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existência da população a todas as
iniquidades impostas por políticas
higienistas que alicerçaram quase
quatrocentos anos de escravidão e
racismo/colonialismo. Assim, brincar
coletivamente e reforçar os estados de
infâncias é subversão para a libertação,
pois o ato de brincar está presente em todas
as manifestações culturais negras, (folia de
reis; maracatu; maculelê; capoeira, etc.)
que, inclusive, podem ser adjetivados
como sinônimo de brincar, ou ainda jogar,
e seus integrantes de brincantes ou
jogadores.
Exu, na sua lógica, orienta-nos a
brincar, jogar, dançar com o tempo, porque
ele é o orixá que se encontra no centro da
encruzilhada, que pode ser traduzido como
o lugar das possibilidades. Na
compreensão de Rufino:
Exu é a substância que fundamenta
as existências; é a linguagem como
um todo. É o pulsar dos mundos,
senhor de todas as possibilidades,
uma esfera incontrolável,
inapreensível e inacabada. Ele é o
acontecimento, antes mesmo da
inscrição deleuziana, por isso ata-se o
verso que aqui abre caminho: “Exu
nasceu antes da própria mãe”.
(Rufino, 2019, p. 24).
Se o cogito cartesiano, que dá
validade a uma reflexão binária,
fortalece um sistema do Mundo
racista/capitalista/cristão/
patriarcal/moderno/ europeu, o “Eu
penso, logo existo!”, também, fortalece o
adultocentrismo, opondo crianças aos
adultos, forjando diferença como sinônimo
de desigualdade, impondo subalternidade.
Para Senghor (1990) a oposição ao cogito
cartesiano está na experiência, que por sua
vez é a base da existência, a afirmação da
negritude está na lógica do “Eu sinto, eu
danço o Outro; eu sou”, dessa forma
poderíamos traçar uma analogia aos
estados de infância que fomentam o
brincar que implica em “Quando
brincamos, logo nos libertamos” (se
brinco, me livro), da adultocentricidade
inerente ao carrego colonial.
... o conceito de criança não se
constrói pela oposição semântica
com o conceito de adulto, mas se
revela como construção da
possibilidade de trânsito (portanto,
categoria não estática), cujo
movimento, transitividade e
narratividade, segundo a semiótica
francesa, se inserem na ordem e na
natureza do axé, força vital e de
permanente movimentação. A
infância, nesta propositura, sob a
prescrição da lógica de Exu, reporta
não a si mesma, mas evoca,
polifonicamente, diferentes
enunciados de estado (gestação,
nascimento, infância, adolescência,
juventude, adultez, velhice e
ancestralização), estados a que se
pode ir e vir, numa perspectiva capaz
de sabotar a cognição, a interpretação
e representação simbólica
eurocêntrica da percepção do tempo.
Destarte, o entendimento do que seja
“criança” não se constrói