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inventada, mas que foram reconhecidas
durante muito tempo como verdadeiras.
Além dessa referência, há outras que
indicam o caráter falso tanto do relato em
si quanto do que é relatado, como é o caso
da “teoria pomadista”, em que Pomada
(nome do Bonzo) pode significar, além do
preparado farmacêutico, fraude. Bonzo,
que faz referência ao monge budista,
também tem acepção pejorativa de
enganador (Almeida, 2020, p. 160;
Teixeira, 2007, p. 18; Losso, 2008, p. 6-
12).
O conto narrado por um ficcional
Fernão Mendes Pinto se passa na cidade de
Fuchéu, no reino de Bongo, localizado na
China. Em um passeio com o amigo
português Diogo Meireles, ambos avistam
um grupo de pessoas em torno de um
homem chamado Patimau. Este explicava
aos outros de forma contundente sua mais
nova descoberta, a origem dos grilos. Estes
animais “procediam do ar e das folhas de
coqueiro, na conjunção da lua nova”
(Assis, 1994, p. 1), segundo o orador.
Depois de encerrar seu discurso inflamado,
os ouvintes o saúdam e o carregam nos
ombros até um alpendre de um mercador.
Os amigos que observaram tudo
aquilo seguem seu caminho e se deparam
com mais um amontoado de pessoas a
escutar outro orador. Este outro chamado
Languru dizia ter descoberto o princípio da
vida futura, que estaria contido em uma
certa gota de sangue de vaca. Para o
espanto dos amigos portugueses, a situação
se assemelhava muito com a vista
anteriormente em tão pouco tempo e
espaço.
Ficamos sem saber nada daquilo,
porque nem nos parecia casual a
semelhança exata dos dois encontros,
nem racional ou crível a origem dos
grilos, dada por Patimau, ou o
princípio da vida futura, descoberto
por Languru. (Assis, 1994, p. 2).
Até que ambos encontram um
alparqueiro chamado Titané que lhes
explicou tais feitios, dizendo que podia ser
que ambos estavam cumprindo uma nova
doutrina que teria sido inventada por um
“Bonzo de muito saber” (Assis, 1994, p.
2). Com a curiosidade dos portugueses,
Titané acabou por ajudá-los a conhecer tal
Bonzo. Ao serem recebidos pelo sábio, o
mesmo foi logo explicando:
– Haveis de entender, começou ele,
que a virtude e o saber têm duas
existências paralelas, uma no sujeito
que as possui, outra no espírito dos
que ouvem ou contemplam. Se
puserdes as mais sublimes virtudes e
os mais profundos conhecimentos em
um sujeito solitário, remoto de todo
contacto com outros homens, é como
se eles não existissem. (Assis, 1994,
p. 3).
O Bonzo explana um pouco como
chegou a tal doutrina salvadora que
Patimau e Languru estavam seguindo e sua