Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e10911
Tocantinópolis/Brasil
v. 5
e10911
10.20873/uft.rbec.e10911
2020
ISSN: 2525-4863
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Escola Nacional Florestan Fernandes e a formação política
dos trabalhadores rurais do MST
Aline de Jesus Peixinho
1
, Beatriz Vieira Barone
2
, Mario Borges Netto
3
1, 3
Universidade Federal de Uberlândia - UFU. Instituto de Ciências Humanas do Pontal. Rua 20, 1600, bairro Tupã.
Ituiutaba - MG. Brasil.
2
Universidade Federal de São Carlos - UFSCar.
Autor para correspondência/Author for correspondence: aline.peixinho@ufu.br
RESUMO. Temos por objetivo apresentar as análises teóricas
sobre os fundamentos educacionais do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) expressos nas ações
formativas e na organização da Escola Nacional Florestan
Fernandes (ENFF). Nesse sentido, buscamos relacionar os
princípios educacionais do MST com as contribuições teóricas
marxistas e marxianas. Metodologicamente utilizamos a
pesquisa de tipo bibliográfica, cujas principais referências foram
os escritos de Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir I. Lênin e
os textos produzidos pelo MST sobre formação e educação. Pela
pesquisa observamos que a formação política se tornou o centro
das propostas educacionais do Movimento, visto que ela
possibilita a constituição de uma consciência de classe capaz de
contribuir com a elaboração de estratégias e formas de lutas pela
reforma agrária e transformação da sociedade. Por fim, a partir
dos estudos acerca da ENFF, constatamos uma relação teórica
elucidativa entre a concepção de Partido de Lênin e o MST, em
que ambos assumem o compromisso de dirigir, organizar e
formar os trabalhadores para a luta de classe, na perspectiva de
alcançar a emancipação humana e a revolução da sociedade
opressora.
Palavras-chave: Educação, Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra, Escola Nacional Florestan Fernandes,
Formação Política, Consciência de Classe.
Peixinho, A. J., Barone, B. V., & Borges Netto, M. (2020). Escola Nacional Florestan Fernandes e a formação política dos
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Florestan Fernandes National School and the political
education of rural landless workers
ABSTRACT. The research objective is to pose theoretical
analysis about the educational basis of the Landless Workers'
Movement (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra -
MST), expressed by educational actions and the organization of
Florestan Fernandes National School (Escola Nacional
Florestan Fernandes - ENFF). Therefore, we sought to relate
the educational principles of the movement to the marxist and
marxian theoretical contributions. The chosen methodological
framework was bibliographic research, whose main references
were Karl Marx, Friedrich Engels, and Vladimir I. Lenin's
works, as well as the texts produced by the Movement on
education and formation. The research shows that political
education has become the center of the educational proposals of
the movement, since it enables the constitution of class
awareness, capable of contributing to the development of
strategies and ways of defending land reform and society
transformation. Finally, based on studies about the National
School (ENFF), we detected a clarifying theoretical relation
between the conception of political party by Lenin and the MST,
in which both take the commitment of managing, organizing and
educating workers for class struggle, on a perspective of
reaching human emancipation and the revolution of an
oppressive society.
Keywords: Education, Landless Workers' Movement, MST,
Florestan Fernandes National School, Political Education, Class
Consciousness.
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Escuela Nacional Florestan Fernandes y formación política
de los trabajadores rurales del MST
RESUMEN. Nuestro objetivo es presentar los análisis teóricos
sobre los fundamentos educativos del Movimiento de los
Trabajadores Rurales Sin Tierra (MST) expresos en acciones
formativas y en la organización de la Escuela Nacional Florestan
Fernandes (ENFF). En ese sentido, buscamos relacionar los
principios educativos del MST con los aportes teóricos
marxistas y marxianas. Metodológicamente, utilizamos la
investigación bibliográfica, cuyas principales referencias fueron
los escritos de Karl Marx, Friedrich Engels, Vladimir I. Lenin y
los textos elaborados por el MST sobre formación y educación.
A través de la investigación observamos que la formación
política se convirtió en el centro de las propuestas educativas del
Movimiento, visto que ella permite la constitución de una
conciencia de clase capaz de contribuir a la elaboración de
estrategias y formas de lucha por la reforma agraria y la
transformación de la sociedad. Por fin, a partir de los estudios
acerca de la ENFF, averiguamos una relación teórica
esclarecedora entre la concepción de partido, de Lenin, y el
MST, en que ambos se comprometen a dirigir, organizar y
formar los trabajadores para la lucha de clases, en la perspectiva
de alcanzar la emancipación humana y la revolución de la
sociedad opresora.
Palabras clave: Educación, Movimiento de los Trabajadores
Rurales Sin Tierra, Escuela Nacional Florestan Fernandes,
Formación Política, Conciencia de Clase.
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Considerações iniciais
Este artigo tem como objetivo
apresentar as análises teóricas sobre os
fundamentos educacionais do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST) expressos nas ações formativas e na
organização da Escola Nacional Florestan
Fernandes (ENFF). Posto isto, busca-se
com este estudo conhecer e analisar os
fundamentos teóricos que balizam a
formação político-ideológica dos
trabalhadores rurais que, organizados no
MST, lutam pela terra. Assim, adota-se
como fonte o Caderno n.º 8, intitulado
“Princípios da Educação no MST” (MST,
1997), produzido pelo próprio movimento
para servir de diretrizes às suas propostas
educacionais.
O trato dado a referida fonte nos
conduziu ao estudo de obras marxistas e
marxiana acerca das características
assumidas pela educação no modo de
produção capitalista e da tarefa formativa
da classe trabalhadora. Para alcançar
nossos objetivos, cotejamos a análise do
Caderno n. 8 com base nas leituras e
estudos das obras de Karl Marx, Friedrich
Engels e Vladimir I. Lênin. Exercícios que
nos permitiram compreender que,
historicamente o MST vem assumindo não
a tarefa organizativa e diretiva dos
trabalhadores rurais na luta pela terra, mas
também a tarefa formativa de propiciar e
contribuir com a construção de uma
consciência política de classe aos
trabalhadores rurais, organizando-os em
movimentos sociais pela reforma agrária.
Sobre a ENFF, trata-se de um espaço
educacional do MST
i
, criada com a
finalidade de oferecer formação política e
ideológica para os trabalhadores rurais
Sem Terra. Foi construída a partir dos anos
2000 e inaugurada no ano de 2005, no
município de Guararema, São Paulo. A
escola possui três salas de aula que
comporta 200 pessoas, um auditório, dois
anfiteatros, uma biblioteca com espaço de
leitura, lavanderia, estação de tratamento
de esgotos, casas destinadas aos assessores
e às famílias de trabalhadores que residem
na escola, uma horta para o consumo local,
e para o lazer, possui um campo de futebol
e uma quadra coberta. Quanto ao corpo
docente da escola, é constituído por 500
professores voluntários - do Brasil, da
América Latina e de outras regiões -, nas
áreas de Filosofia Política, Teoria do
Conhecimento, Sociologia Rural,
Economia Política Internacional,
Administração e Gestão Social, Educação
do Campo, Estudos Latino-americanos,
dentre outros. Segundo o MST, a ENFF
tem como principais objetivos propiciar
aos seus militantes uma formação teórica,
técnica e política, que seja capaz de
contribuir com a organização social,
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política e econômica dos movimentos
sociais de luta pela terra na construção de
uma sociedade mais democrática e
igualitária. (MST, 1998).
Princeswal (2007) apresenta a
estrutura organizacional da ENFF,
composta por uma direção e três
departamentos didático-pedagógicos:
Direção de Política de Formação;
Departamento de Cursos Formais, o
Departamento Pedagógico e o
Departamento de Relações com a
Sociedade. A Direção de Política de
Formação tem como finalidade planejar as
propostas políticas, a metodologia,
propagar os cursos de formação e dentre
outros objetivos de cunho político. O
Departamento de Cursos Formais gerencia
os cursos de formação dos assentados, em
que são configurados com base nas
legislações do Ministério da Educação
(MEC) e em diálogo com as instituições
parceiras. O Departamento Pedagógico é
responsável por coordenar as atividades
desenvolvidas dentro da ENFF. Por fim, o
Departamento de Relações com a
Sociedade, tem o propósito de articular as
relações públicas com a comunidade e com
os professores, propondo atividades
pontuais como palestras, eventos, debates,
dentre outras (Princeswal, 2007).
O trabalho pedagógico da ENFF se
organiza em torno de quatro setores, são
eles: [1] o setor de apoio pedagógico, no
qual tem o compromisso de propor
atividades educativas para o processo de
formação; [2] o setor de moradia, que se
encarrega pela estadia, visita e questões de
necessidades básicas das pessoas que se
instalam na escola; [3] o setor de produção
organiza as produções agroecológica da
escola para o autoconsumo e; [4] o setor
administrativo, responsável pela gestão da
instituição.
No período em que os cursos de
formação estão ocorrendo, os estudantes
são divididos em núcleos que são
responsabilizados pelo trabalho de
organização e manutenção do espaço.
Desse modo, os estudantes participam das
atividades de formação intelectual, mas
também assumem responsabilidades sobre
a manutenção coletiva do espaço físico da
escola (limpeza, comida, dormitório,
dentre outras tarefas). O trabalho
organizado coletivamente é o fundamento
da organização da ENFF e da formação ali
ofertada, por isso, propõe-se potencializar
nas práticas educativas “... as várias
dimensões da pessoa humana e de um
modo unitário ou associativo, em que cada
dimensão tenha sintonia com a outra, tendo
por base a realidade social ...” (MST, 1997,
p. 8).
Os cursos na ENFF são divididos
entre: graduação, pós-graduação, extensão
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e livres. Para isso, no início de cada ano a
escola envia para as direções estaduais do
MST o planejamento anual das atividades
que serão oferecidas. Desse modo, cada
estado é responsável por selecionar os
militantes de acordo com os critérios dos
cursos de formação ofertados. Vale
destacar que, a seleção do trabalhador
assentado é feita por meio de uma decisão
coletiva em uma assembleia no local de
trabalho. Ao se retirar, um grupo de
trabalhadores assume as suas tarefas no seu
lote. Esse acordo é importante para a
formação da consciência política e de
classe dos militantes, pois apesar de alguns
já terem conquistado a terra, existem outras
famílias que estão em processo de luta,
portanto, a organização dos trabalhadores é
imprescindível para modificar esse
contexto, ou seja, o assentado possui um
compromisso coletivo com o MST
(Princeswal, 2007). O estudo de Silva
(2005, p. 217) demonstra que
a importância da construção da ENFF
está na possibilidade concreta de dar
continuidade ao processo de
formação dos militantes e dirigentes,
como também das futuras gerações
de Sem Terra. Na verdade, a
construção da ENFF tem um papel
fundamental no desenvolvimento
histórico do MST enquanto
organização de massas.
Em paralelo com os escritos de
Vladimir Ilich Lênin (1988), esta
finalidade citada constitui na principal
tarefa do Partido
ii
designada pelo autor, o
qual tem como atributo elaborar e propagar
uma teoria científica revolucionária que se
antecipa às massas operárias, objetivando
alcançar o máximo de consciência
possível, por meio do marxismo. Segundo
essa perspectiva, a educação para o
Movimento é designada como um processo
social para a formação humana, no qual ao
mesmo tempo em que se luta pela
transformação da sociedade, busca-se a
autotransformação. Sendo assim, a
educação para o Movimento se constitui
por meio de uma prática política, que tem
como finalidade lutar pela Reforma
Agrária, ou seja, este processo é inviável
sem a educação. Com base no Caderno
8, entende-se por política, processos que se
referem ao modo de governar/dirigir a vida
social, pública, “... Neste sentido é que se
quer dizer que tudo o que fazemos é
político, porque acaba tendo alguma coisa
a ver com o jogo de forças sociais que
disputam o poder no conjunto da
sociedade. (MST, 1997, pp. 16-17). Em
vista disso, o MST busca romper com a
ideia de que educação, ciência e política
não se misturam. Posto isso, é categórico
em defender ao mesmo tempo tanto a
dimensão política da educação, quanto a
dimensão educativa da política, de modo a
justificar a necessidade do envolvimento
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orgânico dos trabalhadores com o
Movimento e com a luta de classes.
[Historicamente acreditou-se] que
educação e política não deveriam se
misturar. ... quando a escola nega sua
relação com a política, está dizendo a
eles/elas que reprova a sua
participação no Movimento, na luta
pela Reforma Agrária, e que
militância nada tem a ver com
educação. (MST, 1997, p. 17).
Dessa maneira, os cursos ofertados
pelo Movimento, através da ENFF, têm
como objetivo formar militantes. “Esta é a
meta; porque nada mais efetivo no
aprendizado político do que pertencer a
uma organização”. (MST, 1997, pp. 17-
18). Os princípios educacionais do
Movimento são produzidos no cotidiano da
luta pela terra e levados para dentro dos
assentamentos/acampamentos, nos espaços
de formação, onde o trabalho pedagógico
acontece e, para que isso se efetive, é
necessário que os militantes estejam
dispostos a se comprometer com esse tipo
de formação.
Frente a isso, a ENFF foi construída
pelo MST para efetivar essa formação
política e ideológica de lideranças e
militantes. Segundo Lucena e Borges Netto
(2010, p. 212), “a ENFF tem por finalidade
materializar um projeto de formação
humana pensado pelo e para os
trabalhadores rurais que estão organizados
no MST, de acordo com seus próprios
interesses e necessidades”. Diante desse
fato, sua criação pode ser considerada “...
um marco na história das lutas e resistência
da classe trabalhadora e, ainda da educação
brasileira”. (Lucena & Borges Netto, 2010,
p. 212).
Observa-se que a ENFF expressa o
esforço e o trabalho formativo do MST,
por isso, compreende-se que a
apresentação e análise dos fundamentos
educacionais do Movimento, são
necessários para melhor conhecer a
formação por eles ofertadas. Nessa
perspectiva, organizamos o texto da
seguinte forma: apresentação dos
fundamentos educacionais do MST,
contidas no Caderno 8, analisando o
projeto de formação política do MST para
as suas lideranças a partir da literatura
marxista. Por fim, destacamos nas
considerações finais, a tarefa educacional
da ENFF e a importância da formação
política para a organização dos
trabalhadores do campo frente às suas
tarefas políticas e sociais.
O MST e a formação política de
militantes: apontamentos sobre seus
fundamentos teóricos
Os fundamentos educacionais dos
projetos pedagógicos e formativos do MST
encontram-se presente no Caderno de 8
produzido pelo Movimento. A finalidade
deste caderno consiste em orientar: [1] a
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criação das propostas educacionais das
escolas construídas pelo Movimento,
dentre elas a ENFF, que utiliza princípios
para a elaborar a formação política de sua
base; [2] orientar as lutas e reivindicações
de políticas educacionais para o campo, do
qual o MST não abre mão.
O referido documento, denominado
de “Princípios da Educação no MST”, é
constituído pelas seguintes partes:
“Algumas definições importantes”,
caracterizado por questões que orientam as
bases de formação do movimento,
apresentando fundamentos pedagógicos,
filosóficos e a concepção de educação. Na
segunda parte deste caderno, é composto
pelos “Princípios filosóficos” que envolve
a “Educação para a transformação social”,
“Educação para o trabalho e a
cooperação”, “Educação voltada para as
várias dimensões da pessoa humana”,
“Educação com/para valores humanistas e
socialistas” e “Educação como um
processo permanente de formação
transformação humana”. Na parte
subsequente, “Princípios pedagógicos”,
encontra-se subdividido em “Relação entre
teoria e prática”, “Combinações
metodológicas entre processos de ensino e
de capacitação”, “A realidade como base
da produção do conhecimento”,
“Conteúdos formativos socialmente úteis”,
“Educação para o trabalho e pelo
trabalho”, “Vínculo orgânico entre
processos educativos e processos
políticos”, “Vínculo orgânico entre
processos educativos e processos
econômicos”, “Vínculo orgânico entre
educação e cultura”, Gestão
democrática”, “Auto-organização dos /das
estudantes”, “Criação de coletivos
pedagógicos e formação permanente dos
educadores/das educadoras”. Por fim, a
última parte, é denominada de “Atitude e
habilidades de pesquisa”.
A elaboração do Caderno 8 foi
uma resposta do Movimento a uma
problemática social do contexto de sua
publicação, a qual consistia na forma como
seus militantes estavam sendo educados. A
formação antes oferecida ocorria por
intelectuais fora da realidade dos
acampados/assentados e a teoria expostas
por estes, não condizia com a prática social
dos Sem Terra. Diante dessa questão, o
Movimento compreendeu a necessidade de
produzir a sua própria literatura, com a
finalidade de organizar teórico-
ideologicamente sua base. Passaram então
a produzir cadernos de formação teórica
a exemplo, temos o Caderno 8 , livros
sobre as experiências do Movimento,
revistas, jornais e um projeto de formação
humana para seus trabalhadores, expresso
teoricamente no Caderno 29 e
materialmente na construção da ENFF,
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cuja perspectiva de formação política foi
pensada pelo e para os trabalhadores do
MST.
A criação da ENFF pode ser
compreendida como a tentativa do MST
em responder às questões sobre a formação
política dos trabalhadores rurais que o
compõe. Sua construção ocorre num
contexto social que demandava ao MST, a
formação política de quadros para além da
luta pela terra e da reforma agrária, para
que a educação se efetivasse dentro do
acampamento/assentamento. Conforme
proposto pelo Caderno 8, o Movimento
estuda e analisa o mundo sob a ótica de
lutas e revoluções que aconteceram na
América Latina, pensando de que maneira
pode-se articular os momentos de
formação política de sua base com a vida e
a luta cotidiana pela existência (MST,
1997).
Dessa forma, a formação política do
MST deve ser elaborada com base nas
problemáticas que acontecem na sociedade
atual e que precisam ser discutidas e
analisadas pelo Movimento na construção
de sua formação. Sendo assim, o foco da
formação é a realidade concreta dos
trabalhadores rurais, visto que para a
compreensão total da realidade social, é
fundamental realizar uma formação que
permita estudar o contexto histórico dentro
e fora de sua vivência.
A ENFF tem como proposta formar
seus quadros políticos não para o
Movimento, mas para a sociedade
brasileira e latino-americana, no qual
encontram-se diariamente inseridos na luta
social e política por uma sociedade fora do
modelo capitalista e de exploração dos
trabalhadores rurais Sem Terra. Logo,
Silva (2005, p. 134) apresenta, que “... a
compreensão dos enfrentamentos vividos
por outros setores sociais potencializa o
sentido político de cada ação realizada”.
Ou seja, a proposta de educação oferecida
no interior da ENFF é orientada por teorias
críticas ressignificadas pelo MST, tendo
como base a organização e a vivência,
além de ser fundamentada por uma
concepção política e social que se
apresente nos cursos de formação para os
Sem Terra.
No Caderno nº 8, pode-se perceber
que o setor de educação do MST
compreende a necessidade de pensar e
reivindicar uma educação que atenda aos
seus interesses, pois a escola capitalista
não contribui com os anseios políticos,
sociais e educacionais do Movimento.
Segundo Lombardi (2010), o modelo de
educação capitalista ofertado aos filhos da
classe trabalhadora é pautado nos
interesses da classe detentora dos meios de
produção, sendo esvaziada de conteúdo
político, marcada por uma ideologia e
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pedagogia para formar os indivíduos para o
mercado de trabalho. Essa educação
estatal, não oferece uma formação crítica e
política pensada na emancipação dos
educandos, sendo assim, contraria a
concepção educacional que o Movimento
defende.
O autor ainda afirma que, a
sociedade por ser cindida em classes,
promove uma educação que deve ser
analisada e compreendida sob a ótica do
modo de produção capitalista, portanto, no
interior da luta de classes. Desse modo,
uma educação classista promove cisões na
formação humana, tornando-a unilateral e
parcial, visto que no capitalismo não é
possível pensar em uma educação única
para todos, pois cada classe aspira um tipo
de formação e a reivindica. Sendo assim, a
formação burguesa ofertada para os
trabalhadores atende os interesses da classe
burguesa e não do proletariado. A classe
dominante oferece, por meio da escola
pública, uma formação mínima cujo
objetivo é capacitar o trabalhador a vender
sua força de trabalho e se submeter aos
ditames do capital.
O componente político dessa
educação é um campo de disputa, na qual
dependendo da correlação de forças, temos
uma formação com mais ou menos
conteúdo político. Fato é que, na
perspectiva neoliberal, escola não é espaço
de formação política, sequer de formação
para cidadania, ainda que nos moldes
burgueses. Em outras palavras, a educação
ofertada pelo Estado não corresponde às
necessidades formativas do MST, por isso
foi necessário a elaboração de um
documento norteador e a criação de uma
escola que expressasse os fundamentos e
as propostas educacionais adequadas à
realidade do Movimento e seus interesses
formativos. Pois, a educação capitalista é
organizada para a conservação do modo de
produção por meio da formação de
educandos cuja formação seja voltada para
a reprodução do trabalho alienado
(Lombardi, 2010).
Como foi referenciado
anteriormente, a sociedade no modo de
produção capitalista é dividida por duas
classes sociais fundamentais: por um lado,
a burguesia, que são os detentores dos
meios de produção e da propriedade
privada; por outro, o proletariado,
detentores da força de trabalho. Essas
condições materiais distintas das classes
sociais fundamentais criam relações sociais
e de produção fundamentada na dominação
e exploração do trabalho pelo capital. Os
capitalistas por serem possuidores dos
meios de produção compram aquilo que,
enquanto classe, não possuem, a força de
trabalho. Por sua vez, o proletariado, por
não deter dos meios de produção é
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obrigado a vender a única coisa que possui
para sobreviver, ou seja, a sua força de
trabalho, que em última instância, vende a
si mesmo (Marx & Engels, 1998).
Mediante o exposto, as condições
materiais de cada classe geram
necessidades e interesses diferentes e são
essas diferenças que movem as relações
sociais e de produção. Ou seja,
historicamente essas classes digladiam
entre si em busca de fazer valer seus
interesses e valores, sobre os quais
constroem seus projetos de sociedade.
Exatamente por serem contrários,
disputa e choque entre esses projetos
societários. Os embates sociais e políticos
daí decorrentes colocam em movimentos
relações sociais de produção desiguais e de
dominação de uma classe sobre a outra,
que condicionam a vida social de um
determinado contexto histórico (Marx &
Engels, 1998).
Isso leva Marx e Engels (2011) a
definir a luta de classes como motor da
história, pois são essas relações sociais de
produção opostas e contraditória entre as
classes que impulsionam a vida social.
Nessa perspectiva, somente a destruição da
sociedade capitalista e da propriedade
privada é que pode tornar livre os
trabalhadores. Desse modo, o proletariado
tem o compromisso com a transformação
da sociedade e emancipação humana,
conforme considera Marx e Engels (1998)
no Manifesto Comunista.
Assim, Marx e Engels (1998)
afirmam que toda luta de classe é uma luta
política. Nessa perspectiva, percebemos
que o MST luta contra o capitalismo e seu
ente político, ou seja, o Estado burguês, o
qual não propõe políticas públicas para o
campo conforme os interesses das pessoas
que nele vivem e trabalham. O caráter de
classe do Estado promove políticas
econômicas que beneficia a manutenção do
latifúndio, privilegia o agronegócio,
separando historicamente as terras de quem
nela trabalha e tira seu sustento. Durante
anos na história de luta dos Sem Terra, o
movimento se organiza em formar suas
bases para lutar contra essas desmedidas
do capital, que usurpam da classe
trabalhadora os seus meios sociais de vida
e os transformam em capital (Marx, 2011).
No caso do campo, historicamente, o
capital expropria a terra dos camponeses,
principal meio de garantia de sua
existência, e a coloca a serviço da (re)
produção e expansão de valor. Esse
processo de expropriação se tanto por
grilagem de terras públicas, quanto por uso
do terror e da violência contra as
comunidades tradicionais e a população do
campo que vivem do trabalho.
Em vista disso, percebe-se a
necessidade da formação política e da
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organização coletiva dos trabalhadores
para lutarem contra a dominação e a
exploração do capital. Para Lênin (2011, p.
367) “... a geração de militantes educada
na sociedade capitalista pode, no melhor
dos casos, realizar a tarefa de destruir as
bases do velho modo de vida capitalista
baseado na exploração”. Nesse sentido, a
emancipação dos sujeitos da classe
trabalhadora alcançará sua plenitude
fora dos moldes da sociedade capitalista.
Nesse cenário, a emancipação humana não
é possível, pois as suas relações sociais são
fundamentadas na dominação e exploração
de classes. Com base nos estudos de
Manacorda (2010), somente fora do modo
de produção capitalista, uma formação
omnilateral, promovida por meio de uma
educação politécnica, pode atingir sua
plenitude e realizar uma verdadeira
formação humana. Quando falamos em
educação emancipadora é a que tem por
finalidade formar um sujeito que lute pela
sua emancipação que se realizará com a
transformação radical da sociedade.
Desta forma, a ENFF materializa a
preocupação que o MST possui com a
formação de seus quadros políticos, cuja
finalidade é forjar uma educação política e
ideológica capaz de contribuir com o
processo de ruptura das relações sociais
capitalistas e destruir as relações de
trabalho que explora e aliena os
trabalhadores. No entanto, isso será
possível à medida que a classe
trabalhadora se organize coletivamente
para a emancipação humana desses
indivíduos. Assim, para o MST (1997, p.
9)
... é fundamental uma formação que
rompa com os valores dominantes na
sociedade atual, centrada no lucro e
no individualismo desenfreados.
Precisamos nos contrapor a isso
cultivando, intencionalmente, com
nossos educandos/nossas educandas
novos valores; pelo menos aqueles
que conseguimos vislumbrar como
necessários a uma nova ordem social.
O próprio processo se encarregará de
nos mostrar que outros valores, que
outras dimensões também deverão
ser aos poucos incorporadas.
Nos momentos de formação, assim
como aponta Lênin (2011), é importante
que se faça uma análise histórica da
sociedade, levando em consideração a
teoria e a prática para que não haja uma
separação entre elas. Em vista disso, o
Movimento tem como um de seus
princípios educativo o trabalho. Para o
MST, “... o trabalho tem um valor
fundamental. É o trabalho que gera a
riqueza; que nos identifica como classe; e
que é capaz de constituir novas relações
sociais e também novas consequências,
tanto coletivas como pessoais”. (MST,
1997, p. 15). Sendo assim, implica em uma
educação na qual teoria e prática são
baseadas no trabalho, o qual se torna
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necessário para que os momentos de (re)
produção da vida façam parte dos
momentos de estudos, os quais são
fundamentais para a elaboração de uma
consciência política e de classe condizente
com as aspirações do Movimento.
Para o MST, a educação/formação
possui caráter político e pedagógico, que
tem como finalidade a transformação
social, objetivando construir uma nova
sociedade justa e igualitária. Essa proposta
está expressa no Caderno de 8, o qual
apresenta uma concepção de
educação/formação humana para a classe
trabalhadora, caracterizada por promover a
consciência de classe e revolucionária no e
com os educandos e educadores.
Como pode ser verificado, o MST é
inspirado no pensamento de Marx e Engels
(1998), nos quais defendem que para os
trabalhadores assumirem o posto de classe
dominante e derrubarem o Estado, é
preciso que estejam organizados juntos por
uma única luta e que estes precisam estar
munidos de conhecimentos e de ideologia
política revolucionária. Segundo o
Movimento, educação de classe
Quer dizer uma educação que se
organiza, que seleciona conteúdos,
que cria métodos na perspectiva de
construir a hegemonia do projeto
político das classes trabalhadoras. ...
Trata-se de uma educação que não
esconde o seu compromisso em
desenvolver a consciência de classe e
a consciência revolucionária, tanto
nos educandos como nos educadores.
(MST, 1997, p. 6).
Em Que fazer?, Lênin (1988)
descarta a possibilidade de a consciência
revolucionária emergir exclusivamente da
posição de classe dos trabalhadores
explorados , ou seja, ser fruto do reflexo
direto das relações econômicas e das
condições objetivas da realidade, refutando
as teses mecanicistas de seu tempo. Nesse
estudo, Lênin ainda imputa grande
importância ao trabalho de conscientização
promovido por uma vanguarda organizada
da classe operária. O referido pensador
buscava demonstrar que espontaneamente
o proletariado não conseguiria produzir
uma consciência socialista revolucionária
somente por meio da participação na luta
econômica luta cotidianas entre patrões e
empregados com questões pontuais
relacionadas a salário, jornada, condições
de trabalho, dentre outros. Lênin defendia
que uma consciência política de classe
seria produzida com base na dimensão
política da luta revolucionária, contra a
lógica do sistema capitalista e do Estado, o
que implicava a atuação e a assunção de
tarefas não organizativas e diretivas por
parte do Partido, mas, principalmente da
tarefa formativa. Essa atuação seria
efetivada por meio da materialização de
um projeto de formação humana pensada
pelo Partido para a sua base, no qual
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seriam levadas ao movimento operário as
informações necessárias para a produção
de um conhecimento crítico sobre a
sociedade capitalista, seu modus operandi,
suas formas de dominação, exploração de
classe e as misérias produzidas por ela à
maior parte da população.
Para Lênin caberia ao Partido
compreender o processo capitalista de
produção material, espiritual da realidade e
o conjunto das relações sociais e
produtivas por ele estabelecido e
determinado em sua totalidade. O Partido
deveria assumir o compromisso de difundir
essa compreensão sobre a dinâmica da
produção capitalista, da vida social e
exaltar o papel da classe operária no
processo de superação revolucionária,
vinculando essa classe à luta concreta
cotidiana. Isso não fez com que o pensador
desconsiderasse a importância da luta
econômica, ao contrário, ressaltou a sua
importância como elemento privilegiado
para o despertar da luta de classe,
levantando o proletariado para a política.
A consciência da classe operária não
pode ser uma verdadeira consciência
política se os operários não estão
habituados a reagir contra todos os
casos de arbitrariedade e opressão, de
violência de toda a espécie, quaisquer
que sejam as classes afetadas; a
reagir do ponto de vista social-
democrata e não de outro. A
consciência das massas operárias não
pode ser uma verdadeira consciência
de classe se os operários não
aprendem, com base nos fatos e
acontecimentos políticos concretos e,
além disso, necessariamente atuais, a
observar cada uma das outras classes
sociais em todas as manifestações da
vida intelectual, moral e política, se
não aprendem a aplicar na prática a
análise materialista e a apreciação
materialista de todos os aspectos da
atividade e da vida de todas as
classes, camadas e grupos da
população ... Ora, não é nos livros
que o operário poderá obter essa
“ideia clara”: a podem encontrar
nas situações vividas, nas denúncias
de acontecimentos ainda recentes, de
tudo o que sucede num dado
momento à nossa volta ... Estas
denúncias políticas que abarcam
todos os aspectos da vida o uma
condição necessária e fundamental
para educar a atividade
revolucionária das massas. (Lênin,
1988, pp. 55-56).
Em outras palavras, a consciência
política da classe trabalhadora vem de fora
da luta econômica
iii
(de fora das relações
diretas entre patrões e empregados), ela
ocorre por meio dos intelectuais
revolucionários organizados no Partido.
Mediante essa afirmativa, a consciência
socialista para Lênin (1988), não pode
surgir senão com base em profundos
conhecimentos científicos. Este processo
será condição necessária para a superação
da ação imediata, espontânea, trazendo
uma formulação abrangente que mostre
com clareza os antagonismos entre as
classes, o que implica uma formulação
científica da realidade, impossível de ser
adquirida na sua plenitude somente dentro
das relações de produção no interior da
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fábrica e no mundo hostil do trabalho
alienado.
É importante ressaltar que essa
formulação leniniana da consciência
socialista vinda de fora não implica em
uma separação entre o Partido e a sua base.
O Partido será exatamente a mediação
fundamental entre a teoria e a prática
operária, será a organização que aproxima
dialeticamente a teoria e o movimento
operário, ou seja, ligação que implica
reformulação e autocrítica permanentes.
Portanto, para Lênin (1988), quanto mais
dinâmica a relação partido-base, maior será
a unidade dialética entre teoria e prática e,
mais estreita a relação entre vanguarda e
base.
A tarefa formativa atribuída ao
Partido por Lênin (1988) nos permite
compreender a criação da ENFF como a
materialização da referida tarefa assumida
pelo MST. Percebe-se que o MST assume
forma e conteúdo do Partido leniniano,
visto que partem do mesmo objetivo
referencial, ou seja, a necessidade de
promover uma consciência de classe
revolucionária por meio de uma formação
política de seus quadros militantes. Nessa
perspectiva, a educação defendida pelo
MST “... tem a ver com a
formação/transformação de consciências, é
preciso trazer para dentro do processo
educativo aquelas relações que, na
sociedade, são a base desta
formação/transformação. (MST, 1997, p.
18).
Para tanto, é imprescindível a auto
organização para que essa formação se
efetive, tal como o MST tem feito. A
construção da ENFF objetiva o
compromisso do Movimento com a
elaboração da consciência política de
classe junto aos trabalhadores rurais. A
oferta de uma educação que expressa os
seus interesses políticos coletivos,
materializa uma proposta formativa que
não é pautada somente em um único
interesse, mas naquilo que une os
trabalhadores, isto é, uma vontade única
em torno da luta pela terra e pela
construção de uma sociedade mais justa e
igualitária. Nos estudos de Lênin (2011, p.
370), é destacado que
... a disciplina consciente dos
operários e camponeses, que unem ao
seu ódio contra a velha sociedade a
decisão, a capacidade e a disposição
de unir e organizar as forças para
essa luta, a fim de criar, da vontade
de milhões e centenas de milhões de
pessoas isoladas, divididas e
dispersas pela extensão de um país
imenso, uma vontade única, pois sem
esta vontade única seremos
inevitavelmente vencidos.
O pensamento leniniano contribui
para compreendermos melhor as tarefas da
direção do Movimento frente a classe, no
que se refere à formação política de seus
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militantes. Permite entender a necessidade
dos movimentos organizados pelos
trabalhadores por meio de um projeto
educacional claro, fundamentado em
princípios político-pedagógicos próprios e,
ainda, manter uma escola cuja atribuição
central seja a formação política e
ideológica do militante como é o caso da
ENFF. Sabemos que não devemos
estabelecer relações mecânicas e diretas
sobre a teoria produzida por nin no
início do século XX e a realidade concreta
atual, naquilo que se refere à necessidade
da criação da ENFF e a sua importância
para o MST. Entretanto, resguardadas as
devidas diferenças e proporções, e não
desconsiderando as peculiaridades e as
diferenças dos contextos atual e o que a
obra foi escrita , acreditamos que se pode
estabelecer alguns paralelos elucidativos.
Considerações finais: a tarefa da ENFF
na formação política-ideológica dos
trabalhadores do MST
Como podemos observar
anteriormente, os fundamentos
educacionais do MST apresentam a
perspectiva de educar/formar sua base para
resistir às investidas do capital, se
organizar coletivamente e lutar pela
superação radical da sociedade capitalista.
Sendo assim, a formação priorizada nas
concepções educacionais propostas pelo
MST, tem como ponto de partida
conquistar a terra, a reforma agrária
popular e a educação humanizadora. Ou
seja, os trabalhadores devem estar
formados politicamente para lutar por
aquilo que acreditam, em última instância a
revolução e a emancipação humana.
Com base nas reflexões deste artigo,
avaliamos que a ENFF se constitui num
importante elemento para o MST na
formação de seus militantes e,
consequentemente, na luta pela terra e pela
transformação social. Contudo, de se
destacar que a ENFF não é a solução para
os problemas do MST, seja no que se
refere à formação de seus militantes, ao
combate à dispersão e ao abandono da luta
pela terra, à própria luta pela terra, ou até
mesmo, a luta pela transformação social.
Entretanto, para que ocorra a revolução do
proletariado segundo a base teórica e
metodológica de Marx e Engels (Marx &
Engels, 1998) e Lênin (1988), é
imprescindível que haja a ligação orgânica
entre o Partido (teoria/ciência) e os
trabalhadores (prática/política). Em outras
palavras, se as direções dos movimentos
dos trabalhadores não estiverem
sintonizadas com a sua base, estabelecendo
uma relação de compromisso e alteridade
com o apoio coletivo, corre-se risco de o
levante proletário sofrer refluxo e se
sucumbir aos interesses da classe burguesa.
No entanto, acreditamos que sem a ENFF,
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enquanto manifestação teórico-prática da
proposta formativa do MST, os problemas
acima teriam uma complexidade maior
para ser minimizada.
O paralelo teórico entre o MST e o
Partido de Lênin, deve-se ao fato de que
ambos se configuram com o papel de
elaborar e propagar uma teoria científica
revolucionária, objetivando aos
trabalhadores alcançarem o máximo da
consciência de classe. Para nós, fica claro a
linha teórica e metodológica socialista e
marxista do MST, pois parte do suposto de
que a consciência política da classe
trabalhadora vem de fora da luta
econômica, sendo necessário uma
educação de caráter política-ideológica.
Desse modo, o documento MST (1997, pp.
19-20) nos confirma ao defender que
Nossas escolas, nossos cursos de
formação, precisam ser espaços
privilegiados para a vivência e a
produção de cultura. ... não podemos
perder de vista é o objetivo maior de
tudo isso, e que diz respeito não a um
simples resgatar da chamada cultura
popular, mas principalmente ao
produzir uma nova cultura; uma
cultura da mudança, que tem o
passado como referência, o presente
como a vivência que ao mesmo
tempo que pode ser plena em si
mesma, é também antecipação do
futuro, nosso projeto utópico, nosso
horizonte.
Podemos concluir que a ENFF
enquanto escola de formação de quadros, é
de extrema importância para o processo da
conscientização de classe dos
trabalhadores rurais, para isso, são
organizados e planejados cursos de
graduação, pós-graduação, extensão e
livres, objetivando formar militantes para a
luta por uma sociedade mais justa,
solidária e igualitária. A ENFF consiste em
um instrumento formativo para o MST, na
sua organização, mobilização,
reivindicação e intervenção no jogo
político, ao se configurar como um
aparelho disseminador do que Lênin
(1988) denominou de consciência social-
democrata ou consciência socialista.
Mediante o exposto, o MST assume
a configuração do Partido leniniano, isto é,
toma para si a tarefa de formar e difundir
uma consciência política e de classe para o
conjunto dos trabalhadores rurais Sem
Terra que se encontram organizados em
torno dele, proporcionando uma formação
política, a qual não seria possível adquirir
somente nos confrontos oriundos das
relações econômicas e condições objetivas
da realidade. Portanto, os cursos de
formação desenvolvidos pela ENFF
expressam objetivamente essa tarefa, pois
tem como finalidade oferecer aos
trabalhadores uma visão de mundo que
permita compreender que,
... pertencer a uma organização é
assumir seu caráter, seus princípios,
seus objetivos, e estar disposto a
realizar as tarefas que lhe são
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confiadas. É como estar ligado a uma
nova família, maior, e por isso cheia
de conflitos, de desafios, mas
também de conquistas, de alegrias, de
vitórias, de afeto. Está é, sem dúvida,
uma dimensão fundamental de uma
educação que se pretenda
comprometido com a transformação
social. E será tanto mais
pedagogicamente eficaz, se for
compartilhada por
educadores/educadoras e
educandos/educandas. (MST, 1997,
pp. 17-18).
Através da formação política e
ideológica desenvolvida na ENFF, o MST
afirma seus fundamentos educacionais e
compromissos de classes, cuja finalidade é
a oferta de uma educação de cunho
político, crítico e emancipatório aos
trabalhadores que vivem do e no campo.
Por meio desse processo formativo,
objetivam a constituição do sujeito
histórico capaz de levar a cabo a
transformação da sociedade capitalista
vigente e a construção de uma nova ordem
social, cujas bases sejam: a justiça social, a
coletividade, os valores humanistas e a
ordem socialista.
A educação de classe consiste no
pilar central para a formação da
consciência humana. Para Lênin (2011), o
elemento formativo deve estar unido à luta
dos trabalhadores, pois desvela e revela os
aspectos da exploração de classe o que
permite levar a cabo a tarefa de construção
do processo revolucionário. Sendo assim, a
formação, o ensino e a educação dos
trabalhadores devem estar interligados ao
trabalho coletivamente organizado e a luta
pela revolução, não se limitando, portanto,
apenas na leitura de brochuras comunistas.
Portanto, para que se alcance os objetivos e
as finalidades da revolução do proletariado
e do comunismo, os pilares da educação
devem estar firmemente estabelecidos em
uma teoria revolucionária que seja capaz
de induzir e engendrar uma prática social
revolucionária, que segundo Lênin (1988)
só é possível se for baseada no marxismo.
Nossa aspiração com este artigo é
socializar os resultados de nossos estudos e
publicizar ao campo acadêmico um projeto
educacional contra hegemônico e popular,
originário de um movimento de
representação coletiva de uma fração da
classe trabalhadora, nesse caso, o MST.
Nossas análises nos permitem entender que
se trata de uma proposta que retoma a
importância da formação política para a
organização dos trabalhadores rurais em
torno da luta pela terra e da transformação
da sociedade. A formação política é central
nas propostas educacionais do Movimento,
entendida como processo de elaboração de
uma consciência de classe capaz de
compreender cientificamente o terreno
histórico vivenciado pelos trabalhadores, a
partir do qual, seja possível elaborar
estratégias e formas de lutas para a
transformação radical da sociedade.
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i
O MST possui diversos espaços formativos
espalhados no território brasileiro. A ENFF é a
principal no que se refere a formação política e
ideológica dos militantes. Citamos outros espaços
formativos de mais destaque: no Rio Grande do
Sul, ITERRA (Instituto de Educação Josué de
Castro) e Instituto Educar; no Paraná, Escola Latino
Americana de Agroecologia e as Escolas
Itinerantes; na Bahia, Escola Popular de
Agroecologia e Agrofloresta Egídio Brunetto. Além
dessas instituições, o MST possui nos estados os
Centros de Formação, espaços coletivos dos
assentamentos capazes de alojar reuniões e
atividades de menor escala organizadas pelas
direções estaduais e regionais. Podemos citar como
referência, o Centro de Formação Paulo Freire,
localizado em Caruaru, Pernambuco.
ii
Utilizaremos a grafia Partido sempre que
estivermos nos referindo à acepção de Lênin. Sobre
a concepção de Partido nos estudos de Lênin
sempre houve um forte elemento de ativismo, ao
qual atribuía grande importância teórica e prática.
Para Lênin, mais de um modelo de partido,
embora todos esses modelos sejam concebidos
como uma vanguarda centralizada e empenhada em
fundir a teoria e a consciência socialista com o
movimento operário espontâneo (Bottomore, 2001).
iii
É necessário lembrar que essa concepção da
consciência política que vem de fora das relações
econômicas se insere num contexto em que o
partido político revolucionário se encontra em
gestação e no qual predomina, no seio da massa
operária, a espontaneidade, que favorece a
penetração política trade-unionista. Este é o
contexto em que se insere Que fazer?.
Peixinho, A. J., Barone, B. V., & Borges Netto, M. (2020). Escola Nacional Florestan Fernandes e a formação política dos
trabalhadores rurais do MST...
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Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 04/11/2020
Aprovado em: 21/11/2020
Publicado em: 11/12/2020
Received on November 04th, 2020
Accepted on November 21th, 2020
Published on December, 11th, 2020
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Conflitos de interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Aline de Jesus Peixinho
http://orcid.org/0000-0002-6225-5768
Beatriz Vieira Barone
http://orcid.org/0000-0002-3950-9299
Mario Borges Netto
http://orcid.org/0000-0001-5277-5789
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Peixinho, A. J., Barone, B. V., & Borges Netto, M. (2020).
Escola Nacional Florestan Fernandes e a formação
política dos trabalhadores rurais do MST. Rev. Bras. Educ.
Camp., 5, e10911.
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ABNT
PEIXINHO, A. J.; BARONE, B. V.; BORGES NETTO, M.
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política dos trabalhadores rurais do MST. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 5, e10911, 2020.
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