Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12402
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e12402
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2021
ISSN: 2525-4863
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O ensino da matemática escolar no contexto da Educação
do Campo: reflexões a partir de documentos oficiais
Valdomiro Pinheiro Teixeira Junior1, Márcio de Sousa Gomes2
1 Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - UNIFESSPA. Faculdade de Educação do Campo. Avenida dos Ips s./n.,
Cidade Jardim. Marabá - PA. Brasil. 2 Secretaria Municipal de Educação de Novo Repartimento-PA.
Autor para correspondência/Author for correspondence: valdomiro@unifesspa.edu.br
RESUMO. Esta pesquisa busca refletir sobre as potencialidades
e implicações de três entre os seis princípios indicados nas
Referências para uma Política Nacional de Educação do Campo
(2004), e que emergem dos documentos educacionais sobre a
política de Educação do Campo no ensino da Matemática
escolar. Os procedimentos metodológicos adotados
fundamentam-se na análise documental de política educacional,
neste caso específico, as que tratam da educação construída
pelas populações do campo. Partimos do seguinte problema:
Quais as potencialidades e implicações da incidência dos
princípios da educação do campo no ensino da matemática
escolar? A pesquisa permitiu uma ampliação das discussões
suscitadas pelo Movimento por uma Educação do Campo,
sinalizando que as possíveis implicações da incidência dos
princípios da Educação do Campo no ensino da Matemática
escolar estão principalmente na relação entre o conteúdo
matemático formal e a realidade campesina, as
potencialidades dessa incidência encontram-se, na possibilidade
de uma formação escolar articulada a um projeto emancipatório.
Palavras-chave: princípios da educação do campo, ensino de
matemática, documentos oficiais.
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The teaching of school mathematics in the context of
Countryside Education: reflections from official
documents
ABSTRACT. This research seeks to reflect on the potential and
implications of three of the six principles indicated in the
References for a National Countryside Education Policy (2004),
and that emerge from educational documents on the countryside
Education policy in the teaching of School math. The
methodological procedures adopted are based on the
documentary analysis of educational policy, in this specific case,
those dealing with education built by rural populations. We start
from the following problem: What are the potentials and
implications of the incidence of rural education principles in the
teaching of school mathematics? The research allowed an
expansion of the discussions raised by the Movement for
Countryside Education, signaling that the possible implications
of the incidence of the principles of Countryside Education in
the teaching of school Mathematics, are mainly in the
relationship between formal mathematical content and peasant
reality, already the potential of this incidence is found in the
possibility of school education linked to an emancipatory
project.
Keywords: principles of countryside education, mathematics
teaching, official documents.
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La enseñanza de la matemática escolar en el contexto de la
Educación Rural: reflexiones a partir de documentos
oficiales
RESUMEN. Esta investigación busca reflexionar sobre las
potencialidades e implicaciones de tres entre los seis principios
indicados en las Referencias para una Política Nacional de
Educación Rural (2004), y que emergen de los documentos
educativos sobre la política de Educación Rural en la enseñanza
de la Matemática escolar. Los procedimientos metodológicos
adoptados se fundamentan en el análisis documental de políticas
educativas, en este caso específico, las que tratan de la
educación construida por las poblaciones del campo. Partimos
del siguiente problema: ¿Cuáles son las potencialidades e
implicaciones de la incidencia de los principios de la educación
rural en la enseñanza de la matemática escolar? La investigación
permitió una ampliación de las discusiones suscitadas por el
Movimiento por una Educación Rural, señalando que las
posibles implicaciones de la incidencia de los principios de la
Educación Rural en la enseñanza de la Matemática escolar están
principalmente en la relación entre el contenido matemático
formal y la realidad campesina, ya que las potencialidades de
esa incidencia se encuentran, en la posibilidad de una formación
escolar articulada a un proyecto emancipatorio.
Palabras clave: principios de la educación rural, enseñanza de
matemática, documentos oficiales.
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Introdução
A busca por melhorias no ensino da
Matemática escolar tem sido objetos de
diversas pesquisas no domínio da
Educação Matemática (Lima, 2014). Isso
em parte pode ser justificado pelos baixos
índices de aprendizagem. quem afirme
que esses resultados insatisfatórios da
aprendizagem provêm de procedimentos
metodológicos ultrapassados (Lima, 2014).
Outros enfatizam os próprios objetos de
estudo da Matemática escolar como
obsoletos e inúteis no mundo moderno
(D’Ambrósio, 1998), quando esses são
desprovidos dos componentes culturais.
Outros apontam a inaplicabilidade de parte
dos objetos matemáticos a situações
concretas, reais do contexto dos alunos
como fator que desencadeia desinteresse
pela disciplina e consequentemente
resultando em baixa qualidade na
aprendizagem (Fernandes, 2006).
Apesar das críticas que se acentuam
tanto nos procedimentos metodológicos
quanto no próprio conhecimento
matemático, a disciplina de Matemática
continua presente nas grades curriculares
da educação básica com uma carga horária
expressiva em comparação às demais áreas
do conhecimento. Supõem-se dessa forma,
que tal conhecimento seja extremamente
relevante para a formação dos indivíduos
que se pretenda pela Educação Básica.
No entanto, quando se refere ao
ensino da Matemática escolar no âmbito
das discussões do Movimento por uma
Educação do Campo, essa análise ganha
reflexões adicionais, pois necessita ser
orientada por uma outra lógica, ou seja, a
lógica da terra, do campo e, sobretudo, dos
sujeitos que produzem e constroem suas
existências nesses espaços (Duarte, 2014).
Desse modo, o ensino da Matemática neste
contexto é orientado a acolher os
princípios que norteiam todo este
Movimento.
O Movimento por uma Educação do
Campo fundamenta-se na perspectiva de
superação do atual modelo de Educação
ainda vigente em muitas escolas no campo,
que apesar de estarem no campo,
reproduzem por intermédio de suas
atividades pedagógicas a lógica
urbanocêntrica que vê o campo como um
lugar de atraso e provisório. Contrapondo a
isso, a concepção educacional dos
protagonistas do Movimento por uma
Educação do Campo defende uma
educação que seja construída pelos povos
do campo e que atendam seus verdadeiros
interesses.
Essas discussões sobre o Movimento
por uma Educação do Campo têm ganhado
dimensões significativas tendo em vista as
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conquistas de algumas políticas
educacionais entre as quais destacamos: o
Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (Pronera), Programa de
Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo
(Procampo) e o Programa Nacional de
Educação do Campo (Pronacampo). Para
além dessas políticas educacionais, este
Movimento adiciona às suas conquistas
alguns documentos educacionais que
versam especificamente sobre a educação
para as populações do campo, entre os
quais destacamos o Parecer n.º 36, de 4 de
dezembro de 2001; a Resolução CNE/CEB
n.º 1, de 3 de abril de 2002; as Referências
para uma Política Nacional de Educação
do Campo (2004); a Resolução CNE/CEB
2, de 28 de abril de 2008 e o Decreto n.º
7.352, de 4 de novembro de 2010. Tais
documentos foram construídos em
parcerias com movimentos sociais,
instituições de ensino entre outros.
Como tentativa de ampliar as
discussões sobre o Movimento por uma
Educação do Campo e os princípios
estruturantes dessa proposta de educação,
assim como compreender o papel em que a
Matemática escolar deve assumir em meio
a esse contexto, é que nasce o interesse
para a realização da presente pesquisa, que
foi orientada pela seguinte temática: O
Ensino da Matemática Escolar no Contexto
da Educação do Campo: reflexões a partir
de documentos oficiais.
Tendo consciência da amplitude
dessa temática, sendo indispensável uma
delimitação, situamos a seguinte questão
de pesquisa: Quais as potencialidades e
implicações da incidência dos princípios da
educação do campo no ensino da
matemática escolar?
Partindo da hipótese que a lacuna do
que foi instituído nas políticas
educacionais e o que está sendo vivenciado
pelas escolas inseridas nos contextos do
campo, em parte pode estar relacionada ao
desconhecimento dos princípios
estruturantes da Educação do Campo, bem
como das potencialidades e implicações
destes no ensino da matemática escolar.
Estabelecemos os seguintes objetivos
como tentativa de responder à questão de
pesquisa: Refletir sobre as potencialidades
e implicações dos princípios que emergem
dos documentos educacionais que versam
sobre a política de Educação do Campo no
ensino da Matemática escolar. Objetivos
secundários: (i) Mapear os princípios da
Educação do Campo que emergem do
corpus documental que versam sobre a
política de educação para as populações do
campo; (ii) Refletir sobre uma possível
relação entre Educação do Campo e
Educação Matemática; (iii) Produzir uma
breve reflexão sobre as potencialidades e
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implicações da incidência de alguns
princípios da Educação do Campo no
ensino da Matemática escolar.
Os procedimentos metodológicos
adotados nesta pesquisa se fundamentam
na análise documental de política
educacional que versa sobre a educação
para as populações do campo. Desse modo,
o presente estudo situa-se no domínio
teórico. Segundo Vilaça (2010), pesquisas
teóricas são aquelas que têm por finalidade
o conhecer ou aprofundar conhecimentos e
discussões. Vilaça (2010), fundamentado
em Tachizawa e Mendes (2006), enfatiza
ainda que a pesquisa teórica busca
compreender ou proporcionar um espaço
para discussão de um tema ou uma questão
intrigante da realidade.
O estudo foi desenvolvido nas
seguintes etapas: inicialmente buscamos
entre os documentos oficiais, aqueles que,
ainda que em parte versam sobre a política
de educação para as populações do campo,
selecionamos para análise sete
documentos. Em segundo plano, buscamos
identificar e selecionar autores que
desenvolveram estudos no domínio da
Educação do Campo e autores do domínio
da Educação Matemática, buscando entre
esses últimos, estudos que mais se
aproximavam do domínio da Educação do
Campo. No terceiro momento analisamos
os documentos oficiais onde encontramos
em um desses documentos seis princípios
expressos da Educação do Campo. Por fim,
em posse desses princípios empreendemos
uma reflexão sobre a incidência de três
desses princípios no ensino da matemática
escolar.
Para a realização da pesquisa e
análise, lançamos mão de autores que vem
discutindo a temática investigada, os quais
subsidiaram o nosso diálogo com os
documentos assim também nas posteriores
reflexões empreendidas nas análises.
Fomos subsidiados no domínio da
Educação do Campo por Caldart (2004),
Molina (2017), Conte & Ribeiro (2017),
Oliveira & Boiago (2012), e no domínio da
Educação Matemática, D' Ambrósio (1998;
2001), Neves, Santos e Guerra (2010),
Otani (2010), Teixeira Jr. (2018), entre
outros que também lançam luz para a
compreensão dos objetos em investigação.
Corpus documental da legislação
educacional que contemplam a educação
do campo
A escolha desse corpus documental
da legislação educacional foi intencional,
tendo em vista que de certa forma trazem
mesmo que em alguns momentos a
discussão sobre a Educação para as
populações do campo. Para tanto, foi
objeto de consulta os seguintes
documentos:
A Constituição Federal de 1988;
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A Lei de Diretrizes e Bases da
Educação 1996;
O Parecer n.º 36, de 4 de
dezembro de 2001;
A Resolução CNE/CEB n.º 1, de
3 de abril de 2002;
As Referências para uma Política
Nacional de Educação do Campo (2004).
A Resolução CNE/CEB 2, de
28 de abril de 2008
O Decreto n.º 7.352, de 4 de
novembro de 2010.
A partir do texto constitucional o
Movimento por uma Educação do Campo
compreende que é dever legal do Estado
garantir que o direito à educação seja
efetivado no campo, haja vista o princípio
da universalidade da oferta da educação.
Segundo Rodrigues e Bonfim (2017) a
garantia legal de acesso à educação é um
direito subjetivo público, isto quer dizer
que a pessoa ou grupo de pessoas que se
sentirem lesadas podem demandarem junto
ao poder judiciário para o cumprimento
desse direito. Nessa perspectiva, a não
oferta do ensino obrigatório pelo Estado,
“ou sua oferta irregular, importa em
responsabilidade da autoridade
competente” (art. 208, §1º e 2º da CF/88).
Dentre os artigos da CF/88 que
tratam de certa forma sobre a educação
formal iremos fazer um breve destaque de
apenas três, os quais discorrem sobre o
direito e acesso à educação formal ainda
que de forma genérica, não contemplando
as especificidades regionais do vasto
território brasileiro.
O Art. da CF/88 discorre sobre
alguns direitos sociais que legalmente são
garantidos a população brasileira entre os
quais encontra-se a educação:
São direitos sociais a educação, a
saúde, a alimentação, o trabalho, a
moradia, o transporte, o lazer, a
segurança, a previdência social, a
proteção à maternidade e à infância, a
assistência aos desamparados, na
forma desta Constituição (Brasil,
1988, grifos nossos).
o Art. 205 da CF/88 trata da
universalidade da oferta da educação
formal, pois segundo ele: “A educação,
direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com
a colaboração da sociedade, visando ao
pleno desenvolvimento da pessoa, seu
preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho” (Brasil,
1988).
Podemos concluir a partir da leitura
desse artigo que a educação como direito
de todos deve estar ao alcance de todo
brasileiro independentemente de sua
condição social, cultural, geográfica, ou
seja, deve ser ofertado a todos com o
mesmo teor de qualidade inclusive para as
populações do campo. Tendo em vista, o
que preconiza o inciso I do art. 206 da
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CF/88 que deve ser garantido: “igualdade
de condições para o acesso e permanência
na escola” (Brasil, 1988, p. 123).
Baseado nessas garantias contidas
CF/88, as quais enfatizam o dever do
Estado de garantir o acesso à educação
formal a todos, é que se constituí o
Movimento por uma Educação do Campo,
pois segundo Rodrigues e Bonfim (2017)
quando se fala em Educação do Campo, diz-
se do Movimento de luta protagonizados por
alguns grupos sociais em busca da garantia
desse direito constitucional de acesso à
educação.
Nessa perspectiva, as Referências
para uma Política Nacional de Educação
do Campo (2004), sintetiza o conjunto de
orientações em seis princípios pedagógicos
da Educação do Campo. Esses orientam as
instituições escolares inseridas nos
contextos do campo, quanto aos objetivos
da oferta da formação escolar, da relação
com os diferentes saberes, da necessidade
de estar vinculada à realidade dos sujeitos,
de modo a respeitar tempos e espaços dos
sujeitos da aprendizagem, assim como
construir estratégias para o
desenvolvimento sustentável. Esses
princípios orientam também que a
instituição escolar deve ser autônoma,
contudo, deve estar aberta a colaboração
dos próprios sujeitos do campo e ao
sistema nacional de ensino.
Segue os seis princípios que constam
sistematizados nas Referências para uma
Política Nacional de Educação do Campo
(2004):
I - Princípio Pedagógico do papel da
escola enquanto formadora de sujeitos
articulada a um projeto de emancipação
humana.
II - Princípio Pedagógico da
valorização dos diferentes saberes no
processo educativo.
III - Princípio Pedagógico dos
espaços e tempos de formação dos sujeitos
da aprendizagem.
IV - Princípio Pedagógico do lugar
da escola vinculado à realidade dos
sujeitos.
V - Princípio Pedagógico da
educação como estratégia para o
desenvolvimento sustentável.
VI - Princípio Pedagógico da
autonomia e colaboração entre os sujeitos
do campo e o sistema nacional de ensino.
Como mencionados, os referidos
princípios buscam em linhas gerais orientar
a efetivação da proposta de educação para
as populações do campo. A escola como
instituição formadora de sujeitos e como
um dos principais espaços para a oferta da
educação escolar para as populações do
campo, torna-se, o elemento central de
convergência desses princípios.
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O primeiro princípio que trata do
papel da escola enquanto formadora de
sujeitos articulada a um projeto de
emancipação humana, busca orientar a
instituição escolar do campo quanto à
formação humana que deve ser
proporcionada pela sua práxis pedagógica.
Tal formação é compreendida como “todo
o processo educativo que possibilita ao
sujeito constituir-se enquanto ser social
responsável e livre, capaz de refletir sobre
sua atividade, capaz de ver e corrigir os
erros, capaz de cooperar e de relacionar-se
eticamente, porque não desaparece nas
suas relações com o outro” (Brasil, 2004,
p. 39).
Nessa perspectiva, laçamos mão do
questionamento feito por Alencar (2015)
de que forma uma práxis pedagógica pode
possibilitar a emancipação humana?
Alencar (2015) parafraseando Damasceno
e Bezerra (2004), diz que;
A emancipação humana ocorrerá
quando “a escola do trabalhador rural
estiver intimamente vinculada à luta
pela superação das desigualdades
sociais”. E o caminho para essa
finalidade é “... privilegiar o próprio
produtor rural (como entidade
coletiva na sua atividade real e nas
suas lutas), como sujeito desse
processo de recriação da cultura
mediante a apropriação do saber e a
reelaboração deste em função de seus
interesses” (Alencar, 2015, p. 10).
De acordo com esse posicionamento,
um dos principais elementos que constitui
a práxis pedagógica, o currículo escolar,
precisa “desenvolver-se a partir das formas
mais variadas de construção e reconstrução
do espaço físico e simbólico, do território,
dos sujeitos, do meio ambiente” (Brasil,
2004, p. 39). Desse modo, o currículo
precisa contemplar essa diversidade,
tratando dos antagonismos que envolvem
os modelos de agricultura. Nessa
perspectiva, deve-se incorporar não
somente ao currículo, mas também a todo
o cotidiano escolar, a cultura da justiça
social e da paz, pois são tarefas essenciais
para um projeto político de educação do
campo que se objetive emancipatório
(Brasil, 2004).
O segundo e o quarto princípio
apesar de suas particularidades
compartilham de certas similaridades. Ao
ponto que, o segundo princípio trata da
valorização dos diferentes saberes no
processo educativo e o quarto do lugar da
escola vinculado à realidade dos sujeitos,
ou seja, ambos orientam a escola na sua
relação com os saberes e a realidade dos
sujeitos que participam do processo
formativo proporcionado pela instituição
escolar do campo. Nesse sentido, a
instituição escolar do campo ao
implementar suas atividades pedagógicas
necessita levar em conta “os
conhecimentos que os pais, os/as alunos/as,
as comunidades possuem, e resgatá-los
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dentro da sala de aula num diálogo
permanente com os saberes produzidos nas
diferentes áreas de conhecimento” (Brasil,
2004, p. 37).
Desse modo, a instituição escolar do
campo que de fato esteja vinculada à
realidade dos sujeitos deve considerar que
tais sujeitos podem e têm condições de
pensar uma educação que traga como
referência as suas especificidades para
incluí-los na sociedade como sujeitos de
transformação. Para isso, o projeto
educativo que se realiza na escola precisa
ser do campo e no campo e não para o
campo” (Brasil, 2004, p. 38).
Nesse contexto, as Referências para
uma Política Nacional de Educação do
Campo (2004) enfatizam a pesquisa como
princípio metodológico e que não é vista
apenas como uma ferramenta de
construção do conhecimento, mas como
uma postura diante da realidade.
“Educando/a e educador/a precisam
assumir essa postura com senso crítico,
curiosidade ... e, ao mesmo tempo, cultivar
essa ferramenta como metodologia de
ensino e aprendizagem” (Brasil, 2004, p
38).
Ainda em consonância com as
Referências para uma Política Nacional de
Educação do Campo (2004) a pesquisa:
... Deve envolver os sujeitos como
sujeitos de saberes historicamente
construídos, não necessariamente
científicos, mas portadores de
conteúdo socialmente útil e válido
porque construído na interação entre
seres humanos e entre ser humano e
natureza, na busca de soluções para
seus próprios problemas e desafios.
A educação do campo deve
considerá-la como instrumento de
alto valor educativo, especialmente
pela natureza rica e diversa de
conhecimentos identificados no
campo (Brasil, 2004, p. 38).
Como é evidenciado no fragmento de
texto acima, a instituição escolar do campo
ao utilizar a pesquisa como princípio
metodológico deve considerar que os
sujeitos do campo também têm saberes que
foram historicamente construídos e que
apesar de não serem considerados
científicos, são úteis e válidos. Tendo em
vista, que foram construídos para
solucionar seus próprios problemas e
desafios. Desse modo, considera-se que
também tais saberes precisam serem
socializados.
O terceiro princípio que consta nas
Referências para uma Política Nacional de
Educação do Campo (2004) diz-se dos
espaços e tempos de formação dos sujeitos
da aprendizagem. Tal princípio busca
enfatizar que;
A Educação do Campo ocorre tanto
em espaços escolares quanto fora
deles. Envolve saberes, métodos,
tempos e espaços físicos
diferenciados. Realiza-se, na
organização das comunidades e dos
seus territórios, que se distanciam de
uma lógica meramente produtivista
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da terra e do seu próprio trabalho
(Brasil, 2004, p. 38).
Portanto, nesse processo formativo
proposto pelo Movimento por uma
Educação do Campo não se considera
apenas os “saberes construídos na sala de
aula, mas também aqueles construídos na
produção, na família, na convivência
social, na cultura, no lazer e nos
movimentos sociais” (Brasil, 2004, p. 38).
Nessa perspectiva, a sala de aula é
considerada como um “espaço específico
de sistematização, análise e de síntese das
aprendizagens se constituindo assim, num
local de encontro das diferenças, pois é
nelas que se produzem novas formas de
ver, estar e se relacionar com o mundo”
(Brasil, 2004, p. 38).
O quinto princípio de que também
compõem as Referências para uma Política
Nacional de Educação do Campo (2004),
trata da educação como estratégia para o
desenvolvimento sustentável. Na
perspectiva desse princípio é de
responsabilidade também da escola pensar
o desenvolvimento e nesse processo deve
ser levado em consideração “os aspectos
da diversidade, da situação histórica
particular de cada comunidade, os recursos
disponíveis, as expectativas, os anseios e
necessidades dos que vivem no campo”
(Brasil, 2004, p. 39).
Desse modo, o currículo das
instituições escolares do campo precisa
serem estruturados a partir de “uma lógica
de desenvolvimento que privilegie o ser
humano na sua integralidade,
possibilitando a construção da sua
cidadania e inclusão social, colocando os
sujeitos do campo de volta ao processo
produtivo com justiça, bem-estar social e
econômico” (Brasil, 2004, p. 39).
Portanto, como consta nas
Referências para uma Política Nacional de
Educação do Campo (2004) os
“paradigmas da sustentabilidade supõem
novas relações entre pessoas e natureza,
entre os seres humanos e os demais seres
dos ecossistemas” (Brasil, 2004, p. 39).
Nessa perspectiva, a “educação para o
desenvolvimento leva em conta a
sustentabilidade ambiental, agrícola,
agrária, econômica, social, política,
cultural, a equidade de gênero, racial,
étnica e intergeracional” (Brasil, 2004, p.
39).
o sexto e último princípio diz-se
da autonomia e colaboração entre os
sujeitos do campo e o sistema nacional de
ensino. Em consonância com as
Referências para uma Política Nacional de
Educação do Campo (2004) e Alencar
(2015). Este princípio busca enfatizar a
heterogeneidade do campo brasileiro e de
certa forma chama a atenção para duas
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implicações decorrentes dessa
heterogeneidade: a primeira, “que não se
pode construir uma política pública de
educação idêntica para todas as populações
do campo; e a segunda, a política de edu-
cação, por ser heterogênea, deve ser
articulada às políticas nacionais e essas às
demandas e às especificidades de cada
região ou de cada espaço ou território”
(Alencar, 2015, p. 62).
Nessa perspectiva, de acordo com as
Referências para uma Política Nacional de
Educação do Campo (2004) a relação entre
poder público e os sujeitos sociais são
invertidas. Desse modo:
Não cabe, nessa vertente, que o
Poder Executivo decida sobre os
destinos das comunidades, como
também não cabem atitudes
corporativas de grupos organizados
na definição de prioridades. Uma
política nacional de educação do
campo exige uma nova postura dos
sujeitos, de forma a que participem
ativamente do processo, movidos
pela preocupação com o lócus na
relação com um projeto nacional.
(Brasil, 2004, p. 40).
Nesse sentido, Alencar (2015) em
consonância com Caldart (2004), evidencia
que para assegurar a identidade do campo
em sua diversidade, assim como os
princípios educativos que visam
fundamentar essa identidade, faz-se
necessário a constante participação dos
movimentos e as diversas organizações so-
ciais do campo na busca da construção de
políticas educacionais. De modo, que essas
estejam articuladas a um projeto de
desenvolvimento sustentável e a um projeto
educativo para o campo.
Em suma, as Referências para uma
Política Nacional de Educação do Campo
(2004) enfatizam nos princípios
pedagógicos da Educação do Campo, que a
construção de uma Educação do Campo
significa “pensar numa escola sustentada
no enriquecimento das experiências de
vida, obviamente não em nome da
permanência, nem da redução destas
experiências, mas em nome de uma
reconstrução dos modos de vida” (Brasil,
2004 p. 39). Desse modo, busca-se com
tais princípios a construção de “uma escola
que proporcione aos seus alunos e alunas
condições de optarem, como cidadãos e
cidadãs, sobre o lugar onde desejam viver.
Isso significa, em última análise, inverter a
lógica de que apenas se estuda para sair do
campo” (Brasil, 2004, p. 39).
Destacamos que por princípios da
Educação do Campo, em consonância com
Alencar (2015), compreendemos um
conjunto de orientações que objetivam
fundamentar a identidade da escola do
campo, assim como fortalecer a expressão
e a concepção de Educação do Campo
enquanto ação reativa ao processo de
exclusão social a que foi submetido às
populações do campo no seu direito de
acesso à educação escolar.
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As referências para uma Política
Nacional de Educação do Campo (2004)
enfatizam ainda que os princípios da
Educação do Campo são como as raízes
de uma árvore, que tiram a seiva da terra
(conhecimentos), que nutrem a escola e
fazem com que ela tenha flores e frutos (a
cara do lugar onde ela está inserida e dos
sujeitos sociais a quem se destina)” (Brasil,
2004, p. 39). Nessa perspectiva, esses
princípios são definidos como “ponto de
partida de ações educativas, da
organização escolar e curricular e do papel
da escola dentro do campo brasileiro”
(Brasil, 2004, p. 39).
Considerando a questão que norteou
o nosso estudo “Quais as potencialidades e
implicações da incidência dos princípios da
educação do campo no ensino da
matemática escolar?” Desenvolveremos a
partir de agora uma reflexão que busca
responder essa questão.
Reflexões sobre potencialidades e
implicações da incidência de três
princípios da Educação do Campo no
Ensino da Matemática Escolar
Após a análise dos sete documentos
da legislação educacional referida
anteriormente, nos quais constatamos
expressamente seis princípios da Educação
do Campo. Consideramos que neste estudo
a análise da incidência desses seis
princípios no ensino da Matemática escolar
tomará dimensões não mensuradas
inicialmente. Portanto, por conveniência
nos deteremos à análise de apenas três
desses princípios, a saber, (i) princípio
pedagógico do papel da escola enquanto
formadora de sujeitos articulada a um
projeto de emancipação humana, (ii) o
princípio pedagógico da Valorização dos
Diferentes Saberes no processo educativo,
(iii) princípio pedagógico da valorização
da identidade da escola do campo. A partir
dos quais refletimos sobre as
potencialidades e as possíveis implicações
da incidência desses no ensino da
Matemática escolar.
Tendo em vista, a impossibilidade de
análise dos seis princípios neste estudo, a
seleção desses três princípios da Educação
do Campo em detrimento dos outros,
fundamenta-se pelo menos por duas
razões: primeiro por entendermos que
mesmo indiretamente, alguns aspectos dos
demais estarão contemplados por estes três
que serão objetos de reflexão. Segundo,
também por entendermos que estes três
princípios são os que m incidência direta
nos fenômenos relacionados ao ensino e a
aprendizagem da Matemática escolar e as
suas variáveis, aluno, professor e saber
matemático.
(i) Princípio pedagógico do papel da
escola enquanto formadora de sujeitos
articulada a um projeto de emancipação
humana
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Este princípio da Educação do
Campo, em linhas gerais busca orientar a
instituição escolar do campo quanto à
formação humana que se pretenda com a
sua práxis pedagógica. Nessa perspectiva,
a formação nesse contexto é compreendida
como um processo educativo que viabiliza
o “sujeito constituir-se enquanto ser social
responsável e livre, capaz de refletir sobre
sua atividade, capaz de ver e corrigir os
erros, capaz de cooperar e de relacionar-se
eticamente, porque não desaparece nas
suas relações com o outro” (Brasil, 2004,
p. 39). Desse modo, defende-se, que essa
formação seja articulada a um projeto de
emancipação humana.
Nessa perspectiva, a práxis
pedagógica desenvolvida nas escolas do
campo que se almeje emancipatória,
precisa em um primeiro momento estar
vinculada à luta pela superação das
desigualdades sociais. Desse modo, ela não
continuará atuando como ferramenta que
historicamente tem sustentado tamanhas
desigualdades, uma vez que tem sido
sustentada por princípios pautados no
individualismo, na competitividade e na
meritocracia (Pinto, 2013).
Neves, Santos e Guerra (2010)
enfatizam que a emancipação social e
cultural dos sujeitos, é possível
mediante ao acesso a um “repertório de
informações e conhecimentos que lhe
possibilita emitir juízos de valor sobre a
sua realidade, refletindo criticamente,
enquanto ser pensante, acerca do seu fazer
em relações com outras atividades sociais,
revestindo-se fundamentalmente do seu
papel de cidadão” (Neves, Santos &
Guerra, 2010, p. 03).
Desse modo, refletir sobre as
potencialidades da incidência desse
princípio no ensino da Matemática escolar
é ao mesmo tempo destacar as
contribuições da Matemática escolar no
processo formativo que se almeje
emancipatório. as implicações nesse
contexto não são significativas, no entanto,
pode ocorrer, não da incidência do referido
princípio no ensino da Matemática escolar,
mas da pouca compreensão de como a
Matemática escolar pode contribuir de fato
para a formação humana numa perspectiva
emancipatória.
No que diz respeito às
potencialidades da incidência desse
princípio no ensino da Matemática escolar,
a nosso ver, encontra-se, na possibilidade
de legitimação para a socialização de todos
os saberes/conhecimentos construídos
historicamente pela humanidade.
Compartilhamos do pensamento de
Alencar (2015), de que a apropriação e
internalização desses conhecimentos pelos
educandos são pré-requisitos para
reelaboração desses conhecimentos em
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prol de seus interesses, contribuindo dessa
forma para reflexão crítica da sua própria
condição existencial, assim como das
demandas e questões inerentes a sua
realidade. Viabilizando desse modo, as
ferramentas necessárias para a efetivação
de uma formação articulada a um projeto
de emancipação humana.
Nesse sentido, podemos enfatizar
que o ensino da Matemática escolar no
contexto da Educação do Campo
contribuirá para uma formação
emancipatória dos educandos, à medida
que o educador conceber a matemática
como “uma ferramenta de interpretação de
mundo”, entendendo que ela é “muito mais
que regras e fórmulas a serem aprendidas
passando a ter uma existência e utilidade
concreta” (Neves, Santos & Guerra, 2010,
p. 08). Nesse sentido, a matemática escolar
deve promover nos alunos uma
compreensão profunda da sociedade,
capacitando-os para atuarem ativamente na
mesma.
Os estudos de Neves, Santos e
Guerra (2010) apontam ainda que a
matemática trabalhada como uma
ferramenta para a interpretação de mundo
exercerá uma influência ímpar na vida dos
educandos, pois ela passa a ser vista
enquanto ferramenta essencial para
conhecer e agir crítica e reflexivamente
sobre a sociedade, tornando-se uma
ferramenta fundamental na emancipação
social dos educandos e contribuindo de
fato com sua aprendizagem.
Nesse contexto, conteúdos e métodos
constituem-se variáveis relevantes a serem
analisadas, pois segundo Pinto (2013)
dependendo do caráter em que esses
conteúdos e métodos assumem, podem
proporcionar uma formação alienante ou
emancipatória. Nesse sentido, o autor
supracitado, baseado em Freire (1996),
enfatiza que se estes “conteúdos e métodos
forem de caráter reacionário, tem-se a
conservação do status quo, uma educação
para alienação, pois não provoca
questionamentos ou problematização”
(Pinto, 2013, p. 08). Mas, se for o oposto,
“se conteúdos e métodos se desenvolverem
no propósito revolucionário, se caminha no
sentido da libertação e da emancipação”
(Pinto, 2013, p. 08).
Nessa perspectiva, destaca-se a
relevância dos conteúdos matemáticos nas
práticas pedagógicas desenvolvidas por
professores que atuam nos contextos do
campo, mesmo aqueles conteúdos que não
fazem parte da realidade imediata dos
sujeitos. Tendo em vista, o apontamento
feito por Alencar (2015), de que a
formação que se vise emancipatória em
parte ocorrerá quando os sujeitos se
apropriarem dos saberes construídos até
então, e deterem as condições nimas de
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reelaborarem estes em função de seus
interesses.
De acordo com esse posicionamento,
a formação dos sujeitos que se objetive
emancipatória, faz-se necessário que esses
sujeitos apropriem-se do conjunto de
saberes historicamente construídos pela
humanidade para, a partir dessa
apropriação, reelaborarem estes para
atenderem os seus reais interesses, ou seja,
a apropriação dos conhecimentos neste
contexto não é um fim em si mesma, mas
um meio para a instrumentalização dos
sujeitos no enfrentamento das suas
demandas cotidianas, e na busca pela sua
autonomia.
Portanto, evidenciamos que o ensino
da Matemática escolar pode contribuir na
formação dos sujeitos numa perspectiva
emancipatória, necessitando para esse fim
de um esforço do docente em criar um
ambiente que significado ao que se
aprende, aproximando a Matemática
sempre que possível do dia a dia dos
alunos. Nesse sentido, a contextualização
do ensino tem ganhado papel de destaque e
precisa ser explorada adequadamente. Com
isso nos deteremos a refletir adiante sobre
a valorização dos diferentes saberes e a
contextualização como metodologia de
ensino.
(ii) Princípio pedagógico da valorização
dos diferentes saberes no processo
educativo
Destacamos de antemão a
compreensão de que esse princípio não
está restrito a uma única área do
conhecimento, mas tem incidência em
todas as áreas dos conhecimentos
socializados no processo educativo da
educação básica (Brasil, 2004). Contudo,
reafirmamos que nossa análise e reflexão
das potencialidades e implicações desse
princípio estará restrita a área da
Matemática, especificamente ao ensino da
Matemática escolar.
Desse modo, as orientações deste
princípio de valorizar os diferentes saberes
no processo educativo apontando a
necessidade de um resgate dentro da sala
de aula dos conhecimentos que os pais,
os/as alunos/as, as comunidades possuem,
(Brasil, 2004), nos sugere pela ideia de
resgate que esses conhecimentos
construídos pelas comunidades se perdem
com a socialização exclusiva dos
conhecimentos formais/sistematizados.
Portanto, em consonância com o princípio
analisado, a defesa de uma educação
específica e diferenciada para as
populações do campo, pressupõe o
reconhecimento e a valorização de seus
saberes e a inclusão destes no currículo
escolar.
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Desse modo, refletiremos
inicialmente sobre as possíveis implicações
da incidência deste princípio da Educação
do Campo no ensino da Matemática
escolar, posteriormente apontaremos as
potencialidades desse princípio. Entre as
possíveis implicações destacaremos:
O “dilema” sobre que saber
matemático deve compor a prática docente.
A relação entre os saberes
sistematizados historicamente e os saberes
“locais” dos alunos e seus pais.
A primeira implicação que elegemos
desse princípio no ensino da Matemática
escolar refere-se, ao “dilema” sobre que
saber matemático deve compor a prática
docente. Consideramos que existe esse
“dilema” pela inviabilidade de socializar
todos os conhecimentos matemáticos, tanto
os ditos sistematizados (formal) quanto os
não sistematizados (não formal).
Desse modo, apesar da significativa
carga horária dedicada a socialização e
construção dos conhecimentos
matemáticos na educação básica,
consideramos inviável a socialização de
todos os conhecimentos matemáticos
produzidos ao longo da história humana,
em razão do vasto conjunto de
conhecimentos matemáticos produzidos.
Nessa perspectiva, essa inviabilidade, faz
com que a variável professor no processo
educativo seja obrigado a fazer uma
“seleção”, uma “escolhade quais saberes
são necessários para a formação
matemática de seus alunos, é ele”, o
professor que em última instância “decide”
quais saberes matemáticos na verdade
serão socializados na sala de aula,
acreditamos que em parte essa seleção será
orientada pelas concepções teóricas e
pedagógicas em que esse professor
acredita.
A possível existência desse “dilema”
sobre qual saber matemático deve compor
a prática educativa à medida que a variável
professor ao acolher as orientações desse
princípio da Educação do Campo na
“escolha” dos conhecimentos matemáticos
a serem socializados, deve levar em
consideração, além do conjunto de
conhecimentos matemáticos
sistematizados, também os conhecimentos
que os alunos e seus pais possuem, e
resga-los dentro da sala de aula.
Na perspectiva deste princípio da
Educação do Campo, à medida que o
professor supera o “dilema” sobre quais
conhecimentos matemáticos deve compor
a sua prática educativa e de fato consegue
fazer a composição do conjunto de
conhecimentos que acredita serem
fundamentais para a formação de seus
alunos, agregando saberes formais e não
formais, surge a outra possível implicação
do mencionado princípio da Educação
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do Campo, que se refere à relação entre os
saberes sistematizados (formais) e os
saberes “locais” dos alunos, seus pais e
suas comunidades.
Consideramos essa relação entre os
saberes sistematizados historicamente
(saber formal) e os saberes “locais” que os
pais, os alunos e as comunidades possuem,
como uma implicação do referido princípio
da Educação do Campo, pelas diferentes
possibilidades de se estabelecer essa
relação entre esses dois conjuntos de
conhecimentos.
Ao refletimos sobre essa relação
podemos atentar para implicações de pelo
menos dois extremos. De um lado na
tentativa de cumprir as orientações do
princípio da Educação do Campo
analisado, pode ocorrer uma
“supervalorização” dos conhecimentos
locais em detrimento dos “formais”,
impossibilitando desse modo, que esses
sujeitos ampliem sua leitura de uma
realidade mais ampla, proporcionado pelo
acesso aos conhecimentos científicos. Por
outro lado, pode ocorrer uma
hierarquização dos conhecimentos
“formais”, os quais neste ponto de vista
são considerados inquestionavelmente
válidos e úteis à formação humana, ao
ponto que os não “formais” são vistos
como provisórios e limitados, portanto,
sem fundamentação para serem
socializados.
Consideramos ambos os extremos
dessa relação entre esses dois conjuntos de
conhecimentos matemáticos como
possíveis implicações decorrentes do
referido princípio no ensino da Matemática
escolar.
As potencialidades deste princípio da
Educação do Campo no ensino da
matemática escolar encontram-se no
equilíbrio da relação entre o conjunto de
conhecimentos sistematizados e não
sistematizados, e não nos extremos como
enfatizado anteriormente nas implicações.
Consideramos esse equilíbrio na
relação com a diversidade de
conhecimentos como uma potencialidade
desse princípio da Educação do Campo
pela possibilidade de no processo
educativo existir a valorização dos
diferentes saberes, sem hierarquizações,
nem a supervalorização de um em
detrimento de outro. Desse modo, tanto os
saberes sistematizados (formais) quanto os
não sistematizados (não formais),
constituem o conjunto de conhecimentos
que serão socializados no processo
educativo, pelo entendimento que ambos
são necessários e úteis a formação dos
alunos.
Segundo Conte e Ribeiro (2017),
essa relação equilibrada de saberes é que
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faz da escola “uma entidade viva, que se
deixa apreender e instigar pelo fato de que
docentes, funcionários e discentes
possuem, também, conhecimentos, saberes
e culturas próprios, científicos e/ou
populares” (Conte & Ribeiro, 2017, p. 5).
Os mesmos autores ainda destacam que
nessa relação à mescla de ambos os
saberes, por vezes se comungam e em
outras se chocam, contudo defendem que
assim se constrói o que entendemos por
conhecimento.
Nessa perspectiva, o Movimento por
uma Educação do Campo por conceber que
os conhecimentos das comunidades são
úteis e válidos para essas comunidades
(Brasil, 2004), tendo em vista que foram
construídos em resposta às suas questões,
defendem a partir do princípio analisado de
que esses devem estar presentes no
processo educativo e aponta caminhos para
essa relação equilibrada entre os conjuntos
de conhecimentos sistematizados e não
sistematizados. Entre esses caminhos
aponta a pesquisa como princípio
metodológico (Brasil, 2004).
Portanto, apesar da possibilidade de
existir algumas implicações no ensino da
Matemática escolar decorrente da
incidência do princípio da Educação do
Campo analisado, enfatizamos que o
equilíbrio na relação dos diferentes saberes
em nome de uma valorização dos saberes
que os alunos, seus pais e suas
comunidades possuem, constituem uma
possibilidade de ressignificar a formação
escolar ofertada às populações do campo.
Tendo em vista, os apontamentos e
reflexões deste tópico, delimitaremos a
partir de agora as nossas reflexões a um
nível mais metodológico, enfatizando entre
as várias possibilidades a contextualização
como metodologia de ensino para a
valorização da identidade da escola do
campo.
(iii) Princípio pedagógico da valorização
da identidade da escola do campo
No Decreto n.º 7.352, de 4 de
novembro de 2010, o qual versa sobre a
política de educação do campo e o
programa nacional de reforma agrária
PRONERA, em seu artigo 2º, inciso IV
dispõe sobre a valorização da identidade da
escola do campo, evidenciando que essa se
efetivará por meio de “projetos
pedagógicos com conteúdo curriculares e
metodologias adequadas às reais
necessidades dos alunos do campo, bem
como flexibilidade na organização escolar,
incluindo adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e às condições
climáticas” (Brasil, 2010, p. 02).
Como enfatizado por esse último
princípio da Educação do Campo a ser
analisado neste trabalho, defende-se, que a
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valorização da identidade da escola do
campo será constituída entre outras
variáveis por projetos pedagógicos que
sejam realizados com metodologias
adequadas às reais necessidades dos alunos
do campo.
Entre as principais metodologias
consideradas como adequadas às reais
necessidades dos alunos do campo,
destaque-se a contextualização do ensino
(Brasil, 1996; 1998) e a pesquisa como
princípio metodológico (Brasil, 2004). As
nossas considerações sobre esse último
princípio da Educação do Campo a ser
analisado, estará restrita a contextualização
do ensino da Matemática escolar.
No âmbito da educação matemática,
Teixeira Jr. (2018) destaca que as
discussões sobre contextualização sempre
apareceram como uma possibilidade de
significar os conteúdos abstratos ou
formais da matemática. Evidenciando que
entre as formas mais comuns de
contextualizar o ensino da Matemática
“está a história da matemática, a
interdisciplinaridade que permite
contextualizar por meio de disciplinas, o
cotidiano e a própria matemática. Dos
caminhos mencionados para
contextualizar, a relação com o cotidiano
tem sido privilegiada” (Teixeira Jr, 2018,
p. 02).
No campo das discussões do
Movimento por uma Educação do Campo,
no que tange a contextualização como
metodologia de ensino para a valorização
da identidade da escola do campo,
sobressaem as discussões sobre a
interdisciplinaridade e a relação com o
cotidiano como formas de se efetivar a
contextualização (Brasil, 1998; Duarte
2014). Essa tendência de se “privilegiar” a
interdisciplinaridade e a relação com o
cotidiano como forma de contextualizar é
similar às discussões de âmbito geral sobre
contextualização assim como evidenciado
por Fernandes (2006) e Teixeira Jr (2018).
Fernandes (2006), tomando como
base os Parâmetros Curriculares Nacionais
(Brasil, 1998), destaca que a
contextualização tem como “característica
fundamental, o fato de que todo
conhecimento envolve uma relação entre
sujeito e objeto, ou seja, quando se trabalha
o conhecimento de modo contextualizado a
escola está retirando o aluno da sua
condição de expectador passivo”
(Fernandes, 2006, p. 03). Desse modo,
defende-se um aluno protagonista na
construção de seu próprio conhecimento.
Nesse sentido, Duarte (2014, p. 24) destaca
que
Trabalhar com o contexto, com a
cultura de nossos alunos significa nos
apropriarmos, como educadores, de
tais práticas. E isso depende, em
grande parte, da escuta de nossos
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alunos. Precisamos aprender com
eles e com suas famílias sobre as
práticas laborais das comunidades.
De acordo com esse posicionamento,
o fator cultural é o elemento mais relevante
a se considerar no exercício da docência
nos moldes dessa proposta. Pois, as
atividades propostas pelos docentes devem
ser relacionadas com o cotidiano dos
alunos, ou seja, essas atividades devem ter
sua origem nas experiências construídas
pelos alunos no contexto em que vivem.
Em síntese, nessa perspectiva, o ensino de
matemática contextualizado, é aquele que
faz parte das atividades vivenciadas pelos
sujeitos em seus cotidianos. Nesse sentido,
“contextualizar” é considerar os problemas
que vem do mundo prático (Otani, 2010).
Desse modo, ao refletirmos sobre a
contextualização a partir de autores que a
defendem (Brasil, 1998, 2010; Fernandes,
2006; Otani, 2010; Duarte, 2014),
podemos atentar para possíveis
potencialidades, assim como, para
possíveis implicações decorrentes do uso
da contextualização como metodologia de
ensino da Matemática escolar nos
contextos do campo.
Em parte, as possíveis
potencialidades da contextualização como
metodologia de ensino fundamentam-se, na
ideia de que a contextualização estimula a
aprendizagem, a criatividade e o espírito
inventivo (Fernandes, 2006). Desse modo,
defende-se, que a contextualização é um
instrumento bastante útil, desde que
interpretada numa abordagem mais ampla
e não empregada de modo artificial e
forçado, e que não se restrinja apenas ao
cotidiano do aluno” (Fernandes, 2006, p.
03).
Compartilhamos do entendimento de
Fernandes (2006), de que a
contextualização precisa ser interpretada
numa abordagem mais ampla, pois, para
cumprir a ideia que a fundamenta de que
ela estimula a aprendizagem, a criatividade
e o espírito inventivo, faz-se necessário
uma compreensão clara da amplitude do
conceito da contextualização. Atualmente,
apesar da relação com o cotidiano ser um
dos caminhos mais privilegiados para se
contextualizar (Teixeira Jr, 2018), os
docentes precisam estar cientes das
diferentes formas de se efetivar a
contextualização.
Consideramos a contextualização
como uma potencialidade no ensino da
Matemática escolar quando pelo docente
ela é compreendida e interpretada
corretamente, de forma mais ampla,
entendendo que ela não está restrita à
relação com o cotidiano. Pois, se a
compreensão de um ensino
contextualizado estiver restrito à sua
relação com o cotidiano dos alunos, muitos
objetos de ensino da Matemática escolar
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deixarão de ser socializados, tendo em
vista que nem todos são fáceis/possíveis de
serem relacionados com as práticas
cotidianas dos alunos (Fernandes, 2006),
principalmente em nível básico.
Desse modo, enquanto as
potencialidades da contextualização como
metodologia de ensino da Matemática
escolar encontram-se no entendimento
claro da amplitude desse termo, as
possíveis implicações decorrem
exatamente de uma compreensão
superficial da contextualização. Nesse
sentido, Fernandes (2006) destaca que
muitos acham que contextualizar é
encontrar aplicações práticas para a
Matemática a qualquer preço. Desta
concepção resulta que um conteúdo que
não se consegue contextualizar, não serve
para ser ensinado” (Fernandes, 2006, p.
01).
Mediante a compreensão superficial
da contextualização, podemos mencionar
pelo menos mais duas implicações;
primeiro, a “obrigatoriedade” de uma
contextualização a qualquer preço e
segundo a busca incansável pela aplicação
prática da Matemática ao cotidiano dos
alunos.
Nessa perspectiva, Otani (2010)
enfatiza que uma contextualização pautada
na gica do cotidiano, em atividades da
vida real, pragmática, é tão problemático
quanto se ensinar um conteúdo matemático
contextualizado simplesmente pela
utilização daquilo que faz parte do
cotidiano dos alunos, sem ter,
primeiramente o submetido a um processo
de resolução com vistas a um resgate
histórico desse conteúdo.
Nesse sentido, apontamos, a partir de
Duarte (2014), como exemplos, atividades
de Matemática que pela simples utilização
de elementos próprios do campo em seus
enunciados, como sítio, lote, plantações,
sementes, peixes etc., são caracterizadas
como atividades contextualizadas. Desse
modo, Duarte (2014) sinaliza que trabalhar
com a cultura dos alunos não significa
apenas trocar nos enunciados dos
problemas com termos de âmbito geral, por
termos específicos do contexto rural. Caso
isso ocorra, segundo a autora, estaríamos
apenas criando uma paródia da realidade
desses sujeitos, portanto, excluindo
novamente seus saberes e suas práticas
cotidianas.
Ainda segundo Otani (2010), o
ensino de conteúdos matemáticos em nome
de uma contextualização pautada na
utilização daquilo que faz parte da vivência
do aluno, do que é inerente a sua vida
diária, não proporcionam as
potencialidades necessárias para que
ocorra a superação das condições que
fazem desses indivíduos um marginalizado
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cultural, uma vez que a “superação da
marginalização não está apenas em
considerar um ensino de matemática que é
intrínseco ao modo de vida do aluno, mas
em superar as dificuldades pelas quais
esses indivíduos não têm acesso ao
conjunto de conhecimento matemático
universalizado” (Otani, 2010, p. 03).
Nesse sentido, o autor supracitado
defende que é preciso um posicionamento
contrário às tendências, que em nome de
uma contextualização a qualquer custo,
que produzem uma rarefação de conteúdo,
fazendo com que as atividades e práticas
com Matemática, realizadas nas escolas
não possibilitem objetivamente a aquisição
do conhecimento matemático, ou quando
muito, leva a um conhecimento
matemático, fragmentado e superficial.
A defesa de uma Matemática escolar
mais “prática”, significa renunciar boa
parte dos conteúdos que atualmente
compõem a grade curricular, tendo em
vista, a dificuldade inerente desses
conteúdos para realizar aplicações prática à
realidade imediata dos alunos. No entanto,
essa aderência ou não por uma Matemática
mais prática dependerá primeiramente da
concepção de ensino de cada professor, em
segundo das condições, físicas, estruturais,
políticas e principalmente ideológicas as
quais permeiam os campos de atuação
desses professores.
Portanto, a partir das discussões até
aqui empreendidas sobre a
contextualização no ensino da Matemática
escolar, ressaltamos o nosso entendimento
de que é pertinente essa discussão no
âmbito do Movimento por uma Educação
do Campo, pois de fato, uma compreensão
ampla da contextualização, que vai além da
relação com o cotidiano dos alunos,
constitui-se em potencial ferramenta para a
valorização da identidade da escola do
campo.
Considerações finais
Ao considerarmos a disparidade
entre o que já foi instituído na esfera das
políticas educacionais para o campo e o
que de fato essas escolas estão
vivenciando, é urgente a necessidade de
criação e fortalecimento de políticas
públicas que de fato cheguem às
instituições escolares do campo brasileiro.
É nesse contexto que o nosso estudo
se inseriu, no qual buscamos investigar os
princípios que emergem dos documentos
educacionais que versam sobre a política
de Educação do Campo refletindo sobre as
potencialidades e implicações de três
desses princípios no ensino da Matemática
escolar.
Ressaltamos que de acordo com os
nossos objetivos, os nossos achados
limitaram-se, a análise dos documentos
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oficiais, entendemos que essa decisão
possa ser considerada como uma limitação
do nosso estudo. Contudo, alguns
resultados foram possíveis a partir dos
objetivos traçados.
Em primeiro lugar, conseguimos
mapear alguns princípios que emergem dos
referidos documentos educacionais, os
quais buscam direcionar a efetivação de
um projeto formativo que em suma
possibilite a emancipação política dos
sujeitos.
Os princípios mapeados em linha
gerais orientam a instituição escolar do
campo que na construção de seus projetos
pedagógicos precisam considerar à
adequação dos conteúdos, metodologias,
organização da escola e o calendário
escolar às reais necessidades e interesses
dos alunos que constituem suas existências
no campo, assim também como ao trabalho
desenvolvido nesses espaços. Dito de outra
forma, ao acolher esses princípios a
instituição escolar em suas propostas
pedagógicas precisam levar em
consideração a diversidade do campo em
todos os seus aspectos: sociais, culturais,
políticos, econômicos, de gênero, geração
e etnia.
Segundo, também a partir desse
estudo foi possível uma breve reflexão
sobre possíveis relações entre Educação do
Campo e Educação Matemática,
identificamos similaridades entre estes dois
domínios à medida que ambos os
paradigmas em seus princípios
estruturantes objetivam uma proposta de
educação que seja fundada na emancipação
humana. Adicionalmente constatamos, que
mesmo existindo alguns aspectos que
aproximam os princípios norteadores da
Educação do Campo à Educação
Matemática, “pouco se sabe ainda sobre
suas relações, inter-relações e vivência nas
escolas do campo. Isto se justifica, de certa
maneira, por se caracterizar em uma
temática recente de pesquisa acadêmica”
(Lima & Lima, 2013, p. 06).
Terceiro, subsidiados por autores que
lançam luz para a compreensão dos objetos
em investigação, conseguimos também
produzir uma breve reflexão sobre as
potencialidades e implicações da
incidência de três princípios da Educação
do Campo no ensino da Matemática
escolar.
Nessas reflexões, percebemos os
apontamentos para que o ensino da
Matemática escolar no contexto da
Educação do Campo esteja vinculado às
questões inerentes à realidade das
populações do campo. Nesse sentido, o
ensino precisa ser impregnado pelos
componentes culturais dos sujeitos em
formação.
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Nessa perspectiva, acentua-se a
relevância do presente estudo, à medida
que constituiu numa possibilidade de
ampliação das discussões concernente aos
princípios estruturantes do Movimento por
uma Educação do Campo, bem como das
suas potencialidades e implicações no
ensino da Matemática escolar. Esperamos
desse modo, que as discussões suscitadas
neste estudo provoquem o interesse de
profissionais da educação a estarem
ampliando tais discussões, contribuindo na
busca pela efetivação de uma Educação do
Campo orientada pelo ideário de uma
formação emancipatória.
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ISSN: 2525-4863
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 07/06/2021
Aprovado em: 18/08/2021
Publicado em: 15/12/2021
Received on June 07th, 2021
Accepted on August 18th, 2021
Published on December, 15th, 2021
Contribuições no Artigo: Os autores foram os
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os autores declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
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Não tem.
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No funding.
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Teixeira Junior, V. P., & Gomes, M. S. (2021). O ensino da
matemática escolar no contexto da Educação do Campo:
reflexões a partir de documentos oficiais. Rev. Bras. Educ.
Camp., 6, e12402.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12402
ABNT
TEIXEIRA JUNIOR, V. P.; GOMES, M. S. O ensino da
matemática escolar no contexto da Educação do Campo:
reflexões a partir de documentos oficiais. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 6, e12402, 2021.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12402