Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12386
Tocantinópolis/Brasil
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2021
ISSN: 2525-4863
1
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Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na
Amazônia - A recepção e a exibição cinematográficas no
início do século XX
Ana Claudia da Cruz Melo
1
, Carmen Lucia Souza da Silva
2
, Felipe Giuseppe de Albuquerque Gracio
3
1, 2, 3
Universidade Federal do Pará - UFPA. Programa de Pós-Graduação em Artes - PPGArtes - Instituto de Ciências da Arte
(ICA). Rua Augusto Corrêa, 01, Setor Profissional. Guamá - PA. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: acmelo@ufpa.br
RESUMO. Neste trabalho, apresentamos os resultados da pesquisa
que se deteve sobre a história da sala de diversões Odeon, erguida em
Belém do Pará, no Brasil, no início do culo XX. À luz dos estudos
de recepção, a pesquisa teve como objetivo levantar elementos que
permitissem inferir sobre o perfil do público e a natureza das películas
exibidas, durante a década de 1910, no contexto de uma cidade da
Amazônia, que vivenciava os impactos econômicos e migratórios do
Primeiro Ciclo da Exploração da Borracha (1850 a 1920). Para a
operacionalização da metodologia dos estudos, visitamos as memórias
do pioneiro do cinema espanhol, Ramón de Baños Martínez, sobre o
período em esteve na capital paraense, contratado como projecionista,
operador de câmera e fotógrafo. Também buscamos levantar
informações sobre a programação da Odeon, nas páginas do jornal O
Estado do Pará, periódico fundado em 1911. Movimento teórico-
metodológico norteado por Bernardet e Mascarello, quanto à
necessidade da investigação sobre a História do Cinema Brasileiro ir
além do campo da produção fílmica. A investigação revelou, entre
outros aspectos, que mesmo diante da predominância da exibição
dos filmes importados, europeus e norte-americanos, o público estava
sempre ávido pelas produções nacionais e, sobretudo, as locais,
ovacionadas depois de se enfrentar longas filas e em sessões
madrugada adentro. Revelam-se ainda as audiências colossais de
filmes pornográficos, exclusivamente para as plateias masculinas,
vendidos como milagroso elixir para os problemas de sexualidade.
Palavras-chave: cinema na amazônia, exibição, recepção, sala odeon.
Melo, A. C. C., Silva, C. L. S., & Gracio, F. G. A. (2021). Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na Amazônia - A recepção e a exibição
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Odeon theater: Contributions to the History of Cinema in
the Amazon - The cinematographic reception and
exhibition in the beginning of the 20th century
ABSTRACT. In this article, we present the results of the research that
focused on the history of the Odeon amusement room, built in Belém
do Pará, Brazil, at the beginning of the 20th century. In the light of
reception studies, the research aimed to raise elements that allowed
inferences about the profile of the public and the nature of the films
exhibited during the 1910s, in the context of an Amazon city, which
was experiencing economic and migratory impacts of the First Cycle
of Rubber Exploitation (1850 to 1920). For the operationalization of
the methodology of the studies, we visited the memories of the
pioneer of Spanish cinema, Ramón de Baños Martínez, about his
period in the capital of Pará, hired as a projectionist, camera operator
and photographer. We also sought to gather information about
Odeon's programming, in the pages of the newspaper O Estado do
Pará, a periodical founded in 1911. Theoretical-methodological
movement guided by Bernardet and Mascarello, regarding the need
for research on the History of Brazilian Cinema to go beyond the field
of film production. The investigation revealed, among other aspects,
that even given the predominance of showing imported, European and
North American films, the public was always eager for national and,
above all, local productions, applauded after facing long lines and in
late-night sessions. It also reveals the colossal audiences of
pornographic films, exclusively for male audiences, sold as a
miraculous elixir for the problems of sexuality.
Keywords: cinema in the amazon, exhibition, reception, odeon
theater.
Melo, A. C. C., Silva, C. L. S., & Gracio, F. G. A. (2021). Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na Amazônia - A recepção e a exibição
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Sala Odeon: Contribuciones a la historia del cine en la
Amazonía - La recepción y la exhibición cinematográficas
en los inicios del siglo XX
RESUMEN. En este artículo presentamos los resultados de la
investigación que se centró en la historia de la sala de diversiones
Odeón, construida en Belém del Pará, Brasil, a principios del siglo
XX. A la luz de los estudios de recepción, la investigación tuvo como
objetivo plantear elementos que permitieran realizar inferencias sobre
el perfil del público y la naturaleza de las películas exhibidas durante
la década de 1910, en el contexto de una ciudad amazónica, que estaba
experimentando impactos económicos y migratorios del Primer ciclo
de explotación del caucho (1850 a 1920). Para la operacionalización
de la metodología de los estudios, visitamos las memorias del pionero
del cine español, Ramón de Baños Martínez, sobre el período que
estuvo en la capital de Pará, contratado como proyeccionista, operador
de cámara y fotógrafo. También buscamos obtener información sobre
la programación de Odeon, en las ginas del periódico O Estado do
Pará, fundado en 1911. Movimiento teórico-metodológico guiado por
Bernardet y Mascarello, sobre la necesidad de investigar la Historia
del Cine Brasileño para ir más allá del campo de la producción
cinematográfica. La investigación reveló, entre otros aspectos, que
aun ante el predominio de proyecciones de películas importadas,
europeas y norteamericanas, el público siempre estuvo ávido de
producciones nacionales y, sobre todo, locales, aplaudidas tras haber
enfrentado largas colas y en sesiones continuando por la madrugada.
También revela las audiencias colosales de películas pornográficas,
exclusivamente para el público masculino, vendidas como un elixir
milagroso para los problemas de la sexualidad.
Palabras clave: cine en la amazonia, exhibición, recepción, sala
odeon.
Melo, A. C. C., Silva, C. L. S., & Gracio, F. G. A. (2021). Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na Amazônia - A recepção e a exibição
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Introdução
Se hoje a região Norte tem as cidades
com menor número de salas de cinema do
Brasil, nos primeiros anos do século XX
esta era uma realidade bem diferente. Em
Belém, capital do Estado do Pará, ainda
sob os efeitos positivos do Ciclo
Econômico da Exploração da Borracha,
chegou-se a ter em um único quarteirão 14
salas dedicadas às projeções dos
cinematógrafos. Período que atraiu alguns
milhares de estrangeiros, sobretudo
europeus (Menezes, 2013), os quais
traziam, ainda nas bagagens, o know-how
para operar os recém-inventados
equipamentos para projeções e filmagens.
Entre esses imigrantes estava o
comerciante espanhol de Alicante, Joaquín
Llopis, representante da firma de
exportação de borracha Suárez Hnos. Ltda,
de propriedade do boliviano Nicolás
Suárez, uma das casas exportadoras deste
produto mais importantes, à época, de
Belém (Ruiz-Peinado, 2013). Além de
proprietário da primeira produtora
cinematográfica do Pará, The Pará Films,
Llopis foi dono de teatros e de salas de
cinema na capital paraense. Atualmente,
vinculam-se ao nome empresário, pelo
menos, três espaços: os teatros Odeon e
Polytheama (Salles, 2012, p. 47), além do
Cinema Rio Branco, resultado da
sociedade com o italiano Giuseppe
Calicchio. Foi Llopis que trouxe para o
Brasil, para trabalhar nas suas empresas,
em Belém, em 1911, então com uns 21
anos, Ramón de Baños Martínez,
atualmente considerado, assim como seu
irmão Ricard Baños, um dos pioneiros do
cinema espanhol. Na Espanha, Ricard
Baños é tido como um dos principais
precursores do cinema catalão.
A história do encontro de Llopis e de
Ramón de Baños acontece em Barcelona,
quando o primeiro chega para comprar
uma moderna máquina de projeção e em
busca de uma pessoa que tivesse expertise
para manejá-la e, se possível, fazer filmes
(González López, 1986). Com a indicação
de Borrás, o operador de projetor do Salão
Doré, e do cineasta Fructuós Gelabert,
Llopis conhece Ramón de Baños que há
tempo já tinha expressado o desejo de fazer
fortuna fora de Barcelona:
...Os irmãos Baños dominam todas
as técnicas necessárias para poder
realizar filmes: filmar, utilizar
truques, revelar os filmes, montá-los
e realizar as passagens dos mesmos.
Esta versatilidade proporciona que
em 1911 Ramón receba a visita do
empresário espanhol Joaquim
Llopis... O projecto era ambicioso
porque teria de realizar a compra do
material necessário para montar uma
produtora de cinema em Belém e de
ficar como responsável das filmagens
Melo, A. C. C., Silva, C. L. S., & Gracio, F. G. A. (2021). Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na Amazônia - A recepção e a exibição
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e exibições de filmes e
documentários para a produtora de
Llopis, The Pará Films, o que, de
certa forma, correspondia a efectuar
o mesmo que o seu irmão Ricard
realizara na Hispano Films. A aposta
de partir e ir hacer las Américas’...
(Ruiz-Peinado, 2013, p. 279).
O contrato firmado com Baños
previa exatamente trabalhar em Belém do
Pará como projecionista, operador de
câmera e fotógrafo pelos quais,
respectivamente, receberia 10%, 25% e
50% dos ganhos nas atividades, além de
um salário mensal fixo no valor de 300
pesetas, assim como passagem e
instalações em camarote na primeira classe
do navio para ir a capital paraense. Na
bagagem, Banõs levou às terras brasileiras
películas virgens, um projetor da Casa
Prévost de Paris (similar ao da Casa
Pathé), equipamentos de fotografia,
prateleiras de madeiras e químicos, além
de um piano de manúbrio, acompanhado
de equipamentos de percussão (pratos e
timbales). não levou a reveladora
Prestwich que chegaria apenas alguns
meses depois.
Quando Baños chegou a Belém, em
1911, ele ficou hospedado na casa de
Joaquín Llopis, localizada na Praça Justo
Chermont, número 39. Atualmente essa
praça, denominada de Praça Santuário,
integra o complexo da Basílica Santuário
de Nossa Senhora de Nazaré. Um local
que, desde 1793, atrai milhares devotos,
especialmente todo segundo domingo de
outubro, quando ocorre a procissão do
Círio de Nossa Senhora de Nazaré. O
teatro para o qual Banõs foi contratado
para gerenciar ficava exatamente junto à
casa de Llopis, a poucos metros da praça.
Trata-se de um terreno para projeção de
cinema, que funcionava, então, em
ocasiões festivas.
Ramón de Baños instalou-se na casa
de Joaquín Llopis, em Belém do
Gran Pará, em frente à Praça de
Nazareth. Num grande jardim ou
‘quintal’ daquela casa localizavam-se
os terrenos destinados ao cinema, que
levava o pomposo nome de ‘Theatro
Odeon’ e que se encontrava em grave
estado de abandono, visto que era
utilizado nas festas de Nossa Senhora
de Nazareth (de 8 a 22 de outubro). O
primeiro trabalho consistiria na
reparação do cinema e de uma sala-
laboratório, com a colaboração de um
carpinteiro catalão - um certo
Fabregas - e de um eletricista
português chamado Manoel. Este
seria o ‘assistente de filmagem’ que
acompanhou Baños durante sua
estada no Brasil. (González López,
1986, p. 214, tradução nossa).
Em suas memórias, conforme
González López (1986), Baños descreveu
Llopis como um comerciante de posses,
inteligente, com boas relações e muito
ativo nos negócios, incansável para ganhar
dinheiro. Um pouco rude como um “bom
levantino”. Fisicamente se tratava de um
homem com porte indiano, estatura média,
com grandes bigodes com alguns fios
brancos, olhos negros, brilhantes e vivos,
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aparentando ter cerca de 45 anos de idade.
Quando falava, Baños descrevia Llopis, de
sotaque castelhano americanizado, mas um
cavalheiro em todas as suas palavras.
Em solo paraense, o foco de Llopis e
Banõs foi exatamente a reforma de Theatro
Odeon paras as festas do Círio de Nazaré
de outubro daquele mesmo ano que
chegara, com atenção especial para a
instalação dos novos equipamentos
projeção. No local, montaram-se barracas
de comércio diversas. Mas o carro-chefe da
publicidade de Llopis foi de fato o Cinema:
anunciou que apresentaria ao público,
naqueles dias, filmagens feitas em plena
realização da festa do Círio. Este era o
trunfo do Theatro Odeon para se
diferenciar do grande número de salas
concorrentes. Segundo Baños, na Praça da
igreja de Nazaré havia pelo menos
quatorze cinematógrafos naquele ano
(González López, 1986, p. 214). Contudo,
o maior atrativo acabou não dando certo
devido ao atraso na chegada dos
equipamentos para revelação dos filmes.
Na quadra nazarena daquele ano,
apresentaram apenas os filmes adquiridos
em Barcelona e o cinema do teatro acabou
dividindo a atenção com um salão de tiro
ao alvo que Llopis montou em sua casa.
Entre 1911 e 1913, o fato é que
Baños esteve na linha de frente da
produção de pelo menos 22 filmes na
região Norte do Brasil, por isso é
recorrentemente lembrado na História do
Cinema do Pará. Ele também gerenciou os
espaços culturais e a produtora de Llopis.
Sobre essa época quando esteve em Belém,
Baños deixou vários escritos. Lendo estes
textos sobre as suas memórias, sobretudo
de realizador, foi que nos despertou o
interesse de investigar mais acerca da
história da Odeon. Buscamos aquilo que
está nas entrelinhas dos escritos, seja
propriamente das memórias a partir de
Baños ou daquilo que vem sendo dito
sobre elas, sempre tendo como foco a
Odeon, portanto as memórias do cinema
paraense naquilo que foi exibido e/ou
visto. Ainda nesse sentido, investigamos o
que se publicou sobre a Odeon nas páginas
do jornal O Estado de Pará, na cada de
1910.
Assim pesquisamos a programação e
também buscamos traçar minimamente o
perfil do público desses filmes exibidos
nos programas. Um movimento teórico-
metodológico que vai em direção de
estudos de recepção e acerca da exibição
na História Cinematográfica Brasileira.
Nesse sentido, motiva-nos o fato de que,
diferentemente da polêmica envolvendo o
marco de nascimento do cinema brasileiro,
em Belém do Pará o início da história do
cinema parece sempre remeter, a princípio,
às salas de projeção que não tardaram a
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existir tão logo os primeiros projetores
chegaram ao Brasil. Por outro lado,
também ainda hoje não haveria um
consenso entre os pesquisadores sobre
quando e por quem foi produzido o
primeiro filme paraense. Nesse sentido,
inspira-nos o debate em torno dos marcos
do nascimento no Brasil e as críticas sobre
o porquê de se priorizar, ao longo de tantas
décadas, mais as produções de filmes do
que o público e a exibição. Um debate que
ganha fôlego com Jean-Claude Bernardet
(2008) e Fernando Mascarello (2008),
quando tratam do nascimento do cinema
brasileiro. Temática que retomaremos mais
à frente para problematizar a cultura
cinematográfica no Pará e na Amazônia a
partir das contribuições que a investigação
sobre a existência da Odeon nos dá, seja no
que concerne ao seu público, seja em
relação aos filmes que exibiu na década de
1910. Isto será feito, como dito antes, por
meio de escritos memoriais sobre a sala
e/ou a partir de sua programação publicada
à época.
A partir das memórias de Ramón de
Baños Martínez e dos escritos sobre estas
mesmas memórias, nossos estudos se
deram em duas direções. De um lado,
levantar informações sobre a programação
da Odeon, nas páginas do jornal O Estado
do Pará, na década de 1910, e, por outro,
buscar identificar o público desta sala -
como é apresentado e/ou mencionado,
quais são suas características, e se este
movimento permitiria esboçar um perfil
inicial do público do cinema da década de
1910 no contexto de uma cidade da
Amazônia.
Um procedimento metodológico que
antes considerou não perder de vista que se
trataria de uma forma de consumo
cinematográfico da nascente natureza
cinéfila, haja vista que o período observado
se depreende em torno da década de 1910,
quando pelo menos em alguns países se
identifica o nascimento de uma cultura
cinematográfica, um certo comportamento
cinéfilo em seus consumidores ainda que
diferente da cinefilia erudita que iria se
firmar algumas décadas mais tarde. Nos
Estados Unidos, por exemplo, a criação
da revista Photoplay, em 1911, e de muitas
outras publicações nos anos seguintes
(Jullier, 2012, p. 24). Outro marco deste
nascimento é identificado no estudo
sociológico Zur Sociologie des Kinos de
Emilie Altenloh (1914), realizado em
Mannheim, com 2.400 espectadores de
cinema, entre os anos 1912 e 1913, sob
orientação de Alfred Weber, teórico da
cultura e economista alemão. Este estudo,
explica Jullier, “nos situa imediatamente
no tempo, ‘nos anos 10 do século XX, que
os pesquisadores chamam de anos teens’, e
no espaço do nascimento da cinefilia, e da
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cidade e, sobretudo, do desenvolvimento
da cidade industrial” (Jullier, 2012, p. 49).
Nas telas
O acesso à programação da Odeon
se deu por meio do jornal O Estado do
Pará, periódico fundado em 1911, e,
atualmente, disponível no site da
hemeroteca digital brasileira
(https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-
digital/), da Fundação Biblioteca Nacional
(FBN). As buscas no banco de dados
consideraram o termo Cinema Odeon,
período e localização, isto é, a região do
Estado do Pará e a segunda década do
século XX, a década de 1910. O
levantamento inicial resultou em 247
ocorrências, sendo a primeira de 25 de
julho de 1912 e a última de 1º de agosto de
1918. Todas as páginas que apresentavam
o termo Cinema Odeon foram devidamente
salvas e catalogadas, para então
selecionarmos somente as que traziam
informações sobre a exibição de filmes
e/ou público. Sendo assim, das 247
ocorrências, nos detivemos sobre 184 por
apresentarem as programações da sala de
cinema. Informações em formato de nota,
ora publicadas na seção Chronica
Theatral, ora em Topicos e Notícias, e, a
partir de outubro de 1912, em seção que
traz em seu título a palavra cinema,
denominada de Theatros e Cinemas.
Anúncios que continham os títulos dos
filmes, nome do estúdio de produção, local
de origem e, em alguns casos, certo tipo de
juízo sobre a produção, como por exemplo,
se tratar “de um belo filme”, de “grande
sucesso”, “maravilhoso filme”, “magnífico
programa”, “importante drama”,
“atualidade palpitante”, filme “de alta
concepção dramática”, “cômico fino”,
“pungente drama de amor de transes
delicados, impecavelmente executado” etc.
Informa-se ainda quantas partes e até o
número de quadros do filme que seriam
exibidos na sessão, como se pode
visualizar por meio do anúncio, publicado
no jornal O Estado do Pará, sobre o filme
Tráfico de Marinheiros, da Nordisk Film,
de 1912: “deslumbrante filme divido em
duas partes e 84 quadros” (FBN, n.d., p. 3).
Essas notas também apresentavam a sala
como aquela que tem “filmes novos todas
as noites” e com “magníficas películas”.
Por outro lado, ainda que estes anúncios
não apresentassem tantos elementos que
desvelassem claramente sobre o público da
sala, encontramos referência à presença de
personalidades políticas em sessão, e que a
sala ou filme recomendava-se às “famílias
respeitáveis” e de “bom gosto”.
A pesquisa nas páginas do jornal O
Estado do Pará resultou em 184
ocorrências relacionadas a 441 filmes
exibidos na Odeon, na década de 1910.
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Nenhuma produção nacional de ficção foi
localizada. Entre esses 441 filmes,
identificamos 14 cinejornais nacionais, 81
documentários internacionais, 327 filmes
de ficção internacionais. Para dez filmes de
ficção e nove documentais não
conseguimos identificar o país de origem
da produção por falta de informações nos
bancos de dados pesquisados.
Sobre estes filmes, observou-se os
títulos das obras apresentados, de modo a
buscar complementar no Internet Movie
Database - IMDB
(https://www.imdb.com/) e no site
Mnemocine
(http://www.mnemocine.com.br/), sempre
que possível, a informação sobre o ano,
direção, título original, nacionalidade e os
gêneros das produções. Assim sendo,
podemos constatar que na década estudada,
na Odeon, dos 14 filmes brasileiros
exibidos no estilo documental, nove seriam
produções locais da The Pará Films,
cinejornais: 1) Imagens dos trabalhos da
Port of Pará em Belém e da Estrada de
Ferro Madeira-Mamoré - The Pará Films;
2) Recepção do dr. Lauro Sodré em Belém
- The Pará Films; 3) Recepção dos festejos
ao exmo. Sr. Dr. Lauro Muller no Pará -
The Pará Films; 4) Desembarque e
Festejos em Honra ao Dr. Lauro Muller;
5) O Cyrio - The Pará Films; 6) A
Borracha - The Pará Films; 7) Gymnasio
Anglo-Brazileiro do Rio de Janeiro; 8)
Chegada de Santos Dumont ao Rio; 9) O
Carnaval no Rio em 1914; 10) Pará -
Films Journal - Assuntos militares
paraenses - The Pará Films; 11) O dia de
Finados em Santa Izabel - The Pará Films;
12) A Borracha no Pará - The Pará Films;
13) A Chegada do Dr. Lauro Sodré no
Pará em 1912 - The Pará Films; 14)
Cinejornal: comício realizado pela
sociedade Comité de Propaganda dos
Interesses Brasileiros, com o fito de
propagar a candidatura de Sodré,
levantada pela "Folha do Norte".
Entre as 81 produções documentais
internacionais exibidas na Odeon, 49 têm
origem francesa. Das quais, 29 são da
Société Pathé Fréres, cinco da Gaumont e
as demais supostamente produções
independentes de cineastas como Alfred
Machin, que assina a direção de Templos
Egípcios (Au Pays des Vieux Temples
Egyptiens, FR, 1913) ou de estúdios
menores que não localizamos muitas
referências, entre os quais a Select Film
(Biarritz, FR, 1913) e a Eclipse (Lons le
Saunier, FR, n.d.). As demais produções
foram identificadas, sobretudo, como
italianas, estadunidenses, austríacas e
dinamarquesas. Entre os filmes produzidos
nos Estados Unidos, apenas um vincula-se
diretamente aos estúdios de Thomas
Edison: Marinha de Guerra Americana
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(Ten days with a fleet of U.S. battleships),
de 1912.
Os países de origem das 327 ficções
estrangeiras projetadas na Odeon, na
década de 1910, são principalmente França
e Itália (Quadro 1). A produção dos filmes
é de companhias diversas: Pathé Fréres,
Gaumont, Nordisk, Aquila, Mono filmes,
Thomas Edison, Società Anonima
Ambrosio etc. Mais da metade dos 327
filmes é do gênero drama, 172; seguido por
142 comédias.
Quadro 1 - Origem dos Filmes Estrangeiros de Ficção Projetados na Odeon na década de 1910.
País
Número de Filmes
França
138
Itália
102
Dinamarca
38
Estados Unidos
32
Alemanha
09
Áustria
01
Bélgica
01
Não Identificado
06
Total
327
Fonte: Os autores.
Por meio dos dados quantitativos
acerca dos filmes projetados nas telas da
Odeon, primeiro cabe observar o quanto é
delicado aplicar a categoria nacional no
Cinema Brasileiro, desde o período da Bela
Época do Cinema Mudo, uma vez que não
conseguimos localizar qualquer produção
nacional de ficção durante os anos 1910,
apenas produções documentais, sendo que
a maioria assinada pela The Pará Films, a
primeira empresa cinematográfica do Pará.
Mascarello (2008) pontua este
aspecto a partir dos estudos de Bernardet
(2008). Lembra que este autor
denunciara, primeiro, na obra de
historiadores e ensaístas brasileiros um
certo “privilégio à história da produção
cinematográfica isto é, dos filmes e do
empenho moral para realizá-los , em
detrimento da história de sua exibição,
distribuição e recepção pelas audiências”
(Mascarello, 2008, p. 30). Por outro lado,
a falta de dados sobre o público brasileiro
parece ter autorizado:
os pesquisadores clássicos, entre
outras coisas, a aplicar
impositivamente a categoria do
nacional ali, onde as audiências da
Bela Época possivelmente não
distinguiam entre o produto local e o
estrangeiro , através da projeção do
seu próprio conceito nacionalista de
cinema brasileiro sobre o cinema e o
público do início do século
(Bernardet, 1995, p. 79 como citado
em Mascarello, 2008, p. 31).
Mascarello (2008) lembra ainda que
Bernardet criticara o privilégio que se
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deu aos filmes de ficção nacionais em
prejuízo de outras formas narrativas.
De fato, ao lançar, em 1995, o livro a
Historiografia Clássica do Cinema
Brasileiro, Jean-Claude Bernardet (2008)
acabou também por revirar do avesso a
forma como nasceu e se estruturou o
conceito de cinema nacional no país.
Expôs não apenas as controvérsias
envolvendo os marcos históricos do
nascimento do cinema, mas apontou que a
escolha feita pela filmagem como ato
fundador deixaria à mostra a ideologia de
historiadores que se concentraram mais na
produção de filmes em detrimento dos
campos da exibição e recepção dos
espectadores. Com o questionamento
“acreditam os brasileiros nos seus mitos?”,
Bernardet (2008) problematizou as origens
do cinema brasileiro, fundamentadas em
marcos temporais. O primeiro de 06 de
maio de 1897 e, o outro, de 19 de junho de
1898. Inclusive, sendo esta última data
dedicada, atualmente, às comemorações do
Dia do Nacional do Cinema Brasileiro.
Dois marcos históricos que podem ser
reconhecidos também, nos dias de hoje,
como aqueles que criaram, por cerca de 70
anos, no Brasil, um “campo de luta
ideológico em que historiadores, amadores
ou profissionais discutiam o
desenvolvimento biológico do cinema
(nascimento, crescimento, maturidade e
morte)” (Souza, 2018, p. 23).
Sobre o dia 06 de maio de 1897,
Bernardet (2008) refere-se como aquela
que poderia antecipar a data de nascimento
do cinema, no Brasil, caso se comprovasse
que Vittorio di Maio ou Henrique
Messiano foram os primeiros a filmar no
país. Adhemar Gonzaga colocou sob
suspeita estas filmagens, em 1954, em
artigo escrito para o Jornal do Cinema,
conforme aponta Souza (2018):
Di Maio era um simples exibidor
ambulante, sempre o foi, nunca se
referiu às filmagens até morrer em
Fortaleza, em 1926, nem teria
condições de realizar a produção,
que trabalhava com aparelhos de
projeção até hoje desconhecidos, e
não com um Lumière que filmava e
projetava. (Souza, 2018, p. 24).
Por outro lado, o dia 19 de junho de
1898 apareceria em dois momentos.
Primeiro quando Adhemar Gonzaga teria
sido “prudente” na notícia que Paschoal
Segreto mandou publicar nos jornais
cariocas sobre o seu irmão Afonso Segreto
“ter tirado vista” da entrada do porto,
fortalezas da barra, da baía da Guanabara e
de navios em movimento. Entretanto,
Gonzaga limitara-se “à verificação de que
Afonso, retornando da Europa em 19 de
junho de 1898 pelo Brésil, transatlântico da
Compagnie des Messageries Maritimes,
havia trazido uma câmera” (Souza, 2018,
Melo, A. C. C., Silva, C. L. S., & Gracio, F. G. A. (2021). Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na Amazônia - A recepção e a exibição
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p. 25). E depois, pelos escritos, em meados
de 1976, de Paulo Emílio Sales em
parceria com Adhemar Gonzaga; e em
1976, quando Vicente de Paula Araújo
apresentou sua pesquisa. Assim, Souza
afirma: “com o aval de Paulo Emílio Sales,
na época, uma autoridade em história do
cinema brasileiro, referenda-se uma
sugestão que devia ser encarada com
reservas” (Souza, 2018, p. 25).
Bernardet refere-se à citação do
historiador Vicente de Paula Araújo, em
1976, como aquela que seria, “até certo
ponto, uma espécie de nascimento do
cinema no Brasil” (2008, p. 20). Depois,
nos anos 1980, Paulo Emílio Sales Gomes
elimina a ressalva e confirma que no dia 19
de junho de 1898 nasceu o cinema
brasileiro. Ainda em relação a esta data,
mencionada como o marco do nascimento
brasileiro, Bernardet (2008) ressalta que o
crítico e cineasta Alex Viany, em
Introdução ao Cinema Brasileiro, só fez
menção às filmagens de Segreto. Mas nas
edições posteriores a de 1959, Viany passa,
então, a reconhecer esta data, assim como
outros pesquisadores, entre os quais
Antônio Passos Noronha e Paulo
Paranaguá.
A partir destas controvérsias
envolvendo a data de nascimento do
Cinema no Brasil, os estudos sobre os
filmes projetados na Odeon, no mínimo,
parecem reiterar a ideia de que permanece
viva e necessária, como propõe Mascarello
(2008), as interrogantes ao “conceito de
cinema brasileiro”, operado pela
historiografia clássica. Entre esses
questionamentos, nas palavras do autor,
caberiam as perguntas:
Quem decreta e avaliza a existência
de um cinema nacional’ no Brasil?
Quais sentidos se produzem pela
afirmação de que existe um cinema
brasileiro? Por que o público é
desconsiderado nessa operação? Em
havendo um cinema nacional, que
filmes constituem seu cânone e, por
essa simples razão, deveriam ser
objeto privilegiado de estudo pela
universidade local? E mais: a história
do cinema brasileiro é apenas a
história de seus filmes? A
repercussão sociocultural dos filmes
também não é parte crucial dessa
história? Além disso, é adequado
pensar no cinema nacional como
manifestação cultural autônoma? ...
(Mascarello, 2008, p. 31).
Contudo, para além desses
questionamentos que continuam atuais,
portanto necessários no presente, caberia
também ir ao encontro de outras
possibilidades de buscar respostas àquilo
negligenciado ou não por razões
ideológicas quando se trata das
contribuições de um pretenso conceito de
cinema nacional do período clássico.
Aquilo que entendemos estar inclusive na
riqueza da formação do cinema regional, se
investigado para além das delimitações dos
períodos produtivos de filmes dos ciclos
Melo, A. C. C., Silva, C. L. S., & Gracio, F. G. A. (2021). Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na Amazônia - A recepção e a exibição
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regionais cinematográficos, seja este qual
for. Visamos alcançar uma dessas
possibilidades ao revisitar as memórias
sobre a sala Odeon por Ramón de Baños,
sobretudo em busca de olhares sobre o
público que inaugura a história do cinema
na Amazônia.
Nas entrelinhas
A história da teoria do cinema, mais
precisamente a que trata do campo da
espectatorialidade cinematográfica, será
marcada, a partir dos anos 1970, pelo
tensionamento da natureza dos estudos que
desconsideraram, seja na instância textual,
seja na espectatorial, o contexto sócio-
histórico da produção e da recepção
cinematográficas. Assim, a partir dos anos
1980, na “esteira de uma ruptura teórico-
metodológica contextualista, produz-se
uma heterogeneização das concepções do
espectador” (Mascarello, 2006, p. 76).
Estava aberto o caminho para as
investigações que passam a considerar a
relação entre o texto fílmico e a audiência
sem perder de vista “as manifestações
pontuais”, “historicizadas” e a
“diversidade”. A partir deste
deslocamento, no interior dos estudos do
espectador, desde o texto fílmico ao
contexto da recepção, Mascarello (2006, p.
78) identifica, então, cinco vertentes de
trabalhos, ao contexto da recepção
cinematográfica: 1) o debate “mulher x
mulheres” na teoria feminista do cinema;
2) os “estudos da intertextualidade
contextual”; 3) os “estudos históricos de
recepção”; 4) os “estudos etnográficos de
audiência” e 5) a “política de localização”.
Este quadro reflexivo histórico-
teórico-metodológico, de vertente
Culturalista, traçado por Mascarello
(2006), se voltado ao cinema brasileiro, ao
mesmo tempo em que abre outras frentes
de investigação - seja sobre os períodos
contemporâneo, moderno, clássico ou da
bela época -, também reiteraria o quanto o
público esteve ausente de grande parte das
pesquisas sobre o cinema nacional.
Diferentemente da experiência alemã
quando se localiza, na década de 1910,
estudo (Altenloh, 1914) sobre o amor do
público pelo cinema, ou de quando, nos
anos 1980, David Bordwell ou Janet
Staiger investigam o cinema clássico
americano de 1917 a 1960, à luz dos
estudos históricos da recepção, no Brasil,
as pesquisas que se voltam ao público
tornam-se mais frequentes no início dos
anos 2000. Entretanto, não localizamos
nenhuma pesquisa sobre os espectadores
da primeira época do cinema brasileiro na
Amazônia.
Norteados pela abordagem
historiográfica, buscamos algumas
respostas sobre o público da Odeon, não
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por meio das especulações envolvendo os
textos fílmicos, mas revisitando as
memórias de Ramón de Baños, as suas
lembranças sobre aqueles que
frequentaram a sala sob sua gerência e o
clima que pairava naqueles dias diante da
novidade de se estar assistindo as imagens
em movimento ou, como o cinema foi
denominado no início em Belém,
photographias animadas, quadros vivos,
theatro mecânico e automático.
Pesquisamos as memórias de Baños
escritas por ele próprio e presentes em
estudos (Eltermann, 2018; González
López, 1986; Petit, 2010) sobre o Cinema
no Estado do Pará. À primeira vista, o que
se observou foi que tanto o foco de Baños
quanto de seus estudiosos estava mais na
realização de filmes, que na exibição ou na
recepção do público. Esse interesse
explica-se naturalmente no fato de Baños,
quando esteve em Belém, ter produzido
dezenas filmes. Na Cinemateca Brasileira,
por exemplo, encontramos o registro de 22
filmes documentários, entre curtas-
metragens e cinejornais. Talvez devido a
essa grande produção e à tradição dos
estudos brasileiros de se prenderem mais
nos filmes e no empenho moral para
realizá-los (Bernardet, 2008), poucos se
aprofundam no fato de Baños ter ficado à
frente das salas de cinema de Joaquín
Llopis, portanto, ser aquele que vivenciou
de perto as expectativas do público de um
jovem cinema. Assim, fomos em busca de
informações nas entrelinhas dos escritos
sobre esta época.
Quando se menciona o sucesso de
bilheteria que Ramón experimentou
gerenciando a sala Odeon, observamos, por
exemplo, vários comportamentos do
público por meio de suas memórias. A
primeira quando a Odeon exibiu a película
La Caída de Troya. O público ficou tão
fascinado que naquele dia se realizou nove
sessões seguidas, das 19 horas até às 03
horas da madrugada. (González López,
1986, p. 216).
Este público dos anos 1910 revela-se
ainda como ávido por cinema nas datas em
que a Odeon apresentou as produções
locais da The Para Films: O Dia de
Finados em Santa Izabel, Dr. Lauro Sodré
e O Cyrio. Nestes dias, tanta gente
apareceu para assistir os filmes que foi
necessário recorrer à Polícia, mas ao final
arrancavam fortes aplausos (González
López, 1986, p. 217).
Por meio da história da projeção do
filme sobre Dr. Lauro Sodré, outros
indícios que ajudam a entender um pouco
mais sobre este encanto e o
comportamento do público com a
descoberta do cinema. Isso porque talvez o
interesse da plateia estivesse menos no
enredo do cinejornal e mais no fato da
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produção ser local. Muitos espectadores
tinham expectativa de aparecer pela
primeira vez em uma filmagem
cinematográfica. Baños conta em suas
memórias que obteve altos aplausos” de
um público que se via pela primeira vez na
grande tela através de cine-documentários.
Sobre estas memórias, Petit (2010) detalha:
Houve grande interesse dos
belemenses em relação a esses
documentários, inclusive pela
curiosidade de alguns deles em ver as
suas próprias imagens, ou dos seus
familiares e amigos, reproduzidas,
pela primeira vez, na tela de um
cinema... (Petit, 2010, p. 4).
Baños relatou em suas memórias que
ficou emocionado com a recepção positiva
que teve do público, especialmente quando
algumas pessoas se reconheciam ou
reconheciam alguém no filme:
...ouvir aquelas ovações e os sinais de
satisfação com que os filmes foram
recebidos, os meus cabelos se
arrepiaram a cada momento de
alegria que me dominou e, - porque
não dizer? - de orgulho íntimo e
legítimo. (Baños, 1970, p. 46 como
citado em Eltermann, 2018, p. 49).
Outro aspecto interessante sobre o
perfil do público, pelo menos da Odeon,
revela-se por meio das sessões de filmes
pornográficos exibidos, em dezembro de
1911. Este episódio sempre mencionado
quando se trata da passagem de Baños por
Belém traz nas entrelinhas rias
informações. Primeiro que houvera nos
primórdios um cinema que excluía as
mulheres, pelo menos em determinados
dias e horários. Segundo é que aos homens
o cinema também foi apresentado como
um milagroso elixir ou uma forma de
tratamento terapêutico capaz dar vigor aos
fracos, educação aos tímidos, êxtase aos
casados e neurastenizar aos viúvos, como
anunciava os convites destinados ao
público masculino. Petit (2010) trata
dessas memórias de Banõs quando aborda
as cartas que este envia à namorada na
Espanha. Baños relata calorosa recepção
do público masculino, detalhando que
alguns riam tão alto que era preciso pedir
por meio da projeção que se abstivessem
de incomodar os vizinhos. Por fim, não
escondia sua surpresa que tais filmes
tivessem uma audiência colossal e que no
Brasil houvesse tanta liberdade para exibi-
los: “sessões imorais com teatro aberto ao
público e ingressos na porta, como se fosse
um show honesto, é a gota d'água!” (Baños
como citado em Petit, 2010, p. 6, tradução
nossa).
É fato que quanto mais o tempo
passa a experiência cinematográfica se
naturaliza e fica mais distante ou difícil
compreender como os nossos antepassados
vivenciaram a descoberta do cinema nas
primeiras salas de projeção improvisadas.
Afinal, se pouco ou quase nada foi dito
Melo, A. C. C., Silva, C. L. S., & Gracio, F. G. A. (2021). Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na Amazônia - A recepção e a exibição
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sobre eles, como se reencontrar com estes
espectadores pioneiros? Quem sabe a
resposta pode estar exatamente na história
de tantas outras salas brasileiras, que, a
exemplo da Odeon, abraçaram os
primeiros espectadores de cinema?! Talvez
assim possamos nos reencontrar com as
pessoas, homens e mulheres de todas as
idades, que inauguram a era do cinema,
frequentando barracões lotados para
assistir os filmes madrugada adentro. São
essas pessoas que, a considerar as
narrativas aqui visitadas, também
motivavam os primeiros produtores, a
exemplo de Baños, ao compartilhar as
emoções das primeiras exibições. Assim,
compreender o cinema brasileiro e sua
história é também buscar entender este
ciclo de trocas, entre produção e recepção
através das imagens, em um processo
contínuo e criativo cuja existência faz parte
da memória de muitas cidades brasileiras.
Conclusão
Bernardet (2008; 2009), quando
escreve os livros Historiografia Clássica
do Cinema Brasileiro e Propostas para
uma História do Cinema Brasileiro, afirma
que na primeira década de existência do
Cinema no Brasil, o nosso cinema
praticamente vegetou diante da
predominância dos importados e dos
desafios socioeconômicos. Depois desse
período, trata de algumas noções
importantes para o Cinema Nacional: a
Bela Época e de Cavação. Por meio da
história da sala Odeon, cada uma dessas
noções é patente. No período denominado
de Bela Época, entre os anos 1907 e 1911,
cineastas, a exemplo de Llopis e Baños,
estrangeiros em busca de melhores
condições de vida que vieram ao Brasil,
vão ajudar a formar e estruturar o cinema
no país. Neste período, que se caracteriza
como a fase anterior à hegemonia do
cinema hollywoodiano, observa-se de
Norte a Sul do país a grande ampliação e
consolidação das salas de exibição, a
exemplo de Belém, onde em apenas uma
única rua houvera 14 salas. A noção de
Cavação, prática de levantar dinheiro para
as produções de filmes, sobretudo junto a
políticos, também está presente na história
da sala Odeon. Pois, era que se exibia
aquilo que a The Pará Films produzia, em
sua maioria documentários institucionais,
ou naturais, como denominados à época, e
que permitiram a existência do cinema
nacional nas primeiras décadas do século
XX. Todos filmes locais. Mas para além
desses aspectos, o que talvez a história da
sala Odeon parece realmente nos sinalizar
é que o público desses primeiros tempos do
Cinema Nacional queria mesmo era se ver,
enxergar o Brasil, as ruas da sua cidade nas
telas. Em que momento isso começou a
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mudar? Com o monopólio estrangeiro do
mercado cinematográfico? Com a
popularização dos aparelhos de televisão
no Brasil? Devido à ausência de políticas
públicas duradoras para as áreas de
exibição e produção cinematográficas no
País? Devido à dificuldade de acesso à
produção cinematográfica e cultural? Seja
qual for a resposta, refletir sobre estas
questões no campo dos estudos do Cinema
no Brasil nos parece atual e, no mínimo,
desafiador. Sobretudo quando o público
brasileiro se cada vez menos nas
produções cinematográficas em exibição
nas salas comerciais de Norte a Sul do
país.
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 04/06/2021
Aprovado em: 25/08/2021
Publicado em: 30/09/2021
Received on June 04th, 2021
Accepted on August 25th, 2021
Published on September, 30th, 2021
Contribuições no Artigo: Declaramos que as autoras
Ana Cláudia da Cruz Melo e Carmen Lucia Souza da Silva
foram responsáveis pela elaboração, análise,
interpretação e revisão do artigo. O autor Felipe Giuseppe
de Albuquerque Gracio foi responsável pela coleta
quantitativa e descrição dos dados envolvendo as
publicações sobre a sala Odeon no periódico O Estado do
Pará, disponível no site da hemeroteca digital brasileira
(https://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/), da
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aprovaram a versão final publicada.
Author Contributions: We declare that the authors Ana
Cláudia da Cruz Melo and Carmen Lucia Souza da Silva
were responsible for the elaboration, analysis,
interpretation and revision of the article. The author Felipe
Giuseppe de Albuquerque Gracio was responsible for the
quantitative collection and description of the data involving
the publications about the Odeon room in the periodical O
Estado do Pará, available in the Brazilian digital
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Conflitos de Interesse: Os autores declararam não haver
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Artigo avaliado por pares.
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Agência de Fomento
A pesquisa que resultou no artigo Sala Odeon:
Contribuições para a História do Cinema na Amazônia - A
recepção e a exibição cinematográficas no início do século
XX recebeu fomento por meio de concessão de bolsa do
Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica
(PIBIC) do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico CNPQ, via Universidade
Federal do Pará, ao discente Felipe Giuseppe de
Albuquerque Gracio.
Funding
The research that resulted in the article Sala Odeon:
Contributions to the History of Cinema in the Amazon -
The reception and exhibition of films in the early twentieth
century was supported by a grant from the Institutional
Program for Scientific Initiation Scholarships (PIBIC) of the
National Council for Scientific and Technological
Development (CNPQ), through the Federal University of
Pará, to the student Felipe Giuseppe de Albuquerque
Gracio.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Melo, A. C. C., Silva, C. L. S., & Gracio, F. G. A. (2021).
Sala Odeon: Contribuições para a História do Cinema na
Amazônia - A recepção e a exibição cinematográficas no
início do século XX. Rev. Bras. Educ. Camp., 6, e12386.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12386
ABNT
MELO, A. C. C.; SILVA, C. L. S.; GRACIO, F. G. A. Sala
Odeon: Contribuições para a História do Cinema na
Amazônia - A recepção e a exibição cinematográficas no
início do século XX. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 6, e12386, 2021.
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