Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ENTREVISTA/INTERVIEW
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11829
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
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2021
ISSN: 2525-4863
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Uma caminhada da Psicologia com a Educação do Campo:
entrevista com Maria Isabel Antunes-Rocha
Entrevistador: Dr. Luiz Paulo Ribeiro
Entrevistada: Dra. Maria Isabel Antunes-Rocha
Luiz Paulo Ribeiro
1
1
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Departamento de Ciências Aplicadas à Educação Faculdade de Educação..
Av. Antônio Carlos, 6627 - Pampulha - Belo Horizonte - MG. Belo Horizonte - MG. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: luizpr@ufmg.br
Introdução
Maria Isabel Antunes-Rocha é
professora titular do Departamento de
Ciências Aplicadas à
Educação (DECAE) da Faculdade de
Educação da Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Brasil. Ela se
graduou em Psicologia pela UFMG (1983),
fez mestrado em Psicologia e doutorado
em Educação. Realizou dois estágios pós-
doutorais: um na Universidade Estadual
Paulista Júlio Mesquita Filho (UNESP),
desenvolvendo estudos sobre
Territorialidades, e um na Pontifícia
Universidade Católica de São Paulo (PUC
São Paulo) sobre Representações Sociais.
Como professora da UFMG desde
1995, ela atua em cursos de formação de
professores, mantendo sua referência na
Psicologia Social e direcionando olhares e
ações aos movimentos sociais e sindicais
campesinos. Nesse envolvimento, em
atenção às demandas desses movimentos
por educação e vislumbrando o
compromisso social das universidades
públicas brasileiras, Maria Isabel
colaborou intensamente na execução da
primeira turma de formação de professores
para atuar em escolas do campo, em 2004,
e participou, em 2008, da oferta piloto,
juntamente com a Universidade de Brasília
(UNB), Universidade Federal de Sergipe
(UFS) e Universidade Federal da Bahia
(UFBA), de cursos de Licenciatura em
Educação do Campo. Desde então, sua
relação e contribuição com a área da
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Educação do Campo e da formação de
professores para atuar nas escolas do
campo.
Assim, esta entrevista foi feita para
entender, através da história profissional da
professora Maria Isabel, formas de
aproximação da psicologia com as
populações do campo no Brasil e, em
específico, as correlações entre a
psicologia e o campesinato.
Luiz: Como foi sua formação, quais
os autores/obras que mais te
influenciaram e como ela colaborou para a
sua aproximação com os movimentos
sociais do campo e com a educação?
Maria Isabel: Na época em que eu
estudei Psicologia, entre 1978 e 1984, era
um momento muito importante,
transformador na sociedade brasileira. A
gente estava vivendo a luta pela anistia; a
luta pela abertura política, vários
governadores e prefeitos, na época do
MDB, de oposição, estavam sendo eleitos.
Isso repercutia na universidade, nos
debates, nas discussões e nos eventos. A
universidade criou, na época, um programa
de extensão chamado Projeto
Metropolitano, desenvolvido nas regiões
periféricas de Belo Horizonte, trabalhando
a organização da população. Era muito
interessante porque havia um pequeno
recurso, algo mais para estimular, mas
tinha um valor que aquela comunidade
deveria decidir coletivamente como usar.
No Projeto Metropolitano eu
trabalhava num bairro de pessoas com
baixa renda de Belo Horizonte com uma
equipe interdisciplinar. Esse projeto de
extensão foi fomentado e tinha a
participação, no meu curso na UFMG, do
grupo da Psicologia Social. Era uma
equipe com estudantes de Pedagogia, de
Psicologia, de Medicina, de Direito e de
Administração. Foi difícil porque o papel
do psicólogo, naquele momento, era ou na
educação, ou no trabalho, ou na clínica. O
nosso orientador na época, o professor
Cornelis Johannes Van Stralen
i
é uma
pessoa que vale a pena ser citada, que foi
muito importante na construção dessa
discussão na universidade -, foi buscando
parcerias, que o que estava acontecendo
no Brasil também acontecia nos outros
países da América Latina. Começou-se a
pensar na ideia da Psicologia Comunitária.
Aqui em Belo Horizonte, a PUC também
fazia esse trabalho através do professor
William Castilho que, na época, fazia
publicações e discussões sobre o tema O
William fez um evento sobre isso. lvia
Lane, em São Paulo, coordenava muitos
projetos nesse sentido. Isso deu um estofo
metodológico para essa prática.
Eu fazia estágio de Psicologia
Comunitária. O que era a Psicologia
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Comunitária? Eu era responsável, no
grupo, por organizar as reuniões, ajudar o
povo a gestar os conflitos, os sentimentos,
as dificuldades, identificar pontos de
tensão no grupo, os medos que as pessoas
sentiam, as disputas, as dificuldades de
liderança. Naquele momento, a gente tinha
os aportes do Pichon Rivière, o psicodrama
do Moreno e as discussões da Psicologia
Comunitária. O William Castilho inclusive
tem um livro chamado Dinâmicas de
Grupos Populares (Castilho-Pereira, 2011)
e as discussões teóricas da Sílvia Lane, que
depois redundam no livro O Homem em
Movimento (Lane & Codo, 1989), surgem
desse comprometimento de uma parte da
Psicologia, muito voltada para participar
do processo que estava acontecendo no
Brasil.
Quando eu formo, onde vou
trabalhar? Fui atrás de onde poderia
encontrar um trabalho. De repente, no
governo de Minas Gerais, o MDB tinha
ganhado a eleição, tinha um programa
chamado Programa Desenvolvimento
Rural Integrado, que era muito parecido
com o Projeto Metropolitano quanto à
metodologia e era um programa financiado
pelo Banco Mundial, que tinha interesse de
passar o recurso diretamente para a
população, o Estado era o mediador.
Quando descobri que tinha esse programa,
fiz a inscrição, participei da concorrência.
E fui para o Vale do Jequitinhonha
ii
, lá
começa a minha aproximação, enquanto
psicóloga comunitária, com as
comunidades rurais do Município de
Itamarandiba.
E aí os desafios vieram,
metodológicos e teóricos, porque os
aportes da Psicologia Social, naquele
momento, eram insuficientes e o trabalho
interdisciplinar - tinha agrônomo,
engenheiro, era um grupo muito grande
nesse trabalho - precisava de outros
aportes. Me lembro de que me aproximei
da educação popular com o Paulo Freire. A
gente precisou estudar Economia,
Sociologia, Marx, Weber, Durkheim. A
minha formação na Psicologia e o meu
foco na Psicologia Social foram
fundamentais porque vinha com uma
leitura do Lapassade, Bion, Moreno e do
Pichon Riviére, que era um lado mais
crítico. Eu vinha conhecendo a Maritza
Monteiro, a Elizabeth Bonfim, o William
Castilho, o grupo da Sílvia Lane. Me
lembro de que o Eduardo Vasconcelos, da
PUC, já tinha publicado naquela coleção
‘O Que É?’ o livro O que era é a
Psicologia Comunitária’ (Vasconcelos,
1985), o que ajudou muito a gente.
começa o meu trabalho. É um trabalho em
que eu passei como psicóloga por muitas
coisas. Num momento, achei que eu não
era psicóloga, que era socióloga,
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antropóloga, os limites de minha profissão
perderam-se, alargaram-se e estreitaram-se.
Tiveram momentos em que me via a
própria psicóloga clínica. Passei por todas
as contradições, não foi uma coisa
tranquila. No grupo do Projeto
Metropolitano tinha o apoio dos
professores que orientavam. Lá, como
profissional, era eu comigo mesma e não
tinha muito psicólogo que trabalhava no
programa. Mais tarde constatamos que
tinha gente no Nordeste, principalmente
em Pernambuco, que estava escrevendo,
refletindo, e tinha psicólogo nesses grupos.
Mas a tramitação e o acesso, na época, não
era assim como hoje: você publica e na
internet. Naquele tempo, demorava a
chegar, mas foi possível identificar uma
produção no Nordeste elaborada por
psicólogos.
Essa foi a minha porta de entrada,
com todos os desafios possíveis e as
certezas, no sentido da minha posição
política enquanto profissional, porque eu
tinha uma perspectiva de contribuir com a
construção de uma sociedade mais
democrática, mais justa, de direitos. Quem
eram os parceiros desse trabalho? Os
sindicatos dos trabalhadores rurais e as
associações de produtores. Vale a pena
conhecer o que foi esse programa no Vale
do Jequitinhonha porque contribuiu muito
para essa mobilização, para essa
organização política. Inclusive, a gente
aprendeu muito a discutir, a organizar e a
construir programas mais coletivos.
Inclusive, registro um texto que eu
publiquei num evento organizado pelo
grupo de Psicologia Social Brasileira, que
aconteceu aqui em Belo Horizonte, em que
faço um relato dessa experiência em
Itamarandiba. Foi um congresso grande
que aconteceu aqui em Belo Horizonte na
área do trabalho social, que pretendia
abarcar essas atividades feitas nessa
perspectiva. Esse trabalho foi selecionado
e entrou no livro dos anais do evento
(Rocha, 1992). Eu o guardo muito carinho,
porque olho para aquele registro, para esse
texto, e vejo as minhas inquietações,
apresentadas ali, o que aquela experiência
trouxe para mim como psicóloga, que se
colocava como psicóloga social, fazendo
um trabalho na perspectiva da psicologia
comunitária, e vejo que, ao longo da minha
vida, foram as questões que me
movimentaram.
Luiz: Isabel, nesse percurso você se
aproximou da escola e da educação, como
isso aconteceu?
Maria Isabel: Foi um momento
muito específico na minha vida porque
trabalhávamos com os grupos, famílias
agricultoras, homens agricultores, jovens
agricultores, mulheres, reuniões com a
comunidade, reuniões para fortalecer os
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sindicatos, organizando grupos para fazer
diagnóstico dos problemas, para fazer a
gestão dos projetos. O grupo fazia o
diagnóstico do local e depois identificava
os problemas prioritários que geravam
projetos: uma pequena barragem, uma casa
de farinha, um engenho, a compra de um
trator, sempre com gestão comunitária.
Ninguém sabia fazer isso, dava muito
conflito, muita dificuldade. Este era o meu
trabalho, atuando justamente com os
grupos para ajudá-los a resolver os
conflitos, na época a gente falava em
"uma vivência comunitária”. Destaco que
em várias comunidades em que atuava em
Itamarandiba as reuniões eram nas escolas.
Geralmente, em dia de reunião não tinha
aula porque a reunião, às vezes, durava
uma tarde inteira, outras vezes, um dia
inteiro, ou finais de semana. Eu não me
lembro, Luiz, de, nos anos iniciais, ter
pensado sobre aquela escola.
Teve um momento ímpar nessa
trajetória em Itamarandiba quando chegou
uma professora, inclusive da UFMG, para
trabalhar com formação de professores. Eu
recebi uma carta do Programa dizendo que
deveria mobilizar os professores que
atuavam no meio rural e, então, fui
procurar esses professores. Eu conhecia
aquelas comunidades como a palma da
minha mão, tinha diagnóstico do
Município inteiro, mas não sabia onde
estavam os professores. Na época tinha um
órgão estadual de educação, que procurei,
ao que responderam que "essas professoras
são todas ligadas à Prefeitura, nós não
temos gestão sobre elas, são do
Município". Para mim, escola era do
Estado, não tinha essa ideia de escola ser
do Município. Isso foi em 1987 mais ou
menos. Assim, fui na Prefeitura, falei com
o prefeito sobre esse evento de formação.
No dia e horário marcados chegaram as
professoras, destaco que eram todas
mulheres. Ela passou um questionário para
as mulheres preencherem e fiquei
responsável pela sistematização dos dados.
Fiquei impactada: poucas tinham
concluído os anos finais da Educação
Básica, a maioria não tinha vínculo
empregatício ( o contrato era informal),
trabalhavam na sala de sala da própria casa
ou em uma igreja. Poucas atuavam em
prédios construídos para funcionar uma
escola. E para todas era a primeira vez que
participavam de um curso de formação.
Para não dizer da precariedade do material
didático. Para falar a verdade, fiquei
completamente impactada: "gente, mas
então o processo de exclusão dessas
pessoas começa na infância, nem escola
elas têm, por isso que a maioria das
pessoas com quem eu trabalho, dos
adultos, não sabe ler e escrever, e esses
meninos também não vão saber ler e
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escrever". em Itamarandiba, naquela
época, todas as escolas rurais iam até a
terceira série. Se o pai e a mãe quisessem
que o filho fosse para a quarta série, eles
tinham que levá-lo para a cidade e poucos
pais tinham condição para isso. Por
exemplo, eu lembro de uma liderança que
ficou muito marcada para mim, que foi o
seu Serafim. Um dia ele disse: "Isabel, eu
até podia levar as minhas meninas, mas
não queria elas trabalhando de escravas
domésticas porque eu vou levá-las para lá e
elas vão ser escravas domésticas, vão
estudar à noite, estudo fraco, é melhor elas
ficarem aqui com a terceira série". Nessa
altura das coisas comecei a me mobilizar
para trazer essa discussão para o projeto,
então comecei a articular com a área da
educação.
Nessa época, eu estava dando aula
num curso de magistério em Itamarandiba,
que eu era formada em Psicologia, tinha
licenciatura e fui convidada para lecionar.
Eu desenvolvi um projeto com os
estudantes, mandei o resultado desse
projeto para essa professora. Ela xerocou e
encadernou, uma coisa do outro mundo
naquela época, eu achei demais! Ela fez
isso com 500 volumes e enviou para
Itamarandiba, para que eu pudesse
distribuir e discutir a questão da
comunidade, da cultura. Eu fui me
envolvendo e começando a pensar.
Naquele exato momento eu fui demitida,
porque teve uma grande greve dos
funcionários públicos em Minas Gerais,
em 1987, e eu fiquei na liderança da
região, do polo Itamarandiba, Capelinha,
Carbonita. Aquela foi uma greve grande,
muito potente, todas as áreas estavam
envolvidas (saúde, educação), todos os
funcionários. Ficamos três meses sem
receber e depois, pela exaustão e
esgotamento, voltamos a trabalhar em
novembro. que com a volta eles
escolheram 394 lideranças para serem
demitidas. Eu me lembro de que isso me
marcou, foi no dia 23 de dezembro que nós
recebemos a notícia. Desses 394, um
número significativo era desse programa,
porque foram pessoas muito atuantes. O
nosso grupo que trabalhava no Baixo
Jequitinhonha e no Médio foi todo
demitido, ninguém ficou. ficaram
alguns que eram da Associação dos
Funcionários, que, pela lei, não podiam ser
demitidos. Esse foi um processo de
desgaste para todos, o fim de um trabalho.
Fui demitida, mas esse negócio da escola
tinha entrado nos meus pensamentos, eu
estava preocupada com isso. Foi um ano
que eu fiquei desempregada. Nesse
período, um conhecido meu foi eleito
prefeito numa cidade pequena e eu tinha
conversado com ele sobre a questão das
escolas, conversado com ele sobre o meu
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trabalho, como tinha me impactado. Eu me
lembro de que ele ligou no final de janeiro
e falou: "Assuma aqui. Você tem razão,
não estou entendendo o que é isso. Tem
gente que recebe, tem gente que não
recebe, eu não estou entendendo, não tem
ninguém para tomar conta aqui na
Prefeitura, você não quer vir?". Não existia
Secretaria, Luiz, isso era início de 1988.
Não tinha um lugar, tinha apenas um
funcionário. Não tinha arquivo, não tinha
lugar, não tinha frequência das crianças,
não tinha nada. Ele criou um ‘Setor de
Educação’ porque eu falei para criar algum
nome para o lugar em que eu iria ficar,
porque tinha que ter um nome. Certo dia eu
pensei que se: "nesse Município, que é
historicamente organizado, um Município
que tem luz, água, esgoto, não tem muita
história de gestões fraudulentas, ou
qualquer outra coisa assim, e a escola está
assim, como será que estão os outros?".
Então, comecei a ligar para as outras
Prefeituras da região para conversar com
as outras pessoas e saber, tentar entender o
que eu tinha que fazer. Nas outras
prefeituras, não tinha ninguém responsável
pela educação. Na época eu descobri, por
exemplo, que se o aluno vinha para a
cidade, se o pai e a mãe conseguiam trazê-
lo para a escola, quando ele chegava, não
precisavam trazer a transferência, faziam
um teste com ele e, automaticamente, ele
voltava para a primeira ou para a segunda
série.
Comecei a trabalhar com formação
de professores e expus para o prefeito a
necessidade de construir escolas. Ele dizia
"mas não tem dinheiro", ao que eu
respondia "mas não é possível que não
tenha dinheiro para voconstruir escolas.
Então você tem que empregar essas
pessoas, pagar essas pessoas" e, ao mesmo
tempo, sabia que “elas não tinham
formação". Eu comecei a fazer uma
confusão dentro dos meus limites, porque
eu não tinha ideia de que isso era uma
coisa nacional. Até então, eu conseguia ver
o Município onde atuava e alguns
Municípios. Eu me lembro de que, no meio
dessa situação, teve um retorno meu para a
Secretaria de Trabalho, de Estado e Ação
Social. O Banco Mundial colocou o
governo de Minas numa pressão, porque
como saíram mais de 80% dos técnicos que
trabalhavam no MGII Programa de
Promoção dos Pequenos Produtores
Rurais, o programa corria o risco de ser
extinto pelo Banco Mundial. Assim, a
única opção que eles viram foi chamar
alguns técnicos de volta, sendo que eu
estava entre esses. Voltei para o programa
e tive uma experiência maior, pois voltei
atuando em alguns Municípios do Norte de
Minas, já procurando ‘a escola’.
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Num determinado momento, vim
para Belo Horizonte coordenar esse
trabalho de organização de comunidades
no Estado. O meu cargo era técnico em
desenvolvimento de comunidades. Aquele
momento possibilitou um novo pensar
nessa questão da escola. Eu me lembro de
que fiz um ofício e fui na Secretaria de
Educação do Estado e eles me disseram:
"isso é prerrogativa das prefeituras" e que
as prefeituras que cuidam da escola no
meio rural, o Estado não tem gerência
sobre isso". Na época, eu alertava: "mas
são mais de 800 Municípios. Se eles não se
reúnem, é cada um com a sua cabeça".
Posteriormente, eu fui para o
mestrado, tentando levar uma discussão do
preconceito, porque essa era outra questão
que estava muito forte para mim. Desde o
início do trabalho com a população rural,
eu percebi que na luta deles por direitos,
eles tinham que lutar contra o preconceito
instituído na sociedade, que estava
internalizado inclusive. Era um grande
sofrimento para uma liderança quando
entrava, por exemplo, num banco, para
uma reunião, porque a todo momento ele
era desrespeitado. Para mim, essa questão
do preconceito era muito forte, tanto que
levei isso para o Mestrado e, na pesquisa,
eu me reencontrei com a escola. Quando
eu contei essas histórias todas, a minha
orientadora
iii
sugeriu: "por que você não
leva essa discussão do preconceito para a
escola, para os professores, que a escola
te mobiliza tanto?". E, assim, eu fui para a
escola trabalhar como os professores
lidavam, o que eles pensavam e sentiam
em relação aos estudantes, aos jovens e as
crianças do meio rural. eu fiz uma
aproximação mais teórica e fui definindo o
meu futuro.
Luiz: Conhecendo a sua trajetória, é
que você começa a se aproximar da
Teoria das Representações Sociais, que é
uma teoria da Psicologia.
Maria Isabel: Sim, porque no
mestrado, quando me propus a trabalhar o
preconceito, a minha orientadora falou: "o
preconceito é uma forma de organizar,
tanto o pensamento, quanto o sentimento e
as práticas. O preconceito não é um
atributo individual. Ele, além de ser
construído coletivamente, é partilhado e a
gente precisa tratar o preconceito como um
processo psicossocial e não como um
processo individual". Foi que ela me
apresentou, por volta de 1993, 1994, a
Teoria das Representações Sociais
(Moscovici, 2012), que achei
extremamente interessante. Então, comecei
a estudar, fiz as entrevistas com os
professores e trabalhei buscando, na teoria,
alguns elementos para analisar as suas
narrativas. Na época, eu ainda não tratava
como "narrativa", falávamos "entrevista",
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narrativa veio depois. Eu comecei ali. Uma
coisa interessante é que por questões
pessoais eu tive dificuldades de
deslocamento na época , não era possível
ir para o Município a que eu tivesse acesso
para conversar com os professores do meio
rural. Eu achei uma situação exemplar, por
assim dizer, para o pesquisador, em Belo
Horizonte, quando teve um momento, entre
1990, 1991 até, mais ou menos, 1994, em
que a cidade recebeu um número de
imigrantes altíssimo das áreas rurais. Essas
pessoas ficavam ali, na Igreja São José
iv
,
na Praça Sete, amontoadas, centenas delas,
não sabiam o que fazer. Vinham do Sul,
onde ampliou-se a produção de café; elas
vinham da região Noroeste, onde
ampliava-se a produção de cana; Elas
continuavam vindo do Vale Jequitinhonha,
onde estendia-se a monocultura do
eucalipto. Era possível identificar de onde
vinham essas pessoas quando
articulávamos com os processos de
expropriação realizado pela expansão do
agronegócio nas diferentes regiões
mineiras.
O governo agiu emergencialmente,
construindo um conjunto habitacional num
abrir e fechar de olhos aqui em Belo
Horizonte. Fizeram do dia para a noite,
levaram essa população toda para e
fizeram uma escola e essa turma recebia
aulas dos professores da cidade.
Eu fui entrevistar essas professoras,
sabendo que esse pessoal tinha acabado de
chegar do campo e tinha todas as
características e hábitos. O trabalho nessa
localidade foi importante, porque foi a
primeira vez que eu vi um professor da
cidade trabalhando com uma população
marcadamente camponesa.
No período em que eu trabalhava,
tanto no norte de Minas, quanto no Vale do
Jequitinhonha, lembro-me de uma coisa:
boa parte dos professores morava no meio
rural. De forma geral, eram filhas, netas ou
esposas de fazendeiro.
Em 1993, os movimentos de luta
pela terra estavam consolidados no país.
Quando eu termino a dissertação, em 1995,
o próprio MST tinha produção de
material, estava discutindo um projeto
de educação. Eu tinha a oportunidade de
participar disso porque eu acompanhava
essa discussão da luta pela terra, assim
como, até um determinado momento,
acompanhei a luta dos atingidos por
barragens, porque foi uma época de muita
construção de barragem naquela região.
Foi quando eu defendi a dissertação, que
eu vim para a UFMG, porque eu defendi
em dezembro e em março de 1996 eu
passei no concurso. Então, dentro da
UFMG, na Faculdade de Educação, setor
de Psicologia da Educação, levo o meu
projeto da formação e prática de
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professores no meio rural. O projeto que eu
apresentei na época da minha contratação,
portanto, dizia respeito a discussão toda, a
questão do preconceito, a própria Teoria
das Representações Sociais e as
contribuições. Tive muita resistência,
porque eu ouvi de várias pessoas: "esse é
um assunto que está esgotado
academicamente, ninguém mais está
discutindo educação rural, acabou, isso
foi resolvido", porque a própria
Constituição de 1988, criou regras para
contratar funcionário público e, depois, a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
v
estava no forno, ia ser aprovada, e
criaria as redes municipais, então isso
tinha se resolvido. Mas, no lugar de onde
eu vim, eu sabia que não estava resolvido.
Eu, cabeça dura, falei: "eu vou continuar".
Eu ouvi muitos "nãos", "eu acho que você
vai ficar isolada, é um assunto fraco", ouvi
muito isso, ouvi tanto, e de pessoas muito
bem-intencionadas, porque falaram: "você
vai ficar sozinha na universidade, não tem
mais que discutir esse tema". Eu falei: "eu
sei que, de onde eu venho, precisa. Eu
conheço uma realidade que precisa ser
discutida, os professores não estão
contratados e formados como vocês
pensam; a prática dos professores e a
escola são precárias. Tudo o que vocês
leram dos anos 60, 70 não mudou muita
coisa, está até pior um pouco, porque,
antes, pelo menos eram as próprias
professoras do campo, agora nem são
mais". Em 1996 é um momento que tem o
I Encontro Nacional da Educação na
Reforma Agrária, o I Enera Encontro
Nacional dos Educadores da Reforma
Agrária. Quando eu chego na universidade,
encontrei um outro colega que não discutia
educação, mas discutia os movimentos
sociais e a gente tinha acesso, já, a uma
produção específica que o MST estava
fazendo, com críticas, levantando nas
universidades esse silêncio que havia sobre
a educação no meio rural. A primeira coisa
que fiz foi conseguir financiar um projeto
de pesquisa tentando mapear quem eram os
professores, quem eram esses sujeitos que
estavam trabalhando naquele momento, em
1997 e 1998, mas dentro do movimento
da Educação do Campo.
Luiz: Você, em parceria com outros
pesquisadores(as) e professores(as) de
outras universidades do Brasil, em
conjunto e em atenção aos movimentos
sociais e sindicais do campo, exerceram
um protagonismo no processo de proposta,
implementação e institucionalização da
Educação do Campo e das licenciaturas em
Educação do Campo, poderia contar um
pouco dessa história?
Maria Isabel: Esse movimento que
começa, teria que ter uma outra entrevista
para falar sobre ele. É uma coisa que, para
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mim, foi importantíssima, porque eu não
tinha diálogo dentro da universidade, eu
não tinha colegas para dialogar, mas eu
tinha os movimentos sociais e sindicais,
colegas de outras universidades a gente
descobria, eles também eram sozinhos,
cada um só, Raramente você tinha dois,
três na mesma universidade, tinha um.
Fomos nos reunindo aqui em Minas
Gerais. Em 1998, criamos a Rede Mineira
de Educação do Campo. A primeira
conferência, em Brasília, foi
importantíssima, porque ela foi precedida
de muita mobilização no âmbito local, no
âmbito regional. Nós fizemos uma
mobilização em Minas Gerais e um
seminário preparatório para a conferência
que foi feito com muita participação, com
discussão em vários locais, em várias
cidades. Esse seminário tem, inclusive,
uma publicação, que é um caderno com o
registro das palestras e do que aconteceu
nesse primeiro seminário. Qual era a
intenção do seminário? O grupo que estava
discutindo em Brasília fez um documento-
base e espalhou pelo Brasil, e lançou a
questão: "o que vocês mudariam nesse
documento?". Fizemos a discussão daquele
documento, adaptamos para Minas Gerais.
Assim como nós, regiões de todo o país
mandaram sua discussão para o grupo de
Brasília que conseguiu construir uma
proposta, o chamado Caderno 1, que
depois foi discutido na primeira
conferência. Acredito que todo mundo que
participou se ali, encontra-se naquele
caderno, faz o registro daquele momento
(Kolling, Nery, & Molina, 1999).
Em 1998, nós temos o fortalecimento
na universidade, porque eu já tinha uma
pesquisa aprovada pela FAPEMIG. Nessa
pesquisa, eu usei as Representações
Sociais, analisando as entrevistas e todo o
trabalho que fizemos. Foi então que eu
comecei a ver as primeiras pistas; eu já
tinha percebido na dissertação, mas não
com a profundidade que eu fui vendo,
como se estruturava essa forma de pensar e
sentir dos professores com relação aos
alunos do campo. Nessas entrevistas, assim
como no mestrado, eu notei a questão do
que eu chamei, naquele momento, de
dicotomia. Começou a me chamar a
atenção a dicotomia, era um processo
desqualificador da criança e do jovem, do
estudante do meio rural, por assim dizer. O
professor desvalorizava, depreciava,
porque eles diziam que o aluno era
ignorante, fraco, carente, muito pobre, não
tinha interesse nos estudos, que as famílias
do meio rural queriam que os meninos
fossem trabalhar, além de outras
características. Se essas professoras
recebiam meninos cujas famílias
integravam movimentos de luta pela terra a
polaridade ocorria entre a compreensão de
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crianças violentas, agressivas ou carentes,
sofridos. Muitos professores preocupados
em fazer campanha do agasalho, campanha
de roupa, campanha de alimentação. Uma
vez eu indaguei o que ela ensinava, quais
conteúdos ela selecionava e ela me disse:
"esses meninos são muito sofridos, eles
chegam na escola muito sofridos", eu
lembro que ela usou esse termo: "eu não
vou colocar mais conteúdo para eles,
porque é muita carga para eles. Eu faço
uma aula mais leve, a gente sai para ver as
coisas, a gente volta, faz atividades mais
lúdicas, coisas mais simples". Como eu
ouvi isso de mais de uma professora, às
vezes com narrativas diferenciadas, eu
comecei a vincular "esse modelo
dicotômico está tirando da criança e do
jovem do meio rural o direito de acesso ao
conhecimento, porque seja desqualificando
ou idealizando, o professor não considera
esse menino como capaz de aprender, de
conhecer e de ter acesso ao
conhecimento".. Eu me lembro de que eu
pedia para ver os planos de ensino, algo
como o planejamento das professoras, e o
que eu via era muito frágil. Também eram
professoras com a formação precária; de
todas que eu entrevistei, uma ou outra
participou de um curso de formação, de
uma palestra, coisa assim. Era um círculo
vicioso, ela reproduzia com aqueles alunos
o padrão de preconceitos que circulavam
na sociedade.
Luiz: Era quase que fruto da própria
Representação Social do campesinato que
você já tinha identificado que existia?
Maria Isabel: Nessa pesquisa maior
que eu terminei em 1998 eu vi isso.
Conhecendo outros trabalhos nós
estávamos nos mobilizando, tinha um
grupo nacional, pois nos articulamos em
torno da Educação do Campo, começamos
a ter acesso a outras produções , eu me
preparei para o doutorado, levando uma
questão mais formulada, porque nesse
momento eu tinha, conceitualmente,
uma certa clareza da Teoria das
Representações Sociais, eu sabia o que ela
tinha de potente, no que podia ajudar nas
minhas questões, com relação aos
professores, e eu tinha uma questão que
vinha da realidade, do contexto. Nessa
época, eu tinha bastante aproximação
com os movimentos sociais,
principalmente em Minas Gerais, fazia
trabalhos nos assentamentos e
acampamentos, participava neles com
projetos, tinha um trânsito por ali, além dos
dados da pesquisa que eu havia realizado
de 1997 a 1999. Chamava a minha atenção
a situação dos professores que trabalhavam
com as crianças e os jovens dos
assentamentos e dos acampamentos,
porque cada relato que eu ouvia marcava
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exatamente aquela reprodução do modelo
dicotômico.
Eu me lembro de que, na região
noroeste de Minas tinha o maior número
de assentamentos na época eu fui a um
Município e o prefeito falou assim comigo:
"praticamente todo mês eu tenho que
mudar o professor daquele assentamento,
porque ou é o próprio professor que pede
para sair, ou é o povo do assentamento que
pede para tirar. Você podia me ajudar". Eu
fui a esse assentamento e ouvi a
comunidade: "esse professor xinga os
nossos meninos de sem-terra, não quer dar
aula direito, não os conteúdos que
precisa dar". Eu fui ouvir as duas
professoras. Interessante, porque elas
falaram: "eles são arrogantes, petulantes
eu lembro desse termo eles chegam aqui
exigindo, querendo dizer o que a gente tem
que fazer na sala de aula, querem mandar
na nossa prática". Eu lembro que perguntei
"vocês conhecem o assentamento?", "não,
a gente nem vai, a orientação que a gente
tem é: chegar, dar aula, pegar o carro e ir
embora". que, naquele momento
histórico, os movimentos eram
demonizados, eram criminalizados. Uma
falou comigo: "eu tenho pavor, tenho o
maior medo deles, tanto que eu vou pedir
para sair, porque eu tenho medo de eles
virem aqui com uma enxada e uma foice e
me matar". Eu falei: "vocês podiam
conhecer melhor o movimento social. Eles
nunca deixaram com vocês o material que
eles produzem?", "deixaram, está aí".
Sugeri que elas lessem o material e que
poderíamos fazer isso juntas.
Eu me lembro de que eu fiquei uma
semana naquele Município, e foi muito
forte para mim aquela cena, delas lendo
aquele material. Eu lembro que era um
material de Educação de Jovens e Adultos,
era como se elas não conseguissem colar
aquele material com aquelas pessoas, com
quem elas tinham contato. Eu vi a
dificuldade que elas tinham de enxergar
aqueles sujeitos como sujeitos que estavam
lutando por direitos, elas não conseguiam
ver.
Foi assim que eu fiz o meu projeto de
doutorado (Antunes-Rocha, 2004), pois eu
sabia que os professores tinham
dificuldades de compreender a população
do campo como sujeitos de direitos. Eu fiz
a tese nessa perspectiva, de tentar entender
como esse processo era construído, porque
eu sabia que o processo existia, eu
queria entender como se construía e se
havia algum professor que estava
conseguindo superar e, se ele estivesse, o
que tinha acontecido para ele superar
(Antunes-Rocha, Da cor da terra:
representações sociais de professores sobre
os alunos no contexto da luta pela terra,
2012)
vi
. Eu pensei que "o que aconteceu
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para aquele professor superar pode ajudar
em qualquer processo de formação". Então
eu fui conversar com professores que
trabalhavam em assentamentos e
acampamentos. A teoria, naquele
momento, foi fundamental para mim. Até
então, eu tinha trabalhado com o conteúdo
das representações e, nesse momento, eu
queria saber como elas eram construídas e
eu acho que a teoria foi essencial naquele
momento; sem ela, eu não conseguiria
entender o que eu entendi das entrevistas.
O que percebi eram professores que
chegavam com toda a experiência da nossa
cultura, que desqualifica a população
campesina, e essa desqualificação está em
todos os lugares, está na música, na piada,
na quadrilha quando as pessoas dançam
sem dentes, com roupas rasgadas, para
todo mundo rir , está em várias situações.
Eu conversei com professores que não
deram conta, foram embora, não
aguentaram; mas eu conversei com
professores que tinham reconstruído. É
interessante, porque quando eu tentei
capturar o que contribuiu para isso,
constatei que foi o contato com as pessoas
do assentamento, do acampamento, do
sindicato e do movimento social. De ir à
casa deles, de ouvir, de ir a uma reunião.
Eu conheci uma professora que falou: "no
dia em que eu vi uma reunião deles, não
parecia eles, porque era uma reunião tão
organizada, eles são tão inteligentes, eles
são muito sabidos". Estava na moda esse
negócio de globalização e ela falou: "eles
falaram uma coisa e eu nunca entendi, que
é a globalização, eu até vou pedir para me
ensinarem o que é isso, porque eu vejo na
televisão e não sei o que é". A maior parte
dos professores que estavam conseguindo
alterar tinha um papel muito fundamental
na comunidade, até nas crianças. Tem
relato de crianças ajudando o professor a
olhar para ela como uma pessoa, assim
como temos relato de professor que não
dava conta, que abandonou, ou tinha relato
de professor que não conseguia mudar,
mas ele não podia deixar aquele trabalho,
estava pressionado, sustentava filho, não
tinha outro lugar para trabalhar, tinha que
trabalhar naquela escola e ficava ali
naquele sofrimento, tensionado o tempo
inteiro pelas crianças e pela comunidade, e
tinha que fazer um esforço. Foi que eu
vi, na tese, o que eu iria chamar, no futuro,
de movimentos das representações.
E começamos a pensar sobre o que
leva as pessoas a mudar. Vimos que
mesmo aquelas pessoas que não
conseguiam alterar suas representações
tinham que se movimentar, porque a
realidade, o assentamento e os meninos
estavam ali o tempo todo, não saíam de
perto dela e os meninos não se encaixavam
no que ela pensava que eles tinham que
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ser. A comunidade, os pais também não
reagiam conforme o que ela esperava de
um pai. O que acontecia? Ela tinha que
ficar ali o tempo todo se desdobrando,
criando argumentos em torno de
argumentos para justificar a manutenção
do padrão desqualificador. A ideia do
movimento surgiu na tese.
Depois da tese, existia o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária
(Pronera) e, conversando com o MST e
mais outro grupo de movimentos, vimos a
possibilidade de criar um curso de
formação de professores, com pessoas que
fossem de assentamento. O que eu dizia
para eles? Se a gente for pensar que é
formação continuada, isso vai demorar um
tempo, talvez meio século, ou mais, porque
os resultados que eu tenho mostram que
não é fácil para um professor formado
dentro de uma matriz, com a qual a cultura
toda concorda, sair dessa matriz. Talvez
tenhamos que investir na formação de
pessoas que sejam assentados, acampados,
ou que estejam nessa mobilização.
Assim nasce o curso de Licenciatura em
Educação do Campo.
Eu defendi a tese em agosto de 2004
e, naquele mesmo mês, estávamos
sentados, pensando o curso.
Luiz: Podemos perceber que, de
alguma forma, a proposição de um curso
de formação de professores para atuar em
escolas em contextos rurais aproximava
coisas que você trazia na sua trajetória,
que era considerar o sujeito do campo
como sujeito de direitos, verificar a
ausência de uma formação que qualificasse
os sujeitos do campo, reconhecer que esses
sujeitos tinham e têm a possibilidade de ser
professores e, também, de resgatar as
próprias potencialidades dos movimentos
sociais na experiência da educação.
Maria Isabel: Tem uma coisa que eu
gosto e agradeço, que é, a partir de 2004, a
junção do ensino, da pesquisa e da
extensão. Eu trabalhava no curso de
Licenciatura em Educação do Campo, no
ensino; fazia extensão na formação
continuada, ou outro projeto nas áreas
campesinas; e, ao mesmo tempo, pesquisa
nessa área. Eu fui aprofundando a Teoria
das Representações Sociais, focalizando
nos professores e, por um bom tempo,
deixei de lado um pouco os professores das
escolas públicas e concentrei nos
estudantes da Licenciatura em Educação
do Campo (LECampo), porque eu comecei
a ver que e sabia disso desde então
eles tinham muitos desafios. Muitos eram
oriundos de movimentos sociais, sindicais
e associações. A população campesina,
nessas alturas, em 2004, estava bastante
mobilizada no país, mas eles tinham
desafios quando chegavam na
universidade. Aquela internalização da
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desqualificação, quando chegavam naquele
mundo da universidade, era um choque,
"eu sei, é meu direito", mas tinha um
desafio: no acesso ao que seria a academia,
acesso à leitura acadêmica, escrita
acadêmica, os conteúdos científicos, vinha
o receio de que essa Ciência anulasse a sua
experiência de vida, os seus saberes
acumulados na luta, no trabalho.
O meu primeiro projeto de pesquisa
que com os estudantes chamava Desafios
Cognitivos e Afetivos de Estudantes do
Curso de Licenciatura em Educação do
Campo. Com a primeira turma, eu
conversava sobre os medos, os receios, o
não saber. Esse projeto foi muito bacana,
porque eu consegui acompanhá-los. Nesse
meio tempo, uns seis anos depois do curso,
eu entrei como professora da pós-
graduação. Na pós, os meus trabalhos,
praticamente a totalidade deles, foram com
os estudantes, os desafios que eles
vivenciam para se constituírem enquanto
sujeitos de direitos e como professores,
porque agora ele se constituía como sujeito
de direito, camponês e professor. Eu
lembro de um falando: "eu tenho receio de
virar professor e deixar de ser camponês",
eu não esqueço disso; ou estudantes que
falavam: "eu não quero ser professor, eu
vou ser sempre camponês", sempre nessa
dicotomização.
Conversando com os professores do
LECampo sobre isso, "nós temos que
ajudá-los a sair da dicotomização, eles têm
que tensionar isso e ver que é possível
construir uma identidade que seja
camponês e professor. O fato de ser
professor não deixa de ser camponês".
Fazíamos muito essa discussão, porque o
estudante, por exemplo, vinha de um
movimento social onde ele estava se
reafirmando na sua condição de ser
camponês. Os conhecimentos científicos, a
cultura acadêmica da universidade, o
contato com esse mundo completamente
urbano o ameaçava, "para eu ser professor,
agora eu tenho que deixar de ser
camponês". Isso é interessante porque o
Incra tinha uma normativa assim: quem era
assentado não podia ter outra profissão que
não fosse agricultor; por exemplo, se ele
fosse professor, ele perdia o direito. Penso
que isso foi superado. Mas é importante
registrar, pois ter uma normativa que
justifica a dicotomização.
Daí para a frente, quando eu entrei na
pós, estou certa de que a minha capacidade
de produzir conhecimento amplificou-se,
porque cada orientando que chegava
buscava um foco. Recebia um doutorando
ou um mestrando que estudava a relação
deles com a escrita (Benfica, 2017;
Barroso, 2018), ou com a leitura (Aquino,
2013), ou com as práticas artísticas
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(Carvalho, 2017), ou com a violência no
campo (Ribeiro L. P., 2016). Em um
determinado momento, começam as
demandas, por exemplo, do movimento da
Pedagogia da Alternância (Telau, 2015),
que também quer repensar a questão da
formação e da prática docente. Nessa
época, tínhamos uma pesquisa que era
feita com outro curso de licenciatura uma
doutoranda que trabalhava com outro
curso, porque, nessas alturas, a licenciatura
do campo, a partir de 2012, amplia-se.
Hoje temos mais de 40 universidades que
ofertam o curso.
Luiz: Percebo que na sua trajetória
você articulou ensino, pesquisa e extensão.
Mas e a gestão?
Maria Isabel: Eu sou demandada na
universidade para trabalhar com gestões
em comissões, organizações que dizem
respeito à população campesina. Por
exemplo, agora mesmo nós criamos a rede
de agricultura familiar e agroecologia na
universidade, eu participei de forma
intensa da luta pela inclusão dos princípios,
conceitos e práticas formulados pelo
movimento da educação do campo em
política pública tanto no âmbito federal,
como estadual e em alguns municípios,
além da tarefa de trazer a Educação do
Campo para a prática da universidade.
Estava presente no grupo que construiu o
debate junto ao Incra no processo de gestão
do Pronera, na formulação do Programa da
Licenciatura em Educação do Campo, do
Programa Escola da Terra, do
PRONACAMPO, para citar alguns. Fiz
parte da Comissão que elaborou o Decreto
da Educação do Campo (Ministério da
Educação, 2010). Isso desafia, quer dizer,
como você pega uma luta que é de um país
inteiro, de grupos, uma luta construída na
prática, para transformar em texto de lei?
Luiz: Quais as pesquisas e quais as
situações que você desenvolve atualmente,
a que campos que a Educação do Campo, a
psicologia e as Representações Sociais te
fizeram chegar? A gente está falando de
entrada, partida, mas vamos pensar em
chegada. Onde você chegou?
Maria Isabel: A primeira coisa onde
eu acho que cheguei é nessa articulação
ensino, pesquisa e extensão, que me
permitiu fazer pesquisa e conseguir
dialogar com a vida real, com as demandas
concretas de um grupo e de um contexto.
Isso gerou em mim essa questão do diálogo
com a teoria. Ao longo desses anos, fui
construindo, dentro da teoria, o que hoje
Denise Jodelet chamou de uma nova
vertente que surgiu nas Representações
Sociais, que são as Representações Sociais
em movimento (Ribeiro & Antunes-Rocha,
2018). É uma construção histórica, que
várias pessoas participaram.
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As Representações Sociais em
Movimento, na verdade, sinalizam para
o que você me perguntou. Primeira coisa, é
o meu compromisso com um grupo social
que está em luta ou que precisa entrar em
luta para superar e para se constituir como
sujeito de direitos. Eu quero pesquisar
pessoas que estão em luta, contribuir com
pessoas que querem modificar, grupos
sociais que querem se modificar. Por isso,
quando foco nos estudantes do curso de
Licenciatura em Educação do Campo, sei
que ali eles estão construindo novos
projetos de vida, como sobreviver, como
construir um projeto de vida no campo. O
conceito de Representações Sociais em
Movimento tem relação com isso. Quando
eu fui fazer o doutorado, atrás, eu fiz
essa reflexão, não queria mais fazer uma
pesquisa essa é uma decisão minha,
política para mapear os problemas e
chegar à conclusão de que os professores
têm preconceito. Eu queria identificar isso,
mas também o que o sujeito está fazendo
para lutar contra isso. Eu entendo que
estou querendo conversar com pessoas e
contribuir com grupos, com coletivos que
estão em luta, o que eu chamo de círculo
virtuoso na pesquisa. Era uma coisa que eu
falava internamente, mas, depois que a
professora Inês Teixeira falou sobre isso
no memorial dela (Teixeira, 2020) de
professora titular e me nomeou e disse que
isso tinha mudado a perspectiva dela como
pesquisadora, eu comecei a achar que
talvez a gente pudesse divulgar isso
melhor, porque era uma boa dica para nós,
da universidade. A outra coisa é a teoria.
Ter construído esse conceito, que agora,
segundo a própria Denise Jodelet, é uma
das referências da Teoria das
Representações Sociais, quando disse que
as Representações Sociais são uma nova
vertente da teoria, eu fico feliz, porque é
uma proposta que estamos construindo de
forma partilhada com educadores de várias
regiões do país.
Você não está me entrevistando por
acaso, porque você faz parte desse
processo de construção, contribui e é um
dos autores desse conceito e dessa teoria.
A gente tem que ter essa abordagem como
uma construção coletiva e, sempre que
disser dela, falar como uma construção
coletiva, não anônima, mas um coletivo
que está empenhado nessa construção. O
pessoal da luta da Educação do Campo,
sejam os agricultores, sejam os professores
da Educação Básica, ou professores da
Educação Superior, o que eu aprendi é que
a gente avança, mas temos que avançar
com bons referenciais teóricos,
metodológicos, políticos, com posições
definidas politicamente, com uma clareza
do que você pesquisa, com quem, para quê,
por quê. A Educação do Campo tem essa
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marca na história dela. Vejo que grande
parte dos professores ou das pessoas
envolvidas com a Educação do Campo m
essa preocupação com a produção do
conhecimento, com a reflexão teórica, isso
é o que faz o movimento avançar. A
Educação do Campo o seria o que ela é
se todos nós não tivéssemos nos
envolvidos em práticas, reflexões, registro
e socialização dos conhecimentos. Nós
aprendemos isso com os Movimentos
Sociais, que é preciso registrar a
experiência, divulga-la, é preciso pensar
teoricamente. E que as nossas teorias
tenham vínculos com o micro e com o
macro, com o projeto de sociedade, projeto
de humanidade. Não dá para você pensar
que é uma teoria que atende a um
projeto de escola, ou a um projeto de
campo, ela tem que articular com o projeto
da sociedade e com um projeto muito mais
amplo, que é o projeto de humanidade.
Tem que ser teorias que consigam ter uma
coerência com o que você está pensando.
Você pediu para eu deixar algumas
coisas para quem está entrando agora. Eu
acho que é essa prática da Educação do
Campo, que, na verdade, não nasce na
Educação do Campo, ela se fortalece e se
amplia na Educação do Campo, mas ela
vem da prática dos Movimentos Sociais e
dos povos campesinos. Eu vivi isso em
1985, em 1986, em 1987, estava
aprendendo isso. Como psicóloga, eu acho
que tem muitos caminhos com que o
psicólogo e a psicóloga podem contribuir
nessa luta.
Luiz: Isabel, para finalizar, quais as
perspectivas de pesquisa que atualmente
você tem discutido e desenvolvido?
Maria Isabel: Eu estava dizendo
para você que, num primeiro momento da
minha trajetória da pós-graduação, eu
trabalhei bastante com os estudantes da
licenciatura do campo, com os desafios que
eles vivenciavam para se fortalecer como
camponeses e como professores
camponeses. Com o passar do tempo, isso
foi ampliando, fomos para o movimento da
Pedagogia da Alternância, teve uma
demanda, também, do pessoal da educação
nas penitenciárias e agora estão surgindo
demandas para outros sujeitos. Esse é um
desafio, consolidado. avançamos na
construção do conceito ou da abordagem
das Representações Sociais em
movimento. Além disso, temos o curso,
são quase 20 anos de curso de Licenciatura
em Educação do Campo, então nós temos
muitos professores, muitos egressos do
curso que hoje estão na prática, atuando
como professores. temos grupos de
pesquisas que estudam e trabalham quais
os desafios que os professores egressos do
curso estão vivenciando nas práticas deles
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como docentes. É uma pesquisa que está
avançando e que tem dado bons frutos.
No diálogo com o movimento da
Pedagogia da Alternância conseguimos
internacionalizar. Nós temos pelo menos
dois trabalhos, um feito no Peru (Justino,
2021) e outro feito na Argentina (Araújo,
2020), que fazem um contraste e estudam
os professores de uma escola em
alternância aqui no Brasil e uma escola em
Alternância no Peru e Argentina, para fazer
essas discussões dos desafios, das
diferenças que eles vivenciam, mas sempre
pensando em relação aos sujeitos e ao
contexto do campo.
Agora, depois de 2015, com o
rompimento da barragem de Fundão,
surgiu uma demanda, que foi a dos
camponeses que foram atingidos pelo
rompimento, especificamente das escolas
nesse contexto. Logo depois do
rompimento, com a constatação de que, na
verdade, os atingidos mais diretamente
eram agricultores familiares, ribeirinhos,
pescadores, nós começamos a pensar qual
escola estava lá e qual escola é possível.
Nós começamos um projeto em
2016, conversando com os professores. No
início, era Mariana e Barra Longa, que
foram os Municípios mais atingidos. Essa
pesquisa deu resultado, estamos
discutindo sobre isso. Sempre estudei
professor e escola em contextos de luta
pela terra, de tensão com a monocultura e
de degradação ambiental. A demanda por
compreender os sujeitos da agricultura
familiar no contexto da mineração e seus
impactos, principalmente o rompimento de
barragens, chegou para o grupo trazendo
novos desafios.
Estamos tentando desvendar,
entender isso, o que é esse contexto, quais
os desafios que esses tensionamentos para
as escolas que atendem a essa população.
Agora, essa pesquisa ampliou-se para toda
a região mineira. Começamos uma
pesquisa agora para conversar com os
professores sobre esse assunto. Mesmo no
lugar que não tinha mineração, por
exemplo, Tumiritinga, tinha um impacto da
mineração no Rio.
Estamos levando a ideia das
Representações Sociais em movimento
para trabalhar as narrativas dos
professores, primeiro, como os professores
trabalhavam antes do rompimento com
essa relação da agricultura familiar e a
mineração, porque ela está sempre
presente. As nossas pesquisas mais
recentes estão voltadas para isso, tentar
entender como os professores trabalhavam
isso antes e depois do rompimento, que
o que acontece com a mineração aqui em
Mariana, vai atingir Itueta, Tumiritinga,
Governador Valadares, Aimorés, a
população campesina para frente.
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Estamos trabalhando com a ideia dos
tensionamentos que os sujeitos e os seus
contextos trazem para a escola e,
consequentemente, para o professor.
Luiz: Isabel, eu só tenho a agradecer.
É uma história de vida e uma história
profissional linda. Eu tenho orgulho de
poder participar um pouquinho da sua
trajetória. Que bom que você está aqui
dando depoimento dessa vida e de luta
junto com os Movimentos Sociais do
campo, luta pela Educação do Campo, com
os coletivos. E, também, trazer isso para
dentro da universidade, mostrar o
compromisso social da universidade,
retornar a esses sujeitos, fazer com que
esses eles participem também dessa
universidade, que, por deveras vezes, é
hegemônica e precisamos sempre superar
isso, desdizer essa representação ou
reconstruir as representações, pensando
que nós povos do campo somos
sujeitos de direitos. O que eu posso fazer é
te agradecer. Se você quiser fazer uma fala
final, algum encerramento.
Maria Isabel: agradecer, Luiz,
por esta oportunidade. É sempre bom a
gente falar, porque, às vezes, na própria
fala, retomamos alguns pontos, algumas
linhas que ficaram soltas, retomamos e
vemos que teve uma gica. Agradeço pela
honra que você me ao fazer esta
entrevista, esperando que esse breve
resumo de uma trajetória contribua com
outras pessoas e, também, que possa
fortalecer o trabalho de outros,
principalmente os psicólogos e as
psicólogas. Tem uma crítica a nós,
psicólogos, de que a Psicologia está longe
dos problemas. A minha experiência não é
essa, porque na minha trajetória de vida,
pelo menos nessa área em que trabalho, da
Psicologia Social, da atuação campesina,
tenho envolvimento com a população rural,
desde os anos 70, quanto com a população
de baixa renda. Não posso dizer da
Psicologia Clínica ou da Psicologia
Empresarial. Eu acho que, quando diz
respeito à atuação da Psicologia Social, é
como a Ana Bock sempre diz, você não
tem "a" psicologia, você tem "as"
psicologias. Quando a gente vai falar dessa
psicologia que não tem compromisso, eu
sempre acho que precisa qualificar melhor.
Vários autores falam da psicologia de
maneira geral. Eu não sei se no Brasil
podemos falar assim da Psicologia Social.
Teríamos que ter um pouco de atenção
para essa psicologia social crítica que
emerge não no Brasil, mas na América
Latina como um todo, a partir dos anos
1970. Se isso puder ficar registrado, eu
gostaria, porque é uma preocupação que
tenho ao ler os textos, sempre dizendo que
psicologia nunca tem compromisso com a
população do campo, por exemplo. Eu
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acho que tem, são muitas publicações,
desde os anos 70, muitas pessoas
trabalhando, na medida do possível, com
essa população do campo, em projetos
públicos, em ONGs, em Movimentos
Sociais, assessorando. Assim, na área da
Psicologia Social, no que diz respeito à
população campesina, sempre pode
aumentar, sempre ainda será pouco, mas
não podemos desconhecer esse trabalho
intenso que existe no Brasil.
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http://hdl.handle.net/1843/BUBD-
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Psicologia Comunitária. Brasiliense: São
Paulo
i
É professor aposentado da Universidade Federal
de Minas Gerais, onde permanece como docente do
Programa de Pós-Graduação em Psicologia e onde
tem colaborado com o Programa de Pós-Graduação
em Saúde Pública. É pesquisador do Núcleo de
Educação em Saúde Coletiva - NESCON da
Faculdade de Medicina e do Núcleo de Psicologia
Política - NPP da Faculdade de Filosofia e Ciências
Humanas. Tem experiência na área de Saúde
Coletiva e da Psicologia Social e Política, atuando
principalmente nos seguintes temas: reforma de
sistemas de saúde, avaliação de políticas e
programas de saúde, planejamento em saúde,
participação política, educação para saúde, saúde
mental e determinantes dos processos de saúde e
doença. (informações retiradas no Currículo Lattes
do referido pesquisador).
ii
O Vale do Jequitinhonha é uma região do estado
de Minas Gerais, localizado na porção Nordeste do
estado.
iii
A orientadora da pesquisa de mestrado foi a
profa. Regina Helena de Freitas Campos.
iv
A Igreja de São José, está localizada na região
central de Belo Horizonte, na Avenida Afonso
Pena, lugar de grande circulação na cidade e palco
emblemático de protestos e mobilizações sociais.
Próximo à igreja fica o cruzamento das Av. Afonso
Pena e Av. Amazonas, formando a Praça Sete, com
a marcação do famoso ‘Pirulito’ (obelisco).
v
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
só foi promulgada em 1996 (Lei no. 9.394/1996).
vi
Aqui a indicação do livro que foi fruto da tese
de doutoramento da Profa. Maria Isabel.
Informação da entrevista / Interview Information
Recebido em: 25/03/2021
Aprovado em: 04/05/2021
Publicado em: 12/07/2021
Received on March 25th, 2021
Accepted on May 04th, 2021
Published on July, 12th, 2021
Conflitos de Interese: O autor declarou que o existe
conflito de interesses a respeito desta entrevista.
Conflict of Interest: None reported.
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Como citar esta entrevista / How to cite this interview
APA
Ribeiro, L. P. (2021). Uma caminhada da Psicologia com a
Educação do Campo: entrevista com Maria Isabel
Antunes-Rocha. Rev. Bras. Educ. Camp., 6, e11838.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11838
ABNT
RIBEIRO, L. P. Uma caminhada da Psicologia com a
Educação do Campo: entrevista com Maria Isabel
Antunes-Rocha. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis,
v. 6, e11838, 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11838