Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11877
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
1
Este conteúdo utiliza a Licença Creative Commons Attribution 4.0 International License
Open Access. This content is licensed under a Creative Commons attribution-type BY
Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino
Médio Modular no campo na Escola Rui Barbosa,
Medicilândia, Pará
Alcinei da Silva Araújo1, Fabíola Aparecida Ferreira Damacena2, Carla Giovana Souza Rocha3
1, 2, 3 Universidade Federal do Pará - UFPA. Campus Universitário de Altamira/Faculdade de Etnodiversidade. Rua Coronel
José Porfírio, 2515, Campus II, Bairro Esplanada do Xingu. Altamira - PA. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: alcinei1414@gmail.com
RESUMO. A pesquisa tem como objetivo refletir sobre o
Sistema de Organização Modular de Ensino (SOME) a partir do
estudo de caso na Escola Rui Barbosa, Medicilândia, Pará.
Buscou-se sistematizar parte da trajetória do ensino médio
modular das escolas do campo no município, com enfoque na
oferta e funcionamento, além de compreender o processo de
aceitação do Sistema Educacional Interativo (SEI) pela
comunidade. A pesquisa tem ancoragem na abordagem quali-
quantitativa com a realização de entrevistas, coleta e tratamento
de dados secundários e pesquisa documental. O ensino médio
nessa comunidade é fruto da luta social coletiva, ocorrendo o
aumento no número de matrículas de 2003 a 2019, assim como a
diminuição do número de alunos evadidos. Apesar dos desafios
de assegurar a oferta das disciplinas, professores e de
infraestrutura, o SOME foi defendido pela comunidade escolar
por garantir o acesso ao ensino médio no campo. A comunidade
local não apoia substituição pelo SEI apresentado pelo governo
estadual como proposta piloto, considerando que haverá perda
na qualidade da educação e desvalorização dos docentes. A
participação popular na definição de políticas públicas
educacionais não é prioridade dos agentes públicos, que
continuam definindo-as sem a discussão com a sociedade.
Palavras-chave: educação do campo, ensino médio, ensino
modular.
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
2
The challenges of educational systems adopted in Modular
High School in the countryside at Rui Barbosa School,
Medicilândia, Pará
ABSTRACT. The research aims to reflect on the Modular
Teaching Organization System (SOME) based on a case study at
Escola Rui Barbosa, Medicilândia, Pará. Focusing on supply and
operation, in addition to understanding the process of acceptance
of the Interactive Educational System (SEI) by the community.
The approach was quali-quantitative, with interviews, collection
and processing of secondary data and documentary research.
Secondary education in this community is the result of collective
social struggle, with an increase in the number of enrollments
from 2003 to 2019, as well as a decrease in the number of
dropouts. Despite the challenges of ensuring the supply of
subjects, teachers and infrastructure, SOME was defended by
the school community for guaranteeing access to secondary
education in the countryside. The local community does not
support replacement by the SEI presented by the state
government as a pilot proposal, considering that there will be a
loss in the quality of education and a devaluation of teachers.
Popular participation in the definition of public educational
policies is not a priority for public agents, who continue to
define them without discussion with society.
Keywords: rural education, high school, modular teaching.
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
3
Los desafíos de los sistemas educativos adoptados en la
Escuela Secundaria Modular en el campo en la Escuela
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará
RESUMEN. La investigación tiene como objetivo reflexionar
sobre el Sistema Modular de Organización de la Enseñanza
(SOME) a partir de un estudio de caso en la Escola Rui Barbosa,
Medicilândia, Pará. Centrándose en la oferta y operación,
además de comprender el proceso de aceptación del Sistema
Educativo Interactivo (SEI) por la comunidad. El enfoque fue
cuali-cuantitativo, con entrevistas, recolección y procesamiento
de datos secundarios e investigación documental. La educación
secundaria en esta comunidad es el resultado de la lucha social
colectiva, con un aumento en el número de matrículas de 2003 a
2019, así como una disminución en el número de abandonos. A
pesar de los desafíos de asegurar la oferta de asignaturas,
docentes e infraestructura, SOME fue defendido por la
comunidad escolar para garantizar el acceso a la educación
secundaria en el campo. La comunidad local no apoya el
reemplazo por el SEI presentado por el gobierno estatal como
una propuesta piloto, considerando que habuna pérdida en la
calidad de la educación y una devaluación de los docentes. La
participación popular en la definición de políticas públicas
educativas no es una prioridad para los agentes públicos,
quienes continúan definiéndolas sin discusión con la sociedad.
Palabras-clave: educación rural, escuela secundaria, enseñanza
modular.
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
4
Introdução
O Sistema de Organização
Modular de Ensino (SOME) atende à
demanda do ensino médio de camponeses
e populações tradicionais no estado do
Pará e, desde 2017 tem sido substituído
pelo Sistema Educacional Interativo
(SEI), ocasionando inúmeras críticas e
insatisfações das comunidades do campo
e profissionais da educação, que têm
requerido participação efetiva nos
processos de avaliação e definição das
políticas.
A relação entre o campo e a cidade
marca o processo de formação de sujeitos,
camponeses que lutam historicamente por
condições de igualdade e de acesso ao
direito à educação básica e superior, pelas
políticas educativas ou de ação
afirmativa. Esse acesso a oportunidade
de formação e de atuação como
professores e pesquisadores das escolas
do campo, garantindo a educação formal
nas comunidades camponesas. Essa
formação implica diretamente na
compreensão do indivíduo enquanto
sujeito e seu pertencimento aos territórios
pelos quais resistem e lutam por políticas
públicas direcionadas aos cidadãos.
Neste estudo reunimos alunos e
professores, da escola básica e da
universidade para problematizar a
realidade do ensino médio ofertado aos
camponeses na região da
Transamazônica, do Sudoeste do Pará. No
processo de produção e organização dos
dados, tomamos como fonte os relatórios
de pesquisa dos Tempos Comunidade do
curso de Licenciatura em Educação do
Campo, que é o período em que os
discentes desenvolvem pesquisas de
campo, estágios e ações em suas
comunidades de pertença ou de atuação
profissional.
A Licenciatura em Educação do
Campo, da Universidade Federal do Pará,
ofertada pela Faculdade de
Etnodiversidade do Campus Universitário
de Altamira, é um curso regular,
presencial, que por meio da Pedagogia da
Alternância, com etapas alternadas de
formação, cuja oferta da licenciatura se dá
por área de conhecimento. O curso é
estruturado a partir da articulação entre o
ensino, pesquisa e extensão cujo objetivo
é promover a formação de professores
contextualizada na realidade de suas
comunidades de pertencimento, algo
importante para a reorientação das
políticas públicas educacionais. Essa
modalidade de formação em alternância é
ofertada no sistema intensivo e torna
possível o acesso às populações de
comunidades tradicionais e educadores do
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
5
campo, que historicamente não tiveram
oportunidade de cursar uma graduação em
instituição pública.
Os trabalhos acadêmicos
produzidos durante os Tempos
Universidade, período em que os
discentes estão em sala de aula, constam
de atividades práticas sobre as ações
desenvolvidas nos Tempos Comunidade,
com o intuito de mobilizarmos os
estudantes a esse compromisso com a
própria formação e o de fazer ciência com
consciência do papel enquanto
representantes de suas comunidades e
escolas do campo. Ao mesmo tempo,
estuda-se sobre os métodos que
representam a parte prática e instrumental
da pesquisa e as epistemologias as quais
sinalizam a discussão teórica e a reflexão
vigilante acerca das práticas e
experiências que são tecidas ao longo da
formação, na direção da compreensão
dessas articulações necessárias para
garantir o rigor e a qualidade da
produção científica nas áreas da educação
e das ciências sociais, sem perder de vista
a contextualização histórica dos
acontecimentos (Gamboa, 2018).
Nesse sentido, a pesquisa científica
como uma ação de compreensão dos
fenômenos, das práticas, dos problemas e
as questões sociais, se articula
necessariamente com a solução de
problemas e com os contextos sociais e
históricos que os determinam.
Este estudo apresenta uma reflexão
sobre o Sistema de Organização Modular
de Ensino (SOME) ofertado na Escola
Municipal de Ensino Fundamental Rui
Barbosa, localizada às margens da
rodovia Transamazônica (BR 230), na
Agrovila Jorge Bueno da Silva, em
Medicilândia, Pará, bem como,
sistematiza parte da trajetória do ensino
médio modular das escolas do campo
neste município, com enfoque no
funcionamento e desafios da oferta desta
modalidade de ensino, e busca
compreender o processo de aceitação, por
parte da comunidade escolar, para a
implementação do Sistema Educacional
Interativo (SEI), proposto pelo governo
do estado do Pará.
Metodologia
Esse trabalho de pesquisa
qualitativa tem como método o estudo de
caso. Merriam (1998, p. 13) argumenta
que um estudo de caso qualitativo é “uma
descrição intensa, holística, bem como
uma análise de um fenômeno limitado,
como um programa, uma instituição, uma
pessoa, um processo ou uma unidade
social”. A partir desse enunciado de
Merriam, caso pode ser “uma pessoa, um
programa, um grupo, uma política
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
6
específica e assim por diante”, utilizando-
se de entrevistas, observações e análises
de documentos para a coleta de dados
(Yazan, 2015, p. 174). Assim, o estudo de
caso dos sistemas de ensino médio
modular se deu a partir do contexto da
Escola Rui Barbosa, em Medicilândia,
Pará.
Nessa pesquisa, os dados foram
produzidos a partir de entrevistas
estruturadas com alunos e a gestores das
escolas polo Rui Barbosa e Francisca
Gomes dos Santos, bem como, da 10ª
Unidade Regional de Educação (URE) e
da Secretaria Municipal de Educação
(SEMED) de Medicilândia. Os sujeitos
concordaram em participar da pesquisa
para fins acadêmico-científicos por meio
da assinatura do Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido, sendo os mesmos
identificados pelas iniciais de seus nomes.
Em decorrência da pandemia
causada pelo novo coronavírus (SARS-
COV-2) e como consequência deste
contexto o fechamento das escolas e
instituições, as entrevistas com os alunos
egressos da escola Rui Barbosa, com a
coordenação da 10ª URE e com
representantes da Secretaria Municipal de
Educação foram realizadas via aplicativo
de mensagem (WhatsApp).
Foram considerados também, dados
dos relatórios do período de observação e
pesquisas nos Tempos Comunidades, bem
como, de um dos estágios supervisionados
no ensino médio realizado no curso de
Licenciatura em Educação do Campo
(Araújo, 2019). Apresentamos ainda,
dados de censos demográficos do IBGE,
e de censos escolares da Escola
Professora Francisca Gomes dos Santos,
da 10ª URE/SEDUC e da Escola Rui
Barbosa.
Desta forma, reconhecermos que o
campo, para além de lugar, é um
território, cujas comunidades camponesas
protagonizam uma relação direta na
produção de experiências e vivências de
pesquisa, nos provoca uma reflexão
filosófica sobre a natureza dessas
experiências e sua manifestação na área
educacional. Tanto a perspectiva de
totalidade quanto da particularidade da
realidade está atravessada pelas diversas
áreas do conhecimento, de veredas e
caminhos no processo de descrever e
debater a construção do objeto
"educação" pelo sujeito humano, tecido
no contexto da realidade histórica e
cultural (Gamboa, 2018).
O Sistema Modular de ensino:
trajetória política e pedagógica na
Escola Rui Barbosa
O Sistema de Organização Modular
de Ensino (SOME) da Secretaria de
Estado de Educação (SEDUC) Pará está
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
7
implementado na expectativa de atender o
que foi previsto na Constituição Federal
Brasileira de 1988, no inciso II, do artigo
208, da emenda constitucional
14/1996, que estabelece que é dever do
Estado garantir a progressiva
universalização do ensino médio gratuito
nas escolas públicas.
Para Sacramento (2018) a educação
escolar do nível básico caracteriza-se pelo
processo de integração e formação do
sujeito. Partindo desse pressuposto, o
ensino médio modular tem como
finalidade o desenvolvimento das
habilidades humanas de forma geral,
proporcionando condições necessárias à
aquisição dos conhecimentos e considera
de certa forma, as necessidades sociais
dos jovens, uma vez que a prática de
convivência depende da elaboração dos
saberes que ora tornam-se instrumentos
importantes de realização pessoal e
coletiva, dentro de sua família ou
comunidade de pertencimento.
Esse sistema de ensino (SOME),
enquanto política pública, foi criada em
1980 no estado do Pará, com o objetivo de
garantir a educação básica às populações
do campo e passou a ser implementada
pela SEDUC em 1982. Sendo que no ano
de 2019 atendeu a 144 municípios, de
acordo com informações da SEDUC.
O SOME está funcionando até os
dias de hoje por meio da oferta de
módulos disciplinares do ensino médio a
jovens e adultos nas 22 Unidades
Regionais de Educação (UREs). Dentre
essas regionais, a 10º URE encontra-se
localizada no município de Altamira, a
qual é responsável por atender um total de
oito municípios paraenses, sendo eles,
Altamira, Anapu, Brasil Novo,
Medicilândia, Porto de Moz, Senador
José Porfirio, Uruará e Vitória do Xingu,
com um total de dezessete escolas
(Secretaria Estadual de Educação, 2020).
De acordo com a coordenação da 10ª
URE, a regional possui um quadro
funcional de 51 docentes, sendo 41
efetivos (concursados) e 10 temporários
(contratados), 01 supervisor e 01
professor atuando como técnico e possui
10.393 alunos matriculados no Ensino
Médio, conforme Censo de 2019
(Secretaria Estadual de Educação, 2020).
É inegável que a descentralização
do ensino foi um marco fundamental na
história da educação do Brasil, pois,
possibilitou o retorno dos jovens adultos
do campo às escolas, que durante anos não
tiveram acesso à educação do ensino
médio, ou mesmo das séries finais do
ensino fundamental, em virtude destas
estarem concentradas no meio urbano.
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
8
Em Medicilândia, de acordo com o
histórico do Projeto Político Pedagógico
da Escola Estadual de Ensino Médio
Professora Francisca Gomes dos Santos, o
Modular Rural foi implantado o ano de
2001, juntamente com o curso de Ensino -
Magistério que habilita o professor para
lecionar na Educação Infantil. Nesse
período, os professores vinham de outros
municípios para ministrarem as
disciplinas, em decorrência da carência de
profissionais qualificados na localidade
para atuarem no ensino médio. Em 2003,
diante da demanda de alunos, foi
autorizado o funcionamento do Ensino
Médio Regular através da Portaria
529/2003-GS-SEDUC. Em 2005, o
ensino modular (basicamente uma
estrutura formada por módulo referente à
determinada disciplina ou área do
conhecimento) foi extinto no meio
urbano, permanecendo até os dias atuais a
oferta do ensino regular da educação
infantil ao ensino médio.
O ensino ofertado na época pela
modalidade era o ensino de grau
profissionalizante, os alunos eram
formados e aptos para atuarem no
mercado de trabalho, nas áreas de
Magistério e Contabilidade.
A autora Brayner (2012) em sua
pesquisa sobre o Sistema de Organização
Modular de Ensino Médio do meio rural
ressalta que segundo registros da SEDUC:
No primeiro momento de
implantação, foi priorizado o curso
de Magistério na intenção de formar
professores para o trabalho com as
séries iniciais do ensino
fundamental. No segundo momento,
houve expansão com os cursos de
Contabilidade, Administração,
Ciências Humanas e Ciências
Biológicas, procurando atender
solicitação e demandas dos
municípios (Brayner, 2012, p. 18).
A autora segue explicando a organização e
funcionamento do sistema, que... na
ocasião previam o deslocamento do
professor da cidade para a área rural, a fim
de ministrar sua disciplina no período
previsto para o módulo, hospedando-se em
cada localidade, tendo o docente que
cumprir a carga horária e passar o
conteúdo necessário à formação
pretendida (Brayner, 2012, p. 18).
Tendo em vista a necessidade de dar
continuidade à educação básica na etapa
do ensino médio no município,
representantes locais procuraram a
Secretaria de Educação do Estado
(SEDUC) para reivindicar uma
modalidade de ensino que contemplasse e
atendesse as necessidades da população.
Desse modo, implantou-se o Ensino
Médio modular rural, que funcionava na
Escola municipal Abraham Lincoln e
atendia tanto as pessoas da área urbana
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
9
quanto as pessoas do meio rural. Assim,
segundo informações da diretora da
escola, a Escola Municipal de Ensino
Fundamental Abraham Lincoln foi a
primeira instituição a receber o SOME no
município de Medicilândia,
posteriormente transferido para Escola
Estadual de Ensino Médio Francisca
Gomes dos Santos.
Logo, o sistema modular de ensino
foi implantado no município antes do que
consta no histórico da escola sede atual.
Neste sentido, a atual diretora da escola
Abraham Lincoln, que era diretora
responsável na época relatou que:
Não sei quando ocorreu de fato a
implantação do SOME na escola,
sei que foi na década de 1990.
Funcionava da seguinte forma,
vinha uma disciplina por vez, os
professores vinham de Altamira e
de outros municípios e ficavam
hospedados na casa dos professores
e ministravam uma disciplina por
vez em forma de módulo, no turno
da noite (Professora Z. M., Diretora
da escola Abraham Lincoln, 2020).
Com o crescimento populacional do
município, aumentou a demanda de
alunos e desta forma a modalidade de
ensino modular foi sendo implantada em
outras quatro comunidades: Jorge Bueno
da Silva (EMEF Rui Barbosa), Nova
Fronteira (EMEF Gaspar Viana), São
Braz (EMEF Vitória gia) e União da
Floresta (EMEF Nossa Senhora das
Graças). Essas quatro são denominadas
por escola polo, que por sua vez são
responsáveis pelas escolas anexas. As
escolas anexas estão situadas nas vicinais
que são as estradas de chão que partem do
eixo principal que é a rodovia
Transamazônica e adentram dezenas de
quilômetros na área rural do município.
Com a extensão territorial do
município de 8.272,629 km² e com 65%
de população rural, conforme Censo de
2010 do IBGE, o município estudado tem
como base econômica as atividades
agropecuárias predominantemente de
base familiar, no qual a realidade e o
cotidiano do campo são bem
diferenciados em relação a sede do
município, carecendo de acesso aos
serviços públicos, serviços e comercio em
geral e de infraestrutura. A implantação
do ensino médio nas comunidades
camponesas gerou novas possibilidades
para manutenção das famílias em suas
propriedades e melhoria das condições de
vida.
A diretora da escola Rui
Barbosa, que exercia a função de
supervisora educacional na época,
ressalta que antes do SOME ser
implantado na comunidade, funcionava a
modalidade de ensino por meio do
programa Grupo Especial de Ensino
Modular (GEEM) que ofertava o ensino
médio, e houve resistência da
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
10
comunidade que almejava a modalidade
pela oferta regular e não em módulos.
Esse projeto funcionou até chegar a
modalidade do SOME.
O Sistema Modular geralmente
funciona nas comunidades rurais, e por
sua vez, utiliza salas de aula de escolas
municipais, disponibilizadas pelo governo
local, no horário em que não há expediente
com turmas do ensino fundamental. Na
comunidade Jorge Bueno da Silva, o
ensino médio funciona no período
noturno, possibilitando o acesso às
pessoas que trabalham durante o dia.
É importante salientar que este
sistema de ensino foi sendo
implementado gradativamente no
município, assim como na comunidade
Jorge Bueno da Silva, onde foi
implantado em 2003. Como evidenciam
Silva e Tontini (2007, p. 48), finalmente,
em 2003, teve início o ensino médio, que
foi implantado gradativamente, ou seja,
desde a série até a 3ª. Em março de
2006 houve a colação de grau da primeira
turma de ensino médio da escola Rui
Barbosa. O ensino médio na escola era
motivo de orgulho e felicidade para toda a
comunidade, como relatam.
Era visível a felicidade de todos os
presentes, pois os filhos dos
agricultores que a então
caminhavam 20 km para estudarem
na sede do município e muitas vezes
não conseguiam voltar para casa no
mesmo dia devido aos atoleiros
causados pelas chuvas em período
de inverno, impedindo o tráfego dos
veículos que os transportavam ...
muitas vezes esses alunos dormiam
no carro ou andavam a chegando
em casa ao amanhecer do dia
seguinte, pois os mesmos
estudavam a noite, e a situação da
Rodovia Transamazônica não
oferecia trafegabilidade (Silva &
Tontini, 2007, p. 48).
O Gráfico 1 contém os números de
educandos matriculados no ensino médio
ao longo dos anos, na modalidade SOME,
de acordo com cada série na escola Rui
Barbosa desde a sua implantação.
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
11
Gráfico 1 - Número de alunos matriculados na Escola Rui Barbosa por série e ano.
Fonte: Dados fornecidos pela secretaria da escola Rui Barbosa (2020).
Os dados estatísticos educacionais
apresentados no Gráfico 1 mostram que
houve aumento no número de alunos
matriculados no ensino médio/SOME
entre 2003 a 2019, chegando a 91
educandos matriculados no ano de 2017.
Ao fazer uma comparação, a partir do ano
de 2005, período em que começaram a
funcionar as três séries do ensino médio
nessa localidade, houve o declínio no
número de matrículas nos anos de 2008
com 39 alunos matriculados e depois
ocorreu um aumento progressivo,
diminuindo novamente em 2019.
O Censo de 2010 indicou que a
população rural de Medicilândia era de
17.820 habitantes do total de 27.328 e nos
anos posteriores foi observado o aumento
da migração para a sede do município e
para as agrovilas, em busca de serviços de
educação e saúde, assim como, trabalho.
Ou seja, a escola Rui Barbosa é um
importante polo de acesso à educação para
as famílias do município e em 2020 foram
matriculados 54 estudantes no ensino
médio, sendo 24 no 1º, 12 no e 18 no
ano, representando 26,7% do total de
matriculados nessa modalidade no
município.
Em seguida será analisada a evasão
escolar, como um dos desafios que os
sistemas educacionais enfrentam, como
os dados do gráfico 2 evidenciam. A
evasão também varia bastante, e nos anos
de 2019 e 2018 teve uma queda
significativa.
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
12
Gráfico 2 - Número de alunos matriculados e evadidos escolar da Rui Barbosa.
Fonte: Dados fornecidos pela secretaria da Escola Rui Barbosa (2020).
De acordo com os alunos, são
diversos os fatores que os levam a
desistirem dos estudos, dentre eles foram
destacados: distância entre a escola e suas
residências; intrafegabilidade das estradas
no período chuvoso; cansaço, por serem
trabalhadores durante o dia seja em
serviços domésticos, contratados ou de
outras formas de trabalho; gestação e
período de lactação, no caso das mulheres
que acabam sendo as principais
responsáveis pelos cuidados com os
filhos.
Na região predomina a produção da
lavoura cacaueira, muitas famílias se
mudam para trabalhar como meeirosii,
deste modo, a evasão escolar acontece por
precisarem migrar para outras
localidades. Ainda destacamos a
instabilidade durante os módulos, pela
falta de oferta de disciplinas devido a não
viabilização de contratação de professores
habilitados. Todos são fatores que
influenciam na evasão escolar e por sua
vez, reverberam na limitação do sistema
modular.
Os dados coletados na escola Rui
Barbosa expostos no Gráfico 2 também
indicaram uma redução no número de
matrículas nos últimos 2 anos, sendo 68
alunos matriculados em 2018 e 60 em
2019. A diretora da escola ressalta que
esta diminuição nas matrículas acontece
porque o número de jovens da localidade
está diminuindo, alguns indo embora da
comunidade à procura de oportunidades
de trabalho, outros estão casando e têm
aqueles que não querem mais estudar.
Embora o número de alunos tenha
diminuído em relação a 2017, o índice de
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
13
alunos que concluiu o ensino médio na
comunidade e ingressou no ensino
superior aumentou em 2018 e 2019.
O Sistema Organizacional Modular
de Ensino tem a seguinte hierarquia e
função: Secretaria de Estado de Educação-
SEDUC (responsável pela coordenação
estadual); a Unidade Regional de Educação-
URE/SEDUC (coordenação regional
responsável pelo fornecimento de
professores qualificados para a oferta de
ensino); escola sede (coordenação dos
circuitos por município, responsável pela
administração documental) e Escolas
Polos, onde é ofertado o SOME.
Assim, ao governo estadual cabe a
manutenção de professores qualificados e,
o dever do governo municipal é o
fornecimento da estrutura onde funcionará
a escola, que não é o caso da Rui Barbosa,
pois, a estrutura é estadual. O governo
municipal assegura o fornecimento do
transporte escolar, como garantido na Lei
de Diretrizes e Bases (LDB) 9.394/96,
no artigo 208, no intuito de garantir a
educação aos alunos que residem em
povoados mais afastados da escola na
qual é ofertado o módulo, no entanto, o
transporte funciona enquanto ocorrem
as aulas do ensino fundamental. A
merenda escolar também é de
responsabilidade do governo municipal,
como garantido na Lei nº 11.947/2009, no
artigo 208 da Constituição Federal. Ao
que se refere ao aspecto da gestão,
Rodrigues e Silva (2018, p. 268) afirmam
que:
Inexiste uma equipe gestora específica
do sistema modular nas localidades de
funcionamento. Assim, embora os
alunos estudem em sua comunidade (ou
em áreas vizinhas), são vinculados a
uma Escola Sede, situada na cidade e
responsável pelo atendimento das
demandas pedagógico-administrativas
em conjunto com as Unidades Regionais
de Educação.
Neste sentido, embora não haja uma
equipe gestora específica para atender o
sistema modular, a equipe técnico-
pedagógica e administrativa da escola
atende as turmas no momento das
matrículas e suporte durante o ano
letivo, como no acesso à biblioteca, uso
do laboratório de informática, atualmente
instalado na biblioteca, materiais
impressos, manutenção das salas de aula,
entre outros.
No decorrer do ano letivo, a escola
oferta quatro módulos e cada módulo tem
a duração de 02 meses, dependendo da
carga horária de cada componente
curricular, são eles, Língua Portuguesa,
Língua Inglesa, Matemática, Química,
Física, Biologia, História, Geografia,
Educação Física, Filosofia e Sociologia; e
os componentes curriculares
diversificados que são, Artes e Aspectos
da Vida Cidadã (AVC) para o ano,
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
14
Estudos Amazônicos para o ano e
Língua Portuguesa II para o ano.
Quando não conseguem ofertar todos os
componentes no decorrer do ano, esses
são ofertados no início do ano letivo
seguinte como reposição, paralela ao
novo ano letivo.
De acordo com relatos da diretora
da escola, nos anos de 2017 e 2018
algumas disciplinas deixaram de ser
ofertadas por não serem assegurados os
professores. uma enorme preocupação
não por parte dos alunos que estão
cursando, mas também pela direção da
escola, em relação às dificuldades no
processo de aprendizagem e na formação
das habilidades necessárias para terem
bom aproveitamento no Exame Nacional
do Ensino Médio (ENEM), vestibulares e
até mesmo quando forem prestar
concursos públicos.
Foi verificado que houve evasão
escolar ao longo dos anos letivos, apesar
da diminuição nos anos de 2019 e 2018, a
qual pode estar relacionada às
características socioeconômicas dos
alunos da comunidade em questão e as do
próprio funcionamento do sistema
modular de ensino, as quais precisam ser
consideradas no momento de se discutir o
planejamento das ações educacionais
voltadas para o campo, assim como,
repensar o próprio currículo trabalhado no
meio rural. Também, a visão do SOME
volta-se à preparação com vistas ao
ingresso na universidade, o que nem
sempre é a expectativa dos jovens
estudantes, como concluiu Oliveira (2010,
p.105) sobre outros pontos de vistas a
serem considerados para o ensino nas
escolas do campo:
... o SOME não vivencia aspectos
informativos e formativos
relacionados à produção local, seus
conteúdos voltam-se à preparação
para o vestibular e ao processo de
urbanização. Abre novas
expectativas de vida aos seus
usuários, principalmente, a
aspiração de cursar a educação
superior e a busca de trabalho em
áreas urbanizadas. Ou seja, o ponto
de partida e de chegada do
conhecimento é a cidade, aspecto
que em princípio o Programa se
propunha a evitar.
Os entrevistados não questionam a
qualidade pedagógica da educação
ofertada pelo SOME, no entanto, não
a valorização dos conhecimentos locais,
pois, os conteúdos tomam como
referência a vivência no meio urbano, ao
invés de incentivarem os estudantes a
estudar e permanecer em suas
comunidades, no intuito de valorizar o
campo e o seu modo de vida. Como se
não bastasse essa descontextualização do
ensino, em 2017, o governo estadual
começa a implementar a substituição do
SOME pelo SEI (Sistema Educacional
Interativo), que segundo a SEDUC trata-
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
15
se de uma metodologia de ensino médio
presencial e regular com mediação
tecnológica por meio de videoaulas cujas
implicações no processo de formação são
refletidas a seguir a partir dos sujeitos que
vivenciam essa realidade na Escola Rui
Barbosa.
O SOME e o SEI: o que pensam os
estudantes, professores e gestores?
O Sistema Educacional Interativo
(SEI) é um projeto da Secretaria de
Educação do estado do Pará que propõe
ampliar o ensino médio nas comunidades
rurais. A princípio usa metodologia
presencial, mediada por videoaulas
(SEDUC, 2021). Foi autorizado pelo
Conselho Estadual de Educação do Pará
por meio da Resolução de 202, de 25
de abril de 2017, parecer 205/2017
CEE/PA e tem dentre as metas do Plano
Estadual de Educação, a de "elevação da
qualidade da educação básica em todas as
etapas e modalidades, com melhoria do
fluxo escolar, de modo a atingir uma
média de 5,3 no Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica
(IDEB) até 2025" (Secretaria Estadual de
Educação, 2018).
É importante destacar ainda que o
Sistema Educacional Interativo é
uma iniciativa viabilizada pelo
Programa de Melhoria da Qualidade
e Expansão da Cobertura da
Educação no Pará, viabilizado por
meio do financiamento feito pelo
governo estadual junto ao Banco
Interamericano de Desenvolvimento
(BID), em dezembro de 2013 ... as
aulas são transmitidas diariamente,
a partir do Centro de dias
localizado em Belém, e lecionadas
por professores especializados em
suas respectivas disciplinas. O
conteúdo é recebido nas
comunidades rurais pelos alunos e as
atividades didáticas local são
conduzidas por professores
mediadores, dedicados
exclusivamente à turma SEI e
presentes diariamente nas salas de
aula. O papel destes docentes é
central na metodologia de ensino
presencial com mediação
tecnológica, uma vez que são os
responsáveis por conectarem os
estudantes aos professores
ministrantes em tempo real,
sanando dúvidas e realizando
dinâmicas de aula que estimulam
trocas e mantém a qualidade do
ensino (Secretaria Estadual de
Educação, 2018).
Segundo a SEDUC-Pará, do ponto
de vista técnico, os alunos assistem às
aulas transmitidas via satélite por meio de
uma TV instalada na sala dedicada ao
SEI, situada em uma Escola da Rede
Municipal. Todas as salas de aula contêm,
ainda, microfones para comunicação entre
alunos, mediadores e ministrantes, um
computador, em que o mediador pode
enviar dúvidas por meio de chat online,
respondidas por um professor de plantão,
situado no Centro de Mídias (Secretaria
Estadual de Educação, 2018).
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
16
A Secretaria de Educação justifica a
implantação do SEI pela complexidade da
oferta do ensino médio nas regiões rurais,
a demanda a ser atendida, as condições
fitogeográficas e os índices de
proficiência e de evasão.
Neste universo das Escolas
Estaduais, observa-se uma alta taxa
de abandono e baixos índices de
proficiência em Língua Portuguesa
e Matemática, 17% dos alunos
rurais abandonam os estudos, contra
14,9% do meio urbano, de acordo
com o Censo Escolar/INEP.
Segundo resultados do sistema
paraense de avaliação educacional,
de 2016, 60,7% e 78,6% dos
estudantes têm proficiência abaixo
do básico em Língua Portuguesa e
Matemática, respectivamente
(Secretaria Estadual de Educação,
2018).
As aulas do SEI iniciariam
normalmente no período letivo de 2018.
A meta da SEDUC era levar o ensino
médio regular, por meio de tecnologia, a
145 salas de aula. Até o final de 2018,
esse sistema de ensino era para estar em
operação para participação de 6.400
alunos em aulas piloto em 61 localidades
do Pará.
Para verificar a posição sobre o SEI,
foi buscado o ponto de vista de
professores e alunos da Escola Rui
Barbosa, os quais participaram de uma
reunião que aconteceu na 10ª URE,
município de Altamira sobre a
implantação dessa modalidade de ensino
que aconteceria na escola da comunidade
no ano de 2018, período em que ocorreria
a mudança e seria o blico alvo desse
sistema.
Na reunião ocorrida no ano de 2017
em Altamira foram esclarecidas algumas
questões sobre o novo sistema a ser
implantado e os estudantes expuseram
diversas preocupações sobre a viabilidade
estrutural e pedagógica do mesmo e
solicitaram que o SOME continuasse. A
partir dessa manifestação e de outras, a
modalidade SEI foi implantada apenas em
uma comunidade do município para teste,
na EMEF Magalhães Barata.
Os discentes que participaram desse
movimento foram questionados sobre o
que pensam do SEI, enquanto alunos do
Sistema Modular de Ensino e possíveis
candidatos a utilizarem a nova
modalidade. Os sujeitos se mostraram
insatisfeitos e inseguros quanto aos
benefícios dessa mudança, como mostram
as falas a seguir.
Acredito que não teria nenhum
benefício e sim malefícios. Pois
acredito que esse sistema
atrasaria o ensino da nossa
comunidade, que é atrasada em
comparação ao ensino em grandes
cidades. Em minha opinião, não
funcionaria, pois, é muito difícil
aprender com o professor em sala pra
tirar todas as nossas dúvidas,
imagina apenas uma aula passando
na televisão, onde os alunos não
teriam o recurso de tirar suas
dúvidas que é essencial para o
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
17
aprendizado (E. P. A., ex- aluna do
SOME na comunidade, 2020).
No meu ponto de vista, o modelo
que estaria a ser implantado, iria
sim né, provocar alguns atrasos na
educação devido impedir que o
aluno interaja em tempo real com o
professor, que o aluno esclareça
suas dúvidas e tudo mais. No meu
ver é para isso que serve o
professor, ele está ali para
conversar, interagir com o aluno,
para esclarecer todas as dúvidas e
se fosse para o aluno ter uma aula
digamos que remota, a gente teria
em casa, estudaria em casa através
da internet, que nem todos os
alunos tinham internet na época. A
modalidade de ensino que eles
queriam implantar traria sim
algumas mudanças e provavelmente
iria atrasar a educação, porque com
o professor em sala de aula já é
difícil, imagina uma aula sendo
transmitida através de um telão ou
televisão pra gente (E. C. A., ex-
aluna do SOME, 2020).
Ao questionar outra aluna, por sua
vez, reafirmou que pensa da mesma
forma, e cita como exemplo o momento
em que o mundo está passando, com o
enfrentamento a pandemia do novo
coronavírus (COVID-19), os alunos estão
tentando dar continuidade aos estudos
através das plataformas digitais, no
entanto, estão encontrando dificuldades
no aprendizado dos conteúdos, sem contar
que nem todos os alunos tem acesso à
tecnologia, relata.
Eu acredito que seria um atraso no
ensino, até porque é difícil aprender
somente assistindo aulas pela
internet, nem todo mundo tem uma
facilidade de aprendizagem, já com
o professor na sala a gente deixa de
aprender muita coisa, imagine com
apenas vídeos aulas, fora que o
professor seria substituído por uma
tecnologia que não beneficiaria a
todos. Vimos muitos exemplos
agora com essa pandemia, muitos
alunos estão deixando de estudar por
que as aulas estão sendo através de
vídeos, e muitos como citei
anteriormente, não tem facilidade de
aprendizagem. sendo um grande
desafio para os jovens de hoje,
inclusive assisti no jornal que
muitos jovens estão reclamando
dessas aulas por vídeos. (S. S., ex-
aluna do SOME na comunidade,
2020).
Os entrevistados têm basicamente a
mesma visão em relação a esse sistema
educacional interativo, principalmente
nos quesitos da acessibilidade e da
aprendizagem através de videoaulas. No
que tange a questão da reforma do ensino
médio, ao questionarmos professores
pioneiros do sistema modular de ensino
sobre a possível substituição do SOME
pelo SEI e as lutas que tem enfrentado
para manter essa modalidade de ensino.
O SOME é um projeto para atender
as comunidades rurais, onde a
internet ainda não é de qualidade e a
substituição da presença de
professoras/es nestas comunidades
por um sistema via internet ou sinal
de TV é um projeto inviável,
primeiro que a cultura da população
do campo é outra. É o contato, o
diálogo com os profissionais que
faz aumentar a aprendizagem, ficar
em frente a um aparelho não vai ter
aprendizagem, poderá diminuir o
índice de conclusão do ensino
médio, a qualidade vai ser muito
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
18
inferior. E com isso vai prejudicar a
disputa das vagas nas universidades
de quem mora no campo com quem
mora na cidade, porque quem está
no ensino médio regular, tem acesso
a cursinho e a internet com
qualidade; hoje, o SOME disputa de
igual para igual com o regular de
qualquer cidade no estado do Pará.
Esse projeto do SEI é inviável, nós
estivemos em Belém com a
Secretária de Educação do governo
anterior, o sindicato continua
discutindo isso. Quanto ao governo
somos nós que trabalhamos e
conhecemos a realidade das
comunidades rurais no estado do
Pará, discordamos deste projeto e
esperamos que o governo possa
desistir e manter o SOME
funcionando nas comunidades
rurais e que possa levar para outras
que ainda não tem (A. N., professor
do SOME, 2020).
No mesmo sentido, o SEI também
não agrada a professora A. C. R, que atua
no SOME, e tem resistido, lutando em prol
de uma educação de qualidade a ser
ofertado pelo sistema modular atual.
Atualmente o SOME vem
enfrentando diversos ataques
governamentais, com a finalidade
de efetivar a substituição do SOME
pelo SEI. Tal tentativa é uma
afronta ao aluno do interior do
estado, pois sabemos do
sucateamento sofrido
intencionalmente pelo Sistema de
Organização Modular de Ensino,
objetivando, descredibilizando-o em
prol da implantação do SEI, sendo
que não oferece manutenção de
necessidades básicas para os
estudantes no que tange o processo
de ensino-aprendizagem. Apesar
das mazelas, causadas pelo descaso
do governo, o SOME tem mostrado,
ao longo dos anos, desempenho
positivo no processo educacional,
assim fortalecendo as lutas de
educadores e educandos na
manutenção de aulas presenciais e
não a um ensino frio e inerte
proposto pelo SEI. (A. C. R.,
professora do SOME, 2020).
Como podemos perceber nas
opiniões colocadas, o SEI é um sistema
que não é bem visto pelos alunos das
comunidades e professores que atuam no
SOME. Nessa perspectiva, ao questionar
o Secretário de Educação do município
em relação ao sistema implantado como
projeto piloto em uma das escolas da zona
rural do município, o mesmo ressalta:
Hoje estamos com apenas uma
escola com o sistema SEI
implantado, entrando para o
ano do ensino por intervenção de
mídias. Eu tive a oportunidade de
acompanhar as aulas via plataforma,
onde os alunos observam as aulas,
eles prestam atenção no professor e
depois ele trabalha na resolução das
atividades, eu particularmente não
encontrei pontos negativos a se
fazer em relação a essa modalidade
de ensino. Inclusive, no momento
que eu estive observando, eu até
observei os alunos bem mais
concentrados do que numa sala de
aula de ensino normal. No meu
ponto de vista, é uma maneira, uma
nova metodologia que pode dar
certo! Porque o aluno não está
ausente do professor. Entendeu? O
professor está apenas à distância,
transmitindo as suas aulas através
de uma tela, mas é como se fosse
uma aula presencial normal, porque
existe a interação com o professor.
Do meu ponto de vista, eu não
encontrei falhas, eu achei
meramente positivo e interessante e
até foi provado para os alunos da
EMEF Magalhães Barata, inclusive
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
19
um dos alunos que concluiu o
ano no ano passado, fez o ENEM e
ele não se saiu mal na prova do
ENEM. Entendeu? Então assim, eu
não tenho críticas, eu preciso
observar mais pra eu apresentar
críticas, porque até então eu não
tenho do que reclamar, do pouco
momento que eu observei as aulas
do ensino SEI, que é o Sistema
Educacional Interativo (Professor
W. F., Secretaria de Educação de
Medicilândia, 2020).
O representante da Secretaria
Municipal de Educação percebe o sistema
como uma alternativa viável para as
comunidades que até então não era
ofertado o ensino médio, e que tem
visto pontos positivos ao observar as
aulas na escola piloto.
O ex-coordenador do modular rural
e atual coordenador de programas
educacionais do município, o professor C.
N., que acompanhou todo o processo do
programa implantado na EMEF
Magalhães Barata, a 27 km da sede do
município, afirma que a comunidade em
geral, alunos, pais, mães e professores
avaliam o programa como positivo e será
implantado em mais três escolas. Ao
questioná-lo sobre o porquê de ter sido
escolhida esta escola, explica que:
O plano piloto era instalar no km
80, na escola Gaspar Vianna. Mas
dada a dinâmica que ninguém
conhecia o programa, a comunidade
não aceitou. Daí nós reunimos e
buscamos levar a uma das
comunidades que sempre lutou pela
implantação do ensino médio. A
escolha da Magalhães Barata se deu
pelo fato de que haviam sido
realizadas visitas da 10ª URE, e a
Magalhães Barata é uma escola
Polo, que atende alunos do km 105
ao 90, alunos das vicinais. (Professor
C. N., ex-coordenador do modular
rural e atual coordenador de
programas do município, 2020).
Ao ser questionado sobre o que acha
dessa modalidade e como os professores
da região e município que se qualificaram
para atuar no ensino médio seriam
inseridos no SEI, e embora não tenha
problematizado a questão, respondeu:
O SEI não é ruim como as pessoas
dizem. Ao participar de uma aula,
você percebe que não há diferença
do que é feito no ensino regular.
Apenas a dinâmica muda. Para as
comunidades que não é possível
instalar turmas do SOME e do
regular, é de extrema importância.
Durante as aulas quando se tem
dúvidas, o aluno tira normalmente.
Embora sejam transmitidas ao vivo
via satélite, as aulas ficam gravadas,
caso aconteça algum problema, os
alunos assistem posteriormente.
Participei de uma aula e do meu
ponto de vista, muito interessante,
quando retornar as aulas, irei
convidar alguns alunos do regular
para participarem de uma aula. Para
que os professores sejam inseridos
no programa, eles precisam fazer
um processo seletivo que é
realizado pela SEDUC (Professor
C. N., ex-coordenador do modular e
atual coordenador de programas do
município, 2020).
Observamos que para atuar no SEI,
o profissional na qualidade de monitor
precisa ser dinâmico e qualificado para
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
20
auxiliar os alunos a tirarem suas dúvidas,
inclusive ao mobilizar os professores
remotamente e ter um certo domínio
sobre os conhecimentos de cada
disciplina. E dessa forma que o governo
proporciona significativa diminuição na
contratação de profissionais da educação
e custos de deslocamento.
Ao questionar o atual coordenador
municipal de programas sobre de que
forma o currículo é trabalhado no SEI, se
é adequado às especificidades locais ou
vem pronto, unificado, afirma:
Em relação ao Currículo, os alunos
não são prejudicados. O currículo é
o mesmo do ensino regular.
Entretanto, nesse caso são
realizadas reuniões com alunos,
pais e responsáveis e comunidades
em geral, e dentro delas, são
organizados projetos que
obrigatoriamente devem levar em
consideração a realidade da
comunidade. E também, são
organizadas oficinas com temáticas
que venham considerar e melhorar
a qualidade de vida das
comunidades (Professor C. N., ex-
coordenador do modular e atual
coordenador de programas do
município, 2020).
Embora ambos os programas, o
Sistema Organizacional Modular de
Ensino e o Sistema Educacional
Interativo sofrerem críticas e serem
vistos em seus prós e contras, são as
únicas políticas que visam levar a
educação escolar até as comunidades
rurais, ocorrendo diminuição gradativa de
investimentos para que esses estudantes
tenham ensino regular de qualidade, de
forma presencial, com estrutura e
professores qualificados e valorizados.
Esses sistemas são definidos porque a
educação, e mais ainda, a ofertada para
as populações do campo, não é
prioridade, dada a perspectiva neoliberal,
excludente, que discrimina e nega direitos
sociais.
O SEI, certamente não responde
por esse desafio, não pode dar conta de
redirecionar o caminho do estado no
ensino médio rural, não pode cumprir a
meta de atender cerca de 5 mil alunos em
todas as regiões de integração do estado
por meio da instalação de um total de 145
pontos de transmissão de aulas.
O Fórum Paraense de Educação do
Campo tem sido um espaço importante de
luta e tem recorrido ao Ministério Público
do Estado do Pará, no sentido de tomar
providências legais e possíveis
intervenções em favor da diversidade das
populações camponesas, quilombolas,
comunidades tradicionais e povos
indígenas, o que desembocou em ações
civis públicas para suspensão da oferta do
ensino médio pelo Sistema Educacional
Interativo, coadunadas com ações de
mobilizações do Sindicato dos
Trabalhadores em Educação Pública do
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
21
Estado do Pará (SINTEPP) e
mobilizações das comunidades escolares.
Os educadores e educadoras do
Sistema Modular de Ensino
(SOME) mobilizaram os estudantes
e suas famílias nos municípios para
pressionarem as Secretarias
Municipais de Educação a não
aderirem ao SEI. O Fórum Paraense
de Educação do Campo tem
denunciado em suas reuniões o
irrisório atendimento do ensino
médio nos territórios do campo,
indígenas, extrativistas e
quilombolas no estado do Pará, que
não atinge 18% dos jovens na faixa
etária definida pela legislação (de
15 a 17 anos) (Fórum Paraense de
Educação do Campo, 2021).
O Estado precisa criar políticas
públicas para essas populações,
especialmente na área da educação,
oferecendo livros didáticos suficientes
para as necessidades das escolas e
comunidades do campo, das florestas e
das águas e que sejam condizentes com
a modalidade de ensino, materiais
didáticos e tecnológicos que contribuam
na qualidade do ensino ofertado. Esse
seria o papel do Estado quando dizemos:
“Educação do Campo, direito de todos,
dever do Estado”.
A formação continuada de
professores e a oferta de materiais
pedagógicos a partir de um currículo
pensado dentro de uma proposta que
procure romper a dissociação entre
conhecimento escolar e cidadania, que
possa considerar tanto os conteúdos
escolares quanto os da realidade local,
elementos do contexto sociohistórico de
construção do processo de ensino e
aprendizagem (Rocha & Nunes, 2009).
Nesse movimento metodológico e
dialético, o currículo, contextualizado,
pode expressar características e
temporalidades das comunidades
tradicionais de modo a dar vida e
potencialidade de transformação e
emancipação aos sujeitos da escola e da
comunidade.
A educação como ato político e
social deve proporcionar o
desenvolvimento das crianças, jovens e
adultos, no sentido de promover a
formação com vistas à preparação para
participação e exercício pleno da
cidadania. Lembramos de Paulo Freire
quando pensamos a educação nesse
caráter político, emancipatório e de
qualidade.
Qualidade da educação; educação
para a qualidade; educação e
qualidade de vida, não importa em
que enunciado se encontrem,
educação e qualidade são sempre
uma questão política, fora de cuja
reflexão, de cuja compreensão não
nos é possível entender nem uma
nem outra (Freire, 2000, p. 43-44).
A compreensão dos limites da
prática educativa demanda
indiscutivelmente a claridade
política dos educadores com relação
a seu projeto. Demanda que o
educador assuma a politicidade de
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
22
sua prática. Não basta dizer que o
ato político é também educativo.
Não posso pensar-me progressista
se entendo o espaço da escola como
algo meio neutro, com pouco ou
quase nada a ver com a luta de
classes, em que os alunos são vistos
apenas como aprendizes de certos
objetos de conhecimento aos quais
empresto um poder mágico. Não
posso reconhecer os limites da
prática educativo-política em que
me envolvo se não sei, se não estou
claro em face de a favor de quem
pratico. Ou a favor de quem pratico
me situa num certo ângulo, que é de
classe, em que diviso o contra quem
pratico e, necessariamente, o por que
pratico, isto é, o próprio sonho, o
tipo de sociedade de cuja invenção
gostaria de participar (Freire, 2000,
p. 46-47).
Entre as muitas lições deixadas por
Paulo Freire, temos a tarefa da formação
crítica radical e libertadora, trabalhar a
legitimidade do sonho ético-político da
superação da realidade injusta.
Trabalhar a genuinidade desta luta e
a possibilidade de mudar, vale dizer,
é trabalhar contra a força da
ideologia fatalista dominante, que
estimula a imobilidade dos
oprimidos e sua acomodação à
realidade injusta, necessária ao
movimento dos dominadores. É
defender uma prática docente em
que o ensino rigoroso dos conteúdos
jamais se faça de forma fria,
mecânica e mentirosamente neutra
(Freire, 2000a, p. 43).
As vozes dos alunos e sujeitos da
pesquisa são testemunhas da história da
construção dos direitos do povo brasileiro
que vive no campo e trabalha com a
educação. São experiências e práticas de
educadores e educadoras dos diversos
movimentos populares, que traduzem o
cotidiano da realidade da educação no
campo e desconstroem a ideia da cidade
como referência civilizatória, entendendo
que os espaços do campo e da cidade são
inseparáveis do ponto de vista dessa
expressão anunciada por Arroyo (2007).
Uma educação pensada a partir da
realidade das áreas de reforma agrária, dos
territórios quilombolas e ribeirinhos, do
meio rural como um todo, tem
demandado a construção e a melhoria de
projetos de educação do campo. Os
movimentos sociais e sindicais são
protagonistas nesse processo de
conquista, no entanto, dada à conjuntura
nacional que estamos vivendo,
precisamos sinalizar as dificuldades e os
desafios do processo educativo que
envolve os direitos dos povos do campo e
suas condições de vida e de cidadania.
A Educação do Campo no contexto
de seus desafios teóricos e práticos tem a
sua história circunstanciada pelas
contradições da realidade rural e expressa
que a educação do campo não está
isolada, é coletiva e contextualizada na
perspectiva da transformação social e das
formas alternativas e coletivas de
produção da vida.
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
23
As pesquisas realizadas pelos
alunos do curso de graduação em
Licenciatura em Educação do Campo
revelam as contradições existentes na
escola básica do campo, a história de luta
dos sujeitos, o processo migratório e
organização coletiva da vida em
comunidade, em busca do acesso ao
conhecimento e à escolarização como
parte da estratégia de resistência à
exploração do capital.
Temos vivenciado e construído um
acúmulo de diversas experiências
políticas educativas e pedagógicas no
contexto do curso de Educação do
Campo, na busca e luta por um projeto de
educação, transformador da sociedade,
impregnado de sentido e de vida, “essa
vida vivida todos os dias tal como ela é
vivida e pensada pelas diferentes
categorias de pessoas do lugar, mas,
principalmente pelos estudantes e através
deles, o que importa considerar, como
ponto de partida” (Brandão, 2003, p.
231).
O conhecimento que produzimos,
na relação universidade e escola básica,
nas experiências cotidianas da formação e
atuação profissional, nas práticas e nas
políticas públicas, culminam em uma
comunidade que formamos mediante o
projeto de sociedade o qual almejamos e
estamos construindo. Nutrimos-nos de
concepções pedagógicas críticas,
fundamentadas numa epistemologia
desafiadora às tendências e concepções
que têm embalado as políticas
educacionais brasileiras contemporâneas,
exigindo, portanto, a transformação da
escola (Moura et al., 2020).
O ensino médio tem muito a
avançar em termos dos princípios da
educação do campo, e a tríade: campo,
educação e políticas públicas. A realidade
do campo, dos territórios camponeses,
indígenas, quilombolas, dos povos da
floresta e das águas, expressam demandas
urgentes e se faz necessário pensar uma
ação educativa que considere a realidade
das políticas públicas tal como elas se
apresentam em cada tempo histórico, pois
a política pública não existe s em educação
pública, sem escola pública, que por sua
vez, para existir, precisa de um território
social e político.
O estudo da realidade tem um papel
essencial em uma educação
transformadora. Ele está relacionado
a um trabalho pedagógico que visa
facultar ao educando o conhecimento
da realidade e autoconhecimento.
Visa ainda estabelecer e ampliar uma
interelaçao crescente com a
comunidade, tendo no horizonte a
transformação da escola em um
“centro de produção, recriação e
irradiação da cultura” (Brandão,
2003, p. 230).
Dialogamos sobre dados da
realidade de uma escola para pensarmos
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
24
em construir estratégias de luta social e
acadêmica pelos processos de construção
de conhecimento mediados junto com os
sujeitos em sala de aula da escola básica,
na universidade que está formando
professores, no contexto de um
movimento que tem um posicionamento
político, social, epistemológico e
metodológico de formação humana.
Nesse sentido, diversas
comunidades rurais, Ministério Público
Estadual, Fórum Paraense, Fóruns
Regionais e Municipais de Educação do
Campo, os Movimentos e Organizações
Sociais dos Povos do Campo, Indígenas,
Extrativistas e Quilombolas se
posicionaram contra a implantação do
Sistema Educacional Interativo (SEI) nas
comunidades do campo, indígenas,
extrativistas e quilombolas do estado do
Pará, que tem avançado nos territórios
nesses tempos de pandemia. Apesar dos
discursos e ações governamentais a favor
da ampliação do SEI, os movimentos
sociais continuam resistindo em favor da
garantia e universalização do direito à
educação pública que reconheça e atue a
partir da diversidade sociocultural e
territorial da Amazônia e com a
participação efetiva dessas populações
nas definições das políticas educacionais.
Considerações finais
As populações do campo, em
especial os jovens, defendem a
importância e a permanência da
modalidade de ensino SOME na
comunidade Jorge Bueno da Silva, tendo
em vista a garantia e continuidade da
oferta da educação básica, possibilitando
aos camponeses concluírem o ensino
médio em sua localidade de origem, dado
o custo de vida elevado para manter-se na
cidade e a perda do convívio diário com
seus familiares e sua comunidade.
Por outro lado, existem lacunas no
sistema de ensino, de atender as
necessidades dos alunos, suas
especificidades locais e políticas públicas
que potencializem a formação desses
cidadãos e promovam a inserção em
outros mercados de trabalho ou
desenvolvam o seu ofício enquanto
camponeses. Embora os docentes
procurem ofertar um ensino de qualidade,
essa metodologia aplicada não oferece
boas expectativas de aprendizagem aos
educandos. Uma vez que o próprio
currículo utilizado é de caráter
urbanocêntrico, desconsiderando os
saberes tradicionais e perdendo suas
características dos princípios e
pressupostos de educação do campo.
Embora haja inúmeras críticas
relacionadas ao funcionamento do SOME,
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
25
a comunidade sente-se mais contemplada
com essa modalidade de ensino e se
recusa a aceitar a substituição pelo
programa do SEI, que oferta o ensino
médio através do sistema de mídias.
Nesse movimento de construção e
sistematização dos dados, foi possível
vivenciar um adensamento das reflexões
sobre os desafios da oferta do ensino
médio no campo tendo em vista a
garantia dos direitos às populações
camponesas e, especialmente, de políticas
públicas educacionais.
No intuito de compreender como o
Estado vêm tratando as populações do
campo em seu acesso ao ensino médio,
essa pesquisa suscitou a relevância para
subsidiar as ações municipais e mobilizar
a tarefa coletiva pela garantia de seus
direitos. Confirmamos ao ter acesso ao
que outros pesquisadores estão
desenvolvendo o quanto devemos
caminhar juntos, escola, universidade e as
esferas governamentais, na realização de
pesquisas e estudos sobre a realidade
concreta que nós, sujeitos sociais,
vivemos.
Dialogamos ainda, sobre a
necessidade de refletir como essas
condições materiais de existência dos
sujeitos em suas comunidades e escolas
são relevantes e devem ser levadas em
consideração para que possamos trabalhar
em prol de uma educação emancipatória,
com a qualidade e o compromisso pelo
gosto do pertencimento, do respeito pela
ancestralidade, da resistência por direito e
acesso à tecnologia, às condições de
igualdade de acesso, permanência e
qualidade da educação sica de gestão
pública, ao conhecimento universal com a
valorização, presença e afirmação dos
saberes vinculados aos territórios de
vivências dos povos e comunidades, seja
do campo ou da cidade.
Referências
Araújo, A. S. (2019). Educação do campo:
estágio supervisionado III. Altamira:
UFPA/Faculdade de Etnodiversidade.
Arroyo, M. G. (2007). Políticas de
formação de educadores do campo.
Educação e trabalho: reflexões em torno
dos movimentos sociais do campo. Cad.
Cedes, 27(72), 157-176.
https://doi.org/10.1590/S0101-
32622007000200004
Brandão, C. R. (2003). A pergunta a várias
mãos: a experiência da pesquisa no
trabalho do educador. São Paulo: Cortez.
Brayner, C. N. M. (2012). Sistema de
Organização Modular de Ensino: um
estudo avaliativo da organização do
trabalho pedagógico no ensino médio do
meio rural. Belém.
Constituição da República Federativa do
Brasil. (1988, 05 de outubro). Recuperado
de: http://
http://www.senado.leg.br/atividade/const/c
onstituicao-federal.asp#/
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
26
Freire, P. (2000). Política e educação. 4.
ed. São Paulo: Cortez.
Freire, P. (2000a). Pedagogia da
indignação: cartas pedagógicas e outros
escritos. São Paulo: Ed. UNESP.
Fórum Paraense de Educação do Campo.
(2021). Diálogo de Experiências do
Ensino Médio nos Territórios do Campo,
das Águas e da Floresta da Amazônia
Paraense. Recuperado de:
https://educampoparaense.com/biblioteca/d
ialogo-de-experiencias-de-ensino-medio-
presencial-nos-territorios-do-campo-das-
aguas-e-da-floresta-na-amazonia-paraense/
Gamboa, S. S. (2018). Pesquisa em
educação: métodos e epistemologias. 3.
ed. rev., atual. e ampl. [recurso eletrônico]
- Chapecó, SC: Argos.
IBGE. (2020). Cidades. Recuperado de:
https://cidades.ibge.gov.br/brasil/pa/medici
landia/historico.
Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
(1996, 23 de dezembro). Estabelece as
Diretrizes e Bases da Educação. Nacional. Recuperado de : http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lei9394_ldbn1.pdf
Moura, T. V., Cordeiro, K.O. S., & Sena, I.
P. F. S. (2020). Educação do campo:
políticas, práticas e formação. Curitiba-PR:
CRV Editora.
Merriam, S. B. (1998). Qualitative
research and case study applications in
education. San Francisco: Jossey-Bass.
Oliveira, R. M. (2010). Elementos
administrativos e pedagógicos do SOME
na percepção de seus autores (Dissertação
de Mestrado). Universidade Católica de
Brasília, Brasília.
Rocha, M. I. A., & Nunes, A. A. (Orgs.).
(2009). Educação do Campo: desafios
para formação de professores. Belo
Horizonte: Autêntica Editora.
Rodrigues, J. M. P., & Silva, G. P. (2018).
O Sistema de Organização Modular de
Ensino (SOME) na ótica de egressos no
município de Breves-Pará. Rev. Bras.
Educ. Camp., 3(1), 260-286.
https://doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n1p260
Sacramento, B. N. (2018). Política de
ensino médio modular no Pará: princípios,
diretrizes e práticas formativas para
juventude do campo na Amazônia
(Dissertação de Mestrado). Universidade
Federal do Pará, Belém.
Secretaria de Educação do Estado. (2021).
Sistema Paraense de Avaliação
Educacional (SisPAE). Recuperado de:
https://sispae.vunesp.com.br/reports/Relato
rioSISPAE.aspx?c=SEPA1702
Secretaria de Estado de Educação.
(2020). Consulta Escola.
Recuperado de:
http://www.seduc.pa.gov.br/portal/escola/c
onsulta_matricula/RelatorioMatriculas.php
?codigo_ure=10
Secretaria de Estado de Educação. (2018).
Conheça o Sistema Educacional Interativo
(SEI), projeto da Seduc-PA que leva
Ensino Médio a comunidades rurais do
Pará. Recuperado de:
http://www.seduc.pa.gov.br/site/sei/modal?
ptg=9273
Secretaria de Educação do Estado. (2008).
A educação básica no Pará: elementos
para uma política educacional
democrática e de qualidade Pará todos.
Vol. II. Belém-Pará.
Silva, E. G. O., & Tontini, M. Cruz.
(2007). Educação da Rede Pública: entre
as políticas e as Práticas Pedagógicas
(Trabalho de Conclusão de Curso).
Universidade Federal do Pará, Belém.
Universidade Federal do Pará. (2017).
Regulamento de Estágio Supervisionado
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S. (2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados no Ensino Médio Modular no campo na Escola
Rui Barbosa, Medicilândia, Pará...
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e11877
10.20873/uft.rbec.e11877
2021
ISSN: 2525-4863
27
obrigatório do Curso de Licenciatura em
Educação do Campo. UFPA-Faculdade de
Etnodiversidade: Altamira.
Yazan, B. (2015). Three Approaches to
Case Study Methods in Education: Yin,
Merriam, and Stake. The Qualitative
Report, 20(2), 134-152.
https://doi.org/10.46743/2160-
3715/2015.2102
i Consideramos o respeito pela dignidade humana e
pela especial proteção devida aos participantes das
pesquisas científicas envolvendo seres humanos e
consideramos o desenvolvimento e o engajamento
ético como constam na resolução 510/2016 do
Conselho Nacional de Saúde.
ii Pessoa que por meio de contrato de trabalho
realizam a colheita e outras atividades na lavoura
cacaueira de terceiros, recebendo como pagamento
a metade da produção colhida; quando
formalizado, o meeiro assina um contrato de
parceria rural no qual as obrigações e direitos de
ambas as partes estão previstos; normalmente os
trata- se de uma família de meeiros e que pode
morar provisoriamente no estabelecimento do
proprietário da lavoura.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 30/03/2021
Aprovado em: 18/08/2021
Publicado em: 30/11/2021
Received on March 30th, 2021
Accepted on August 18th, 2021
Published on November, 30th, 2021
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram
os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam
não haver nenhum conflito de interesse referente a este
artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Araújo, A. S., Damacena, F. A. F., & Rocha, C. G. S.
(2021). Os desafios dos sistemas educacionais adotados
no Ensino Médio Modular no campo na Escola Rui
Barbosa, Medicilândia, Pará. Rev. Bras. Educ. Camp., 6,
e11877. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11877
ABNT
ARAÚJO, A. S.; DAMACENA, F. A. F.; ROCHA, C. G. S.
Os desafios dos sistemas educacionais adotados no
Ensino Médio Modular no campo na Escola Rui Barbosa,
Medicilândia, Pará. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 6, e11877, 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e11877