentável e solidário da
região” e que seus cursos deverão
“privilegiar as vocações da economia
regional, visando o desenvolvimento
regional integrado, tendo na agricultura
familiar um setor estruturador e
dinamizador do processo de
desenvolvimento” (UFFS, 2010b, p. 22).
Os princípios, encontrados no
estatuto da UFFS, estão diretamente
ligados àqueles defendidos por Darcy
Ribeiro:
I gratuidade do ensino;
II educação como bem público;
III equidade de condições de acesso
e permanência dos diferentes sujeitos
sociais na Educação Superior;
IV compromisso com a inclusão e a
justiça social e combate às
desigualdades sociais e regionais;
V defesa da dignidade e dos
direitos humanos e combate aos
preconceitos de qualquer natureza;
VI respeito à liberdade de aprender,
ensinar, pesquisar e divulgar o
pensamento, a arte e o saber, e apreço
à tolerância no acolhimento de
posicionamentos e posturas
acadêmicas divergentes;
VII vinculação entre a educação, o
trabalho e as práticas sociais e
valorização da experiência
extraescolar;
VIII universalidade do
conhecimento, amparada na
interdisciplinaridade e no pluralismo
de ideias e de concepções
pedagógicas;
IX indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão;
X integração entre formação geral,
de área e específica nos currículos;
XI diálogo permanente com a
comunidade regional da abrangência
da Instituição;
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XII desenvolvimento cultural,
artístico, científico, tecnológico e
socioeconômico regional e nacional,
de forma sustentável;
XIII gestão democrática e ética no
trato da coisa pública;
XIV legalidade, impessoalidade,
moralidade, imparcialidade,
publicidade, eficiência, eficácia e
efetividade (UFFS, 2010b, p. 6).
Igualmente estão as finalidades:
I o ensino, a partir da
democratização do acesso e da
permanência na Instituição, visando à
formação de excelência acadêmica e
profissional, inicial e continuada, nos
diferentes campos do saber,
estimulando a criação cultural, o
desenvolvimento do espírito
científico e do pensamento crítico
reflexivo;
II a pesquisa e investigação
científica em todos os campos do
saber, de modo especial em temas
ligados à problemática científico-
tecnológica, social, econômica, ética,
estética, cultural, política e
ambiental;
III a extensão universitária, aberta à
participação da população, visando à
produção conjunta de avanços,
conquistas e benefícios resultantes da
criação cultural e artística e da
pesquisa científica e tecnológica
(UFFS, 2010b, p. 7).
A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Brasileira (LDB 9.394/96),
também chamada popularmente de Lei
Darcy Ribeiro (por ser um dos principais
formuladores dela), é a legislação que
regulamenta o sistema educacional
público ou privado do Brasil. A LDB
9.394/96 reafirma o direito à educação que
é garantido pela Constituição Federal. Em
seu artigo 43, traz as finalidades da
educação superior:
I estimular a criação cultural e o
desenvolvimento do espírito
científico e do pensamento reflexivo;
II formar diplomados nas diferentes
áreas de conhecimento, aptos para a
inserção em setores profissionais e
para a participação no
desenvolvimento da sociedade
brasileira, e colaborar na sua
formação contínua;
III incentivar o trabalho de
pesquisa e investigação científica,
visando o desenvolvimento da
ciência e da tecnologia e da criação e
difusão da cultura, e, desse modo,
desenvolver o entendimento do
homem e do meio em que vive;
V promover a divulgação de
conhecimentos culturais, científicos e
técnicos que constituem patrimônio
da humanidade e comunicar o saber
por meio do ensino, de publicações
ou de outras formas de comunicação;
V suscitar o desejo permanente de
aperfeiçoamento cultural e
profissional e possibilitar a
correspondente concretização,
integrando os conhecimentos que vão
sendo adquiridos numa estrutura
intelectual sistematizadora do
conhecimento de cada geração;
VI estimular o conhecimento dos
problemas do mundo presente, em
particular os nacionais e regionais,
prestar serviços especializados à
comunidade e estabelecer com esta
uma relação de reciprocidade;
VII promover a extensão, aberta à
participação da população, visando à
difusão das conquistas e benefícios
resultantes da criação cultural e da
pesquisa científica e tecnológica
geradas na instituição;
VIII atuar em favor da
universalização e do aprimoramento
da educação básica, mediante a
formação e a capacitação de
profissionais, a realização de
pesquisas pedagógicas e o
desenvolvimento de atividades de
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extensão que aproximem os dois
níveis escolares.
Notoriamente, podemos encontrar no
curso Interdisciplinar em Educação do
Campo: Ciências da Natureza, o desafio e,
em grande parte, uma busca pela
materialidade desses objetivos, princípios e
finalidades, que, como enunciado, trazem
aspectos e ideias de Darcy Ribeiro.
O curso Interdisciplinar em Educação
do Campo
Analisamos os pontos de
aproximação entre o projeto do curso de
Educação do Campo da UFFS e o ideal de
universidade necessária, tal como
concebido por Darcy Ribeiro, buscando
contribuir para a construção e o
entendimento do significado social deste
curso. O curso de Educação do Campo
sempre esteve vinculado à luta de
movimentos sociais, e, entre os
compromissos assumidos pela
Universidade Federal da Fronteira Sul em
prol da superação das desigualdades
sociais e regionais, está o acesso e a
permanência na Educação Superior,
especialmente, da população mais excluída
do campo e da cidade. Esse projeto de
universidade busca contribuir com a
presença das classes populares na
universidade e com a construção coletiva
de um projeto de desenvolvimento
sustentável para a região, cujo eixo
estruturador é a agricultura familiar. Busca,
portanto, contribuir para a transformação
da realidade à medida que, opondo-se à
reprodução das desigualdades, permite a
busca por alternativas de métodos e
projetos com sentido mais engendrado ao
contexto da região (UFFS, 2013).
Com sua história profundamente
relacionada com as lutas dos movimentos
sociais populares da região, lugar de denso
tecido de organizações sociais e berço de
alguns dos mais importantes movimentos
populares do campo do país, a UFFS
buscou a formulação de um projeto de
universidade que, para sua concretização,
exige inúmeros esforços rumo à superação
das contradições históricas. Neste sentido,
o processo vivenciado na construção do
projeto da universidade aproxima-se ao
método que gerou o conceito que
conhecemos como Educação do Campo,
sobretudo protagonizado pelos
movimentos sociais (UFFS, 2013).
O debate em torno da Educação do
Campo, que tomou força a partir dos anos
1990, traz alguns elementos fundamentais
de discussão campo, educação e políticas
públicas , podendo subsidiar a elaboração
de projetos fundamentados em teorias
educacionais e conceitos existentes:
Educação Popular, Pedagogia Histórico-
Crítica, Pedagogia Socialista e a própria
construção de “Pedagogias da Educação do
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Campo”. Assim, buscando por uma
educação que possa permitir e garantir o
acesso e a permanência do seu público
discente, bem como oportunizar a relação
prática-teoria-prática vivenciada em seu
ambiente social e cultural, é que foi
proposta a organização deste curso (UFFS,
2013).
É necessário registrar, também, que
nas adjacências do Campus Erechim da
UFFS existem 5 comunidades quilombolas
localizadas nos municípios de São
Valentim e Sertão, e 12 áreas indígenas
situadas em Água Santa, Benjamin
Constant do Sul, Cacique Doble, Charrua,
Erebango, Getúlio Vargas, Nonoai, Ronda
Alta e Sananduva. Em cada comunidade
indígena uma escola de Ensino
Fundamental que também necessita de
professores formados para atender às
demandas desta população, a qual vive na
área rural, produzindo sua vida por meio
do trabalho agrícola e do trabalho
artesanal. Com o conhecimento de que
necessita ser uma escola seja do campo,
indígena ou quilombola que considere os
saberes locais e a prática social, e que
estabeleça relações com os conhecimentos
científicos produzidos ao longo da história
da humanidade, o projeto de curso (que
forma docentes para estas escolas)
compreende que a terra deve ser o
elemento-chave, e a cultura, as lutas e a
história do campo, constituem o ponto de
partida para o trabalho em sala de aula
(UFFS, 2013).
Esta perspectiva, indicada no projeto
do curso, mostra que os temas a serem
explorados na escola precisam estar
vinculados ao mundo do trabalho e ao
desenvolvimento do campo. Também a
metodologia utilizada no ensino é apontada
como necessária de ser adequada à
realidade do campo, facilitando a
“interface com a ênfase desta formação
(Educação do Campo), conhecimentos que
os pais, os estudantes, os técnicos, as
lideranças das comunidades possuem sobre
as diferentes temáticas da área de Ciências
da Natureza” (UFFS, 2013, p. 27).
Vemos no curso de Educação do
Campo um espaço conquistado de luta e
reconstrução contínua para assegurar o
direito a uma educação específica ao
sujeito do campo, das comunidades
indígenas e quilombolas, enfim, do povo
brasileiro, que merece um espaço
acadêmico que supere a defasagem
historicamente imposta, discussão
qualificadamente realizada por Darcy
Ribeiro.
Nesse sentido, o curso enfrenta o
desafio de compreender as especificidades
desses sujeitos que compõem o seu corpo
discente, e desenvolver estratégias de
ensino e aprendizagem que, de fato, sejam
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significativas e respeitem a diversidade,
marca fundamental do curso. A perspectiva
histórico-cultural contribui, neste intento,
ao levar em conta o aspecto social desses
sujeitos. “Darcy Ribeiro às vezes
esbravejava contra os professores que
‘fingem que ensinam e os alunos que
simulam que aprendem’” (Gomes, 2005, p.
90). As contribuições desta perspectiva
podem auxiliar a diminuir o risco de um
ensino alienado bem como de um
aprendizado alienado, levando os alunos a
compreenderem o real motivo do que
desenvolvem em sala de aula no que se
refere aos sentidos e significados sociais.
Importa destacar que um dos fracassos da
escola pública brasileira, na interpretação
de Darcy Ribeiro, tem sido o de não
considerar e criar uma escola que dialogue
com as classes populares (Ribeiro, 2018;
Martinazzo, Silva & Luft, 2020).
O curso em Educação do Campo
conta com uma organização curricular que
sugere a transformação das práticas,
estratégias e metodologias convencionais
para construir uma formação que atenda às
demandas e especificidades dos seus
alunos.
A composição curricular considera a
estrutura adotada pela instituição,
uma vez que a mesma possui um
curso desta natureza. Entretanto, a
organização dos espaços e tempos
educativos será desenvolvida
seguindo os preceitos da Pedagogia
da Alternância, possibilitando uma
maior inserção dos trabalhadores do
campo (UFFS, 2013, p. 41).
Esta opção por uma organização em
alternância exige do corpo docente um
esforço na apropriação, problematização e
proposição de um método diferenciado.
Desse modo, foram delineados momentos
de reflexão cujo cerne é o planejamento,
elaboração e organização coletiva dos
chamados Tempos Educativos Tempo
Universidade (TU) e Tempo Comunidade
(TC) , que fundamentam a metodologia
da alternância (UFFS, 2013). Com o
desenvolver das aulas, o Tempo
Comunidade permite uma aproximação da
universidade com as comunidades, o que
pode contribuir no âmbito da
contextualização das práticas de ensino,
com o potencial de realizar uma inclusão
eficaz desses sujeitos e seus pares no
processo formativo.
Outro desafio do curso é a
interdisciplinaridade. Realizar uma
formação interdisciplinar num universo tão
complexo quanto o que envolve o curso
“educação do campo”, “ciências da
natureza”, “indígenas” , é uma tarefa que
exige o esforço intelectual de todo o corpo
docente, buscando a organização, os
objetivos e a metodologia desse fazer. Um
dos principais desafios a ser enfrentado,
neste projeto, diz respeito justamente à
prática interdisciplinar.
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Apesar de enredado nas fronteiras
das disciplinas que dão sustentação
teórico-metodológica, as áreas
representadas no curso, com o foco
em Ciências da Natureza, por suas
diferentes especificidades, deverá
criar espaços e tempos para
desenvolver propostas de intervenção
pedagógica, na perspectiva da
interdisciplinaridade, concretizando
na prática a atitude interdisciplinar na
escola do campo (UFFS, 2013, p.
30).
Ao mesmo tempo, se alcançado o
objetivo, este pode se configurar em
grande potencial para atender às
especificidades dos sujeitos que compõem
o corpo discente:
Neste sentido, a interdisciplinaridade
se apresenta como uma maneira
precípua para promover uma
formação integrada e articulada com
a realidade social, política,
econômica e cultural, que exige
sempre mais uma formação cidadã,
consciente, crítica, reflexiva,
emancipatória (UFFS, 2013, p. 45).
É crucial evidenciar os limites e
desafios identificados no processo de
constituição desse curso.
Algumas contradições devem ser
anunciadas quanto a este contexto.
Segundo Molina (2015, p. 158), “os riscos
que se têm podido perceber em alguns
cursos de Educação Superior ofertados em
Alternância para os sujeitos do campo têm
se referido ao tipo de prática de Tempo
Comunidade”. Muitas vezes o Tempo
Comunidade tem sido ignorado como
tempo e espaço de aprendizagem, atendo-
se somente ao tempo escola (no nosso caso
nomeado Tempo Universidade). Conforme
a autora, sem intencionalidade e
planejamento de ação nestes espaços
pedagógicos, que se relacionam
intimamente com as condições de vida e
trabalho no campo, “as tensões e as
contradições da produção material da vida
que neles ocorrem acabam não sendo
incorporadas à dinâmica do currículo das
Licenciaturas, ficando estas questões
ausentes dos Tempos Escola subsequentes”
(Molina, 2015, p. 158).
Observa-se esta limitação, por vezes,
incorrendo na utilização deste
espaço/tempo para mera realização de
tarefas, como lista de exercícios ou
trabalhos vinculados estritamente ao
Tempo Universidade. Acreditamos que o
fator mais determinante destas limitações é
o desconhecimento do próprio conceito de
alternância, ou de sua produção histórica,
pois a maioria dos professores do quadro
docente tem formação apenas em sua área
específica, não transitando, anteriormente,
pelos conceitos e históricos da educação do
campo.
Se, por um lado, a Alternância
guarda imenso potencial de
ressignificar os processos de
produção de conhecimento, nas
situações nas quais promove-se
verdadeiramente uma intensa troca
de tempos e espaços de
aprendizagens, nos quais as
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diferentes dimensões da vida
integram-se aos processos de
produção do conhecimento, por
outro, se desconsiderados os
pressupostos de valorização dos
saberes dos sujeitos e integração da
produção material nos processos de
ensino-aprendizagem, e da não
presença da Universidade em
diferentes tipos de atividades no
Tempo Comunidade, a Alternância
na Educação Superior perde parte
relevante de seu sentido (Molina,
2015, p. 158).
Entendemos que o manancial de
possibilidades existente no contexto do
Tempo Comunidade, é justamente o que
pode contribuir para romper com os
processos de alienação.
... as contradições ... no contexto
universitário, com a presença de
grupos sociais anteriormente não
considerados e que denunciam as
fragilidades e incapacidades das
instituições, a nosso ver, contribui
com o exercício de participação e
construção de um projeto
democrático. Dessa forma é possível
reconhecer a novidade da presença
destes cursos no espaço acadêmico,
desde que não se encerrem em si
mesmos, tornando-se paliativos ou
respostas aligeiradas para uma
reivindicação. Combinados com
outros grupos e movimentos, podem
contribuir com a luta pela educação,
em seu sentido amplo e universal
(Mohr, 2018, p. 185).
É certo que estas contradições
históricas estarão presentes nas
universidades brasileiras, mais ainda num
curso como Educação do Campo. Em certo
grau, no entanto, os cursos de Educação do
Campo permanecem distanciados dos
demais cursos e, por vezes, da própria
Universidade como um todo. Acreditamos
que esse distanciamento se deve à sua
peculiar e singular forma de organização e
funcionamento, inclusive seu distinto
corpo discente, o que poderia, inclusive,
enriquecer exponencialmente os demais
processos reflexivos no âmbito
universitário.
Uma alternativa que busca contribuir
neste ínterim no curso em que construímos
os dados, é a organização dos projetos
integradores, que articulam Tempo
Universidade, Tempo Comunidade e os
componentes curriculares de cada fase,
organizados na perspectiva do ensino por
resolução de problemas contextualizados
nas comunidades. Esta estratégia traz em
seu cerne outra questão apontada como
desafiadora: a interdisciplinaridade.
O caráter interdisciplinar fez parte
das estratégias metodológicas na
discussão dos primeiros cursos de
Licenciatura em Educação do
Campo, entretanto esta articulação
entre disciplinas apresenta algumas
resistências por parte dos professores
que atuam nos cursos das
universidades públicas. Tendo este
panorama, apresentam-se algumas
perguntas que revelam as
contradições entre os fins educativos
e a forma como a sociedade se
estrutura: Como é possível articular
uma formação que conceba tempos
educativos ampliados e uma
concepção integrada não disciplinar,
em uma sociedade que cada vez mais
especializa e fragmenta o
conhecimento? Ou ainda, como é
possível lidar com conflitos e
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mediações entre o conhecimento
específico e o universal no interior
dos cursos e das instituições
universitárias? Estas são questões
que podem dificultar o andamento
dos cursos. No entanto, entendemos
que agregam aspectos que podem se
traduzir em novos debates, reflexões
e propostas, um dos papéis sociais da
universidade (Mohr, 2018, pp. 184-
185).
Entendemos que a organização do
curso em seminários integradores/projetos
integradores permite avançar nas
discussões acerca da interdisciplinaridade,
ao mesmo tempo em que enfrenta a
realidade fragmentada das especialidades
das disciplinas, fato resultante de uma
construção histórica e cultural,
permanentemente questionada. Para tanto,
o enfoque destacado, a partir a obra de
Darcy Ribeiro, permite pensar que essa
interdisciplinaridade nos exige
compreender a constituição histórica do
povo brasileiro em sua complexidade e
contraditoriedade cultural, social e
econômica, com vistas, sobretudo, a ajudar
a construir um povo-nação soberano, o que
significa produzir uma prática pedagógica
com condições de romper com modos
alienantes de ensino e visões
conservadoras de mundo e sociedade.
Considerações finais
Nesta breve revisão de algumas das
ideias de Darcy Ribeiro sobre o papel e o
sentido da universidade na sociedade
brasileira, buscamos identificar alguns
destes ideais na Universidade Federal da
Fronteira Sul (UFFS) e no curso de
licenciatura Interdisciplinar em Educação
do Campo Ciências da Natureza.
Em caráter de conclusão das
reflexões, destacamos a potência da obra e
do envolvimento de Darcy Ribeiro para um
sentido de Universidade que pensa o
problema do Brasil uma Universidade ao
mesmo tempo voltada a distribuir e
democratizar uma cultura universal, bem
como capaz de criar um espírito crítico de
um povo-nação em busca de seu destino.
Neste duplo sentido, tanto o universal
desenvolvido para a Universidade
Brasileira quanto o de criar nos estudantes
uma capacidade de problematizar e pensar
o país, seus problemas, sua gente, sua
história, sua cultura, seus destinos,
visualizamos uma atualidade do
pensamento de Darcy Ribeiro para ajudar a
pensar uma tarefa da Universidade em
pleno século 21, uma vez que parte dos
autoritarismos, e dos formatos de exclusão
social no Brasil, permanecem presentes,
como bem evidenciou Lilia Moritz
Schwarcz (2019).
No curso de Educação do Campo, no
âmbito do ensino das ciências da natureza,
esta relação com o projeto de educação
popular e democrática, criada para a UFFS,
guarda um vínculo que pode ser
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potencializado pelo projeto da UNB e dos
ideais proclamados em termos identitários,
na medida em que a cultura universitária se
constitui como potencial acervo de
conhecimento para reinventar o Brasil e,
nela, os povos, que precisam se autodefinir
e criar formas de produção da vida de
modo sustentável.
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UFSC.
Notas
1 Frase de Darcy Ribeiro sobre o contexto de
exploração e opressão do povo brasileiro.
2 Universidade de Brasília. Projeto de organização.
Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2011.
3 A revista Anhembi, dirigida pelo professor Paulo
Duarte, publicou, em seus números 126, 127 e 128,
correspondentes aos meses de maio, junho e julho
de 1961, depoimentos de vários educadores sobre a
estrutura e a organização da Universidade de
Brasília.
4 Faculdade de Direito da Universidade de São
Paulo.
5 Coordenador da Divisão de Estudos e Pesquisas
Educacionais do Centro Brasileiro de Pesquisas
Educacionais.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 23/10/2020
Aprovado em: 09/11/2020
Publicado em: 04/12/2020
Received on October 23th, 2020
Accepted on November 09th, 2020
Published on December, 04th, 2020
Contribuições no artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
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the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Dionei Ruã dos Santos
http://orcid.org/0000-0003-4757-1161
Sidinei Pithan da Silva
http://orcid.org/0000-0001-6400-4631
Maria Cristina Pansera de Araújo
http://orcid.org/0000-0002-2380-6934
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Santos, D. R., Silva, S. P., & Araújo, M. C. P. (2020). A
Universidade Federal da Fronteira Sul no cenário
brasileiro: notas a partir de Darcy Ribeiro. Rev. Bras.
Educ. Camp., 5, e10826.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10826
ABNT
SANTOS, D. R.; SILVA, S. P.; ARAÚJO, M. C. P. A
Universidade Federal da Fronteira Sul no cenário
brasileiro: notas a partir de Darcy Ribeiro. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e10826, 2020.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10826