Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11819
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11819
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2021
ISSN: 2525-4863
1
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Representações sociais sobre o processo formativo de
professores do campo e da EJA no Brasil: a realidade na
Amazônia Paraense
Alessandra Sampaio Cunha
1
, Armando Paulo Ferreira Loureiro
2
, Joana d’Arc de Vasconcelos Neves
3
1
Instituto Federal do Pará - IFPA. Departamento de Ensino. Avenida dos Bragantinos, s/n, Vila Sinhá. Bragança - PA. Brasil.
2
Universidade de Trás-os-Montes e Alto douro, Portugal.
3
Universidade Federal do Pará - UFPA.
Autor para correspondência/Author for correspondence: alessandra.sampaio@ifpa.edu.br
RESUMO. O presente artigo articula o debate da formação
inicial de professores do campo, da Educação de Jovens e
Adultos (EJA) e dos processos psicossociais que orientam a
formação de professores para/nas escolas do campo. Para tanto,
envereda-se no campo teórico das Representações Sociais (RS)
no intuito de analisar os sentidos e os signficados de professores
que concluíram o Curso de Licenciatura em Educação do
Campo sobre a contribuição do seu processo formativo para
atuarem na EJA/campo na Amazônia Paraense. Trata-se de um
estudo qualitativo do tipo exploratório/explicativo que utilizou o
questionário e a entrevista semiestruturada para recolha dos
dados. Os resultados deste estudo apontam que as
Representações Sociais dos professores sobre o curso de
Licenciatura em Educação do Campo inscrevem-se em
significados que reafirmam que a formação específica, voltada
às necessidades dos povos do campo, contribuíu com
conhecimentos e processos de ensino-aprendizagem que
potencializaram (re)pensar e inovar as práticas pedagógicas. Os
professores do campo veem ainda o curso como espaço de
produção de conhecimento diferenciado de ser e fazer-se
professor da EJA no campo, na medida em que ajudam a
compreender a dinâmica social e política do modo de vida
campesina nos campos amazônicos brasileiros.
Palavras-chave: educação do campo, formação de professores,
representações sociais.
Cunha, A. S., Loureiro, A. P. F., & Neves, J. V. (2021). Representações sociais sobre o processo formativo de professores do campo e da EJA no Brasil: a realidade
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Social representations about the formative process of
Brazil's rural areas' teachers and EJA (Young Adults and
Adults' Education): the reality of the Paraense Amazon
ABSTRACT. This article articulates the debate on the initial
training of rural teachers, Youth and Adult Education (EJA) and
the psychosocial processes that guide the training of teachers to /
in rural schools. To this end, it embarks on the theoretical field
of Social Representations (RS) in order to analyze the senses
and meanings of teachers who completed the Degree Course in
Rural Education under the contribution of their training process
to work in the EJA / countryside in the Amazon Paraense. This
is a qualitative study of the exploratory / explanatory type that
used the questionnaire and the semi-structured interview to
collect the data. The results of this study indicate that the Social
Representations of the teachers about the Degree in Rural
Education are enrolled in meanings that reaffirm that specific
training, geared to the needs of rural people, contributed with
knowledge and teaching-learning processes that potentialized
(re) thinking and innovating pedagogical practices. The rural
teachers also see the course as a space for the production of
differentiated knowledge of being and becoming a teacher of
EJA in the field, insofar as they help to understand the social
and political dynamics of the peasant way of life in the Brazilian
Amazonian rural areas.
Keywords: rural education, teacher training, social
representations.
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Representaciones sociales sobre el proceso formativo de
maestros en el campo y EJA en Brasil: la realidad en el
Paraense Amazon
RESUMEN. Este artículo articula el debate sobre la formación
inicial de docentes rurales, Educación de Jóvenes y Adultos
(EJA) y los procesos psicosociales que orientan la formación de
docentes hacia / en las escuelas rurales. Para ello, se embarca en
el campo teórico de las Representaciones Sociales (RS) con el
fin de analizar los significados y significados de los docentes
que cursaron la Licenciatura en Educación Rural sobre el aporte
de su proceso formativo para trabajar en el campo EJA / en el
Paraense Amazon. Se trata de un estudio cualitativo del tipo
exploratorio / explicativo que utilizó el cuestionario y la
entrevista semiestructurada para recolectar los datos. Los
resultados de este estudio indican que las Representaciones
Sociales de los docentes sobre la Licenciatura en Educación
Rural se inscriben en significados que reafirman que la
formación específica, orientada a las necesidades de la
población rural, aportó conocimientos y procesos de enseñanza-
aprendizaje que potencializaron (re) pensar. y prácticas
pedagógicas innovadoras. Los docentes rurales también ven el
curso como un espacio para la producción de conocimientos
diferenciados de ser y convertirse en docente de EJA en el
campo, en la medida en que ayudan a comprender la dinámica
social y política del modo de vida campesino en los campos
amazónicos brasileños.
Palabras clave: educación rural, formación de profesores,
representaciones sociales.
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Introdução
No Brasil, o debate, ocorrido nas
últimas décadas sobre a formação
específica para professores do campo com
ênfase nas licenciaturas, fomentou políticas
públicas e ampliou o campo teórico na
produção de conhecimento da formação de
professores. Entretanto, a partir das
Diretrizes Curriculares Nacionais e da
Base Comum para a Formação Inicial e
Continuada de Professores da Educação
Básica, aprovada em 20 de dezembro de
2019, consequentemente, as propostas de
formação específica para professores do
campo passam a ‘enfrentar desafios diante
do discurso universalista, ancorado na
imagem homogeneizante e negativa dos
professores e de sua formação.
Conflitante às movimentações
coletivas que mobilizaram as organizações
de professores no movimento de
construção de políticas de formação da
educação do campo, a Base Comum para a
Formação Inicial e Continuada de
Professores da Educação Básica nº 2 de
2019, conforma uma política construida
unilateralmente que, em seus princípios,
destrói políticas já instituídas, uma vez
que: 1) desconsidera a produção e o
pensamento educacional brasileiro ao
retomarem concepções ultrapassadas como
a pedagogia das competências; 2)
apresenta uma visão restrita e instrumental
de docência e negativa dos professores; 3)
descaracteriza os núcleos formativos, a
formação pedagógica das licenciaturas; 4)
ignora a diversidade nacional, a autonomia
pedagógica das instituições formadoras e
sua relação com a educação básica; 5)
relativiza a importância dos estágios
supervisionados (Neves & Brasileiro,
2020) .
Diante desse cenário controverso e
contraditório que esse marco legislativo
impõe ao campo teórico da formação de
professores e dos riscos iminentes de
perdas dos direitos que representam os
projetos de formações especificas, em
particular, o curso de Licenciatura em
Educação do Campo nas territorialidades
amazônicas, questionou-se: quais são as
Representações Sociais dos egressos da
Licenciatura em Educação do Campo sobre
o Programa Procampo de formação inicial
de Professores do Campo na Amazônia
Paraense e os efeitos do processo
formativo na prática docente no contexto
das escolas campo em turmas de Educação
de Jovens e Adultos (EJA)?
No caso deste estudo, considerou-se
as Representações Sociais, marcadas pelos
sentidos atribuídos pelos egressos do curso
de Licenciatura em Educação do Campo na
Amazônia Paraense como essencial nas
discussões sobre formação específica
desses profissionais, devido,
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especialmente, ao importante papel que
cursos como esse, representam para a luta
dos movimentos sociais do campo e para o
projeto político educacional defendido
pelos povos do campo, ou seja, as
representações que esses professores têm
consciente ou inconsciente, sobre a sua
formação influenciam a forma como
esses profissionais conduzem suas práticas
docentes e resistem a proposta hegemônica
do atual contexto educacional, fortalecendo
a concepção de educação do campo e da
formação específica do profissional da
educação que atua nessa realidade.
Assim, no sentido trazer à tona os
processos psicossociais, construídos pelos
sujeitos do campo nas territorialidades das
Amazônias Paraense, aproximou-se da área
da Psicologia Social os estudos sobre a
formação de professores do campo, cujo
objetivo foi o de analisar as
Representações Sociais construídas pelos
egressos da Licenciatura em Educação do
Campo sobre o Programa de Formação
Inicial de Professores (Procampo) e os
efeitos dessa formação para prática docente
no contexto das escolas campo, em turmas
da EJA.
Ressalta-se que as análises, ora
apresentadas, levantam questões que
necessitam ser colocadas na ordem do dia,
tanto para as Instituições de Ensino
Superior de Formação de professores,
como para o contexto das escolas do
campo e das gestões públicas que, no atual
contexto político brasileiro, precisam lutar
para que nenhum direito conquistado se
perca, considerando, as diretrizes impostas
pelas novas legislações.
Com o olhar voltado para questões
culturais e históricas, que geraram as
representações dos egressos do Procampo,
a presente investigação situa-se no diálogo
teórico-metodológico das Representações
Sociais, especificamente na abordagem
processual. Essa opção justifica-se no
presente estudo, por permitir ao
pesquisador apresentar os elementos
constitutivos que possibilitam não apenas a
comunicação, mas também a identificação
dos valores que orientam condutas no
mundo social, ou seja, permitem interpretar
os acontecimentos da realidade cotidiana,
possibilitando a relação prática com o
objeto a ser estudado (Jodelet, 2009).
Dada a complexidade do fenômeno
que entrelaça os aspectos psicológicos e
sociais que envolvem a abordagem
processual no campo das Representações
Sociais, este estudo propõe apresentar uma
compreensão historicizada e um olhar
muito próximo das condições de produção
que geraram as RS dos egressos da
licenciatura da Educação do Campo na
realidade Amazônica Paraense sobre a sua
formação. Afiança-se que é um exercício,
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cujo intuito é o de recuperar os sentidos e
os significados que as constituem,
compondo, dessa forma, a teia
representacional que envolve
dialeticamente as três questões basilares de
Jodelet (2001): quem sabe e de onde sabe?
b) O que sabe e como se sabe? c) Sabe-se o
quê e com que efeito? Por isso, no
processo de organização deste estudo
buscou-se construir a estrutura que
potencializa a análise dimensional,
proposta pela abordagem processual, a
partir das três dimensões basilares:
sujeitos, o campo de representações
(imagem/sentidos) e as atitudes.
Dessa forma, procurando recuperar
os modos pelos quais os professores do
campo representam o processo de
formação e os seus efeitos na prática
docente em turmas de EJA em escolas no
campo, transpondo a discussão para o
contexto da Amazônia Paraense, este artigo
apresenta os seguintes tópicos a)
Introdução; b) Breve contextualização da
Formação de Professores no Brasil; c)
Representações Sociais: perspectivas no
contexto da Formação de Professores; d) A
metodologia adotada; e d) Resultados,
onde buscou-se dar materialidade as
dimensões basilares das representações
sociais: sujeitos, sentidos e atitudes.
Breve contextualização da Formação de
Professores no Brasil e o debate da
formação específica
Os registos de eventos nacionais e
regionais e as publicações especializadas
na área da educação têm cada vez mais
ampliado o número de produções com a
temática da formação de professores.
Estudos sobre esse campo teórico têm
mostrado que a partir de meados do século
XX, as linhas de pesquisa sobre formação
de professores dos programas de Pós-
Graduação em Educação no Brasil passam
a debater temas, como: Profissão Docente,
Profissionalização, Desenvolvimento
Profissional, Identidade Profissional,
Prática Pedagógica e os Saberes Docentes,
revelando o que Romanowski (2013, p. 37)
define como uma tendência marcante na
atualidade: “a preocupação em defender e
colocar o professor no centro do processo
de construção da sua profissão e do seu
desenvolvimento profissional”.
Para Diniz-Pereira (2013), no final
do século XX e no início do seculo XXI,
foi dado maior relevo aos professores,
cujas vozes, vidas e identidades passaram a
ser levadas em consideração para a
produção do conhecimento no campo da
formação de professores. Esse enfoque
sobre o professor é investigado por autores
como André (2007) e Amaral (2002) numa
perspectiva de rupturas aos discursos
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prescritivos sobre formação docente,
revelando um movimento a ser
equacionado para o modo como uma
pessoa pode tornar-se um/a educador/a.
Nesse contexto, o campo da investigação
sobre formação de professores no Brasil,
passou a ser marcado pela presença
significativa de investigadores
estrangeiros(as) entre os quis destacam-se
Zeichner (Estados Unidos), Perrenoud
(Suíça), Nóvoa e Alarcão (Portugal),
Tardif, Gauthier e Lessard (Canadá),
Marcelo (Espanha) e Chartier (França).
Ao tratar da especificidade da
formação inicial do professor, a reflexão
recai sobre o papel desempenhado pela
universidade, compreendendo-a como um
lugar de transitoriedade provisória no
processo de construção do saber docente
que se inicia antes do ingresso na
universidade e não se encerra nesta:
O saber docente se constrói a partir
do ingresso dos sujeitos no mercado
de trabalho, ou seja, reafirma-se a
autenticidade de uma formação que
se processa em um contexto prático.
Essa discussão faz explicitar a
natureza transitória e provisória dos
cursos de formação inicial,
oferecidos pelas instituições de
ensino superior, porém, não
descartando sua importância na
formação docente. Apenas esclarece
que a formação acadêmica do
professor localiza-se entre uma
formação que inicia-se antes mesmo
de seu ingresso na universidade e
uma outra que prossegue durante
toda a sua vida profissional. (Diniz-
Pereira, 2006, p. 50-51).
Nesse contexto, o debate em torno da
questão da especificidade da formação de
professores, tendo em conta diferentes
sujeitos, níveis, modalidades de ensino e
contextos no Brasil, passou a inquietar
muitos profissionais da educação e
movimentos sociais. Para Tedesco (2004),
as últimas décadas do século XX foram
cenários de mobilização dos movimentos
sociais em ‘prol’ de uma educação, voltada
para a transformação social que
potencializaram as construções de
legislações no sentido de definir as
diretrizes da formação de professores.
Em 2002, o Conselho Nacional de
Educação (CNE) instituiu as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica, em nível
Superior, e cursos de licenciatura e de
Graduação, direcionados para a formação
profissional ou, ainda, para todos os que
exercem a docência, como consta do artigo
9º:
A autorização de funcionamento e o
reconhecimento de cursos de
formação e o credenciamento da
instituição decorrerão de avaliação
externa realizada no locus
institucional, por corpo de
especialistas direta ou indiretamente
ligados à formação ou ao exercício
profissional de professores para a
educação básica, tomando como
referência as competências
profissionais de que trata esta
Resolução e as normas aplicáveis à
matéria. (CNE, 2002, s/p).
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Uma das medidas concebidas para
alcançar as metas de formação foi a
Política Nacional de Formação de
Profissionais do Magistério da Educação
Básica, publicada em 30 de janeiro de
2009 no Diário Oficial da União (DOU),
com objetivo de orientar os princípios da
formação e valorização de professores da
Educação Básica:
Tem a finalidade de atender às
disposições da Política Nacional de
Formação de Profissionais do
Magistério da Educação, instituída
pelo Decreto nº. 6.755/2009, cujas
diretrizes estão ancoradas no Plano
de Metas Compromisso Todos pela
Educação, criado pelo Decreto
6.094/2007 como programa
estratégico do Plano de
Desenvolvimento da Educação
PDE. Este Plano, lançado em 2007,
elenca entre seus objetivos principais
a formação de professores e a
valorização dos profissionais da
educação. (MEC/CNE, 2013, p. 31).
Nessa legislação reconhece-se a
necessidade da oferta de cursos para os
profissionais da educação em serviço e de
incluir, na formação inicial, domínios
socioculturais e sociopedagógicos que
abranjam a diversidade das solicitações dos
contextos em que operam.
Nessa perspectiva, as
Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN)
para a EJA, constituída por meio da
Resolução n. 01/2000 e do Parecer
CNE/CEB n. 11/2000, juntamente, com a
Resolução n. 03/2010, que instituiu as
Diretrizes Operacionais para a EJA, assim
como as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica das Escolas do Campo
(CNE/MEC, 2002) versam a importância
da formação docente no campo das
especificidades.
Nesse contexto, as experiência da
pedagogia da Terra na Universidade
Regional do Noroeste do Rio Grande do
Sul (1998) e a partir de 1999 das:
Universidade Federal do Espírito Santo,
Universidade Estadual do Mato Grosso,
Universidade Federal do Pará e
Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) que potencializaram no cenário
nacional debates sobre a formação docente
e as realidades socioculturais,
considerando os diferentes campos,
territórios e modalidades de atuação como
os casos da formação específica para os
educadores do campo e da Educação de
Jovens e Adultos.
Os Fóruns de educação do campo e
os fóruns de EJA fortaleceram em suas
bandeiras de luta a defesa de projetos,
vinculados política e ideologicamente a um
modelo crítico de formação de professores.
Em perspectiva ampliada, no caso da
formação de professores do campo,
identificados com a luta pela terra, ao
projeto de desenvolvimento social do
campo e ao modelo de escola do campo e,
quando se trata da formação de professores
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para educação de jovens e adultos,
vinculado aos sujeitos trabalhadores da
EJA (Arroyo, 2007, 2010; Antunes-Rocha,
2009, 2010; Caldart, 2004, 2002; Molina,
2010).
Essas concepções refletem o que tem
sido analisado em vários estudos, tanto em
relação à licenciatura em Pedagogia quanto
às demais licenciaturas, de que a formação
de professores para atuarem na Educação
do campo e/ou modalidade da EJA, é
realizada a partir de críticas aos modelos e
cursos pré-existentes que são marcados por
disciplinas obrigatórias isoladas e eletivas,
e por atividades disciplinares relacionadas
aos estágios obrigatórios dos cursos, ou
ainda por experiências de extensão.
Porém, na ‘contramão’ dessas
perspectivas de formação de professores,
pautadas em modelos críticos, que vinham
sendo construídas nos últimos 20 anos no
país, as Diretrizes Curriculares Nacionais
(CNE/CP 15/2017 e 15/2018) e a
Base Nacional Comum para a Formação
Inicial e Continuada de Professores da
Educação Básica (CNE/CP 2, 2019),
suscitam a ideia de reparo da realidade
educacional do país, a partir de uma base
nacional curricular comum, refletindo a
injunção de interesses econômicos
mundiais e nacionais compactuados em um
projeto de formação do professores,
pautado em competências, tem provocado
rupturas ao movimento, distanciando
ainda mais, as políticas públicas nacionais
de formação de professores da atenção no
campo da formação específica docente
(Neves & Brasileiro, 2020).
Partindo desses delineamentos, de
disputas em relação ao modelo de
formação de professores, faz-se necessário
pautar as vozes dos sujeitos, considerando
os processos psicossociais que os
constituem como professores do campo,
atuando na modalidade da EJA, assentar
num enfoque reflexivo. Aqui chegado, é
necessário situar as questões previamente
discutidas no locus, por excelência, deste
trabalho de investigação: a Amazônia.
Representações sociais como caminho
teórico metodológico
As representações sociais constituem
um campo teórico metodológico complexo
e difícil de conceitualizar pela sua
multidimensionalidade, na confluência
interdisciplinar de conceitos sociológicos e
psicológicos, mais ainda do ponto de vista
heurístico, que viabiliza o pluralismo
conceitual e o ecletismo metodológico
(Breakwell, 1993). No caso das
investigações na área da educação, essa
Teoria tem consubstanciado uma variedade
de reflexões em torno da diversidade do
contexto educacional, entre elas a
formação do profissional da educação. São
pesquisas que apresentam-se como uma
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incursão pelas veredas da atuação dos
professores a partir da sua trajetória,
composta por muitas lutas e conquistas, em
‘prol’ da sua valorização profissional,
esboçando valores que paulatinamente
orientam as concepções de docência e
sobre sua formação.
Ressalta-se que os estudos das
representações não tratam apenas dos
aspectos subjetivos, como descreve
Moscovici (1986), na teoria das
representações sociais, os aspectos
subjetivos se entrecruzam continuamente
no mundo cotidiano por meio da
comunicação estabelecida com os outros:
As representações sociais são
entidades quase tangíveis. Elas
circulam, se entrecruzam e se
cristalizam continuamente, através
de uma palavra, de um gesto, ou de
uma reunião, em nosso mundo
quotidiano. Elas impregnam a
maioria de nossas relações
estabelecidas, os objetos que nós
produzimos ou consumimos e as
comunicações que estabelecemos.
Nós sabemos que elas
correspondem de um lado, à
substância simbólica que entra na
sua elaboração e, por outro lado, à
prática específica que produz essa
substância do mesmo modo com a
ciência ou o mito correspondem a
uma prática científica ou mítica.
(Moscovici, 1986, p. 21).
Como um conhecimento prático
socialmente construído, seus estudos
apontam para o produto da interação para a
comunicação, ou seja, um conjunto de
valores que tem tanto a função de orientar
o sujeito em seu mundo social, quanto a
função de comunicar, de dar sentido ao
mundo que vive:
Um sistema de valores, ideias e
práticas, com uma dupla função:
primeiro, estabelecer uma ordem que
possibilitará às pessoas orienta-se em
seu mundo material e social e
controlá-lo; e, em segundo lugar,
possibilitar que a comunicação seja
possível entre os membros de uma
comunidade, fornecendo-lhes um
código para nomear e classificar, sem
ambiguidade, os vários aspectos de
seu mundo e da sua história
individual e social. (Moscovici, 1986,
p. 23).
Assim, com base nas obras de
Moscovici (2009), as análises sobre a
docência e as políticas de formação do
professor constituem um movimento
relacional entre os mundos objetivos e
subjetivos que não tratam apenas dos
saberes, capacidades e conhecimentos
necessários, mas envolvem também o
campo dos valores que orientam o
exercício da docência. Nessa perspectiva, a
subjetividade sobre a docência e sua
formação se constrói a partir da relação
com o mundo objetivo, ou seja, com os
outros que as constituem, o que implica
dizer, que seu estudo requer análises sobre
o impacto dos diferentes, outros sobre a
construção da representação, de pensar o
mundo. Como diz Freire (1996, p. 86),
“não penso autenticamente se os outros
também não pensam. Simplesmente não
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posso pensar pelos outros nem para os
outros, nem sem os outros”.
Ao associar a representação social ao
modo como o sujeito interage socialmente
no contexto em que vive, Moscovici (1978,
p. 48) concebeu as representações sociais
como “uma das vias de apreensão do
mundo concreto”. E Jodelet (1989)
complementa, em seus estudos, que as
condições de produção e circulação das
representações sociais ligam-se ao próprio
fenômeno, configurando a tríade
dimensional que engloba o entendimento a
respeito do fenômeno e do processo que o
constitui: a) quem sabe e de onde sabe? b)
O que sabe e como se sabe? c) Sabe-se o
quê e com que efeito? .
Desse modo, ao tratar-se dos estudos
de abordagem processual, as relações entre
o conhecimento do senso comum e do
contexto precisam ser amplamente
exploradas. Para Jodelet (2001), essa
relação entre sujeito, contexto, sentido
configura-se como um instrumento teórico
capaz de dotar os pesquisadores de uma
visão global do homem no seu mundo de
objetos. Dito nas palavras da autora “O
estudo dos processos e dos produtos, por
meio dos quais os indivíduos e os grupos
constroem e interpretam seu mundo e sua
vida, permite a integração das dimensões
sociais, culturais e com a história” (Jodelet,
2001, p. 57).
Por isso, assume-se neste estudo que
as RS são formas de ligação entre o sujeito
e o que ele representa, sem, contudo,
estabelecer nessa ligação, a diferença entre
a realidade percebida e a construída na
representação, mas no conteúdo que é
apreendido dessa relação. Dessa maneira,
ao articular o campo teórico de Moscovi
(1978) e Jodelet (2001; 2009), buscou-se
apresentar as RS a partir da
tridimensionalidade que as constituem:
sujeitos, sentidos e, ainda, as atitudes
geradas, configurando-as ao campo
representacional constituidor do processo
de categorização deste trabalho.
Dessa forma, no campo dos sujeitos
(quem sabe e de onde sabe?) foram
apresentados os sujeitos das representações
e como se representam; nos sentidos (o
que sabe e como se sabe?) são
apresentadas as experiências e os sentidos
construídos sobre o seu processo de
formação, e, por fim, no campo das
atitudes (sabe-se o quê e com que efeito?)
foram apresentadas as práticas pedagógicas
geradas a partir do curso, conforme tabela
a seguir:
Cunha, A. S., Loureiro, A. P. F., & Neves, J. V. (2021). Representações sociais sobre o processo formativo de professores do campo e da EJA no Brasil: a realidade
na Amazônia Paraense...
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ISSN: 2525-4863
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Tabela 1 Configuração do campo representacional.
QUEM SABE E DE ONDE SABE?
São apresentados como se representam
O QUE SABE E COMO SABE?
Serão apresentadas o percurso formativo e as
experiências construídas
SOBRE O QUE SABE E COM
QUE EFEITOS?
Ressignificação das práticas pedagógicas
Fonte: elaborada pelas autoras/2019.
Nessa perspectiva, o estudo foi
realizado com uma amostra de vinte
egressos do curso de Licenciatura de
Educação do Campo que atuavam como
professores na EJA nas escolas do campo,
selecionados dentre um total de quarenta e
oito egressos que concluíram o curso no
IFPA Campus Bragança, no interior da
Amazônia Paraense.
Para a realização da recolha de
dados, inicialmente, entrou-se em contato
com as Secretarias Municipais de
Educação (SEMED) dos Municípios do
nordeste paraense por meio da
coordenação da EJA para que fossem
disponibilizados os nomes dos professores
com as respectivas escolas do campo.
Posteriormente, selecionou-se os
professores que participaram do curso e
atuavam na EJA, critério estabelecido
como foco da investigação, em seguida
entrou-se em contato para definir os
encontros presenciais e, por conseguinte, a
realização das entrevistas semiestruturadas
e aplicação do questionário para alcançar o
objetivo da pesquisa.
No contexto desta investigação, a
caminhada faz-se no sentido de chegar às
inquietações sobre a formação específica e
a realidade social vivida no contexto
amazônico, tornando-se decisivo na
construção do objeto de estudo as
Representações Sociais, construídas pelos
egressos do curso da Licenciatura em
Educação do Campo acerca de sua
formação inical e os efeitos na prática
docente da EJA nas escolas do campo.
No que diz respeito à análise dos
dados, estabeleceu-se como estrutura a
análise dimensional das teorias das
representações sociais, considerando,
ainda, a técnica de Análise de Conteúdo
(AC) de Bardin (2015). No caso da análise
dimensional, com o intuito de melhor
elencar as dimensões de análises
significativas, os dados foram organizados,
considerando as dimensões aqui descritas,
representadas, sinteticamente, em Sujeitos,
Sentidos e Atitudes.
A técnica da AC de Bardin (2015)
permitiu identificar de forma sistemática os
conteúdos das representações por meio das
fases que a constitui (Pré-análise,
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Exploração do material, Tratamento dos
Resultados, Inferência e Interpretação).
As dimensões de análise dos Resultados
e Discussões
Primeira dimensão: Sujeitos Quem
sabe e de onde sabe?
Traçando o perfil dos professores
egressos, a partir da análise da questão
Quem sabe e de onde sabe? Os dados
obtidos refletem o pensamento de Freire
(2000), para quem o ser humano é,
naturalmente, um ser interventivo, que
deixa, no mundo, não uma pegada de
objeto, mas a sua marca de sujeito
protagonista da sua história em que
socialmente se faz e se refaz.
A imagem do professor-camponês,
que caracteriza o perfil dos professores
egressos do curso, é objetivada em torno
de duas ideias centrais: é camponês porque
se encontra imerso nas dinâmicas e lógicas
da realidade do campo; escolhe ser
professor como forma e estratégia de
garantir a sua permanência e a da sua
família no campo.
Para os entrevistados, a primeira
objetivação, ser professor, tem a ver com:
a) condições de trabalho e oportunidades;
b) identificação com a profissão, na própria
comunidade; c) exercício de outras
funções; d) tipo de contrato de trabalho; e)
desvalorização do trabalho na EJA do
campo; e f) perseverança em permanecer e
viver no campo.
Quanto à segunda, ser camponês, é
justificada, nos depoimentos, pelos
seguintes argumentos: a) entrada tardia na
escola; b) vivência da cultura no
quotidiano do campo; c) pertencimento e
estabelecimento de relações de parentesco;
d) vivência das realidades campesinas; e e)
partilha das mesmas situações do campo.
A discussão em torno da questão
pertinente acerca do processo de formação
inicial dos professores do campo tem a ver
com a visão de que os professores egressos
do curso de Licenciatura em Educação do
Campo, professores de EJA, são, também
eles, sujeitos da Educação de Jovens e
Adultos, que viveram o processo de
formação inicial numa fase tardia e estão
em pleno processo de aprendizagem. A
situação decorre não da ideia de
inacabamento de homens e mulheres, de
que fala Freire (1983), e que a Declaração
de Hamburgo (1997) confirmou, mas de
enfrentarem condições adversas, como a
falta de oportunidade, de valorização do
professor do campo, de acesso à educação,
a que se soma, ao fato de serem vítimas,
também, de exclusões sociais, enquanto
parte de uma população do campo.
No entanto, apesar de terem acesso à
formação inicial numa fase tardia das suas
vidas, comparativamente aos alunos de
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cursos institucionalizados, os professores
do campo começaram cedo uma carreira
no magistério no campo, visto que a
formação não constituía uma exigência
para ser professor do campo, tendo em
atenção às inúmeras possibilidades para a
docência, principalmente da EJA do
campo, levantam-se, ainda, várias questões
sobre a especificidade da formação do
professor de EJA e sobre a sua identidade.
Nesse sentido, a compreensão
processual, no campo teórico-
metodológico das Representações Sociais,
permitiu construir a teia representacional
que responde aos sentidos que os
professores do campo atribuem sobre o
processo de formação e os seus efeitos na
prática docente da EJA do campo, a partir
dos pressupostos de Jodelet (2001), de
acordo com a proposição metodológica
nesta investigação sobre as dimensões de
análise.
Os dados da presente investigação
revelam que os professores egressos, em
sua maioria, procuraram complementar a
formação em Educação do Campo com
uma Pós-Graduação ao nível da
Especialização em EJA, com a qual a
maioria se identificou. Isso não invalida os
méritos do curso de Licenciatura em
Educação do Campo como um processo
único e singular de saberes (re)construídos,
que ressignificaram a prática docente dos
que o frequentaram, refletindo o conceito
freireano de inédito-viável, a reflexão
acerca da possibilidade de os sujeitos
serem capazes de superar situações-limite,
que constituem freios, barreiras, obstáculos
à vida pessoal e social.
O processo de formação,
experienciado pelos professores do campo,
revelou-se um caminho de apropriação e
ressignificação da prática docente da EJA
do campo. Na dinâmica do Tempo
Acadêmico (TA) e do Tempo Comunidade
(TC), pautada pela Pedagogia da
Alternância e pelos seus eixos temáticos,
os professores puderam (re)construir
imagens e significados sobre o campo e da
docência nesse território, orientando novas
condutas de ser professor.
Em termos das Representações
Sociais, o processo de formação, para esse
grupo de professores do campo, foi único,
singular e significativo, logo, a sua lógica
de pensar e conceber a EJA, as suas
práticas pedagógicas e sociais nos
contextos de trabalhos, é entendida e
manifestada individual e coletivamente,
conforme é possível ver em seus
depoimentos:
... uma formação diferenciada, é uma
das contribuições que você vai
trabalhar no campo e para o campo,
com conhecimentos realmente
relacionados ao campo. (PE 05).
Cunha, A. S., Loureiro, A. P. F., & Neves, J. V. (2021). Representações sociais sobre o processo formativo de professores do campo e da EJA no Brasil: a realidade
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... os conhecimentos teóricos foram
fundamentais porque prática a gente
tinha, conhecia a realidade dos
alunos, mas o conhecimento teórico
foi fundamental. (PE 12).
... o curso de Educação do Campo
veio abranger os nossos
conhecimentos, ele nos qualificou
ainda mais, valorizar as culturas,
apesar de ser filho do campo a gente
conhecia a realidade, a gente
conhecia algumas práticas, mas agora
com as teorias que tivemos na
academia, nos proporcionou muito
mais ainda, hoje como graduados na
Educação do Campo temos
trabalhado valorizando a identidade
desse povo, a cultura e valores. (PE
16).
Dessa maneira, no âmbito da
investigação, foi possível identificar quão
importante é o processo de formação
inicial de professores e as mudanças
provocadas no desenvolvimento pessoal e
profissional, além de que traz para o debate
outras questões mais abrangentes, como a
transformação social dos contextos
escolares.
Em síntese, a pergunta quem sabe
são camponeses e professores do campo e
de onde sabe sabem a partir da
prerrogativa de terem vivido o processo de
formação do curso de Licenciatura em
Educação do Campo, em uma instituição
de Ensino Superior no interior da
Amazônia Paraense.
Segunda dimensão: Sentidos O que
se sabe e como se sabe?
A análise dessa dimensão de estudo
(O que sabe e como se sabe?) permitiu
inscrever as representações sociais dos
professores egressos do Curso de
Licenciatura em Educação do Campo,
quanto aos efeitos da formação na prática
docente da EJA do campo, bem como às
práticas e transformações sociais nas
comunidades campesinas, dando, desse
modo, consistência ao percurso
metodológico desta investigação, que
procurava identificar as objetivações e as
ancoragens, presentes nos processos de
formação das representações.
Partiu-se das condições materiais
(imagens) e das subjetividades
(significados) revelados pelos professores
egressos, no debate de que “a
materialidade das representações sociais se
configura na capacidade de percebermos
que o universo simbólico não se constitui
numa dimensão separada da vida social”
(Neves, 2007, p. 227), o que diz bem da
complexidade do processo de análise desta
dimensão.
Por isso, a análise sobre o que sabe e
o como saber está relacionada com a
experiência da docência, vivida nas escolas
do campo e do próprio processo de
formação. Logo, procurou-se, nos
depoimentos dos professores egressos, os
sentidos por eles manifestados,
identificando as objetivações e as
Cunha, A. S., Loureiro, A. P. F., & Neves, J. V. (2021). Representações sociais sobre o processo formativo de professores do campo e da EJA no Brasil: a realidade
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ancoragens, no intuito de compreender os
caminhos que constroem às representações
sociais por eles inscritas, relativas aos
conhecimentos construídos nesses
processos.
A prática reflexiva a partir das
vivências na realidade escolar e da
pedagogia da alternância, que envolveu o
tempo acadêmico e tempo comunidade,
descritas pelos entrevistados, permitiu
captar a realidade da sala de aula e da
comunidade e agir sobre o quotidiano do
contexto social em que o docente estava
inserido, assumindo um posicionamento
crítico-reflexivo, baseado nas discussões
teóricas da sala de aula.
Do mesmo modo, a rede de sentidos
que os professores egressos atribuem à
relação teoria/prática revela experiências
marcantes e afirmações positivas que
contribuíram para efeitos significativos ao
nível da prática diferenciada, nas escolas
do campo, e, com especial relevo, da
construção de uma identidade docente, no
campo, e na EJA do campo, como é
possível ver nos depoimentos a seguir:
O nosso curso, ele foi muito
dinâmico, a gente construiu tanta
coisa no decorrer dele, não foi algo
pronto, chegou é isso, até o final ele
foi sendo questionado, foi sendo
construído nesse processo até por ser
um curso novo e muita gente que
não se identifica e questiona a
própria validade do curso, o que nos
instigava muito também ... Ele trouxe
muita discussão teórica e pra quem já
tinha essa vivencia, essa relação com
o campo e tem identidade porque
uma coisa é você estar no campo e
ter identidade, outra coisa é você
estar no campo e querer sair e ter o
campo como se fosse algo ruim, algo
atrasado, eu acho que depende muito
da forma como você ver tua
formação antes, porque não foi a
licenciatura mas a tua trajetória no
campo antes da licenciatura, a tua
identidade, a tua relação com os
sujeitos, pra quem já tinha isso,
algum laço criado, a licenciatura
apenas fortaleceu, mas pra quem não
tinha a licenciatura por mais que
tenha sido uma licenciatura...assim a
gente teve os nossos desafios, foi
muito produtivo, mas a
licenciatura ela não muda o sujeito,
mas a partir da vivência dessa
relação. (PE 04).
... em relação à prática, uma prática
diferenciada que nós tivemos em
relação ao povo do campo, à EJA, a
gente não ensina como aprende
com o povo do campo, e a gente leva
em consideração aquilo que eles têm,
a identidade que eles têm, a
identidade deles dentro do campo.
(PE 01).
... O curso ajudou a fortalecer o
vínculo com campo, que eu tinha,
agora a gente esbarra com muita
burocracia, na própria escola do
campo, que ela não está adequada
para receber os sujeitos do campo ...
Alguns professores, por exemplo,
mesmo não vejam a Educação do
Campo muito além daquelas paredes
e a Educação do Campo ela vem
reafirmar isso. (PE 03).
Logo, os sentidos e os significados,
atribuídos ao curso pelos professores
egressos, respondem a segunda questão da
proposta teórica de Jodelet (2001) o que
se sabe e como se sabe acerca da
formação de professores do campo,
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partindo da ideia de que as representações
sociais ao longo do processo, observou-se
que, no discurso do Professor-Camponês
(cujo perfil foi caracterizado na primeira
dimensão de análise), o curso é objetivado
em termos de um conjunto de ideias
centrais, que o identificam e lhe dão
sentido, e se traduzem em: a) rupturas com
formação de professores generalista; b)
formação diferenciada e reconhecimento
profissional; c) relação teoria/prática no
processo formativo; e d) (re)construção das
relações identitárias com a docência do
campo e com a EJA.
Como campo simbólico de múltiplos
sentidos que compreende a rede de saberes
que orientam as RS dos professores
egressos, essas ideias centrais,
configuradas como as objetivações, são
justificadas por diferentes argumentos que
as ancoram.
Face às questões circunstanciadas
nessa segunda dimensão de análise,
apresentou-se, seguidamente, as
representações sociais construídas pelos
professores a partir da vivência do curso de
formação de professores da Licenciatura
em Educação do Campo, que constituem a
teia representacional da segunda dimensão
de análise O que sabe/ como se sabe.
Em síntese, a pergunta o que sabe
parte da lógica de que os professores
egressos sabem que viveram uma formação
diferenciada que rompeu com uma
conceção de educação descontextualizada,
fragmentada e generalista, e passa por uma
fase de transição entre o reconhecimento
profissional, por um lado, e a manutenção,
nas escolas do campo, de estruturas de
ensino que obedecem a uma lógica
urbanocêntrica; a pergunta como se sabe,
decorre da experiência vivida no processo
formativo do curso de Licenciatura em
Educação do Campo.
Terceira dimensão: Efeitos Sobre o
que se sabe e com que efeito?
A análise dessa dimensão de estudo
(sobre o que sabe e com que efeito?)
permitiu inscrever as representações
sociais dos professores egressos do Curso
de Licenciatura em Educação do Campo,
quanto aos efeitos da formação na prática
docente da EJA do campo, bem como às
transformações sociais nas comunidades
campesinas.
A conceção de prática aqui referida
encontra fundamentação em Freire (2004),
que a concebe indissociavelmente
articulada com a teoria, logo, sendo ambas
componentes da práxis uma unidade que
não se confunde com identidade, mas
representa-se numa relação de
conhecimento na ação, cujo significado
traduz o aperfeiçoamento da prática
docente, a partir da reflexão sobre a
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experiência da docência da EJA nas
escolas do campo.
As questões envolvidas na docência
da EJA, presentes nas unidades de sentidos
dos professores relacionam-se com as
imagens de satisfação, oportunidade única
e gratificante, experiência, realização,
compensação, orgulho, conquista,
contribuição que ressaltam do depoimento
dos professores inquiridos quanto à
representação de ser professor da EJA, nas
escolas do campo:
... Ser professor da EJA é aquela
questão da pessoa fazer o que gosta,
estar porque gosta realmente,
tentar contribuir com aquele sujeito,
porque assim, a EJA é uma
modalidade que assim muitos colegas
da gente estão por questões de
aumentar uma carga horária, muitos
falam claramente em não se
identificar com a turma e assim, ser
professor da EJA é aberto a tudo
isso, pronto a receber esses
sujeitos, que são sujeitos que cada
um tem uma característica, tem
comportamentos bem diferenciados,
então é realmente ter essa doação, ter
realmente um compromisso, é mais
essa questão da vocação mesmo. (PE
02).
...É gratificante, gratificante você
passar pra outras pessoas o que você
pode aprender quando se diz, entre
aspas, na idade correta, e você
também teve uma continuidade nos
seus estudos, porque infelizmente no
campo, infelizmente essa realidade é
totalmente diferenciada, são poucos
que conseguem dar um avanço, ter
um avanço nos seus estudos,
mesmo quem luta realmente. (PE 05).
Esses sentidos que constroem a ideia
de uma relação positiva com a EJA do
campo, justificam-se pelos argumentos que
expressam, quer pela identificação com os
sujeitos e os seus modos de vida, quer
pelas relações de afeto. A prática docente
que demarca uma relação positiva atribuída
à docência da EJA envolve, acima de tudo,
a identificação social com o camponês e as
suas condições sociais e culturais, que
possibilitam a união e a ligação entre os
sujeitos de direitos: aluno/professor e
comunidade.
Assim, é possível dizer que as
questões históricas de pertença a uma
classe social (trabalhadores e filhos de
trabalhadores do campo) perpassam a
prática educativa, na medida em que os
sujeitos vão coletivamente inserindo nas
escolas atividades que potencializem a
conscientização social e política da luta por
direitos básicos e em ‘prol’ de melhores
condições de vida e da construção de um
novo homem e de uma nova mulher do
campo.
Todavia, embora essas
representações evidenciem valores
atribuídos à ressignificação da prática
docente, haja vista que as práticas
concretizadas por esses professores
conterem as concepções da Educação do
Campo, têm, igualmente, mostrado que é
necessário que esses professores
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continuem a estudar e a melhorar as ações
que desenvolviam nas salas de aula de EJA
do campo, no sentido de vencer o desafio,
como é possível distinguir nos dois
próximos depoimentos:
... Representa um desafio, um desafio
muito grande trabalhar com essa
modalidade, porque, apesar de tudo,
tem algumas formações, mas a gente
sempre tem alguma dúvida ou
alguns... falta algo pra gente
complementar e fazer um bom
trabalho. (PE 09).
... É um desafio e eu estou disposto a
cada dia a estar buscando a me
preparar e enfrentar esse desafio né,
um desafio prazeroso mesmo. (PE
06).
... em relação à prática, uma prática
diferenciada que nós tivemos em
relação ao povo do campo, à EJA, a
gente não ensina como aprende
com o povo do campo, e a gente leva
em consideração aquilo que eles tem,
a realidade que eles tem, a identidade
deles dentro do campo. (PE 01).
Nesse sentido, considera-se que o
processo de ressignificação da prática
docente encontra-se em articulação com o
processo de reflexão sobre as experiências
acumuladas, tanto na prática docente
anterior ao curso, como durante e após o
curso, bem como sobre os próprios
conhecimentos teóricos/práticos adquiridos
no decorrer do curso. Como diz Pimenta
(2011, p. 65), “a prática se torna
fundamento e referência da verdade da
teoria que a reflete; e a teoria se converte
em órgão de representação e instrumento
de orientação da práxis”.
Perante esses depoimentos, é
legítimo concluir que o papel do educador
do campo, no exercício da prática docente
da EJA, não configura apenas a tarefa de
ensinar conteúdos, mas, na medida em que
traz à superfície a necessidade da dimensão
humana no processo formativo dos alunos
da EJA, aponta, também, a função de
valorizar a identidade dessas comunidades
e a sua cultura, como forma de enfrentar o
desafio de ensinar o aluno da EJA do
campo. O que equivale a dizer que, nesse
processo educativo da EJA do campo,
educador e educandos são compreendidos
como sujeitos aprendentes, históricos,
intervindo integralmente no mundo. Dessa
maneira, a preocupação subjacente à
educação não se esgota no aumento da
escolaridade, mediante a certificação, mas
vai mais longe, contemplando a formação
da cidadania.
Mesmo compreendendo que a
necessidade de formação ultrapassa o
desejo de uma formação especifica, visto
que esta encontra-se articulada com um
projeto e uma concepção de educação que
se quer construir na realidade do campo,
no Brasil, cujos efeitos positivos também
ganham força no discurso dos professores
egressos, na medida em que foi ao
encontro da natureza do contexto, onde
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esse professor egresso atuava e atua. Logo,
a ressignificação da prática docente do
professor está, também, na natureza do
contexto em que ele atua.
Assim, as respostas à questão que
identifica as representações sociais, sobre
os efeitos na prática docente a partir do
processo formativo, revelaram as imagens
e os sentidos sobre as construções e
relações das experiências mais
significativas da formação vivida, ao longo
do desenvolvimento do curso,
correspondendo ao que Jodelet (2005)
designa por vivido, mostram que teceram-
se relações entre experiências e
representações sociais.
É possível afirmar que as
representações sociais dos professores
egressos sobre a sua formação e os efeitos
dessa na prática docente da EJA do campo
constituem-se a partir do vivido no curso e
dos contextos de trabalho no campo. E
embora cada um desses professores
egressos, participantes desta investigação,
carregue histórias de vida com laços
identitários com o campo e com a EJA, em
contexto social diferente, não distanciam-
se da similitude que os define como
Professores do Campo, que responde a
questão sobre o que sabe e como é feito?
ressignificaram as suas práticas docente
da EJA do campo no quotidiano da
formação como um todo e,
consequentemente, no contexto de trabalho
escola do campo.
Por fim, pode-se dizer que as
representações sociais dos Professores do
Campo sobre o processo de formação e
seus efeitos na prática docente da EJA do
Campo ressaltam sentidos e significados
que convergem com os objetivos do curso
de Licenciatura em Educação do Campo,
no que se refere à prática diferenciada
como forma de adequação às
especificidades das populações do campo.
Por fim, os efeitos não fizeram-se sentir,
exclusivamente, na prática docente, e sim
estenderam-se a outras práticas
significativas, como as intervenções nas
realidades dos contextos escolares das
comunidades campesinas amazônicas que
esses professores passaram a atuar.
Considerações finais: um olhar sobre a
caminhada
Ao final da pesquisa, conclui-se que
a formação em educação do campo é
identificada pelos seus sujeitos como
necessária e sinalizando, com isso que, por
trás da indicação geográfica está uma parte
do povo brasileiro que vive em diversos
lugares, que marcam as relações sociais
específicas que compõem a vida no e do
campo, em suas diferentes identidades e
em identidade comum, assim como estão
sujeitos de diferentes culturas, idades,
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estão famílias, comunidades, organizações
e movimentos sociais. Assim, é a partir
dessa expectativa que o formador do
campo tem um papel exato de educar esses
sujeitos que trabalham no campo para que
articulem-se, organizem-se e assumam a
condição de sujeitos e a direção de seu
próprio destino (Caldart, 2005).
Dessa forma, é preciso ampliar as
discussões sobre formação específica no
debate geral acerca de uma educação que
articule e contribua com desenvolvimento
do país, mas para isso é importante investir
e valorizar a formação profissional
docente. Esse foco tem em pauta pensar
uma política de educação que se preocupe
também com as peculiaridades e modos de
educar quem é sujeito deste direito.
Ao enveredar, nesse sentido, nas
trilhas das representações sociais é
necessário nessa complexa e instigante
tarefa construir uma articulação entre o
individual e o coletivo, configurando um
jogo em que elementos estruturais
coexistam como instrumento de
materialização da subjetividade de sujeitos
históricos e sociais, uma vez que, com base
no processo formador das representações,
como afirma Moscovici (1984, p. 20), “o
propósito de todas as representações é o de
transformar algo não familiar, em
familiar”.
Os resultados deste estudo apontam
que as representações sociais dos
professores sobre o curso de Licenciatura
em Educação do Campo inscrevem-se em
significados e em sentido, revelando que a
formação específica, voltada às
necessidades dos povos do campo, tem
contribuído com conhecimentos e
processos de aprendizagem para mudanças
significativas na prática pedagógica nas
escolas do campo.
Do mesmo modo, que as
representações sociais, construidas dos
professores sobre o curso de Licenciatura
em Educação do Campo, contribuem para
fomentar políticas públicas educacionais a
respeito da expansão dessa oferta para os
professores que ainda não tiveram
oportunidade de uma formação inicial e
específica, tais representações apontam
essa formação como positiva e necessária
para (re)pensar e inovar as práticas
pedagógicas, desenvolvidas nas escolas do
campo, bem como, ajudam a compreender
a dinâmica social e política de ser e viver
dos sujeitos do campo.
Esses resultados revelam os
interesses antagônicos quando considera-se
a proposta que alicerça as Diretrizes
Curriculares Nacionais e Base Nacional
Comum para a Formação Inicial e
Continuada de Professores da Educação
Básica que, ao contrário da defesa da
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formação especifica, defende projetos de
formação do educador, pautados em
competências para “garantir o direito de
aprender do aluno” como diz Chizzotti e
Silva (2018), um projeto que coloca os
empresários no comando da educação
nacional, adaptando-a, segundo a lógica do
mercado.
Nesse sentido, os estudos apontam
novos olhares para a problemática em foco
no contexto educacional brasileiro, sobre a
especificidade no campo da formação de
professores, que ainda é uma realidade de
privação desse direito em muitas
comunidades amazônicas, dentre outros
campos brasileiros.
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 22/03/2021
Aprovado em: 04/05/2021
Publicado em: 12/07/2021
Received on March 22th, 2021
Accepted on May 04th, 2021
Published on July, 12th, 2021
Contribuições no Artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
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No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
Cunha, A. S., Loureiro, A. P. F., & Neves, J. V. (2021). Representações sociais sobre o processo formativo de professores do campo e da EJA no Brasil: a realidade
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v. 6
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10.20873/uft.rbec.e11819
2021
ISSN: 2525-4863
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APA
Cunha, A. S., Loureiro, A. P. F., & Neves, J. V. (2021).
Representações sociais sobre o processo formativo de
professores do campo e da EJA no Brasil: a realidade na
Amazônia Paraense. Rev. Bras. Educ. Camp., 6, e11819.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11819
ABNT
CUNHA, A. S.; LOUREIRO, A. P. F.; NEVES, J. V.
Representações sociais sobre o processo formativo de
professores do campo e da EJA no Brasil: a realidade na
Amazônia Paraense. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 6, e11819, 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11819