Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12410
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e12410
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2021
ISSN: 2525-4863
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2001-2021, duas décadas da Brigada Nacional de Teatro
do MST Patativa do Assaré: ressonâncias, desafios e
interfaces com o trabalho teatral da Educação do Campo
Rafael Litvin Villas Bôas
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Universidade de Brasília UnB. Licenciatura em Educação do Campo / Faculdade UnB Planaltina. Área Universitária 01, Vila
Nossa Senhora detima. Planaltina - DF. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: rafaelfup@unb.br
RESUMO. O artigo analisa a experiência de duas décadas de
atuação da Brigada Nacional de Teatro do MST em
comunidades camponesas de diversos estados brasileiros, por
meio das metodologias da observação participante, da revisão
bibliográfica e da pesquisa qualitativa O trabalho evidencia as
tradições do teatro político e popular que ensejam a experiência
teatral do MST. Um dos resultados da pesquisa é destacar que a
peculiar dinâmica de produção e circulação da Brigada teve
desdobramentos em universidades públicas, nas Licenciaturas
em Educação do Campo, demonstrando o potencial de
construção de uma cultura política contra-hegemônica.
Palavras-chave: teatro do oprimido, MST, cultura política,
educação do campo.
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2001-2021, two decades of the National Theater Brigade of
the MST Patativa do Assaré: resonances, challenges and
interfaces with the theatrical work of Rural Education
ABSTRACT. The article analyzes the experience of two
decades of work by the MST National Theater Brigade in
peasant communities in several Brazilian states, through the
methodologies of participant observation, literature review and
qualitative research. The work highlights the traditions of
popular and political theater that give rise to the theatrical
experience of the MST. One of the results of the research is to
highlight that the peculiar dynamics of production and
circulation of the Brigade had consequences in public
universities, in the Degrees in Rural Education, demonstrating
the potential for building a counter-hegemonic political culture.
Keywords: theater of the oppressed, MST, political culture,
rural education.
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2001-2021, dos décadas de la Brigada Nacional de Teatro
del MST Patativa do Assaré: resonancias, desafíos e
interfaces con el trabajo teatral de Educación del Campo
RESUMEN. El artículo analiza la experiencia de dos décadas
de trabajo de la Brigada Nacional de Teatro MST en
comunidades campesinas de varios estados brasileños, a través
de las metodologías de observación participante, revisión de
literatura e investigación cualitativa. El trabajo destaca las
tradiciones del teatro popular y político que dan origen a la
experiencia teatral del MST. Uno de los resultados de la
investigación es resaltar que la peculiar dinámica de producción
y circulación de la Brigada tuvo consecuencias en las
universidades públicas, en los Grados en Educación Rural,
demostrando el potencial para construir una cultura política
contra hegemónica.
Palabras clave: teatro del oprimido, MST, cultura política,
educación del campo.
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Introdução
Em 2001 teve início uma parceria
entre o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) e o Centro do
Teatro do Oprimido do Rio de Janeiro
(CTO-RJ) com o propósito de formação de
multiplicadores do Teatro do Oprimido
para atuação nos territórios de
acampamento e assentamento da reforma
agrária organizados pelo MST em vinte e
quatro estados brasileiros. O objetivo da
pesquisa é analisar o saldo estético,
político e organizativo desta experiência de
duas décadas de teatro em comunidades
camponesas brasileiras, considerando os
limites, avanços e desafios da dinâmica de
produção e circulação teatral engendrada
por meio da experiência em curso. Por
meio do emprego das metodologias da
pesquisa qualitativa, da observação
participante e da revisão bibliográfica o
artigo pretende demonstrar que a
experiência em questão desenvolveu uma
práxis que produziu uma cultura política
contra-hegemônica.
A memória da experiência abordada
no trabalho foi construída por militantes do
MST que fizeram e, em alguns casos, ainda
fazem parte dos coletivos formados nos
estados, por meio de trabalhos
monográficos de conclusão de cursos de
graduação produzidos majoritariamente
nas primeiras turmas da Licenciatura em
Educação do Campo da Universidade de
Brasília ou especialização, e de artigos.
Os dois volumes do livro “Teatro e
Transformação Social” (MST, 2007)
reúnem parte das peças produzidas pelos
grupos formados, e pelo elenco de
multiplicadores que trabalhou diretamente
com Augusto Boal e com os curingas do
CTO-RJ em cinco etapas de formação, que
ocorreram entre 2001 e 2005, com cerca de
dez a quinze dias por etapa, somando o
total de trezentas horas de formação dos
cerca de trinca curingas militantes do MST
que, por sua vez, construíram como
resultado da parceria mais de quarenta
grupos de teatro em territórios camponeses
de acampamentos ou assentamentos do
MST. Ao todo foram publicadas dezenove
peças dos grupos ligados a Brigada
Nacional nos dois volumes do livro “Teatro
e transformação social”. De acordo com
Estevam, atual coordenador da Brigada
Nacional de Teatro do MST Patativa do
Assaré:
Uma ampla produção dramatúrgica
foi realizada pelos militantes do
movimento, com peças abordando
nossa formação colonial, as lutas
camponesas, negras e indígenas,
questões de gênero e raciais,
problemáticas ambientais e do
agronegócio, os impactos destrutivos
do capitalismo e do imperialismo. A
intervenção teatral mais significativa
do MST foi realizada na Marcha
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Nacional de 2005, quando 270
militantes de todo o país participaram
de uma encenação do que chamamos
de teatro procissão e dezenas de
peças foram apresentadas nos mais
de vinte dias de marcha para os 12
mil marchantes (2020).
A tradição a qual o teatro do MST se
vincula é a do Teatro Político e Popular,
assim entendido como aquela oriunda do
teatro produzido por segmentos
organizados da classe trabalhadora, por
coletivos ligados ou financiados por
sindicatos, partidos ou movimentos sociais
populares, que organizaram dinâmicas de
produção e circulação vinculadas às
demandas temáticas das massas
trabalhadoras. Outras categorias são
adequadas para descrever o sentido da ação
teatral do MST, como “teatro da
militância”, que conforme Garcia (2006)
descreve:
Referida nas realidades locais, a
militância artística, em especial por
meio do teatro, reaviva-se sempre que
predomine a intenção explícita de
valer-se dos recursos dramáticos e
cênicos para servir a uma causa social
...
No Brasil, historicamente, podem ser
exemplos de militância as
experiências teatrais do CPC
Centro Popular de Cultura da UNE, e
os grupos que atuaram na periferia da
capital paulista nos anos de 1970,
tentando aliar a tradição popular do
teatro com o empenho de resistência
artística, sob o clima de repressão e
censura que caracterizou a década.
Do conjunto desses coletivos,
destaca-se o grupo União e Olho
Vivo, que preserva ainda hoje, desde
sua fundação, em 1969, a prática do
espetáculo de teatro a serviço dos
movimentos populares, no processo
de mobilização e organização de suas
reivindicações sociais (2006, p. 180).
Com efeito, ocorreram muitos
elementos de aprendizado do fazer teatral
do MST com a experiência dos grupos e
movimentos das décadas de 1960 e 1970.
O Coletivo Peça pro Povo, do MST do Rio
Grande do Sul, adaptou a peça de agitprop
de Augusto Boal “Não tem imperialismo
no Brasil” em montagem denominada de
“Paga Zé”, e com autorização do César
Vieira, do grupo Teatro União e Olho
Vivo, encenou a peça “Morte aos brancos”
conforme descrevem e analisam duas
militantes da Brigada Nacional e
integrantes do Peça pro Povo (Marques,
2014; Frozzi, 2011).
Cabe destacar que a experiência
cultural do MST, no campo da produção de
bens simbólicos, é anterior à parceria com
o CTO-RJ, e tem início com a assimilação
de repertório próprio de canções e poemas
de resistência, oriundos de vertentes como
a Teologia da Libertação, a tradição de
trovadores populares e a influência da
produção cultural latino-americana de lutas
anti-imperialistas, nacionalistas e
revolucionárias como a Revolução Cubana
(1959-) e a Revolução Sandinista na
Nicarágua (1979-1989).
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Brennand situa nos anos 1970, na
tendência da produção cultural que seguiu
resistindo à ditadura por meio da produção
da arte popular engajada, sem aderir à
indústria cultural, uma fonte central de
influência para a atuação cultural do MST.
Os movimentos sociais passaram a
ter uma produção cultural intensa,
compondo músicas e versos, ousando
através da arte denunciar e propor
novas formas de organização social,
porém, quase sem os meios de
produção artística. A maior parte
desta produção ficou limitada aos
seus espaços de atuação, sendo que a
reprodução dos produtos,
principalmente canções, cartazes e
poemas, eram realizados de forma
artesanal. Esta produção transitava e
era produzida pelos movimentos
populares e Comunidades Eclesiais
de Base (CEB’s), dentro de uma
prática comunitária e com o objetivo
de contribuir na formação das bases
populares. O importante é identificar
que muita arte foi produzida, ecoou
desde os seringais do Acre, nas áreas
de conflito no Bico do Papagaio, nas
periferias urbanas, entre indígenas,
quilombolas, caboclos e também
transpassou os limites do país. Se
esta produção artística não foi
conceituada como arte pelos setores
hegemônicos da indústria cultural,
não é isso que importa. A intenção
desta produção era e continua sendo
uma contribuição nos processos de
formação política e cultural para
contestação dos padrões
hegemônicos, a fim de fortalecer a
sustentação de uma proposta contra-
hegemônica na luta contra o capital.
E esta expressão não abdicou e nem
se abdica de sua finalidade, da
formação de novos sujeitos para a
luta pela transformação social.
(Brennand, 2017, p. 49).
Também no campo da produção
simbólica a tradição da mística do MST
assimila legados de tradições socialistas,
como o teatro épico, formas estéticas de
agitação e propaganda, além da
assimilação de tradições religiosas
vinculadas às lutas populares. Segundo
Costa: “O segundo capítulo do agitprop no
Brasil, ainda em andamento, vem sendo
escrito pelo MST desde os anos 1980,
quando inventou seu próprio teatro de
agitprop (a mística) e tem seu principal
teórico, que é Ademar Bogo, autor de “O
vigor da mística” (2015, p. 32). Ainda de
acordo com Costa, o primeiro capítulo da
experiência do teatro de agitprop em
território nacional teria ocorrido com o
Centro Popular de Cultura (CPC) da União
Nacional dos Estudantes (UNE), processo
interrompido pela ditadura iniciada em
1964. O trabalho teatral e cultural do MST
seria, portanto, de acordo com a
pesquisadora, um segundo momento de
produção de cultura política em
perspectiva contra-hegemônica e anti-
capitalista.
De acordo com Juliana Bonassa
Faria, integrante da Brigada e autora de
pesquisas sobre a práxis cultural do MST
escritas durante a formação da militante
em Cuba:
En el caso del MST el teatro ocupó
desde el comienzo un importante
papel dentro del campo cultural y
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artístico de la organización. Desde
las primeras ocupaciones de tierra, se
puede detectar la presencia de grupos
teatrales que surgían: de manera
espontánea; a partir de la
colaboración de grupos profesionales
simpatizantes de la causa de reforma
agraria; o con un carácter puntual,
con el mero objetivo de entretener a
la comunidad en momentos festivos.
Al inicio el quehacer teatral tenía un
demarcado carácter espontáneo y
ayudaba en el agrupamiento de los
miembros de las comunidades. Que
muchas veces tenían como objetivo
utilizar las obras para contar y
comprender los hechos de la lucha y
el contexto en que éstos se
desarrollaban, además de recordar
aspectos de la lucha pasada, tal como
podemos observar en una de las
funciones de la mística. Hay un
elemento importante en ese punto, ya
que muchas comunidades tenían una
fuerte relación con el ala progresista
de la Iglesia Católica, donde es
conocida la utilización del teatro
como instrumento pedagógico de
carácter narrativo; y por lo tanto, esa
práctica se evidenciaba
constantemente tanto en las
comunidades Sin Tierra como en las
estructuras católicas. (Faria, 2012, p.
65).
Desde 1990 começa a ocorrer uma
aproximação dos grupos de teatro político
com o MST, de forma progressiva, embora
não sistemática, por meio de apresentação
de peças em assentamentos, acampamentos
e encontros do movimento. Participaram
desse processo os grupos Companhia do
Latão (SP), Companhia Ensaio Aberto
(RJ), Ói Nóis aqui traveiz (RS), entre
outros. O Centro do Teatro do Oprimido
(RJ), anteriormente à parceria que deu
origem à Brigada Nacional Patativa do
Assaré, desenvolveu uma experiência local
em assentamento de Itaguaí (RJ), com o
grupo Sol da Manhã, de 1991 a 1997. O
curso natural da progressão dessas
aproximações foi o estreitamento de laços,
quebrando a relação estanque
atores/público, por meio da socialização do
processo de trabalho, mediante a
transferência dos meios de produção da
linguagem teatral, em oficinas, seminários,
debates, ensaios abertos, leituras
dramáticas, etc.
Todavia, foi com a parceria de
trabalho de cinco anos entre MST e CTO-
RJ que se consolida um projeto sistemático
de formação de multiplicadores das
técnicas do Teatro do Oprimido com o
objetivo de formar grupos de teatro e
democratizar o trabalho com linguagem
teatral em escolas do campo, cursos de
formação, brigadas de trabalho de base,
etc.
Sendo as formas e métodos do Teatro
do Oprimido oriundos da tradição do teatro
de agitprop, com essa parceria o MST
aprofundava seu vínculo com o legado
histórico do Teatro Político e Popular.
Segundo Garcia, no verbete sobre Teatro
de Agitprop do Dicionário do Teatro
Brasileiro: Ainda entre nós, guarda
também clara semelhança e afinidade com
o agitprop o Teatro do Oprimido, criado e
desenvolvido por Augusto Boal: o teatro
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fórum, o teatro invisível e, antes deles, as
experiências com teatro jornal, são todas
formas de aproximação e intervenção
teatral da realidade inventadas pelos grupos
agitpropistas históricos” (2006, p. 18).
Nessa perspectiva, Costa destaca:
E tem um sentido que Ademar
Bogo caracterizaria como parte da
mística do MST o CTO ter ajudado
o MST a escrever o primeiro capítulo
da sua luta na frente teatral, pois
um vínculo profundo entre as formas
do Teatro do Oprimido e as diversas
formas do teatro de agitação e
propaganda inventadas pelos
socialistas desde o final do século
XIX que se multiplicaram durante a
revolução soviética e no Brasil foram
apenas esboçadas pelo CPC (2015, p.
33).
Augusto Boal, impedido de atuar no
teatro profissional, após o acirramento da
repressão com o Ato Institucional nº 05
(AI-5), retoma os vínculos com as classes
populares por meio do Teatro do
Oprimido, já não mais tendo à disposição o
aparelho teatral e o elenco profissional
como meio, e a peça como fim. Parte da
experiência de opressão dos explorados e
elabora o material cenicamente de modo
que a população possa participar e intervir
no debate, discutindo táticas de
intervenção na cena e na realidade que, em
geral, dependem da organização coletiva e
do fortalecimento do poder popular, focos
de acumulação que as ditaduras latino-
americanas se encarregaram de destruir.
Nessa perspectiva, na medida em que
situamos o Teatro do Oprimido como elo
em um processo organizativo em
reconstrução deixamos de ter como fim a
crítica de seus resultados formais, das
peças construídas com seus potenciais e
limites. O centro não é mais a obra
fechada, produto resultante do trabalho do
teatro profissional. Para o primeiro plano
ascende a experiência das pessoas,
mediadas e transformadas em cena pelas
técnicas teatrais. Trata-se de articulação
singular entre teatro político e educação
popular, em resposta ao silenciamento e à
cultura da inação imposta pela ditadura
militar. Boal não pretendia apenas fazer
teatro para o MST, mas, nos termos da
educação popular, se dispôs a fazer teatro
com o MST, se propondo a dar forma
teatral aos problemas do Movimento, e
transferindo as técnicas para que elas
fossem usadas de acordo com as demandas
e interesses da Organização. Cabe destacar
a coerência política da atitude se
comparada à proposta elaborada a partir da
radicalização das lutas populares dos anos
1960: o teatro desvencilhado de suas
estruturas mercantis, da mediação da
produção profissional, da imposição da
bilheteria, dos patrocinadores; o teatro
inserido organicamente como linguagem
integrante do processo de formação dos
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militantes, dos assentados e acampados das
comunidades camponesas.
Amplamente utilizado pela
professora Marcia Pompeo Nogueira
(2015), no contexto brasileiro, a
denominação Teatro em Comunidade não
se refere a um tipo específico de teatro que
é feito em comunidades, mas a diversas
formas teatrais que acontecem em
contextos comunitários, abrangendo
variadas instâncias de interação entre
artistas e comunidades. A denominação
“Teatro em Comunidade” possui vasta
abrangência, referindo-se a práticas teatrais
que envolvem, em alguma medida, a
participação de pessoas, histórias de vida,
ligações com os territórios, engajamento
em causas sociais e culturais de grupos
específicos, além de um compromisso com
o caráter coletivo dos processos de criação.
Nogueira (2009) destaca três categorias do
teatro em comunidade: teatro para
comunidades onde atores apresentam um
espetáculo teatral sem conhecer a realidade
da comunidade; Teatro com comunidades
modelo em que atores investigam uma
comunidade para criar um trabalho teatral;
e o teatro por comunidades que inclui as
próprias pessoas da comunidade no
processo de criação teatral.
O teatro produzido pelo MST
constitui, portanto, uma experiência
vigorosa de ação teatral com comunidades
camponesas, por comunidades camponesas
e a partir dos temas e questões de interesse
para essas coletividades de integrantes do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem
Terra, estejam essas pessoas vivendo em
acampamentos, assentamentos ou
militando na organização e vivendo em
zonas urbanas. Nesse sentido, os temas são
os mais variados, conforme destaca Costa
no prefácio “Ações contra-hegemônicas
exemplares” escrito para o livro da Brigada
Nacional Patativa do Assaré:
Boa parte delas mostra os meios de
comunicação produzindo mentiras
sobre o MST, apenas a versão do
latifúndio sobre os enfrentamentos
e a justiça como arma adicional da
dominação de classe. Outras
mostram a escola pública como
lugar de transmissão de mentiras
de todos os tipos e, pior, como um
lugar onde se praticam vários tipos
de discriminação, a começar por
aquele de que são vítimas as
crianças do MST, as sem-terrinha.
Tratam ainda da persistência da
incompreensão do papel da mulher
e do exame crítico das relações de
poder no próprio interior do
movimento, do papel do
imperialismo nos países
latinoamericanos e das várias
táticas, todas violentas, do
latifúndio e do agronegócio na luta
encarniçada por seus próprios
interesses (Costa, 2007, p. 05).
Boal ensinava a perceber as diversas
formas de exploração e discriminação de
uma maneira não hierárquica: sem colocar
uma forma na frente da outra,
necessariamente, ao mesmo tempo em que
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tentava percebê-las todas em perspectiva
de conjunto. De modo que lhe interessava,
sem distinções, tanto o confronto entre
latifúndio e trabalhadores rurais sem terra,
quanto a luta entre capital e trabalho, ou
entre interesses nacionais versus dinâmica
imperialista do capital, ou violência
doméstica, ou o racismo, etc. “Como o
Teatro do Oprimido trabalha com a
construção de peças a partir da experiência
dos participantes das oficinas, Boal partia
da premissa de que todo problema
aparentemente específico pode ser
explorado como parte da totalidade”
(Villas Bôas, 2013, p. 288).
A partir desse amplo leque de
questões abertos pelas peças do elenco da
Brigada Nacional em etapas de formação o
MST se apropria das técnicas do Teatro do
Oprimido, sobretudo, do Teatro Fórum,
para tratar do vasto repertório de temas que
envolvem as relações de poder e as formas
de opressão, como o machismo e a
dinâmica do patriarcado, a violência
doméstica, o racismo, o abuso de poder
daqueles que exercem posições de
representação, com interesse de examinar
essas relações, discuti-las nas assembleias
criadas por meio do Teatro Fórum, e
desenvolver táticas de superação desses
problemas. Para isso foram criados nos
estados cerca de quarenta grupos de teatro,
como tarefa delegada por Augusto Boal
aos militantes da Brigada Nacional, nas
etapas de Tempo Comunidade que
intercalavam as etapas de formação no Rio
de Janeiro. Cada coletivo desenvolveu seu
próprio repertório de peças, a partir de
demandas das comunidades dos territórios
camponeses do MST, com, por e a partir
do interesse dessas comunidades e da
concepção estratégica de transformação
social defendida pelo MST.
Portanto, as questões do modo de
vida tornaram-se temas para o teatro do
MST, fazendo com que o teatro
contribuísse para a politização do debate
sobre assuntos que até a primeira década
do século XXI ainda encontravam
resistência na discussão sobre a estratégia
revolucionária das organizações populares.
Temas como a luta contra o racismo e o
debate sobre o feminismo eram, com
frequência, vistos como temas secundários
diante da pauta econômica, e era comum a
alegação de que o debate sobre essas
temáticas poderia cindir os elos de classe
entre a classe trabalhadora. Todavia, o que
se presencia nas seções de Teatro Fórum é
o exato oposto: as cenas desencadeiam
debates sobre a presença das diversas
formas de discriminação no cotidiano dos
espaços da classe trabalhadora; os
depoimentos de pessoas que se
reconheciam nos gestos opressores gera
comprometimento no enfrentamento ao
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tema, na medida em que as pessoas
decidem voluntariamente se expor, narrar
suas experiências pessoais e torna-las
públicas, por exemplo, com homens
assumindo que cometeram violências
domésticas e avaliando negativamente
essas ações; a discussão sobre cenas de
racismo, por exemplo, retiraram da
invisibilidade do debate no ambiente
militante o debate sobre as relações entre
classe, raça e gênero e colaboraram para
que essas questões fossem assimiladas no
programa estratégico de formação, e
medidas concretas de enfrentamento às
múltiplas formas de exploração e opressão
fossem tomadas; o posicionamento
coletivo das mulheres sobre as violências
do regime patriarcal ampliou o vocabulário
da militância e das famílias acampadas e
assentadas sobre as formas de machismo,
para além da violência física, e muitas
vezes o teatro foi meio de informação,
formação e organização social no
enfrentamento contra essas estruturas de
poder constituintes de nossa experiência
coletiva como sociedade.
Se comparada com a tradição de boa
parte das organizações democráticas
brasileiras, partidárias, sindicais ou de
movimentos populares, a proposta
metodológica do Teatro do Oprimido
apresenta novidades consideráveis à
dinâmica da cultura política, pois permite
não apenas a escuta dos anseios populares,
mas o fortalecimento dos mecanismos do
poder popular, na medida e que se faz
necessário que os canais entre base e
direção das organizações esteja aberto de
forma permanente.
Na medida em que os grupos se
multiplicavam pelos estados foram
ampliadas as parcerias com grupos locais,
pautadas pela demanda de apropriação dos
meios de produção das linguagens
artísticas. No livro lançado em 2007 pela
Brigada Nacional de Teatro do MST
Patativa do Assaré “Teatro e transformação
social” foi apontada a percepção que
estava em andamento a construção de uma
espécie de sistema interno de produção e
circulação teatral, em articulação com
coletivos parceiros, organizando uma
dinâmica particular de autores, obras,
coletivos e público. De acordo com
Brennand:
Um fator que nos chama a atenção, é
que a atuação da Brigada Patativa do
Assaré começou a esboçar uma
espécie de sistema interno de
socialização entre os grupos
produtores de peças no âmbito do
MST, fazendo que as mesmas
itinerassem dentro do próprio
Movimento e também fora dele. Nas
atividades nacionais do Movimento,
alguns grupos de teatro ou seus
representantes encontravam-se,
compartilhavam experiências e
realizavam apresentações. No retorno
aos seus estados os grupos
replicavam as peças nos
acampamentos e assentamentos de
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seus respectivos estados (2017, p.
120).
Um exemplo desse processo de
produção e circulação interna ocorreu na
Marcha Nacional pela Reforma Agrária e
Justiça Social, entre Goiânia a Brasília, em
2005, com mais de doze mil marchantes
que percorreram o trajeto entre as capitais
de Goiás e do Brasil em dezessete dias: “...
a peça “A Bundade do patrão” foi
apresentada pelo coletivo Peça pro Povo
(RS), pela Brigada Estadual de Cultura
Filhos da Terra (MS) e pela Brigada de
Agitprop [Semeadores] do Gabriela
Monteiro (DF). Também na marcha, a peça
“Exploração do Trabalho” foi apresentada
por cinco elencos, e outros dois elencos
apresentaram uma adaptação da mesma
peça intitulada “Como fazendeiro sofre”
(MST, 2007, p. 13).
A linguagem teatral e a metodologia
do Teatro do Oprimido foram
democratizadas no MST por meio da
demanda de formação de diversos setores,
como Educação, Formação, Saúde,
Direitos Humanos, Comunicação e Frente
de Massa. A quantidade e qualidade dos
grupos formados não é o único termômetro
que permite aferir a capilaridade orgânica e
territorial dos trabalhos, na medida em que
muitos educadores e educadoras militantes
trabalham com o teatro nas escolas do
campo, seja formando grupos permanentes,
seja utilizando de forma pedagógica e
estética a linguagem teatral em suas aulas,
e no processo de formação inter e
transdisciplinar.
Com a guinada conservadora da
história política recente do país, uma série
de medidas de criminalização do MST e
demais movimentos populares de massa
tiveram impacto nas dinâmicas de
formação, produção e circulação das
brigadas artísticas. Por exemplo, sem os
pontos de cultura em territórios
camponeses, que estavam em processo de
expansão, com forte apoio do programa
Cultura Viva do Ministério da Cultura, nas
gestões de Gilberto Gil e Juca Oliveira, nos
governos do presidente Lula da Silva
(Brennand, 2017), a Rede Cultural da
Terra rede formada para fortalecer e
integrar a produção cultural do campo por
meio do fomento a criação e manutenção
de pontos de cultura em territórios
camponeses encontrou dificuldades para
manter o calendário de encontros de
formação, festivais, seminários, que
garantiam o processo de circulação dos
trabalhos dos coletivos e conferiam
vivacidade ao sistema teatral em
construção.
Todavia, cabe destacar, conforme
avaliação de pesquisadoras militantes do
Coletivo de Cultura do MST, os aspectos
que ressaltam as colaborações da Brigada
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de Teatro para o fortalecimento de uma
cultura política contra-hegemônica. De
acordo com Marques, que exerceu a função
de coordenadora regional da Brigada no
Sul do país e coordenou o coletivo Peça
pro Povo:
A Brigada conseguiu sinalizar
concretamente para uma perspectiva
de produção contra-hegemônica
produzindo coletivamente, quebrando
com a lógica do espetáculo, em um
processo de autogestão, sem um
diretor/a, de maneira que todos
tinham o domínio do todo: desde a
dramaturgia, a apresentação, dos
bastidores até os comentários
posteriores à apresentação. O
processo de produção (técnicas,
teoria e prática teatral) foi sendo
apropriado, sem que o foco ficasse
unicamente no produto: “a peça”, a
ênfase foi conferida ao processo de
produção. Percebíamos no
desenvolver das produções algumas
contradições, para tanto
trabalhávamos na estrutura formal
das peças para que a forma de
representação estivesse de acordo
com o que estávamos debatendo
(Marques, 2014, p. 66).
Faria, militante que exerceu a função
de coordenação nacional da Brigada
Patativa do Assaré avalia que essa frente
“fue una gran propulsora del debate y
principalmente a partir de la práctica sobre
la capacidad transformadora del arte,
principalmente por medio del teatro. Miles
de militantes del MST, de una manera u
otra, participaron de ese proceso y a partir
de sus planteamientos ayudaron a insertar
el quehacer artístico como una práctica tan
militante como las de los demás sectores
del Movimiento”. (2012, p. 82).
Quanto aos limites, há sete anos atrás
Marques demarcava em sua dissertação os
seguintes aspectos que se mantém como
problema, em 2021: “um dos principais é a
dificuldade de continuação de um processo
de formação permanente; a falta de
continuidade dos encontros nacionais, e
formações específicas com a Brigada
Patativa do Assaré, também se configuram
como um grande limite; o fato da maioria
dos nossos grupos mais fortes não
existirem mais também foi um fator
limitante da continuidade” (2014, p. 71).
Por sua vez, Faria destaca: “Otro elemento
importante en la imposibilidad de
secuencia del trabajo iniciado se da por la
dificultad de comprensión por parte del
conjunto y de las instancias del
movimiento sobre el propio papel del arte
en el contexto de la lucha política y el
proyecto estratégico del MST” (2011, p.
84).
As mudanças políticas, econômicas e
culturais pelas quais o país atravessou nos
últimos anos impactaram a dinâmica
organizativa e formativa do MST. Não
mais foi possível realizar etapas de
formação nacionais com novas turmas de
militantes de todos os estados, os grupos
que tiveram atuação mais intensa não
existem mais, por diversos motivos, dentre
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os principais estão o fluxo migratório do
campo para a cidade em busca de
condições de estudo e trabalho, que
desagrega os elencos, a distância em um
mesmo território de assentamento, entre os
integrantes de um mesmo grupo, que
encontram dificuldades logísticas de
transporte para os ensaios cotidianos, a
diminuição das oportunidades para que os
grupos circulem com seus repertórios...
Entretanto, e por fim, ocorreram
desdobramentos da ação teatral do MST
que cabem destacar, em breves e
significativos exemplos.
O primeiro deles, é que a
organização em forma de brigada dos
militantes que atuam com teatro ensejou no
Coletivo Nacional de Cultura do MST a
organização das demais linguagens
igualmente em brigadas ou frentes: a
música está organizada na Brigada João do
Vale, as artes plásticas na Brigada Cândido
Portinari, o audiovisual na Brigada
Eduardo Coutinho e a literatura na Frente
Palavras Rebeldes. Evidentemente,
militantes com múltiplas vocações e com
aptidões trabalhadas em diversas
linguagens atuam nos estados, em escala
local ou regional, de forma articulada.
Ou seja, a divisão das linguagens em
brigadas e frentes nacionais não ocorreu
para alienar o processo produtivo, mas para
intensificar os processos formativos de
acordo com as demandas específicas de
cada linguagem. Todavia, nos estados, as
brigadas culturais costumam trabalhar de
forma integrada com todas as linguagens.
Conforme Brennand:
No processo organizativo estadual, as
Brigadas buscam abarcar todas as
linguagens artísticas com o intuito de
se constituir como o “braço artístico”
do MST, seja nos territórios
conquistados, seja na disputa política
na luta pela Reforma Agrária, nas
lutas com outros setores organizados,
alinhados com a táticas e estratégias
do Movimento (Op. Cit, p. 118).
O segundo exemplo, resultante do
primeiro, é o trabalho integrado de
militantes das brigadas Patativa do Assaré,
Frente Palavras Rebeldes, Brigada Eduardo
Coutinho e Brigada João do Vale e de
coletivos teatrais de três estados
Banzeiros (PA), Terra em Cena (DF) e
Dolores (SP) em processos como a
participação do MST na Feira Virtual de
Opinião realizada pelo Instituto Augusto
Boal, a partir da questão “Que pensa você
do Brasil de hoje?”
i
, que foi ao ar em 10 de
outubro de 2020 e está disponível no canal
do youtube do Instituto Augusto Boal,
desde essa data. Nessa intervenção a
“opinião” do Movimento foi construída por
meio de roteiro em que o elemento
estruturante foi a peça Mutirão em Novo
Sol, de Nelson Xavier e Augusto Boal,
escrita em 1961 e remontada
posteriormente pelo MST, desde 2008, nos
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cursos da Educação do Campo, nos cursos
de Artes do Programa Nacional de
Educação da Reforma Agrária (Pronera), e
nos cursos internos de formação do MST e
da Via Campesina.
A peça teve uma versão gravada para
rádio pela turma de Comunicação e
Cultura de ensino dio do Iterra, a
Brigada de Agitprop Semeadores do
MST/DFE (Sousa, 2013) fez algumas
montagens da versão adaptada, no
assentamento Gabriela Monteiro, no
Instituto Federal de Brasília e no campus
de Planaltina da UnB e, em agosto de
2012, em Brasília, militantes da Brigada
Nacional Patativa do Assaré e do Coletivo
Terra em Cena da UnB apresentaram a
adaptação da peça no Encontro Unitário
dos Povos do Campo, das Águas e da
Floresta, para cinco mil camponeses,
quilombolas, indígenas, ribeirinhos e
pescadores.
Além dessa versão circulada em
2020 para a Feira Virtual de Opinião, o
MST, por meio das Brigadas de Teatro e
de Audiovisual, em parceria com o
Coletivo Terra em Cena, e com integrantes
dos elencos da Cia Burlesca, da Escola de
Teatro Político e Vídeo Popular do DF e de
integrantes de acampamentos e
assentamentos do MST do Distrito Federal
está finalizando um filme longa metragem
chamado “Mutirão em Novo Sol: a
retomada” que deverá circular primeiro por
festivais e, posteriormente, nas redes
sociais do MST, em 2021. Portanto,
embora no saldo orgânico a quantidade de
grupos hoje seja menor do que nos tempos
em que contávamos com políticas culturais
a favor da classe trabalhadora, é possível
notar o aumento da capacidade de
produção de bens simbólicos, com
militantes formados e capacitados em
diversas linguagens trabalhando de forma
unificada.
E, por fim, o terceiro exemplo é o
desdobramento do trabalho teatral do MST
em algumas universidades públicas
brasileiras, sobretudo, aquelas que ofertam
a Licenciatura em Educação do Campo
com área de habilitação em Linguagens,
como a Universidade de Brasília (Bastos et
all; 2011), a Universidade Federal de
Minas Gerais (Carvalho et all, 2016)
Universidade Federal de Tocantis (UFT), a
Universidade Federal do Piauí e a
Universidade Federal do Sudoeste do Pará
(Unifespa). As práticas artísticas
desenvolvidas pelo MST e demais
movimentos camponeses e quilombolas
não são apenas estudadas como objetos de
pesquisa, pelo contrário, são constituintes
da práxis político pedagógica e cultural
desses cursos, colaborando para moldagem
dos projetos político pedagógicos dos
cursos, para o desenho dos programas e
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projetos de extensão e colaboram para a
ampliação das linhas de pesquisa dos
cursos de graduação e pós-graduação.
Na Universidade de Brasília, o
Coletivo Terra em Cena é, ao mesmo
tempo, um programa de extensão e um
grupo de pesquisa e a forma como ele atua
é semelhante ao método de formação e
multiplicação que a Brigada Nacional de
Teatro do MST aprendeu com Augusto
Boal e o CTO-RJ (Rocha et al., 2015;
Villas Bôas et al., 2020; Pereira et al.,
2019). Outro fator que cabe destacar é que,
tal como ocorreu no MST, na Licenciatura
em Educação do Campo da UnB a
experiência de trabalho com teatro em
comunidades e territórios camponeses
precedeu e estimulou a organização do
trabalho com a linguagem audiovisual, e
passou a estabelecer conexões produtivas
em diversos experimentos, tais como
vídeos, webseries como “A farsa”
produzida pela companhia Estudo de Cena
(SP), programas de TV como o
“Revoluções” do Coletivo Terra em Cena,
documentários e filmes de ficção (Villas
Bôas & Canova, 2019).
Além disso, a práxis teatral do MST
e a articulação do Movimento com
territórios e comunidades camponesas,
com universidades, coletivos de teatro e
vídeo político e popular e grupos de
pesquisa se tornou um fator estruturante da
Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político
Popular Nuestra América, constituída em
2017, que integra um total de dez escolas
sendo sete em estados brasileiros, duas na
Argentina e uma na Espanha (Villas Bôas
& Estevam, 2020).
Por fim, duas décadas depois de
iniciado o trabalho sistemático de
formação e multiplicação da linguagem
teatral por meio da Brigada Nacional de
Teatro do MST Patativa do Assaré segue o
processo de expansão das articulações,
sendo permanente o desafio de retomar em
escala massiva e com qualidade estética,
técnica e política o processo de
enraizamento em territórios e comunidades
camponesas, quilombolas e escolas do
campo. As comemorações do centenário de
Paulo Freire, em 2021, e dos noventa anos
de Augusto Boal, são ocasiões oportunas
para refletirmos sobre as articulações entre
a Pedagogia do Oprimido e o Teatro do
Oprimido enquanto proposições teóricas e
metodológicas instituintes de uma práxis
contra-hegemônica ainda não elevada à
máxima potência pelas organizações
populares, pelas universidades, escolas e
pelas políticas educacionais brasileiras.
Cabe a nós, trabalhadores da cultura,
educadores populares, militantes,
intelectuais, integrantes de coletivos,
escolas, redes, movimentos e partidos,
mantermos em pauta não apenas a reflexão
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sobre a memória, sobre o legado, mas
conectar os elos que ligam os aprendizados
com as derrotas do passado com o
planejamento estratégico do presente para
que, na ascensão de um movimento
socialista que possa se contrapor ao
neofacismo que atualmente governa o país,
essa práxis possa fazer parte de uma
cultura política outra, radicalmente
democrática e popular.
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em 04/05/2021.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 08/06/2021
Aprovado em: 25/08/2021
Publicado em: 30/09/2021
Received on June 08th, 2021
Accepted on August 25th, 2021
Published on September, 30th, 2021
Contribuições no Artigo: O autor foi o responsável por
todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação
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Brigada Nacional de Teatro do MST Patativa do Assaré:
ressonâncias, desafios e interfaces com o trabalho teatral
da Educação do Campo. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 6, e12410, 2021.
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