Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12229
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
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2021
ISSN: 2525-4863
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Desenvolvimento rural e educação do campo na
Amazônia: um estudo da experiência de “transição
agroecológica” no MST
Sérgio Roberto Moraes Corrêa1, Maycom Douglas Ferreira do Nascimento2
1 Universidade do Estado do Pará - UEPA. Departamento de Filosofia e Ciências Sociais. Travessa Djalma Dutra, s/n, Campus
I CCSE, Telégrafo. Belém - PA. Brasil. 2 Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS. Programa de Pós-Graduação
em Desenvolvimento Rural (PGDR), Centro Histórico. Porto Alegre - RS. Brasil
Autor para correspondência/Author for correspondence: sergio.correa@uepa.br
RESUMO. O artigo apresenta alguns resultados de pesquisa,
que toma como pano de fundo a experiência de “transição
agroecológica” do MST e suas implicações para o debate do
desenvolvimento rural e da educação do campo. Com isso,
objetivamos analisar o papel e impacto que essa experiência de
transição agroecológica do MST vem produzindo em sua
proposta de desenvolvimento rural e de educação do campo no
âmbito dos assentamentos rurais na Amazônia. A pesquisa
tomou como referência teórica os estudos das Epistemologias do
Sul de Boaventura de Sousa Santos e se orientou por uma
abordagem qualitativa. Os trabalhos de campo ocorreram em
dois assentamentos rurais, um na Ilha de Mosqueiro na cidade
de Belém, e o outro na cidade de Castanhal ambos no Estado do
Pará
i
. Como resultado, foi possível identificar que a experiência
de transição agroecológica do MST ocorre de forma
contraditória e conflitiva, apresentando avanços e problemas de
ordem interna e externa ao Movimento para concretização em
sua proposta de desenvolvimento rural e de educação do campo
e de se reproduzir socialmente em assentamentos da Amazônia.
Palavras-chave: desenvolvimento rural, educação do campo,
transição agroecológica, MST.
Corrêa, S. R. M., & Nascimento, M. D. F. (2021). Desenvolvimento rural e educação do campo na Amazônia: um estudo da experiência de “transição agroecológica”
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Rural development and rural education in the Amazon: a
study of the experience of “agroecological transition” in
the MST
ABSTRACT. The article presents some research results, which
takes as a background the MST's experience of “agroecological
transition” and its implications for the debate on rural
development and rural education. Thus, we aim to analyze the
role and impact that this experience of agroecological transition
of the MST has been producing in its proposal for rural
development and rural education within the scope of rural
settlements in the Amazon. The research took as a theoretical
reference the studies of the Epistemologies of the South of
Boaventura de Sousa Santos and was guided by a qualitative
approach. The fieldwork took place in two rural settlements, one
on the Mosqueiro Island in the city of Belém, and the other in
the city of Castanhal, both in the State of Pará. As a result, it
was possible to identify that the MST's agroecological transition
experience occurs in a contradictory and conflicting way,
presenting advances and problems of an internal and external
order to the Movement to materialize in its proposal for rural
development and rural education and to reproduce socially in
Amazonian settlements.
Keywords: development rural, rural education, agroecological
transition, MST.
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Desarrollo rural y educación del campo en la Amazonía:
un estudio de la experiencia de “transición agroecológica”
en el MST
RESUMEN. El artículo presenta resultados de una
investigación que toma como trasfondo la experiencia del MST
de “transición agroecológica” y sus implicancias para el debate
sobre desarrollo rural y la educación del campo. Nos
propusimos analizar el rol y el impacto que esta experiencia de
transición agroecológica del MST viene produciendo en su
propuesta de desarrollo rural y educación del campo, en el
ámbito de los asentamientos rurales en la Amazonía. La
investigación tomó como referencia teórica los estudios de las
Epistemologías del Sur de Boaventura de Sousa Santos y se guió
por un enfoque cualitativo. El trabajo en terreno se llevó a cabo
en dos asentamientos rurales, uno en la isla Mosqueiro en la
ciudad de Belém, y el otro en la ciudad de Castanhal, ambos en
el estado de Pará, Brasil. Como resultado, se pudo identificar
que la experiencia de transición agroecológica del MST se da de
manera contradictoria y conflictiva, presentando avances y
problemas de orden interno y externo al Movimiento para
materializarse en su propuesta de desarrollo rural y educación
del campo y así reproducirse socialmente en los asentamientos
amazónicos.
Palabras clave: desarrollo rural, educación del campo,
transición agroecológica, MST.
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Introdução
Neste artigo, procuramos socializar
os resultados da pesquisa
ii
, que foram, de
forma inicial e parcial, apresentados numa
primeira publicação centrada no tema da
educação do campo (Corrêa &
Nascimento, 2019). Nesse novo artigo,
aprofundamos esse debate relacionando:
transição agroecológica, desenvolvimento
rural e educação do campo na Amazônia a
partir da experiência do MST. Objetivamos
analisar o impacto que essa experiência de
transição agroecológica do MST vem
produzindo em sua proposta de
desenvolvimento rural e de educação do
campo no âmbito dos assentamentos rurais
na Amazônia.
Para isso, tomamos como referência
teórica os estudos das Epistemologias do
Sul (Santos, 2006; 2010; 2019) em diálogo
com a contribuição das pesquisas no
campo de estudo da agroecologia
(Costabeber, 2004; Caporal & Costabeber,
2004; Schmitt, 2013, entre outros) e da
educação do campo (Arroyo, 2012;
Caldart, 2004a; 2004b). Como lócus
empírico, foi realizado um trabalho de
campo em dois assentamentos rurais, um
na Ilha de Mosqueiro, em Belém; e outro
no município de Castanhal, ambos no
Estado do Pará, entre março de 2017 a
março de 2018. A pesquisa se orientou por
uma abordagem qualitativa, envolvendo
levantamento bibliográfico, documental e
pesquisa de campo. A pesquisa valeu-se
das técnicas de observação e de entrevista
semiestruturada
iii
. Como resultados aqui
tratados, foi possível identificar que a
experiência agroecológica do MST está
ocorrendo de forma conflitiva,
apresentando tensões de ordem interna e
externa ao movimento, influenciado na
reorientação de sua concepção e prática de
reforma agrária, de desenvolvimento rural
e de educação do campo, conformando
outros marcos de debate político e
epistemológico em seu repertório de luta e
sociabilidade num horizonte contra-
hegemônico. Essa transição, também, vem
enfrentando limites de caráter estrutural,
conjuntural e subjetivo no MST.
Frisamos que os resultados de
pesquisa aqui apresentados concentram-se,
sobretudo no contexto recente
neodesenvolvimentista do Brasil. Contudo,
entendemos que a conjuntura atual do país
sofre um processo de inflexão profunda,
retrocesso democrático, que emerge no
governo de Michel Temer (2016-2018) e
se agudiza ainda mais no governo de
extrema direita de Jair Bolsonaro, impondo
uma agenda ainda mais conservadora e
reacionária de retrocesso de direitos e de
intensificação da desigualdade e exclusão
abissal, agravada com a pandemia (Covid-
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19), que vem atingindo sobremaneira os
povos originários, comunidades
tradicionais e camponesas, movimentos
sociais e organizações do campo. Assim,
esse novo contexto de ruptura e inflexão
coloca grandes desafios parra a atualização
dessa e de outras pesquisas nesse campo
temático.
O artigo está organizado em três
seções temáticas, além dessa introdução e
considerações finais. Na primeira,
apresentamos o entendimento de transição
agroecológica e os seus desafios na agenda
neodesenvolvimentista no Brasil. Na
segunda, tratamos dos desafios e avanços
da transição agroecológica no MST. Por
fim, discutimos a relação entre transição
agroecológica e a educação do campo em
assentamentos rurais na Amazônia/Pará.
“Transição agroecológica” e agenda
neodesenvolvimentista no Brasil
Alinhavamos e situamos aqui, de
modo resumido, alguns elementos do
debate da “transição agroecológica”, que
ajudam a ressignificar tanto o debate do
“desenvolvimento rural”, quanto o próprio
sentido do rural sob outros marcadores.
Costabeber (2004, p. 17) identifica as
marcas estruturais da crise do “paradigma
produtivista”, da “Revolução Verde”, quer
de ordem ecológica quer social. Como
resposta à crise desse paradigma
dominante, o referido autor assinala “a
emergência do paradigma da
sustentabilidade”, enquanto “forma
integradora de distintas perspectivas
(econômica, política, social, ambiental)”, o
qual expressa dinâmicas socioambientais
plurais atravessadas por contradições e
conflitos. Como manifestação concreta do
fenômeno de transição agroecológica em
curso, o referido autor (2004, p. 17) aponta
os traços característicos do “processo de
ecologização da agricultura”, que
evidencia o protagonismo de diversos
estratos de agricultores e “de novos estilos
de agricultura orientados a um uso mais
equilibrado dos recursos naturais”. Isso
evidencia, por conseguinte, conforme
Costabeber (2004), a emergência de outros
processos de desenvolvimento rural em
curso, sob o protagonismo de pequenos
agricultores familiares, que articulam e
combinam múltiplas dimensões do mundo
da vida: social, política, econômica e
cultural, além de várias escalas e espaços,
imprimindo outros sentidos para
compreensão e transformação do mundo
rural brasileiro (e da cidade).
Para Caporal e Costabeber (2004, p.
79), esse fenômeno da transição
agroecológica pode ser associado ao
surgimento de uma “nova Extensão Rural”,
compreendida como “Extensão Rural
Agroecológica” que
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Constitui-se num esforço de
intervenção planejada para o
estabelecimento de estratégias de
desenvolvimento rural sustentável,
com ênfase na participação popular,
na agricultura familiar e nos
princípios da Agroecologia como
orientação para a promoção de estilos
de agricultura socioambiental e
economicamente sustentáveis. Na
realidade, se trata de um enfoque de
intervenção rural oposto ao
difusionismo reducionista
homogeneizador que, desde meados
do século XX, auxiliou a implantação
do modelo de agricultura de tipo
Revolução Verde (Caporal &
Costabeber, 2004, p. 79).
Isso coloca em evidência a
emergência de outras experiências de
desenvolvimento rural em curso, que
resistem politicamente ao paradigma
produtivista, como marca da modernização
conservadora produzida pela Revolução
Verde, e põe em cena outros grupos sociais
subalternos e parâmetros político, social,
cultural, ambiental e territorial, apontando
para outros caminhos alternativos de
desenvolvimento. Nesses termos, Caporal
(2013) sustenta a defesa de um novo
“ambiente institucional” para levar acabo
tais alternativas de política pública e de
desenvolvimento rural, posto que essa
transição agroecológica deve estar
inerentemente vinculada ao processo de
democratização e alargamento da
cidadania no mundo rural e da sociedade
brasileira.
Sob um ângulo e perspectiva
diferente da alinhavada acima, Schmitt
(2013, p. 174) explica que o conceito de
transição agroecológica tem sido
comumente usado como “chave de leitura
no estudo das interações que se
estabelecem entre processos sociais e
ecológicos na co-produção do
desenvolvimento rural”, sob enfoques
diferentes: micro e macro (sistêmico). Sob
o ângulo dos “sujeitos da transição
agroecológica”, o campesinato, a referida
autora (2013, p. 173-174) parte da ideia de
que
A transição para formas sustentáveis
de agricultura implica um movimento
complexo e não linear de
incorporação de princípios
ecológicos ao manejo dos
agroecossistemas, mobilizando
múltiplas dimensões da vida social,
colocando em confronto visões de
mundo, forjando identidades e
ativando processos de conflito e
negociação entre distintos atores.
Com base nesses pressupostos, essa
autora defende uma abordagem de
“transição agroecológica” enquanto
“construção social (ou ecossocial) que
emerge através das interações, que se
estabelecem entre atores, recursos,
atividades e lugares nos processos de
desenvolvimento rural”, a qual se
diferencia da abordagem de “intervenção
planejada” (Schmitt, 2013, p. 174).
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Para Machado (2013), um dos
grandes desafios para essa transição
agroecológica ou para a ruptura com o
modelo hegemônico produtivista marcado
pela ressignificação da Revolução Verde,
assenta-se na “reestruturação dos sistemas
agroalimentares”. Ao se referirem à
terminologia da transição agroecológica,
Sauer e Balestro (2013, p. 12) sustentam
que “não estamos falando de um somatório
de experiências e iniciativas que tentam
formar massa crítica”. Para eles,
Transição agroecológica passa por
mudanças nos principais circuitos de
produção e consumo de alimentos.
Ela atinge diretamente a soberania e
segurança alimentar. Neste sentido, o
aperto que deriva do aumento nos
custos dos insumos e da diminuição
dos preços pagos aos produtores,
além de um forte indicador do
esgotamento do paradigma da
Revolução Verde, pode ser uma
grande motivação para a transição
agroecológica. (Sauer & Balestro, p.
12).
Em 2003, o Partido dos
Trabalhadores (PT), compondo um arco de
alianças bastante amplo, contraditório e
conflitivo, chega à presidência da
república. Na primeira gestão (2003-2006)
do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, é
possível identificar um governo marcado,
eminentemente, por grande continuidade
em relação à agenda e política
macroeconômica de Fernando Henrique
Cardoso. Em seu segundo mandato (2007-
2010), reafirma-se, também, esse
diagnóstico de continuidade com a agenda
neoliberal (Corrêa, 2014)
iv
.
Entretanto, conforme identificar
Corrêa (2014), nesse segundo mandato,
outros analistas, sob matizes diferentes,
identificam sinais de descontinuidade,
retomando e reposicionando a capacidade
política de planejamento e de intervenção
do Estado (sobretudo com a agenda e
estratégia de desenvolvimento assentadas
no PAC e em Programas Sociais), gerando
investimento em infraestrutura, geração de
emprego formal, crescimento econômico,
distribuição de renda e combate à pobreza,
acesso e incentivo ao crédito e ampliação
do mercado e do consumo internos, além
de se projetar como liderança
internacional, em particular na América do
Sul. É importante salientar que esses
analistas viam sinais de reorientação da
agenda brasileira desde o primeiro
mandato, inclinando-se para uma
programática social, como o Programa
Fome Zero e a ampliação e o
aprofundamento do Programa Bolsa
Família. Mas, apontam, também, limites e
contradições dessa agenda emergente,
interna e externamente, em particular a
situação de desindustrialização, de
subordinação ao agronegócio e ao capital
financeiro (Corrêa, 2014).
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Isso assinala, ainda, segundo
Corrêa (2014), um reposicionamento e
redefinição do Estado e do seu papel
planejador e indutor das políticas públicas
nos marcos do desenvolvimento capitalista
no Brasil, na América do Sul e no Mundo,
o que faz com que alguns pesquisadores
considerem uma guinada a um pós-
neoliberalismo e a um novo
desenvolvimentismo ou
neodesenvolvimentismo a partir desse
segundo mandato, procurando articular, de
forma indissociável e equitativa,
crescimento econômico e a política
distributiva, assumindo o social uma certa
tônica de prioridade na política pública
dessa agenda neodesenvolvimentista
v
(Corrêa, 2014).
Se é bem verdade, como adverte
Corrêa (2014), que esse quadro histórico
recente do modelo neodesenvolvimentista
expressa uma inflexão na agenda do Estado
com rebatimento e conquistas individuais e
coletivas importantes na sociedade
brasileira (e num sentido mais amplo na
América Latina)
vi
, é bem verdade, também,
que esse modelo produziu um reformismo
fraco (Singer, 2012), demarcando, por
conseguinte, um cenário de continuidades
e descontinuidades, de contradições e
conflitos, em que iniciativas e políticas
progressistas acabaram por esmaecer face à
orientação hegemônica da agenda
neodesenvolvimentista.
No contexto do primeiro Governo
de Dilma Rousseff, podemos identificar a
criação e institucionalização da Política
Nacional de Agroecologia e Produção
Orgânica (PNAPO). Ela foi instituída por
meio do Decreto 7.794, de 20 de agosto
de 2012, com o objetivo de integrar,
articular e adequar políticas, programas e
ações indutoras da transição agroecológica
e da produção orgânica, contribuindo para
o desenvolvimento sustentável e a
melhoria da qualidade de vida da
população, por meio do uso sustentável dos
recursos naturais e da oferta e consumo de
alimentos saudáveis. A PNAPO surge com
o objetivo de embasar a construção de um
modelo de desenvolvimento rural
ambientalmente sustentável e socialmente
inclusivo, fortalecendo e ampliando a
política de segurança alimentar e
nutricional.
Com isso, criou-se o primeiro o
Plano Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica (Planapo), com
vigência no período de 2013 a 2015, que
É uma política pública do Governo
Federal criada para ampliar e efetivar
ações para orientar o
desenvolvimento rural sustentável.
Fruto de um intensivo debate e
construção participativa, envolvendo
diferentes órgãos de governo e dos
movimentos sociais do campo e da
floresta, o Planapo é o principal
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instrumento de execução da Política
Nacional de Agroecologia e
Produção Orgânica (Pnapo). Mas não
é isso. O plano busca integrar e
qualificar as diferentes políticas e
programas dos dez ministérios
parceiros na sua execução.
(Brasil/Mda, 2013, p. 1).
Esse Plano procurou estabelecer
ações articuladas dos dez ministérios
parceiros, à época, no Plano formam um
conjunto de 134 iniciativas, distribuídas
em 14 metas e organizadas a partir de
quatro eixos estratégicos: I. Produção; II.
Uso e Conservação de Recursos Naturais;
III. Conhecimento; IV. Comercialização e
Consumo (Brasil/Mda, 2013, p. 3).
Cabe ressaltar que essa política
pública e seu plano nacional constituíram
um importante avanço em direção a uma
outra perspectiva e agenda de
desenvolvimento rural para o país, sob uma
nova matriz de sustentabilidade e de
inclusão dos povos do campo e de
comunidades tradicionais, que têm como
base a produção familiar sob uma outra
lógica, cosmovisões outras. Contudo, vale,
também, destacar que ela resulta de uma
história de luta anterior de diversos
movimentos sociais do campo e de povos e
comunidades tradicionais, que
pressionaram o Estado pela implementação
de novas políticas públicas de
desenvolvimento rural e de
reconhecimento do território em que eles
sejam reconhecidos como sujeitos de
direitos e tenham sua reprodução social
material e simbólica garantida dignamente,
conforme sua ancestralidade, assim como a
defesa da natureza como patrimônio de
vida e bem comum, e não mera mercadoria
e recurso privado. Por isso, é importante
diferenciar o movimento instituinte e de
institucionalização desse processo de
transição agroecológica, que, nesse
referido contexto, apontava para relevantes
conquistas de democratização do campo,
da sociedade brasileira, não obstante a
continuidade de seus obstáculos
estruturais.
Como se percebe, essa política é
nova e nasce num grave contexto de crise
socioambiental global, por conseguinte,
uma iniciativa pertinente desses segmentos
da sociedade civil com o Estado. Mas, esse
próprio campo da agroecologia é um
campo heterogêneo, de tensão e conflito,
que não está dado e sim em movimento
interno e externamente. A pressão que
recai sobre esse campo vem, sobretudo de
grandes grupos econômicos e políticos
nacionais e internacionais conservadores
vinculados ao agronegócio, às indústrias
alimentícias e ao rentismo (Sauer;
Balestro, 2013).
Para Caporal e Pertesen (2012),
Nesse contexto observa-se que as
políticas públicas não revelam uma
intencionalidade no sentido da busca
de mais sustentabilidade, senão que
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as inovações de caráter
socioambiental somente aparecem de
forma pontual em algumas das
iniciativas dos governos. Essas, não
obstante, são importantes na medida
em que sinalizam para a
possibilidade de estabelecimento de
um projeto nacional capaz de
contribuir decisivamente para a
transição agroecológica, entendida
como condição fundamental para
reorientar o modelo de
desenvolvimento rural e agrícola na
busca de mais sustentabilidade
econômica, ambiental e social.
(Caporal & Petersen, 2012, p. 1).
Se de um lado é importante
reconhecer e destacar alguns avanços
sociais, uma maior visibilidade de temas e
políticas como a agricultura familiar e o
desenvolvimento e educação do campo,
agroecologia, as questões de gênero,
étnico-racial, juventude nos governos Lula
e Dilma, contudo, a agenda do agronegócio
teve prioridade, o que revelou uma
profunda contradição e tensão nesse
processo de desenvolvimento e da agenda
do governo federal nesse contexto
progressista (Delgado, 2010; Loureiro,
2016).
Em seus estudos, Almeida (2011)
focalizava como os marcos regulatórios
vinham sendo “recodificados” por pressão
das forças sociopolíticas e econômicas
conservadoras (nacionais e internacionais)
para avançar com o agronegócio e com os
grandes projetos de infraestrutura. Ele
identificava que os “direitos territoriais e
étnicos” de povos e comunidades
tradicionais e camponesas estavam na mira
das agroestratégias dos agronegócios”,
levando a processos de
“desterritorialização” desses povos e
comunidades, reforçando e expandido no
Brasil, em particular na Amazônia, a
pressão e territorialização do capital “dos
agronegócios” sobre as terras e territórios
dessas populações e comunidades
camponesas, levando a uma “guerra
ecológica”.
Se não se pode negligenciar essa
agenda neodesenvolvimentista como
propiciadora para abrir, em certa medida,
uma arena de interlocução e negociação
com organizações e movimentos sociais do
campo (da sociedade civil) e conceber
algumas de suas reivindicações para
formular políticas públicas, como a
PNAPO, e ampliar e fortalecer a política
de Educação do Campo é relevante,
contudo, não desconsiderar e minimizar,
pelo menos três outros aspectos: 1) as
contradições estruturantes que marcaram
essa própria agenda, obstaculizando e
limitando rupturas e mudanças estruturais,
dada a hegemonia do agronegócio na
orientação dessa agenda
neodesenvolvimentista; 2) como
consequência, as demandas do repertório e
participação dos grupos e classes sociais
subalternos do campo, de territórios
quilombolas e indígenas acabam sendo
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secundarizadas e invisibilizadas; 3) é
relevante, todavia, não desprezar as lutas e
resistências desses diversos sujeitos do
campo (e da cidade e de outros territórios)
para pressionar o alargamento de
participação nessa arena institucional
(Estado) e, por conseguinte, na esfera
pública da sociedade brasileira,
inscrevendo e marcando, nesse contexto,
campos de fortes contradições e conflitos.
Tanto a colocação do debate da transição
agroecológica na sociedade (bem como da
educação do campo), quanto a
institucionalização de sua agenda não pode
ser compreendida sem esse protagonismo
político desses sujeitos.
No tocante à crítica e resistência de
movimentos e organizações sociais do
campo e de povos e comunidades
tradicionais a essa agenda
neodesenvolvimentista e em defesa da
transição agroecológica, um de seus
momentos marcantes foi simbolizado no
Seminário Nacional de Organizações
Sociais do Campo, realizado em Brasília,
nos dias 27 e 28 de fevereiro de 2012.
Como um dos grandes atores, esteve o
MST que, junto com outros movimentos e
lideranças de povos e comunidades
tradicionais, deliberaram, em seu
Manifesto, “pela construção e realização de
um processo de luta unificada em defesa da
Reforma Agrária, dos direitos territoriais e
da produção de alimentos saudáveis”.
Nesse documento, essas organizações e
movimentos sociais do campo enfatizam
sua crítica ao aprofundamento do
capitalismo dependente no meio rural”,
com base na expansão da fronteira do
agronegócio, que tem reforçado a
reprimarização da economia e provocado
consequências destrutivas sociais e
ambientais (Manifesto, 2012, p. 01).
Ainda nesse Manifesto, essas
organizações e movimentos denunciam:
O pensamento neodesenvolvimentista
centrado na produção e no lucro,
defendido pela direita e por setores
de esquerda, exclui e trata como
empecilho povos indígenas,
quilombolas e camponeses. A opção
do governo brasileiro por um projeto
neodesenvolvimentista, centrado em
grandes projetos e na exportação de
commodities, agrava a situação de
exclusão e de violência. (Manifesto,
2012, p. 1 grifos nossos).
Como contraponto, essas
organizações e movimentos apresentaram
uma outra agenda de reivindicações,
propondo e defendendo:
... nós, organizações do campo,
lutaremos por um desenvolvimento
com sustentabilidade e focado na
soberania alimentar e territorial, a
partir de quatro eixos centrais:
Reforma Agrária ampla e de
qualidade, garantia dos direitos
territoriais dos povos indígenas e
quilombolas e comunidades
tradicionais: terra como meio de vida
e afirmação da identidade
sociocultural dos povos, combate à
estrangeirização das terras e
Corrêa, S. R. M., & Nascimento, M. D. F. (2021). Desenvolvimento rural e educação do campo na Amazônia: um estudo da experiência de “transição agroecológica”
no MST...
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estabelecimento do limite de
propriedade da terra no Brasil. a)
Desenvolvimento rural com
distribuição de renda e riqueza e o
fim das desigualdades; b) Produção e
acesso a alimentos saudáveis e
conservação ambiental,
estabelecendo processos que
assegurem a Transição
Agroecológica. c) Garantia e
ampliação de direitos sociais e
culturais que permitam a qualidade
de vida, inclusive a sucessão rural e
permanência da juventude no campo
(Manifesto, 2012, p. 2).
Esse foi um evento histórico, que
teve seu impacto em diversos setores da
sociedade, pondo outras e novas questões
interpeladoras para interpretação da
realidade social brasileira, em particular do
mundo rural e dos territórios de povos
originários e comunidades tradicionais e
camponesas. O protagonismo e articulação
entre os povos do campo, das águas, da
floresta inscrevem um momento histórico a
partir do Sul
vii
, dos (as) excluídos (as) e
oprimidos (as) das Margens do Brasil,
fazendo emergir uma aliança” entre eles
de luta e resistência contra o modelo de
desenvolvimento dominante e em defesa
de novos marcadores de sociabilidade
sustentável e solidário.
Esse protagonismo e articulação
entre esses povos e movimentos assinalam
um reconhecimento e legitimidade da
especificidade e luta particular de cada um
desses sujeitos coletivos, que não pode ser
negligenciada e desconhecida, caso
contrário, nos termos de Boaventura
Santos (2010), reproduzir-sea exclusão e
invisibilidade desses sujeitos, levando ao
desperdício de suas experiências e saberes
e, por conseguinte, de suas lutas, marcas
do paradigma hegemônico capitalista,
colonialista e patriarcal. Se esse
reconhecimento da particularidade é
fundamental para fazer emergir novas
experiências e saberes e evidenciar a
resistência de outros sujeitos e seus
repertórios, contudo, esse protagonismo e
articulação entre esses povos e
movimentos sociais expressa a defesa da
“unidade” como dimensão fundamental
para essa resistência ao paradigma
hegemônico. Daí que é possível arriscar,
em diálogo com as formulações de
Boaventura (2007), que esse encontro
expressa um relevante “sinal”, além da
“ecologia de saberes”, da “ecologia de
reconhecimento” e de “tradução
intercultural”, isto é, de aprendizado entre
esses diversos sujeitos coletivos, colocando
em cena epistemes outras e possibilidades
outras de sociabilidade. Isto revela e traz à
baila outras “pedagogias” em movimento e
em construção, a partir das lutas e
resistências e da periferia, ou como sugere
Boaventura Santos (2019) “Pedagogias
Pós-abissais”. Chamando para a
importância dessas Pedagogias Pós-
abissais, Arroyo (2012) nos adverte para a
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emergência de “Outros Sujeitos, Outras
Pedagogias”. Nesses termos, pode-se dizer
que esse encontro revela uma originalidade
e repõe um desafio clássico assinalado
por intelectuais latino-americanos, como
José Mártir e José Carlos Mariátegui, de
“aliança” entre povos para construir uma
outra América ou mesmo o desafio posto
pelos povos originários em defesa de Abya
Yala (Terra de sangue vital).
Além dessa dimensão da “aliança
entre os povos”, da “unidade”, esse
encontro, também, enfatizou a necessidade
do encontro do social com o ambiental
com forte tom político. Isso revela, ao
nosso ver, um desses aprendizados entre
esses sujeitos, em particular do MST ao
colocar com ênfase em seu repertório atual
o tema da sustentabilidade, por isso, a
terra, além de sua função social, também,
ganha sua dimensão ambiental e
identitária, sinalizando um caminho de
superação de uma visão produtivista
(Borges, 2009; De’carli, 2013; Borssato &
Carmo, 2014) e abrindo caminhos para
“produzir para viver” (Santos, 2003) como
expressão da “ecologia das
produtividades” contra a “monocultura
produtiva” (Santos, 2007).
É importante destacar nessa
agenda, expressa no manifesto, a defesa do
modelo agroecológico no terceiro eixo
como parte integrante e importante da
defesa de um “desenvolvimento com
sustentabilidade”. Essa dimensão da
sustentabilidade tem ocupado um lugar
cada vez mais relevante na agenda de
movimentos sociais combativos, como o
MST, figurando uma das mudanças
recentes no repertório e no discurso
político do movimento em defesa da
reforma agrária e de um projeto de
desenvolvimento para o país, o que aponta
para uma redefinição desses temas no
movimento. Em pesquisas recentes, tem-se
verificado essa mudança importante no
MST com a inserção e defesa do
paradigma agroecológico de
desenvolvimento em seu repertório e
projeto (Borges, 2009; De’carli, 2013;
Borssato & Carmo, 2014; Abreu, 2019).
Cabe destacar que, em maio de 2016,
ainda durante os derradeiros dias do
Governo Dilma, entra em vigor o segundo
Planapo (2016-2019), considerado uma
grande vitória pelos movimentos sociais do
campo, da agroecologia, dos povos e
comunidades tradicionais, haja vista que,
nesse segundo plano, foram incorporadas
novas reivindicações desses sujeitos
coletivos. No entanto, com o impeachment
da presidenta Dilma
viii
, em agosto de 2016,
a racionalidade neoliberal avança
hegemonicamente e aprofunda a
reorientação e inflexão na agenda política
do Estado com o governo de Michel
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Temer. Quadro conjuntural agravado mais
ainda com a eleição presidencial, em 2018,
de Jair Bolsonaro.
A transição agroecológica no MST:
potencialidades e desafios na sua
implementação
Em 1984, durante o I Encontro dos
Trabalhadores Rurais Sem-Terra, nascia
oficialmente um dos principais
movimentos sociais da luta pela terra na
América Latina
ix
. O MST se colocava em
cena como um ator coletivo de destaque no
processo de conquista dos direitos dos
trabalhadores e trabalhadoras do campo e,
ao mesmo tempo, evidenciava a
necessidade de ouvir os “silêncios” e olhar
argutamente para as margens da sociedade
(em particular do rural), que a partitura da
história oficial brasileira, bem como as
teorias economicistas e subjetivistas
eurocêntricas não revelavam. Para
Wanderley (2009, p. 264), um novo
sentido e modo de conceber o rural
brasileiro estava emergindo contra uma
ideia dominante de vazio rural.
Nesse horizonte, cabe evidenciar,
que a “transição agroecológica” do MST
não está despregada desse contexto mais
amplo no tocante à luta pela reforma
agrária, pela democratização da sociedade
e, em especial do acesso a terra, uma vez
que, a discussão da agroecologia no âmbito
dos assentamentos rurais está vinculada ao
debate da regularização fundiária diante da
histórica e extrema concentração de terra
no campo brasileiro
x
.
Cabe ainda destacar, que o próprio
entendimento de reforma agrária dentro do
movimento passa por mudanças recentes
com a defesa da reforma agrária popular
que aponta para a urgência de um novo
modelo agrícola para o campo brasileiro,
indo além da defesa da democratização da
terra e propondo como estratégia o
estabelecimento de um sistema agrícola em
contraposição ao agronegócio
(Engelmannn, 2016). Daí a necessidade de
lançar uma interpretação acerca da
transição agroecológica enquanto práxis
que busque associar de forma intrínseca a
defesa da reforma agrária popular e o
estabelecimento de uma nova matriz de
produção sustentável em respeito à
sociobiodiversidade e à natureza, isto é,
construção de parâmetros de
sociabilidades e educações outras a partir
de baixo
xi
.
Portanto, a proposta da transição
agroecológica não pode ser compreendida
apenas como um novo modo/sistema de
produção de alimentos e consumo, mas, ao
mesmo tempo, ela se inscreve numa nova
visão de mundo, dos processos produtivos,
dos saberes dos camponeses, da sua
relação com a natureza, de toda uma
compreensão do modo de produção de
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conhecimento-experiência de vida (Fals
Borda, 1970; Freire, 2001) que esses
sujeitos do campo têm para garantir a sua
reprodução enquanto camponeses (as), o
que nos permite compreendê-la como um
novo modo de vida que se constitui num
processo de sentipensar com a terra
(Escobar, 2016, tradução nossa), a partir de
baixo e como bem comum.
Durante o trabalho de campo no
assentamento localizado na Ilha de
Mosqueiro ao tratarmos com uma liderança
sobre essa nova experiência em curso sob
esse novo prisma da transição
agroecológica, a liderança do MST
destacou a importância e o desafio da
construção de novos saberes, valores,
novas relações sociais e padrões de
produção, envolvendo ser humano e
natureza, a sociobiodiversidade amazônica.
A agroecologia, em primeiro lugar, a
gente pensa no ser humano, na
relação ser humano e natureza. Esse
é o pensamento geral da
agrobiodiversidade. Ela é uma
discussão que surge no âmbito
político, que é justamente diante de
tanta destruição, depredação e
devastação. Nós, enquanto
agricultores, vamos preservar pra
quê? Qual o objetivo de preservar,
de constituir o bioma Amazônico?
Então, agroecologia, pra gente, é
você produzir, construir um sistema
em harmonia com a natureza,
mantendo e preservando a
biodiversidade (Entrevistado A).
A dimensão política e epistemológica
que o MST vem dando a esse tema,
sustentando a defesa do paradigma
agroecológico como alternativa de
desenvolvimento rural e de sociabilidade e
contraponto ao modelo de
desenvolvimento de agricultura
hegemônica de mercado (Sauer &
Balestro, 2013; Machado, 2013) coloca
essa agenda numa posição contra-
hegemônica diante de um contexto de
grave crise socioambiental e de
mercantilização da natureza e dos bens
comuns que deságua em uma ofensiva
espoliadora sobre/contra a Amazônia e
seus Povos (Malheiros, Porto-Gonçalves &
Michelotti, 2021). Nesse sentido, o MST
vem provocando a agenda pública do país,
em particular da Amazônia, para esse
tema, inscrevendo tanto novas dinâmicas e
conflitos socioterritoriais quanto outras
formas de narrativas e de conhecimentos
subalternos a partir dessas margens rurais
desse Sul Global.
Em outra entrevista com uma
liderança do assentamento localizado em
Castanhal, ao perguntarmos com relação
ao significado da agroecologia e do seu
papel educacional para essa construção de
outros mundos, ela responde:
... pra nós a agroecologia consiste
nisso: a não exploração da mão de
obra, ou seja, ela implica numa outra
base econômica que não é
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capitalista, porque se você tem uma
agroecologia dentro de um princípio
educacional e se você está
explorando seu semelhante você
fazendo um papel que não condiz ao
seu discurso, aos seus princípios, por
isso que pra nós a agroecologia ela
vai além do plantar, da prática
plantativa. (Entrevistado B).
Essa compreensão das relações, da
economia, do trabalho por meio da
transição agroecológica, ajuda a revelar um
caminho de renovação de debate em torno
de grandes temas, como emancipação
social, reforma agrária, desenvolvimento
rural sustentável e solidário etc. Contudo, é
relevante considerar que esse processo de
transição enfrenta uma correlação de poder
desigual e grandes obstáculos hegemônicos
dado pelo agronegócio durante a agenda
neodesenvolvimentista.
Vale frisar, também, que esses
obstáculos se acentuam em razão da falta
de políticas públicas (apoio técnico e
financeiro) por parte do poder público
municipal, estadual e federal. Isso revela
determinantes socioeconômicos que
obstaculizam tal transição, mas, também,
associada a essa dimensão estrutural, existe
um componente subjetivo, que se exprime
no novo espírito do capitalismo, que
penetra nos poros mais íntimos da
sociedade conformando subjetividades e
subordinando o comportamento e
pensamento, conforme o ethos hegemônico
capitalista (Boltanski & Chiapello, 2009).
Transição agroecológica e educação do
campo em assentamentos rurais da
Amazônia
Os temas “Campo”, “Educação do
Campo (EC)” e “Desenvolvimento Rural”
passaram a ganhar maior visibilidade na
agenda pública da sociedade brasileira, de
forma mais evidente e positiva, sobretudo a
partir do final dos anos 90 e início dos anos
2000, dado o protagonismo de diversos
movimentos e organizações sociais do
campo, como o MST, que ascendiam à
cena pública e que recolocavam temas e
problemas históricos e atuais da realidade
rural do país, como a questão agrária e a
situação dramática da exclusão, violência e
desigualdade nesse Brasil das Margens,
sendo a educação um desses focos de
denúncia
xii
.
Contudo, cabe frisar que essa
narrativa do “campo”, da “educação do
campo” e do Desenvolvimento Rural” é,
também, uma narrativa em disputa, que
pode ganhar diversos recortes históricos e
sociais e, por conseguinte, diversos
sentidos e compreensões sob perspectivas e
angulações diferentes
xiii
. Ademais, o
debate do pensamento social clássico
latino-americano, em particular o
brasileiro, acerca dos temas do mundo
rural e da educação rural, não pode ser
negligenciado e esquecido, correndo o
risco de reforçarmos uma postura
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eurocêntrica e subalterna de nossas
reflexões e interpretações e, assim,
alargarmos o foço da geopolítica desigual
do conhecimento (Lander, 2005) e do
“pensamento abissal” (Santos, 2010).
No tocante à “origem e natureza da
educação do campo” (EC), Roseli Caldart
(2009, p. 39) diz que a “Educação do
campo nasceu como crítica à realidade da
educação brasileira, particularmente à
situação educacional do povo brasileiro
que trabalha e vive no/do campo”. Daí que
a EC se põe como um contraponto à
educação rural, concebida como
reprodutora do modelo de sociedade
capitalista excludente e desigual (Caldart,
2004a; 2004b; 2009).
Caldart (2009, p. 35) argumenta que
a EC é “um fenômeno recente da realidade
educacional brasileira, que tem os
movimentos sociais camponeses como
principais protagonistas”. Caldart (2009, p.
38) sustenta como uma das
“características” fundantes da educação do
campo as “contradições reais” e a “luta de
classes”. Para a referida autora, essa
concepção deve levar em consideração a
participação dos sujeitos que vivem no/do
campo, assim como suas especificidades.
Para que pudesse considerar os diversos
segmentos sociais seria necessário que a
educação fosse do campo e no campo.
Caldart (2004b), ao pôr em debate a
contribuição do projeto-político
pedagógico da educação do campo, aponta
que um dos princípios fundamentais é o
diálogo com a teoria pedagógica crítica.
Dentre essa tradição crítica, ela (2004a,
p.20) aponta três matrizes referenciais:
uma primeira é de tradição do pensamento
pedagógico socialista; uma segunda matriz
é a Pedagogia do Oprimido e toda a
tradição pedagógica decorrente da
Educação Popular; a terceira se expressa
na pedagogia do movimento (Caldart,
2004a; 2004b).
Nesses termos, a EC não se restringe
somente à denúncia dessa educação
dominante e opressora, mas, também, da
sociedade que ela reproduz e sustenta.
Além disso, a EC não é denúncia. Ela
anuncia e aponta outras possibilidades de
educação e sociabilidade e mostra seu
vínculo orgânico com a reforma agrária e
com outro projeto de nação assentado no
ideal socialista. Assim, essa proposta de
educação tem como fundamento principal
a transformação social e emancipação dos
diversos atores que vivem no campo. Para
isso, torna-se necessário que as classes
populares do campo sejam reconhecidas
como sujeitos históricos de direitos e como
protagonistas de seus direitos e de
processos educacionais e sociais, o que não
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pode se efetivar nessa sociedade capitalista
(Caldart, 2004a; 2004b).
Quando o entrevistado “F” foi
perguntado sobre qual o espaço que o
debate da Educação do Campo ocupa
atualmente dentro do MST, ele relata:
O debate da educação do campo se
constrói dentro da discussão da
reforma agrária para o campesinato
brasileiro, sendo ela entendida não
como o acesso à terra, mas como
um conjunto de políticas públicas
que visam melhorar e ordenar o
campo brasileiro (Entrevistado F).
Identificamos na fala do entrevistado
que o tema da educação do campo deve ser
situado numa agenda e repertorio mais
amplo, associado dialeticamente à questão
da agenda da reforma agrária e de um
projeto de nação de desenvolvimento, em
particular rural, que envolve o conjunto de
políticas públicas para garantia de direitos
dos povos do campo e democratização “da
terra” e do território. Nesse processo, a
escolarização ganha novos sentidos, como
o campo ganha novos sentidos e modos de
existir. Sobre esse aspecto, o entrevistado
diz:
A educação do campo se inseriu
nesse processo, pois não
adiantava ter acesso à terra com
pessoas ignorantes, sem o acesso à
educação e cultura. O assentamento
não pode ser visto somente como
uma maneira de se obter renda, ali
se produz cultura, vida, novas
relações sociais, e com isso, a
educação foi ganhando centralidade
no MST. Para nós, a escola não é
uma bandeira do MST, é uma
prioridade do movimento.
(Entrevistado F).
Isso sugere pensar o rural no sentido
mais amplo e complexo, diferentemente de
pensá-lo como algo setorial, isto é,
reduzido à dimensão agrícola, a dimensão
territorial do rural significa compreendê-lo
como espaço de vida, onde se realizam as
múltiplas manifestações inerentes à vida
humana: educacionais, religiosa, sociais,
de trabalho, culturais, econômicas,
artísticas, produtivas, ambientais etc., isto
é, a multidimensionalidade do campesinato
(Wanderley, 2009) e o-humanas, o que
nos exige romper e superar uma
racionalidade e mentalidade meramente
euro-antropocêntrica (Acosta, 2016;
Santos, 2010, 2019).
Ao perguntarmos sobre o que alguns
dentro do movimento vêm denominando
de "transição agroecológica" e a
importância dela para o MST e para
educação do campo, uma liderança do
“Assentamento I” diz:
Os camponeses já fazem
agroecologia muitos anos,
centenas de séculos atrás, os povos
indígenas eram povos que viviam em
torno da agroecologia. Agora temos
que entender e compreender a
natureza, a floresta pra poder
aprender com ela e continuar a viver
com ela. Então eu vejo que foi
importante, porque os movimentos
sociais dão cunho político pra isso
no sentido do enfretamento contra
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uma matriz tecnológica que paira no
Brasil e no mundo todo que é matriz
tecnológica da monocultura
(Entrevistado E).
É possível identificar nessa narrativa
o reconhecimento de que a agroecologia
está assentada em uma história dos povos e
comunidades tradicionais. É preciso
considerar e dialogar com os saberes e
experiências sociais desses povos
originários. A dimensão política dada pelos
movimentos a esse tema estabelece um
campo de conflito novo e outras relações
de poder e sentido em defesa da terra, do
território, da natureza e da reforma agrária,
fenômeno social que pode ser lido como
expressão da “ambientalização das lutas
sociais” (Leite Lopes, 2006; Acselrad,
2010). Duas lógicas e paradigmas são
postos em conflito: o da agroecologia
(agricultura família) e o da monocultura
(agronegócio), inscrevendo modelos de
desenvolvimento rural e modos de
sociabilidades em contradição e conflito
(Sauer & Balestro, 2013). Mas,
entendemos que, além dessas lógicas de
desenvolvimento e sociabilidade
antagônicas, temos, também, lógicas
epistêmicas contraditórias e conflitivas de
ser humano, de sociedade, de
desenvolvimento e de natureza. Isso ajuda
a questionar, também, a centralidade do
Trabalho nessa concepção de campo, como
sustentada por Caldart, e situar outro lugar
que a Natureza vai ocupando nessa relação
com o trabalho. Nesse terreno de
reconfiguração e de correlação do poder, a
educação do campo assume posição e se
renova com a dimensão da ecologia
política e com a dimensão da
epistemologia da agroecologia incorporada
pelo MST
xiv
.
A narrativa acima sugere identificar
que a luta pela reforma agrária e pela
educação campo passa a assumir um papel
político e social mais amplo e complexo,
envolvendo outras dimensões do mundo da
vida, como a ambiental, a cultural e os
saberes. Além disso, ela é entendida como
estratégia que não se pauta somente na luta
pela terra, mas também por outros direitos
sociais que buscam ressignificar e
reinventar a vida no campo e na sociedade
brasileira. O que se percebe é que a pauta e
dimensão econômica e do trabalho,
estrutural de classes, que ainda recebe
muita ênfase no MST e na análise de
Caldart (2004a; 2004b; 2009), vai se
coadunando a novas temáticas e questões
(gênero, étnico-racial, ambiental, territorial
etc.), relativizando o tom do seu diapasão
produtivista e estruturalista,
reconfigurando, por conseguinte, uma
plataforma de resistência e de luta
contemporânea, que coloca em debate e em
cena novas dimensões de opressão e
dominação e, também, de luta e resistência,
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que precisam ser concebidas e
compreendidas tendo em vista construir
outros conhecimentos balizadores de
interpretação da realidade e caminhos de
novas alternativas de sociabilidade de
desenvolvimento rural sustentável solidário
e da reinvenção da educação do campo.
Ao continuarmos a tratar da relação
entre a “transição agroecológica” e a
reforma agrária e educação do campo no
MST, a liderança C deixa evidente a
necessidade de “ruptura” com o modelo
dominante de desenvolvimento e de
educação “colonialista” e “mercantil” e a
urgência de se fazer uma transição para
uma outra educação e matriz tecnológica
de desenvolvimento e produção
(agroecologia):
É necessário pensar uma educação
diferenciada, uma educação não pro
campo, mas uma educação do campo
pros camponeses, é necessário se
pensar na agricultura que faça
ruptura com o modelo de
desenvolvimento econômico que o
Brasil adotou, que é o modelo
colonialista e agora é
neocolonialista. E nós prezamos por
outro modelo de desenvolvimento
econômico. Pra isso, é necessário ter
uma educação diferenciada pra ti
poder discutir outra matriz
tecnológica de produção, nós
precisamos discutir uma ruptura
completa com esse modelo,
mercantil, que parte de uma
educação, que parte de uma outra
matriz tecnológica que é produzir
pra uma autosustentação que em
primeiro lugar nós não produzimos
mercadoria, nós produzimos
alimentos. (Entrevistado C).
Com a incorporação do
desenvolvimento rural agroecológico para
os assentamentos rurais na Amazônia e no
Brasil, ocorre uma redefinição importante
na proposta de educação do campo, de
desenvolvimento e da reforma agrária do
MST, haja vista que é posto em sua agenda
uma dimensão (a sustentabilidade) com
forte corte político de classe, que reafirma
sua identidade como ator coletivo
anticapitalista, mas revê sua forte
influência marxista produtivista. Isso é um
elemento relevante nessa redefinição.
Diagnóstico esse que é confirmado no
depoimento feito por uma liderança do
movimento: “Hoje a dinâmica de disputa
pela terra nos cobra essa configuração,
outra lógica de produção, é um debate na
certeza do que queremos”. (Entrevistado
A).
Ao destacar como avanço a
referência que o seu lote agroecológico se
tornou para o MST, a entrevistada D frisa a
experiência como propícia para o “debate”,
isto é, de pesquisa e formação nesse campo
da agroecologia para a identidade
camponesa. Sobre esse aspecto, foi
possível, também, identificar nesse lote
uma importante dimensão educativa, que
inscreve o processo de formação humana
sob um novo marco de desenvolvimento
rural e de sociabilidade, interagindo, de
forma inseparável, teoria e prática,
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pesquisa-ação: práxis político-educativa
fundamental no processo de emancipação
social (Fals Borda, 1970; Freire, 2001).
Isso nos sugere identificar mais duas
matrizes pedagógicas, para além daquelas
identificadas na pedagogia do MST por
Caldart (2004a), como reflexo dessa práxis
do MST: a socioambiental, que põe essa
questão como condição relevante para
construção renovada dessa identidade
coletiva camponesa e, por conseguinte,
passa a ganhar dimensão de destaque em
sua proposta de educação do campo e de
reforma agrária popular na sociedade.
Como contraponto às monoculturas do
saber e da produtividade capitalista
identificadas por Boaventura (2007), é
possível verificar em desenvolvimento, no
MST, as “ecologias” dos saberes; das
temporalidades e das produtividades. Uma
segunda matriz se expressa no
protagonismo das mulheres, por meio da
Associação de Mulheres Agricultoras
(AMACAMPO) do MST
xv
, nesse
desenvolvimento da produção
agroecológica. Assim, a matriz pedagógica
de gênero contribuí para imprimir um
movimento de despatriarcalização do MST
por dentro, renovando e alargando a sua
luta: isto é, além de sua posição
anticapitalista e anticolonial, antipatriarcal.
Em diálogo com as formulações de
Santos (2010), argumentamos que o MST
contribui, sobremaneira e de forma
singular, para inscrever outras e novas
narrativas de luta e resistência social, que
trazem à baila outros saberes e gramáticas
interpretativas da realidade brasileira, em
particular do espaço rural, protagonizadas
pelos excluídos (as), que assumem
escrever a história, a partir de baixo,
criando uma nova imagem do Brasil, como
contraponto à história oficial e à
imaginação social moderna eurocêntrica,
que cunhava o rural como expressão desse
atraso e antítese do moderno, revelando,
assim, uma modernidade que opera
inseparável e dialeticamente com a
colonialidade (Quijano, 2010). Boaventura
(2010) ajuda a jogar luzes, também, em
“silêncios” não revelados pelo repertório
inicial e atual desse sujeito coletivo, que
carece se ressignificar em cada tempo
histórico, posto que, assim como ele
interpela a sociedade de seu tempo e
espaço, ele, dialeticamente, é interpelado a
se reinventar, como condição para sua
existência, resistência e enfrentamento aos
sistemas capitalista, colonialista e
patriarcal.
Por isso, o MST ajuda a escrever e
revelar outra gramática e narrativa do
Brasil rural, a partir das lutas e resistências
dos subalternos. Nos termos da Sociologia
das Ausências, da Sociologia das
Emergências e da Ecologia de Saberes de
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Boaventura Santos (2006), é possível dizer
que o MST contribui para emergência de
outras epistemes e modos outros de ser e
existir do campo brasileiro, por meio de
sua luta política e social por um outro
modelo de sociabilidade. Daí a necessidade
de se compreender os movimentos sociais
como importantes sujeitos-interlocutores
da sociedade, e não como objetos de
estudo, posto que eles têm muito a revelar
sobre a inteligibilidade de nossa sociedade,
de suas contradições, dilemas e desafios.
Nesse sentido, cabe frisar, no
entanto, alguns problemas e desafios que a
educação do MST vem enfrentando nesses
assentamentos pesquisados, obstaculizando
esse processo de transição agroecológica.
Ao perguntarmos a uma liderança do
movimento se a concepção de educação do
campo trabalhada na escola é aquela
defendida pelo movimento, ela diz:
Nós defendemos que ela deveria ser
muito mais melhorada até porque
como eu digo ela deve ocupar todos
os espaços e não somente as paredes
da escola, não somente a mente do
professor, mas ela tem que
predominar em todos os espaços dos
arredores e também muito mais no
educando. (Entrevistado A).
Essa narrativa assinala que a
proposta de educação do campo defendida
e construída pelo MST vem apresentando
limitações do ponto de vista de efetivar sua
concretização, de modo, que as
especificidades dos alunos (as) e os seus
saberes sejam incorporados, e não
apartados do currículo escolar
xvi
. Outro
ponto central nessa análise são as causas
desses fatores e os desdobramentos que
esse currículo apartado tem causado no
assentamento, o que alguns vêm
denominando de “perda de identidade”,
realidade que foi mencionada por uma
entrevistada que trabalha na escola do
assentamento II
xvii
. Ao questionarmos
sobre as estratégias que a escola vem
adotando para lidar com essa problemática
da perda da identidade, a entrevistada B
levanta a seguinte pergunta: como é que
eu passo dois anos com um PPP [Projeto
Político-Pedagógico] e um dos eixos do
objetivo geral é valorizar o convívio com a
terra e chego no final do ano e não
consigo nem plantar uma arvore na
escola? (Entrevistada B).
Isso revela, para ela, tanto o
problema da dualidade entre teoria e
prática, quanto entre o projeto pedagógico
e falta de condições de trabalho dignas no
campo para efetivar esse projeto, que
precisam ser superados para fortalecer essa
identidade camponesa. Se a educação do
campo não ocupa um lugar prioritário na
agenda pública do Estado e da sociedade
brasileira, isso revela mecanismos,
inclusive institucionais, de exclusão e
invisibilização desses setores e grupos
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sociais subalternos. Faz-se, portanto,
necessário a constituição de outras formas
de interpretação, de política e de prática
que apontem para outros caminhos a partir
e considerando a particularidade
Amazônica (Corrêa & Hage, 2011; Corrêa,
2019).
No decorrer de seu movimento e
desenvolvimento, a educação do campo no
Brasil
xviii
, em particular na Amazônia
(Corrêa & Hage, 2011), vem se
complexificando, se expandindo, se
diversificando ainda mais, envolvendo um
conjunto amplo e plural de atores e atrizes
sociais: camponeses (as), indígenas, negros
(as), quilombolas, ribeirinhos (as),
pescadores (as) etc., fazendo com que essa
proposta, conceito e políticas sejam
interpelados por esse conjunto de
experiências, dinâmicas e perspectivas
emergentes, que passam a imprimir e
requer novos olhares, formulações, práticas
e políticas públicas de educação e de
sociabilidade
xix
.
Os conceitos de “campo”,
“camponês” e “educação do campo” são
interpelados por esses outros sujeitos que
lutam por reconhecimento e revelam, nessa
relação de poder, “silêncios” que esses
conceitos, contraditoriamente, guardam e
expressam em si e como são reproduzidos
pela agroecologia
xx
. Nesse sentido, esses
conceitos têm sua força epistêmica e
política para tratar do campesinato (mesmo
esse precisa considerar a especificidade de
cada realidade histórica e social, como a
brasileira, a amazônica), mas revelam,
dialeticamente, suas fraquezas epistêmicas
e política para tratar de outros sujeitos e
territórios, em particular os povos e
comunidades tradicionais, pondo o desafio
da criatividade e invenção crítica de outras
imaginações sociais e educacionais a partir
dos e pelos grupos subalternos das
margens brasileiras, em particular das
margens amazônicas do rural (e, também,
urbana).
Considerações finais
Nesse percurso e dado o recorte
temático e contextual
neodesenvolvimentista aqui para esse
artigo, foi possível identificar na pesquisa,
que a experiência de transição
agroecológica do MST ocorre de forma
contraditória e conflitiva, apresentando
avanços e problemas de ordem interna e
externa ao Movimento para sua
concretização em seu modo de produzir e
de se reproduzir socialmente. Assim, foi
possível perceber que essa transição tem
influenciado na ressignificação de seu
repertório de luta e resistência na
sociedade brasileira, em particular no
espaço rural amazônico, imprimindo uma
redefinição de sua concepção de
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desenvolvimento rural e de educação do
campo com a inserção do tema da
sustentabilidade, conformando outros
marcos político, epistemológico e de
sociabilidade num horizonte contra-
hegemônico.
Contudo, essa virada agroecológica
(em movimento) no e do MST enfrenta
limites de caráter, sobretudo estrutural,
comprometendo, assim, o avanço dessa
agenda de transição agroecológica e de sua
narrativa e, por consequência, a
constituição de sua resistência e a
proposição de alternativa ao modelo
hegemônico do agronegócio. Isso implica
argumentar, portanto, que tanto o
desenvolvimento rural e a educação do
campo como a transição agroecológica não
podem prescindir de um debate
epistemológico, associado ao debate
político e social, num horizonte de
descolonização dos aportes teóricos
críticos, a fim de fazer emergir outras
epistemes e interpretações e experiências
de sociabilidades outras a partir do Sul, da
periferia, dos excluídos e excluídas, que
compõem esse rural das margens
amazônicas.
É relevante ressaltar aqui que, na
atualidade da sociedade brasileira, estamos
vivendo uma crise de múltiplas dimensões
e um grave retrocesso democrático (Chauí,
2019; Avritzer, 2019; Singer, 2018, 2019;
Santos, 2019) com implicações e inflexões
profundas para diversos campos de
pesquisa, em particular para as
humanidades, e para diversos setores da
sociedade, em especial a classe
trabalhadora, os povos originários e
comunidades tradicionais e camponesas, a
população negra e LGBTQI+, as mulheres
etc., o que exige uma renovação da agenda
de pesquisa social e educacional nesse
campo de estudo, em particular, aqui, a
educação do campo, agroecologia e
desenvolvimento rural, uma vez que essas
políticas públicas e áreas sofreram um
verdadeiro desmonte e esvaziamento, além
da marginalização e criminalização
ideológica.
Se é bem verdade que a crise da
sociedade brasileira dava seus sinais na
transição do primeiro para o segundo
mandado da presidente Dilma Rousseff, é,
também, verdade que ela vai se agudizar
com o impeachment da referida presidente,
em agosto de 2016, e com a retomada
hegemônica da racionalidade neoliberal,
produzindo uma reorientação e inflexão na
agenda política do Estado com o governo
de Michel Temer, que passou a
implementar uma série de Reformas ou
melhor Contrareformas (Singer, 2018),
que provocaram um “novo/velho” cenário
de desmonte de direitos individuais e
coletivos na sociedade brasileira,
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intensificando um capitalismo dependente
e periférico como marca da modernização
colonialista, à custa do sacrifício da
democracia e da república brasileiras.
Mais recentemente, com a eleição
presidencial, em 2018, de Jair Bolsonaro
(hoje, sem partido, mas foi eleito pelo
PSL), representante do campo político de
extrema direita, no Brasil, a racionalidade
neoliberal assume outros contornos com o
avanço de toda uma onda ultra
conservadora e reacionária, que vêm
impondo, com vigoroso teor e trabalho
ideológico religioso e de mercado, um
aprofundamento dessas (contra)reformas,
com marcante traço autoritário (Chauí,
2019; Santos, 2016), desmontando e
esvaziando as políticas públicas anteriores,
além de todo um trabalho ideológico de
criminalização de povos, movimentos e
organizações sociais que se colocam num
campo de oposição a esse governo (CPT,
2020), marcando um profundo retrocesso
dos direitos humanos no país (Anistia
Internacional, 2020; 2020/2021).
Esse cenário sombrio revela que a
modernização à brasileira, como
interpretara e denunciara Fernandes
(1987), longe de romper com as estruturas
e heranças tradicionais, estas permanecem
vivas e atuantes na constituição dessa
modernização-colonialista feita “pelo
alto”, que expressa um capitalismo
dependente e periférico, marcado por
grandes contradições e conflitos entre
classes e grupos sociais desiguais
estruturalmente, assumindo o campo
brasileiro um relevante retrato dessas
contradições e conflitos.
Dialogando com as formulações de
Santos (2007), é possível identificar, nesse
atual contexto, uma expansão e
intensificação do uso instrumental dos
modos de produzir a não-existência do
rural das margens, sua invisibilidade e
exclusão pela racionalidade moderna
eurocêntrica (indolente) e pelo modelo de
desenvolvimento neoextravista do
agronegócio. Essa modernização-
colonialista reproduz uma lógica de
violência física e simbólica, que é externa,
mas, também, expressão aguda de um
“colonialismo interno” (Casanova, 2006),
que impõem grandes obstáculos para
efetivação real de uma sociedade
republicana e democrática, sendo a
Amazônia um dos exemplos concretos
desse dilema histórico na atualidade.
Em face desse cenário de crise,
aquele ensaio histórico de resistência em
“unidade” entre os povos do campo, das
águas e da floresta, em 2012, demonstra,
nessa atual conjuntura de crise
mulfacetária brasileira (democrática,
ambiental, pandêmica etc.), um grande
refluxo como expressão de uma
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resistência, em grande medida, na
defensiva, mas que as lutas e resistências
estão (CPT, 2020) e esse encontro como
tantos outros históricos precisam ser
tomados como grandes aprendizados de
esperança histórica, de pedagogias outras
ou pós-abissais (Santos, 2019; Arroyo,
2012). Essa é, de fato, uma quadra
histórica de profunda inflexão e retrocesso
democrático, em que tanto a tese do
movimento e pensamento decolonial de
“modernidade-colonialidade recrudesce
intensamente (Lander, 2005; Castro-
Gomes; Grosfoguel, 2007), quanto à do
“fascismo social” defendida por
Boaventura Santos (2016, 2019) e do
“necroneoliberalismo” de Achille Mbembe
(2020). Esse cenário de crise parece fazer
emergir e impor novas agendas de pesquisa
e de ação política na sociedade brasileira (e
latino-americana), em especial na
Amazônia, sobre a temática aqui tratada.
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i
Com objetivo de salvaguardar suas identidades, o
assentamento localizado em Belém está
identificado como “Assentamento I” e o localizado
em Castanhal está identificado como
“Assentamento II”.
ii
Os resultados de pesquisa apresentados nesse
texto expressam o que acumulamos no Projeto de
Pesquisa: “A experiência de transição
agroecológica do MST na Amazônia, educação do
campo e desenvolvimento rural: um estudo sob o
enfoque das Epistemologias do Sul”, cujo período
de vigência foi de 2017 a 2020. Informamos que
esse projeto era muito mais amplo e ambicioso,
contudo, em virtude da indisponibilidade de recurso
financeiro, da pandemia e de outras circunstâncias,
tivemos que ajustar e delimitar em relação a sua
proposta inicial que era pesquisar “As lutas e
resistências de movimentos sociais e povos
originários na Amazônia e suas educações: um
estudo a partir do diálogo entre as Epistemologias
do Sul e o Pensamento Freireano”.
iii
Os entrevistados aqui apresentam nominações
fictícias tendo em vista salvaguardar suas
identidades, bem como os nomes de assentamentos
e lotes agroecológicos.
iv
Sobre esse tema, consultar os estudos de Corrêa
(2014), que evidencia as posições teóricas e
polêmicas em debate em torno dos Governos Lula.
v
Sobre esse tema e conceito, consultar Corrêa
(2014), que expõe os diversos ângulos e
perspectivas em debate.
vi
Em relação a esse debate no âmbito da América
Latina, sugerimos consultar Acosta (2016) e Santos
(2016).
vii
Tomamos essa noção com base em Boaventura
Santos (2006, 2010, 2019). Ele usa a expressão Sul
não no sentido geográfico, mas sim do ponto de
vista epistêmico e metafórico, a fim de designá-lo
como o “sofrimento humano” provocado pelos
sistemas dominantes capitalista, colonialista e
patriarcado do Norte Global, o sistema mundo
moderno-colonial ocidental. Nesses termos, fazer
emergir epistemes outras, a partir do Sul Global e
das experiências e saberes dos grupos
subalternizados, implica dispor e tornar visível
outras formas de ser e de interpretações não-
eurocêntricas do mundo, criando uma “ecologia de
saberes” e contribuindo para descolonização de
nossas formas de pensar, agir, sentir e ser.
viii
No tocante ao impeachment da presidenta Dilma,
entendemos, com base em Guilherme dos Santos
(2017), como um “golpe parlamentar”.
ix
Sobre a história de formação do MST, consultar
Caldart (2004a); Fernandes (2000).
x
Sobre o processo de “transição agroecológica” no
MST, consultar o que Corrêa e Nascimento (2019)
apresentam parcialmente. Consultar, também,
Borges, (2009); De’ carli, (2013); Borssato; Carmo,
(2014); Abreu, (2019).
xi
Ao usarmos essa expressão “a partir de baixo”,
estamos nos referindo aos grupos sociais
subalternizados, situados à margem ou nesse Sul
anti-imperial proposto por Boaventura Santos
(2010), sendo o MST um desses movimentos
contra-hegemônicos, que vem inventando formas
outras de sociabilidade, de conhecimento e
educação.
xii
Sobre essa trajetória, consultar Corrêa e
Nascimento (2019).
xiii
Sobre a história da educação do campo, consultar
os livros da Coleção Por Uma Educação do
Campo; e Caldart (2009).
xiv
Sobre essa proposta da “Educação em
Agroecologia”, consultar Corrêa e Nascimento
(2019).
xv
Uma outra marca relevante dessa reconfiguração
do repertório do MST é o tema de “Gênero”. No
Corrêa, S. R. M., & Nascimento, M. D. F. (2021). Desenvolvimento rural e educação do campo na Amazônia: um estudo da experiência de “transição agroecológica”
no MST...
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assentamento I pesquisado, identificamos um
movimento (AMACAMPO) protagonizado por
mulheres do MST, focando a questão da produção
(numa perspectiva da agroecologia) e sua relação
com a educação do campo e desenvolvimento rural.
Sobre a AMACAMPO, consultar Abreu (2019).
xvi
Sobre isso, consultar Corrêa e Nascimento
(2019).
xvii
O MST vem fazendo um manifesto de protesto,
em nível nacional, no que tange ao fechamento de
escolas no campo, situação agravada ainda mais
com a pandemia e no governo Bolsonaro. No
Estado Pará, o Fórum Paraense de Educação do
Campo, vem realizando eventos e audiências
públicas, em parceria com os povos originários e
comunidades quilombolas, para protestar e tornar
pública essa problemática.
xviii
O tema da Educação do Campo se tornou um
relevante campo de estudo. Consultar sobre isso:
“Educação do Campo e Pesquisa: questões para
reflexão” (Molina, 2006; 2010).
xix
Sobre isso, consultar Corrêa e Nascimento
(2019).
xx
Sobre isso, consultar Corrêa e Nascimento
(2019).
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 20/05/2021
Aprovado em: 18/08/2021
Publicado em: 20/12/2021
Received on May 20th, 2021
Accepted on August 18th, 2021
Published on December, 20th, 2021
Contribuições no Artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The authors were responsible for
designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content
and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Corrêa, S. R. M., & Nascimento, M. D. F. (2021).
Desenvolvimento rural e educação do campo na
Amazônia: um estudo da experiência de “transição
agroecológica” no MST. Rev. Bras. Educ. Camp., 6,
e12229. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12229
ABNT
CORRÊA, S. R. M.; NASCIMENTO, M. D. F.
Desenvolvimento rural e educação do campo na
Amazônia: um estudo da experiência de “transição
agroecológica” no MST. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 6, e12229 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12229