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2022
ISSN: 2525-4863
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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12924
A participação das mulheres na Feira da Agricultura
Familiar e Economia Popular Solidária do Território
Inhamuns e Crateús - Ceará
i
Ydávila Vasconcelos Martins1, Lia Pinheiro Barbosa2
1, 2 Universidade Estadual do Ceará - UECE. Mestrado Acadêmico Intercampi em Educação e Ensino (MAIE). Avenida Silas
Munguba, 1700, Campus do Itaperi. Fortaleza - CE. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: ydavila.vasconcelos@aluno.uece.br
RESUMO. O artigo tem como objetivo analisar a participação
das mulheres na Feira da Agricultura Familiar e Economia
Popular Solidária do território de Inhamuns e Crateús, no Ceará,
organizada pela Cáritas Diocesana de Crateús. Para tanto,
contextualizamos o surgimento da Feira na região, a partir da
sistematização desta experiência no âmbito da articulação de
diferentes sujeitos. A investigação fundamentou-se numa
abordagem qualitativa por meio da pesquisa bibliográfica e
pesquisa de campo, com embasamento nas seguintes abordagens
teóricas: Economia Solidária; Economia Popular Solidária e
Economia Feminista. Sustentamos dois argumentos resultantes
da pesquisa: a) a Feira da Agricultura Familiar e Economia
Popular Solidária do território de Inhamuns e Crateús constrói
uma subjetividade vinculada à Educação do Campo e a uma
Pedagogia do Movimento, sobretudo pelo fortalecimento da
identidade com o território camponês atrelada à produção
familiar e camponesa e b) as mulheres contribuem nesse
processo numa dimensão educativo-pedagógica, uma vez que
são formadas dentro da Feira, ao tempo que também
influenciam na natureza da Feira, sobretudo por sua contribuição
no fortalecimento da Economia Popular Solidária e em
perspectiva feminista.
Palavras-chave: agricultura familiar, economia popular
solidária, economia feminista, educação do campo.
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The participation of women in the Family Farming and
Popular Economy Solidarity Fair in the Inhamuns and
Crateús territory of Ceará
ABSTRACT. The article aims to analyze the participation of
women in the Family Farming and Popular Economy Solidarity
Fair in the territory of Inhamuns and Crateús, in Ceará,
organized by Caritas of the Diocese of Crateús. To this end, we
contextualized the emergence of the fair in the region, based on
the systematization of this experience in the context of the
articulation of different subjects. The research was based on a
qualitative approach through bibliographic research and field
research, with the following categories: Solidarity Economy;
Popular Solidarity Economy and Feminist Economy. We sustain
two arguments resulting from the research: (a) the Family
Farming and Popular Solidarity Economy Fair of the territory of
Inhamuns and Crateús builds a subjectivity linked to Rural
Education and the so—called Pedagogy of the Movement,
especially by strengthening the identity with the peasant
territory linked to family and peasant production ,and, (b)
women contribute to this process in an educational-pedagogical
dimension, since they are formed within the Fair, while
influencing the nature of the Fair, especially by their
contribution to the strengthening of the Popular Solidarity
Economy in a feminist perspective.
Keywords: family farming, popular solidarity economy,
feminist economy, rural education.
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La participación de las mujeres en la Feria Solidaria de la
Agricultura Familiar y la Economía Popular en el
territorio de Inhamuns y Crateús - Ceará
RESUMEN. El artículo tiene como objetivo analizar la
participación de las mujeres en la Feria Solidaria de la
Agricultura Familiar y la Economía Popular en el territorio de
Inhamuns y Crateús, en Ceará, organizada por la Cáritas
Diocesana de Crateús. Para ello, contextualizamos el
surgimiento de la feria en la región, a partir de la sistematización
de esta experiencia en el ámbito de la articulación de diferentes
sujetos. La investigación se basó en un enfoque cualitativo a
través de la investigación bibliográfica y la investigación de
campo, basada en los siguientes enfoques teóricos: Economía
Solidaria; Economía Popular Solidaria y Economía Feminista.
Sostenemos dos argumentos resultantes de la investigación: a) la
Feria de la Agricultura Familiar y la Economía Popular Solidaria
del territorio de Inhamuns y Crateús construye una subjetividad
vinculada a la Educación del Campo y a una Pedagogía del
Movimiento, especialmente por el fortalecimiento de la
identidad con el territorio campesino vinculado a la producción
familiar y campesina y b) las mujeres contribuyen a este proceso
en una dimensión educativo-pedagógica, ya que se forman
dentro de la Feria, a la vez que influyen en la naturaleza de la
misma, especialmente por su contribución al fortalecimiento de
la Economía Popular Solidaria y en una perspectiva feminista.
Palabras clave: agricultura familiar, economía popular
solidaria, economía feminista, educación del campo.
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Introdução
O presente artigo tem por objetivo apresentar o processo de organização, participação e
reflexão crítica de mulheres camponesas em feiras da agricultura familiar, a partir de três
objetivos específicos, a saber: a) discorrer acerca da experiência da Feira da Agricultura
Familiar e Economia Popular Solidária no território denominado Inhamuns/Crateús, no Ceará;
b) destacar a atuação das mulheres camponesas na Feira e c) discutir essa experiência
enquanto processo educativo e de reflexão crítica das mulheres camponesas, articulado aos
princípios da Pedagogia do Movimento e da Educação do Campo. Nesse sentido, é uma
sistematização feita no contexto do semiárido nordestino.
É válido destacar que uma das autoras envolveu-se ativamente no processo, por ser uma
mulher camponesa vinculada a uma organização de mulheres, que participou como
organizadora da feira pelo Fórum de Juventudes - Território Inhamuns/Crateús, ligado ao
Programa Infância, Adolescência e Juventude (Piaj) articulado pela Rede Cáritas Brasileira.
Do mesmo modo, participou do III Encontro de Mulheres no Semiárido ocorrido durante a
Feira. Nesse sentido, essa sistematização também incorpora percepções próprias que foram
registradas em diário de campo durante o processo de participação na Feira.
O artigo apresentado é fruto de pesquisa desenvolvida por meio da observação
participante, pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo. A partir dos
objetivos propostos, o enfoque da pesquisa constituiu em identificar, a partir das reflexões
tecidas pelas próprias mulheres camponesas, dois aspectos centrais: 1. Em quais espaços elas
estão inseridas dentro da Feira; 2. Quais são suas reflexões em torno ao seu papel, como
mulheres camponesas, no contexto da economia popular solidária e na compreensão da
agricultura familiar e camponesa.
Para o desenvolvimento da pesquisa utilizou-se das fontes primárias que foram obtidas
por meio da análise de documentos produzidos pela Cáritas Diocesana de Crateús e que estão
relacionados à memória da feira. Do mesmo modo foram realizadas entrevistas estruturadas
com cinco mulheres, duas vinculadas diretamente à Cáritas, a saber, a Coordenadora e uma
Agente Cáritas Crateús, e três feirantes, duas agricultoras e uma artesã. Outrossim, fizemos
uso de fontes hemerográficas que foram obtidas a partir de jornais e outras fontes de difusão.
A abordagem teórico-analítica se centrou no marco teórico da Economia Popular
Solidária e da Economia Feminista, a partir das análises de Singer (2002), Martins (2018),
Butrón e Gúzar (2019), Bobrée e Díaz (2019), Bustamante (2019) e Barbosa (2021).
Enfocamo-nos na compreensão do papel das mulheres camponeses no âmbito da agricultura
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familiar e camponesa e, em particular, na Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular
Solidária no território denominado Inhamuns/Crateús.
O artigo está estruturado em cinco tópicos, sendo eles: A Feira da Agricultura Familiar
e Economia Popular Solidária, onde destacamos a historicidade da feira e seu aspecto
vinculado à Economia Solidária; Eixos da Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular
Solidária, apresentando o funcionamento da feira e seus eixos de criação; Economia Popular
Solidária e Feminista, sessão destinada à análise dos aspectos concernentes a essa vertente
popular da economia vinculada à participação das mulheres; Análise do III Encontro das
Mulheres no Semiárido Brasileiro, com um relato detalhado sobre o encontro; Interfaces entre
a Pedagogia do Movimento, a Educação do Campo e a participação das mulheres camponesas
na Freira. Por fim, as considerações finais.
A Feira da Agricultura Familiar e a economia solidária
No chão do semiárido nordestino nasce a Feira da Agricultura Familiar e Economia
Popular Solidária sediada na cidade de Crateús/CE, na Praça Gentil Cardoso,
ii
que se torna
palco do maior encontro da cultura nordestina e dos saberes populares da região de
Inhamuns/Crateús. Situada no mesmo município, a Cáritas Diocesana de Crateús (CDC) é a
precursora desse evento e que tem por missão desenvolver projetos de caráter humanitário
pela defesa de uma vida digna e de direitos junto à população local e cidades circunvizinhas.
A Cáritas Diocesana de Crateús integra a rede de Cáritas coordenada pela Cáritas
Brasileira. Conforme sua própria descrição:
A Cáritas Brasileira, fundada em 12 de novembro de 1956, é uma das 170 organizações-
membro da Cáritas Internacional. Sua origem está na ação mobilizadora de Dom Helder
Câmara, então Secretário-Geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). As
orientações do Concílio Vaticano II marcaram a ação da Cáritas que, desde então, vive sob
os valores da pastoralidade transformadora. A Cáritas é um organismo da CNBB e possui
uma rede com 187 entidades-membro, 12 regionais e 5 articulações.
iii
Constitui-se como prioridades da CDC:
1. Formação e organização comunitária, defesa e conquista de direitos básicos,
controle social das políticas públicas, articulação e mobilizações sociais; 2. Incentivo
à produção agroecológica, comercialização justa e solidária, educação
contextualizada de convivência com o Semiárido, educação ambiental (resíduos
sólidos); 3. Fortalecimento da Rede Cáritas, articulação com as pastorais sociais,
com as CEBs e com o conjunto da Igreja.
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É dentro do contexto da segunda prioridade, qual seja, a de fomentar uma
comercialização justa e solidária, que nasce a Feira da Agricultura Familiar e Economia
Popular Solidária dos territórios de Crateús e Inhamuns. A feira é organizada e mobilizada
pela CDC junto com outras organizações e entidades que atuam no processo de apoio. A
primeira edição da Feira aconteceu em 2005, em parceria com a Federação dos Trabalhadores
Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará (FETRAECE) e a
Secretaria de Agricultura do município de Crateús. Nessa primeira edição, além de Crateús,
participaram onze municípios e, atualmente, a feira está na sua décima sétima edição, ou seja,
são 17 anos de história, luta e resistência no fortalecimento da agricultura familiar e
camponesa.
A CDC desenvolveu uma metodologia de acompanhamento da Feira, não só durante o
processo de sua organização e realização, mas com caráter permanente. Após a realização da
primeira feira, a CDC retorna aos municípios participantes para a construção de um cadastro
sobre as potencialidades da produção de cada cidade, na perspectiva de construir um
diagnóstico sobre quem produz, o que produz, como produz e como os produtos são
comercializados. Assim, é construído um acompanhamento sistemático, situado no eixo da
agroecologia, com o intuito de proporcionar para a sociedade uma oferta de produtos
produzidos pelas famílias e que estejam em consonância com os princípios do cuidado com a
vida.
v
O enfoque agroecológico da feira contempla a concepção de agroecologia de Machado
e Filho (2014, p. 36):
... como um método, um processo de produção agrícola – animal e vegetal – que resgata os
saberes que a “revolução verde” destruiu ou escondeu, incorporando-lhes os extraordinários
progressos científicos e tecnológicos dos últimos 50 anos, configurando um corpo de
doutrina que viabiliza a produção de alimentos e produtos limpos, sem venenos, tanto de
origem vegetal como animal, e, o que é fundamental, básico, indispensável, em qualquer
escala.
Dessa maneira, a feira cumpre com um dos princípios agroecológicos, qual seja, o de
ofertar alimentos livres de agrotóxicos, fortalecendo a agricultura familiar e camponesa. Além
disso, a feira fortalece a identidade das pessoas que produzem alimentos saudáveis e sustenta
toda comunidade local. Esse enfoque faz com que a agroecologia possibilite “resgatar a
cidadania dos pequenos” (Machado & Filho, 2014, p. 37).
Outro enfoque da produção agroecológica diz respeito à participação das mulheres
camponesas nos processos produtivos e de comercialização. É válido salientar que esse
enfoque é fomentado, sobretudo, pelas problemáticas concernentes às relações de gênero e os
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papeis atribuídos, historicamente, aos homens e às mulheres nos espaços públicos e
domésticos. Em articulação com o movimento feminista, esse enfoque vem construindo
debates que fortalecem a autonomia das mulheres dentro do modelo de produção vinculado à
agricultura familiar e camponesa:
... o diálogo entre os dois movimentos vem provocando debates que aprofundam a visão de
que as relações de gênero, entre outros temas, são socialmente construídas. As feministas
contribuem com a ideia de que, se essas relações são socialmente construídas e tem efeitos
negativos para a equidade de gênero, então também podem e devem ser desconstruídas. A
agroecologia é vista como um dos instrumentos para essa desconstrução e para a
reconstrução de outro tipo de interações, a partir do processo de fortalecimento da igualdade
e da autonomia das mulheres. (Moreira, Ferreira & Siliprandi, 2018, p. 71).
No âmbito das organizações camponesas e de trabalhadores rurais, observamos o
avanço na incorporação da agroecologia como uma estratégia de defesa do território
camponês, da realização da reforma agrária, da produção de alimentos saudáveis e da
soberania alimentar. Nesse processo, é inserido o debate político em torno do reconhecimento
do papel das mulheres na estrutura da economia familiar e camponesa, ao tempo que se
reivindica o direito a sua autonomia política e econômica.
As ações políticas da Via Campesina e da Coordenadora Latino-Americana de
Organizações do Campo (CLOC) são um exemplo concreto desse processo, especialmente na
consolidação da agroecologia. Conforme Barbosa e Rosset (2017, p. 710), no âmbito da
LVC/CLOC, “a agroecologia, é compreendida como um projeto político para a resistência das
organizações e movimentos, a convivência com a Mãe-Terra e a construção da soberania
alimentar.”
Nessa perspectiva, a agroecologia vai além de um modelo de produção, uma vez que
questiona o modelo produtivo desenvolvido pelo capitalismo industrial, baseado no
monocultivo em grandes extensões de terra, no uso de sementes transgênicas e na utilização
irrestrita de agroquímicos. Este modelo tem provocado impactos negativos na saúde
ambiental e humana. No contraponto a essa forma de produzir e no enfrentamento do
agronegócio, os movimentos sociais do campo defendem um modelo de produção baseado na
defesa da vida, ao tempo que reivindicam a realização da Reforma Agrária, na defesa do
direito a terra e outro projeto societário para o território camponês.
Para as mulheres camponesas, a defesa da agricultura familiar e camponesa, de matriz
agroecológica, se caracteriza como uma concepção de produção para os cuidados com a vida
e uma forma de luta política e resistência no campo. Essa resistência não se restringe ao
agronegócio, uma vez que as mulheres camponesas situam o patriarcado como outro pilar de
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exploração e dominação das mulheres no campo (Martins, 2018). Nesse sentido, também
demarcam sua luta como antipatriarcal, pois:
O feminismo, ao lutar pela igualdade de gênero, argumenta que essa igualdade atravessa
todas as esferas das relações estabelecidas entre mulheres e homens. E sem essa igualdade
não é possível falar em agroecologia, mas muitas vezes os próprios companheiros de
movimentos que lutam pela agroecologia não entendem a importância do feminismo
(Martins, 2018, p. 44).
Dentro do próprio campesinato e de suas organizações, as mulheres encontram
relutâncias dos seus próprios companheiros, no sentido de reconhecer que elas também têm o
direito de inserir-se na luta política. Essa hesitação masculina se expressa nas recusas e/ou
impedimentos da inserção das mulheres nos espaços de participação política, ou ainda, na
redução do valor político das lutas e pautas levantadas por e para as mulheres, considerando-
as irrelevantes ou secundárias no âmbito das reivindicações do campesinato. Na verdade, elas
sofrem a opressão de gênero dentro da sua própria casa, podendo estender-se a outros
espaços, como os da participação política em organizações mistas.
A partir do acompanhamento da Feria da Agricultura Familiar e Economia Popular
Solidária, identificamos uma aproximação entre o debate político em torno à produção
familiar e camponesa e a defesa da agroecologia. Essa identificação decorre de encontrarmos
aspectos agroecológicos construídos nos espaços da feira, nas subjetividades que a
agroecologia constrói entre as e os feirantes.
Entretanto, por se tratar de um processo de disputa de concepções em torno a um
modelo de produção, também encontramos uma perspectiva oposta, a do agronegócio. Há
contradições próprias do antagonismo de classe dentro da própria organização da feira, visto
que não é uma mobilização autônoma e necessita de apoios de outras organizações.
O processo de consolidação e acompanhamento da feira, apesar de estar situado no
enfoque do modo de produção agroecológica, abrangeu espaços de construção de outras
perspectivas agroecológicas, como por exemplo, a participação das mulheres, que ultrapassa
suas produções e se concretiza nos espaços construídos e debatidos por elas. Assim, com o
mapeamento feito, o segundo passo foi a criação das feiras municipais, com o objetivo de
fortalecer a estrutura das produções de cada município, dando visibilidade à apresentação da
estrutura de comercialização. Este passo é fundamental no processo de mobilização e
articulação, com visas à participação e ampliação da feira regional de Crateús.
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Conforme analisa Erbênia Sousa, a décima quinta edição da feira, realizada no ano de
2019, trouxe para esse espaço um processo de crescimento em relação à quantidade de
participantes e de sua origem geográfica:
Conseguimos mobilizar e ter presente 18 estados com suas produções e suas experiências,
conseguimos ter 134 empreendimentos ofertados. Então, a feira, ela dá um salto, ela deixa de
ser feira regional para ser estadual, deixa de ser estadual para ser do Nordeste, deixa de ser
do Nordeste para ser nacional e ela começa a ganhar o aspecto de feira internacional, com a
participação da Itália, com a participação daqueles e daquelas que, na América Latina,
compõe a feira internacional em Santa Maria (Erbenia Sousa, coordenadora da CDC).
vi
É nesse processo de uma comercialização de produtos, em consonância com os
princípios da CDC, de permanente busca por uma forma justa e solidária, que nasce essa feira
da agricultura. Nas palavras de Erbênia Sousa, “Justa e solidária porque a gente não ajudou a
criar um movimento de visibilidade da produção para fortalecer um modelo capitalista, mas
para resgatar, inclusive, o eixo da solidariedade”.
vii
Essa intencionalidade da feira contribui
com a valorização das produções locais e circunvizinhas, ofertando alimentos com base
agroecológica, com o fortalecimento da renda local.
Singer defende que “... a economia solidária é ou poderá ser mais do que mera resposta
à incapacidade do capitalismo de integrar em sua economia todos os membros da sociedade
desejosos e necessitados de trabalhar” (2002, p. 114). Em diálogo com o autor, entendemos
que a economia solidária é uma economia que difere da produção capitalista, pois é baseada
não na obtenção de lucros e geração de mais valia. Ao contrário do modelo de produção
capitalista, a economia solidária é uma economia pautada na coletividade e mobilizada pelas
pessoas que têm suas produções excluídas pelo sistema capitalista.
Ainda nas palavras do autor, a economia solidária “só pode se realizar se ela for
organizada igualitariamente pelos que se associam para produzir, comerciar, consumir ou
poupar. A chave dessa proposta é a associação entre iguais em vez do contrato entre
desiguais” (Singer, 2002, p. 9). Dessa forma, uma garantia para a consolidação da economia
solidária é a organização de associações e cooperativas onde se reúnam produções com essa
perspectiva econômica.
Para o caso analisado, consideramos que a Feira da Agricultura Familiar e Economia
Popular Solidária da Região dos Inhamuns e Crateús está organizada a partir dos preceitos de
uma economia de caráter popular e solidária.
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Eixos da Feira da Agricultura Familiar e a economia popular solidária – território
Inhamuns/Cratéus
A Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária do território de Inhamuns
e Crateús possui quatro eixos na sua criação e concretização, sendo eles: uma primeira raiz
que faz nascer a feira é a necessidade de apresentar, de forma qualificada, a produção dos
agricultores, agricultoras e das artesãs; animar, sobretudo as mulheres e também os homens, a
dar visibilidade sobre o que são capazes de produzir; investimento em formações; resgate da
sabedoria popular e da cultura popular.
viii
No primeiro eixo de criação, a feira tem como objetivo apresentar para a comunidade
as vocações geográficas e humanas
ix
da região do sertão central, região de Inhamuns/Crateús
e Tauá, no Ceará. No segundo eixo, a visibilidade das produções desenvolvidas pelos
feirantes auxilia a melhorar a autoestima, ajudando na diversificação dos produtos por meio
de um pouco mais de geração, acesso e incremento da renda.
O terceiro eixo, relacionado às formações, é um dos principais na feira, visto que
cumpre o papel, desde o princípio, de dialogar sobre os modos de produções que são frutos da
construção dos trabalhos dos pequenos produtores e produtoras. Essas formações se dão por
meio de várias oficinas temáticas de capacitação, seminários temáticos e intercâmbios, com o
fito de fortalecer a partilha das experiências, ao mesmo tempo em que se articula com o
quarto eixo, no sentido de contribuir com o resgate da sabedoria e cultura popular. Conforme
Erbênia Sousa, “então o canto, a poesia, o dançar faz parte da visibilidade e da partilha dos
saberes dessa feira” (Coordenadora da CDC).
Analisando o movimento de criação da feira, podemos perceber que a sua ampliação, a
partir da configuração desses eixos, se concretiza logo após a consolidação da primeira feira,
quando a CDC retorna aos municípios partícipes para o mapeamento e o diagnóstico das
produções. Os eixos passam a formular a organização da feira no ano de 2006, quando ocorre
a sua segunda edição.
A Feira possui uma dinâmica diuturna de funcionamento. Durante o dia acontecem as
formações, oficinas e intercâmbios, em que cada município participante da feira fica
responsável por uma temática específica, e oferece visitas a sua localidade para que as pessoas
participantes da feira possam conhecer a sua experiência. Essas visitas permitem o diálogo
sobre a experiência, ao tempo que constroem um entendimento em torno ao conjunto dos
produtos que são expostos e comercializados na praça como fruto de um processo
metodológico, de um acompanhamento e de uma mudança concreta de vida das famílias. A
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programação noturna é destinada à venda e exposição dos produtos, como também é um
momento de festa, com a presença de três palcos com atrações musicais local, regional e
estadual. Os palcos são temáticos: palco principal, palco da terceira idade e o palco da
juventude.
A feira torna-se um espaço de anúncio e denúncia. Dentro dos espaços de formações da
feira ocorre a mostra de cinema, com enfoque em temas que atravessam a violência e as
desigualdades sociais: violência doméstica; concentração de terra; concentração de água;
violência sexual contra crianças e adolescentes. Priorizam-se, no espaço do cinema, a
abordagem de temas que precisam se transformar em políticas públicas, com a denúncia da
negação e da falta de apoio governamental. Por outro lado, a feira é um espaço de anúncio,
pois:
Ela passa a ser um espaço de profecia, do anúncio da boa notícia de que nós temos potencial,
melhoramos a nossa autoestima, temos avançado na qualificação da nossa produção,
conseguimos trazer essas produções e ofertar para a sociedade, melhoramos a nossa geração
de renda, conseguimos voltar e resgatar a dinâmica das partilhas de saberes, então, ela é uma
boa notícia (Entrevista com Erbenia Sousa, Coordenadora da CDC).
Para Freire (1981, p. 41): “Não há anúncio sem denúncia, assim como toda denúncia
gera anúncio. Sem este, a esperança é impossível ... a espera só tem sentido quando, cheios de
esperança, lutamos para concretizar o futuro anunciado, que vai nascendo na denúncia
militante.” Consideramos que a feira traz, “nessa ciranda de encontros, esperança de que um
novo mundo é possível, anunciando boas novas e denunciando a falta de apoio
governamental” (Entrevista com Erbenia Sousa, Coordenadora da CDC).
A feira é um grande encontro que dá visibilidade a sujeitos que o modelo de produção
capitalista apagou ou invisibilizou da sociedade, a exemplo dos pescadores e pescadoras que,
nos últimos três anos, têm mostrado todo seu potencial na arte da pesca e que estão dispostos
e dispostas a participarem dos processos da feira.
Dentro da feira também é realizado os chamados “encontrões”: Encontrão das Mulheres
no Semiárido Brasileiro; Encontrão dos Pescadores e Pescadoras das Águas de Rios, Açudes e
Lagos do Nordeste; Encontrão da Educação Contextualizada e o Encontro da Juventude:
Intercâmbio entre Redes de Juventudes Ceará e Seridó-RN (2019). Portanto, a feira torna-se
um encontro de Movimentos que gera um mutirão de partilhas de conhecimentos.
Sobre esse encontro de Movimentos, há uma convergência com a noção de Pedagogia
do Movimento, analisada por Caldart, ao identificar o caráter pedagógico dos espaços
organizativo e de ação política do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e
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que permitem um processo de formação política dos sujeitos inseridos nestes diferentes
espaços. Em outros termos, a participação nos espaços da luta em defesa da terra e da reforma
agrária constitui um lugar pedagógico de formação do militante Sem Terra.
Conforme Caldart (2000, p. 208): “... a Pedagogia do Movimento põe em movimento a
própria pedagogia, mobilizando e incorporando em sua dinâmica (organicidade) diversas e
combinadas matrizes pedagógicas ...”. No diálogo com esse conceito, compreendemos que a
própria organicidade e consolidação da feira cria sua própria pedagogia de movimentos, por
meio da rede de solidariedade que se constitui dentro da feira e de sua própria prática. Há uma
dimensão pedagógica intrínseca à Feira, que possibilita uma formação coletiva, sobretudo no
fortalecimento da identidade camponesa.
Assim, a feira, em sua forma de organização, mobiliza vários movimentos para, juntos,
contribuírem com a troca de aprendizagens que ocorre dentro dos encontros. Em uma
perspectiva pedagógica, a Feira coloca em movimento os saberes construídos ao longo das
formações, unindo a luta dos jovens com a luta das mulheres, o artesanato da pesca com o
artesanato do bordado, e assim por diante.
Desde seu início, a feira é construída em um espírito de coletividade. Atualmente, são
28 organizações da sociedade civil, governamental e não governamental que, de forma
voluntária, se reúnem durante seis meses para a preparação de todo o processo da feira. Entre
as entidades apoiadoras da feira estão: Secretaria de Negócios Rurais do Município de
Crateús; Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará (IFCE campus
Cratéus); Universidade Federal do Ceará; Programa de Educação Tutorial da Faculdade de
Educação de Crateús (PET-FAEC/UECE); Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural
do Ceará; Serviço Brasileiro de Apoio à Pequena e Micro Empresa; Federação dos
Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado do Ceará
(FETRAECE); Instituto para o Desenvolvimento da Economia Familiar; Instituto Agropolos
do Ceará; Instituto Bem Viver; Escola Família Agrícola Dom Fragoso; We World Brasil;
Associação Caatinga; Sindicato dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras
Familiares de Crateús (STRAFF) e Faculdade Princesa do Oeste.
x
É válido destacar que, apesar da Feira reunir um conjunto amplo de organizações,
identificamos que há duas perspectivas opostas: as organizações e movimentos sociais que
participam ativamente da Feira e as organizações comerciais que se somam no apoio à Feira.
A oposição se apresenta na natureza das organizações: enquanto as primeiras trabalham na
perspectiva da agroecologia, as segundas são opostas, pois as organizações comerciais estão
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ligadas ao setor do agronegócio. Essa contradição revela a existência de uma disputa da
agroecologia em diferentes espaços.
Destacamos a presença dos movimentos sociais, sobretudo do Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra – MST que, nos últimos anos, tem participado de forma ativa na
feira. Há, ainda, organizações de caráter autônomo, ou seja, sem vínculo com algum
movimento social ou outra organização, além dos produtores e produtoras que, na realização
da feira, se somam em barracas solidárias.
xi
É trabalhado, em todo o processo de construção da feira, as relações humanas, os
horizontes de construção de possibilidades de outro mundo baseado na economia popular
solidária. Essa formação política vai tecendo-se na coletividade:
Nós conseguimos fazer circular nessa feira cerca de 30 mil pessoas. Então, é uma grande
comunhão de outro mundo possível. Essas organizações, elas proporcionam tudo,
produzimos hospedagem solidária e fazermos a própria comida. Então, é a multiplicação dos
pães acontecendo, compramos tudo que é produzido para a própria alimentação. Do ponto de
vista político, isso é um novo modo de ser, porque como estamos em uma sociedade
extremante capitalista, cada organização quer construir seu próprio caminho, fazer valer a
sua identidade e subir no palco. Somos esse grande mutirão que trabalhamos com o coração,
com a cabeça, com as pernas e os braços, e são, portanto, uma grande fraternidade de serviço
aos agricultores e agricultoras (Entrevista com Erbênia Sousa, Coordenadora da CDC).
Embora seja um encontro atravessado por um espirito de fraternidade, a feira também
enfrenta desafios, com destaque para os seguintes: o espaço geográfico tornou-se pequeno
diante da potencialidade que a feira alcançou; a manutenção financeira que, apesar da feira
estar na agenda estadual, os recursos não são direcionados para a sua realização; dificuldades
de mobilizações com os governos municipais, no sentido de garantir a oferta de transporte
para trazer os feirantes, como também garantir um repasse de recursos financeiros desses
mesmos governos para fazer executar e cobrir as despesas; outro desafio é a própria estrutura
física, que é sanada por meio da partilha e empréstimo, por parte das instituições
organizadoras, de objetos, por exemplo, freezers, cadeiras e mesas.
III Encontro das Mulheres do Semiárido Brasileiro
A Cáritas Brasileira tem uma trajetória marcada por uma forte presença feminina e pelo
fortalecimento da mobilização, organização, formação política e da defesa dos direitos das
mulheres, sempre visando uma incidência qualificada da presença das mulheres nos espaços
de proposições de controle e garantia de direitos. Desde os anos de 1990, a rede Cáritas tem
realizado encontros com o objetivo de sensibilizar homens e mulheres para uma maior
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compreensão da realidade das mulheres, incorporando a experiência já existente na rede,
construindo compromisso e estratégias para a abertura de espaços de participação e formações
das mulheres para o futuro da rede Cáritas.
xii
Entre as ações desenvolvidas pela Cáritas Diocesana, destacamos a realização de
encontros e seminários destinados às mulheres: em 1999, aconteceu o I Encontro das
Mulheres de Cáritas do Norte e Nordeste; em 2000 ocorreu o I Seminário Nacional sobre
Gênero e, entre 2001 e 2003, foi realizada uma pesquisa sobre equidade de gênero na Cáritas
Brasileira, uma oficina nacional sobre gênero, raça e etnia e, por último, um seminário
nacional de devolução da pesquisa de gênero.
Na perspectiva de uma abordagem voltada para as políticas relacionadas ao gênero é
realizado, dentro da Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária do território
Inhamuns/Crateús, momentos que fortaleçam esses diálogos com as mulheres participantes da
feira. No ano de 2015 foi realizado o I Encontro de Mulheres do Semiárido, que ocorreu
dentro do espaço da feira, com a participação de aproximadamente 80 mulheres do semiárido
brasileiro, com representações dos estados de Alagoas, Ceará, Bahia, Espírito Santo,
Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe.
Entre as participantes desse encontro, destacam-se as agricultoras, experimentadoras,
artesãs, lideranças comunitárias, agentes Cáritas, voluntárias, mulheres que são envolvidas
nas ações de convivência com o semiárido e com a economia popular solidária. Sobre esse
primeiro encontro, Dulce Fabián, agente Cáritas afirma:
O encontro foi muito significativo, porque foi um encontro bem político, que trouxe uma
reflexão para a realidade, olhando qual a organização e a participação política das mulheres,
e como elas têm sua inserção no mundo do trabalho, quais as conquistas, seus desafios, e
também tivemos alguns intercâmbios, algumas trocas de experiência de vida. Os princípios
feministas foram abordados nesse encontro, e desse encontro saiu uma carta das mulheres do
semiárido. A partir dessa carta se teve outros momentos fortes e conseguimos algumas
conquistas (Entrevista com Dulce Fabián, Coordenadora do Projeto “Tecendo Redes de
Solidariedade”).
O II Encontro de Mulheres do Semiárido foi realizado no ano de 2017, com a discussão
acerca do empoderamento feminino e as experiências adquiridas nos fundos rotativos
econômicos da Economia Popular Solidária. No âmbito da Cáritas Regional, está organizado
o Grupo de Trabalho (GT) Mulheres, que é voltado à discussão das temáticas relacionadas às
mulheres e as problemáticas concernentes ao gênero. No segundo encontro, o GT Mulheres
começou a levantar reflexões para elaborar uma política de mulheres na Rede Cáritas, na
perspectiva de identificar as questões de gênero que ocorrem dentro da Rede. Neste encontro
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também se dialogou acerca dos fundos rotativos solidários, uma vez que muito dos acessos a
esses fundos rotativos se dá a partir das mulheres.
No âmbito da realização dos Encontros, identificamos o desenvolvimento de uma
reflexão coletiva em torno à categoria gênero. Nessa direção, a Cáritas Brasileira entretece sua
própria formulação em torno à categoria gênero, entendendo-a como “uma categoria que nos
ajuda a compreender que as desigualdades historicamente construídas entre homens e
mulheres não surgem diretamente da biologia, mas que estão associadas às diferenças
demarcadas pela cultura, condicionadas pela história, costumes, educação, etc.”
xiii
No ano de 2019 foi realizado o III Encontro de Mulheres do Semiárido. Nessa edição, o
encontro assumiu um caráter mais ampliado, como um fórum de mulheres. Esse momento foi
muito significativo, uma vez que se deu um grande passo na construção de uma política
nacional de ação com mulheres por parte da Cáritas Brasileira. O III Encontro era uma
preparação para o encontro nacional de mulheres que aconteceria na vigésima quarta
assembleia da Cáritas Brasileira, a ser realizado em 2020. Entretanto, não foi possível realizá-
lo devido à pandemia de Covid-19.
Na programação do III Encontro, durante a manhã, foram realizadas mesas de análises
de conjuntura sobre os impactos das reduções de direitos sociais que afeta diretamente a vida
das mulheres, a economia solidária, a convivência com o semiárido e o bem viver. À tarde foi
realizada uma grande roda de conversa com músicas, místicas, documentários e
compartilhamento das experiências de diversas mulheres que sentem, no seu dia a dia, o peso
do patriarcado. Houve abraços afetuosos logo após a exibição do documentário que veio da
Bahia e do Sergipe, sobre a história do empoderamento de mulheres, intitulado: “Sem medo
de ser mulher”.
A mística desse encontro foi um momento de fortalecimento e inspiração. Em um
círculo de mãos dadas, as mulheres dançavam e entoavam o cântico “Eu vim do corpo da
minha mãe, ela me deu semente boa. Nutri meu corpo, se espalha em bênçãos. Sou
plantadeira de semente boa”
xiv
. Cada mulher era convidada para trazer à roda o nome de uma
das mulheres que, ao longo da vida, lhe transmitiu inspiração, seja mãe, avó ou, até mesmo,
uma das mulheres que tinham seus rostos estampados em panos de chitas no meio da roda,
lembrando a sua história e resistência, com a finalidade de lembrar, nessa roda, a luta das
nossas ancestrais.
A dimensão da memória é parte constituinte da histórica resistência popular em toda a
América Latina e, em particular, da luta empreendida pelos diferentes movimentos de
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mulheres. Conforme destaca Barbosa (2021, p. 36), ao evocar a memória das suas ancestrais
no contexto de suas lutas, as mulheres rememoram:
… el hambre, el sufrimiento, los dolores físicos y psíquicos, en el cuerpo y en el alma
resultantes de un paradigma civilizatorio de carácter fragmentario. Esa memoria histórica
busca, en la esencia del antagonismo y de las contradicciones del capitalismo, incidir en la
construcción de un proyecto político de transformación social. Esta búsqueda también se
nutre y se vincula a esa memoria histórica al recuperar la palabra histórica de aquellas
mujeres que las antecedieron.
Dentro dessa roda de conversa foram realizadas oficinas temáticas, onde o grupo foi
dividido em três grupos menores. As oficinas foram: Mulheres e o Mundo do Trabalho;
Mulheres e as Políticas Públicas; Mulheres e o Enfretamento da Violência. As oficinas foram
realizadas a partir da metodologia da Educação Popular, por meio da roda de conversas, onde
cada grupo discutiu sobre a sua temática e criou estratégias de enfretamentos para compor o
plano de políticas da Cáritas Brasileira. Em seguida, houve a socialização entre os três grupos.
Simultâneo a esse encontro, outro encontro de mulheres era realizado no Centro de
Treinamento Dom Antônio Batista Fragoso, a saber, o I Seminário de Mulheres das Águas,
com o tema “Com as Mulheres das Águas, nos cuidados com a vida Construindo
Resistências”. O encontro contou com mesas temáticas, intituladas: No Beiço d’água Olhando
a Realidade: Análise de Conjuntura; No Beiço d’água Construindo a Resistência; No Beiço
d’água nos cuidados com a vida: Vivências do Cuidando do Cuidador por uma saúde
integrativa, e No Beiço d’água construindo a coletividade. Os dois encontros são momentos
que fortalecem a partilha e a união dessas mulheres, são espaços de construção de
conhecimento, que propiciam um momento de diálogo e escuta, construindo uma rede de
companheirismo.
Os espaços formativos das oficinas e encontros realizados com as mulheres são espaços
fundamentais para fortalecer sua luta enquanto Rede. Ao mesmo tempo, elas próprias são
tecedoras desses encontros, pois as suas experiências são acolhidas dentro do grupo, e é
dialogando sobre as suas experiências que as trocas de saberes vão surgindo, assim,
revigorando a sua relação com o campesinato e com os trabalhos por elas desenvolvidos
dentro da feira. E é por meio dessa relação com o campesinato e com seus trabalhos que elas
fortalecem sua identidade como mulheres camponesas, como sujeitas de direitos, colocando
em movimento o agir das suas lutas em espaços construídos por e para as mulheres.
O processo de engajamento das mulheres na Feira da Agricultura Familiar e Economia
Popular e Solidária no contexto do semiárido dos Inhamuns e Crateús pode ser interpretado
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como parte de uma dinâmica maior de mobilização e organização da luta das mulheres em
toda a América Latina. Nessa direção, as mulheres camponesas são parte atuante na defesa de
seus territórios e na construção de estratégias na reivindicação de políticas públicas.
Conforme analisam Barbosa, Bustamante e Cisneros (2020, p. 11):
As mulheres indígenas, camponesas, ribeirinhas, quilombolas, pescadoras, entre outras, têm
assumido, no contexto histórico das lutas, um papel vital na defesa da terra, de seus
territórios e de suas comunidades ameaçadas pelo novo padrão de acumulação. Em seus
territórios são as guardiãs de sementes nativas e detentoras de um profundo conhecimento
ancestral sobre os ciclos produtivos da terra, um conhecimento que lhes permite questionar e
problematizar a lógica de desenvolvimento hegemônico vinculado ao capital transnacional,
associada a uma matriz patriarcal. De igual maneira, as mulheres têm se articulado à luta
política dos movimentos camponeses e indígenas, entre outras organizações do campo, no
questionamento dos impactos sociais e ambientais em seus territórios em decorrência do
modelo exportador extrativista, exercendo um papel político fundamental no enfrentamento
das grandes corporações de interesses privatizadores, bem como das políticas neoliberais em
seus territórios.
Economia popular solidária e feminista
Uma das características marcantes na Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular
Solidária do território de Inhamuns e Crateús é que ela é composta, majoritariamente, por
mulheres. A última feira contou com a participação de 370 feirantes, dos quais 70% eram
mulheres
xv
. Não só a participação, mas todo o processo de construção da feira é feito pelas
mulheres e com as mulheres. Nas palavras de Erbênia Sousa, “podemos dizer que essa feira
dá um rosto feminino, mas que dá também esse grande erguesse para a vida, para a luta, para
entrar na ciranda do cuidar e para gestar novas relações uma nova sociedade” (Coordenadora
da CDC).
De acordo com Leboutte, “A Economia Popular é originada pelos próprios
trabalhadores, não detentores dos meios de produção, diante das transformações que estão
ocorrendo no mundo do trabalho e, principalmente, nos países periféricos, nas últimas
décadas” (Leboutte, 2003 apud Goerck, 2005, p.7). É necessário que as pessoas ligadas a esse
meio de produção estejam organizadas em associações ou cooperativas, e que produza fora da
ótica capitalista.
Razetto afirma que “A Economia Popular Solidária é oriunda do conjunto concreto das
experiências, atividades e organizações econômicas que se encontram na intersecção entre
economia popular e economia solidária” (Razetto, 1999, p. 46 apud Goerck, 2005, p.8). Nessa
perspectiva, a feira adquire um caráter popular por ser construída com agricultoras,
agricultores, artesãs, pescadoras e pescadores, entre outras e outros que produzem uma renda
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que o capitalismo não se apropria; é solidária por ser desenvolvida em coletividade para o
benefício da classe trabalhadora.
De acordo com a afirmação de Carvalho, “... a lógica da reprodução social da unidade
camponesa é centrada na reprodução social da família ...” (2012, p. 33). Assim, a família se
torna o núcleo fundamental para o modelo de produção no campesinato, enquanto o modelo
capitalista é baseado somente no lucro e não se preocupa com o bem da sociedade e
comunidade. Ainda conforme o autor, isso só é possível porque o campesinato não
desvinculou sua identidade do seu modelo de produção:
E como a maior parte dos camponeses estabelece relações sociais bastante estreitas com a
comunidade rural à qual consideram pertencer, a referência ao viver e morar na totalidade
das suas dimensões (reprodução da vida) passa a ter um significado muito mais amplo,
inclusive culturalmente, mesclando no cotidiano das suas existências os processos de
produção com os de reprodução social da família (unidade da produção e do consumo),
numa interação particular que dá ao camponês sua especificidade. (Carvalho, 2012, p. 34).
Desse modo, a Economia Popular Solidária é um modelo de produção vinculada ao
campesinato por meio da Agricultura Familiar que fortalece o modo de ser e viver dos
camponeses e camponesas. Nas palavras de Carvalho, o campesinato “se fortalece como
classe social a partir da sua organização, mobilização e enfrentamento nas lutas sociais (2012,
p. 37). Nessa direção, a feira, enquanto mobilização, pode ser um espaço em potencial para
organizar o campesinato em classe social, ao assumir seu papel histórico-político no
enfrentamento do modelo de produção capitalista.
As mulheres camponesas vêm ocupando os seus espaços dentro do campesinato, ao
fortalecer os modelos de produção dos quais elas participam, e promover a abertura de
espaços que lhes permitam interpretar, de maneira crítica, as interfaces do patriarcado e das
relações de gênero em suas próprias vidas (Martins, 2019). Esse processo contribui para a
proposição de ações que visem à ruptura do patriarcado. Uma das experiências desenvolvidas
pelas mulheres camponesas é o cultivo dos quintais produtivos, isto é:
... o uso dos “quintais” produzidos pelas mulheres camponesas como uma das práticas que
caracteriza a autonomia dessas mulheres. Essa autonomia se dá porque o cultivo desses
quintais é uma prática comum entre elas, sobretudo por ser uma área próxima de suas casas e
por fortalecer a identidade e a sua formação política. (Esmeraldo et. al. apud Martins, 2018,
p. 43).
Nessa perspectiva, as mulheres assumem um papel fundamental na defesa dos seus
territórios, uma vez que “las mujeres han asumido un papel vital en la defensa de la tierra, de
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sus territorios, de los bienes comunes y de sus comunidades, que están en gran medida
amenazados por el nuevo modelo de acumulación de capital” (Barbosa, 2021, p. 35).
Na finalidade de romper com o modelo de acumulação do capital, as mulheres têm
criado estratégias e lutas políticas que fortaleçam a sua autonomia enquanto mulheres
trabalhadoras. Os quintais produtivos, para além de outro modelo de produção, beneficiam na
defesa dos territórios, no bem-estar da família, da comunidade e na identidade camponesa
dessas mulheres. Outrossim, “para além de ser uma produção localizada no âmbito doméstico,
os quintais fortalecem e reafirmam a mulher camponesa como sujeito político e social que
questiona o domínio do mercado por meio das relações sociais e de autoconsumo fora da
lógica monetária. (Esmeraldo et. al., 2017 apud Martins, 2018, p.44).
As mulheres camponesas têm se articulado dentro dos movimentos sociais pela garantia
dos seus direitos que foram negados durante anos. Esse processo permite o fortalecimento de
sua participação dentro do campesinato:
Nos últimos tempos, tem sido um fato importante na organização das mulheres camponesas
o protagonismo delas em ações de combate à exclusão no acesso à terra, à ausência de
condições básicas de vida e à destruição do meio ambiente, haja vista que projetos de
desenvolvimento inviabilizam a permanência das mulheres e suas famílias no campo. As
mulheres sem-terra têm sido protagonistas de muitas dessas ações de enfrentamento ao
modelo do agronegócio (Silva, 2014, p. 80).
Outro aspecto que caracteriza a participação política das mulheres camponesas diz
respeito à reinvindicação de que o saber ancestral que elas detêm, relacionadas com a
produção agrícola e o manejo do solo e de animais, seja reconhecido como conhecimento.
Conforme Barbosa (2021, p. 29), ese saber ancestral constitui um conhecimento “nacido
desde el vínculo con el territorio, la tierra y los bienes comunes, permitió a estas mujeres una
relación visceral con la naturaleza y sus ciclos vitales, con sus propios cuerpos y los cuerpos
de los demás …”. Assim, as mulheres são as que mais lutam pela defesa dos bens comuns,
pois são elas que têm o contato direto como o uso excessivo de agrotóxicos.
As mulheres não aceitam mais as formas de trabalho do modelo econômico hegemônico para
a agricultura que tem sido implantado no país. Principalmente as mulheres que tem o
contanto direto com o agrotóxico, nas plantações de frutas, cana de açúcar e da soja
denunciam o mal causado para saúde de todos que consomem esses alimentos (Martins,
2018, p. 47).
Desse modo, as mulheres camponesas têm recuperando seus saberes ancestrais para
uma melhor relação e cultivo com a terra, entendendo que é por meio da terra que podemos
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encontrar a vida e os alimentos. Dentro de suas organizações, estão participando ativamente
na luta em defesa da reforma agrária, pela produção de alimentos em uma perspectiva
agroecológica e, paulatinamente, incorporando a pauta do combate ao patriarcado e ao
machismo, seja no âmbito interno de suas organizações, seja na articulação com outros
movimentos.
Diante da necessidade de ruptura do patriarcado e do modelo de produção capitalista
que atinge diretamente as mulheres, elas têm articulado suas lutas em torno do feminismo.
Conforme Barbosa (2021, p. 36): “la concepción de los feminismos articulados por estas
mujeres tiene como objetivo sacudir las estructuras que sostienen el capitalismo y superar los
valores inherentes a la reproducción del capital”.
Nesse entendimento, uma das estratégias construídas pelas mulheres camponesas está
vinculada à economia feminista e solidária, “um modelo de produção para as mulheres
conquistarem sua autonomia, questionar o modelo da economia atual e propor um modelo de
economia sustentável ... questiona também a divisão de trabalhos imposta pelo patriarcado ...”
(Martins, 2018, p. 45).
Outra característica da economia feminista é que “en la opción conjunta con otras
economías posibles, tiene en común una visión de un mundo poscapitalista en el que están la
vida como objetivo central de la economía y la solidaridad humana como elemento de
articulación” (Butrón & Gúzar, 2019, p. 243). Nessa direção, a economia feminista reconhece
a vida como seu pilar principal, como também se preocupa com a relação dos seres humanos
com a natureza que, na ordem do capital, se dá pela exploração e dominação capitalista.
A partir dessa compreensão, consideramos que a Feira da Agricultura Familiar e
Economia Popular Solidária reúne um conjunto de elementos que apontam à pratica da
Economia Popular Solidária e de uma possibilidade de construção de uma Economia
Feminista Emancipatória.
A economia feminista é mais que uma metodologia econômica, uma vez que, articulada
com as lutas das mulheres, contribui para colocar em evidência os conflitos que o sistema
capitalista impôs na sociedade, que afetam, sobretudo as mulheres. Conforme analisam
Dobrée e Diaz (2019, p. 23), “uno de los aportes más poderosos de la economía feminista
consiste en poner en evidencia el conflicto fundamental que actualmente afecta las bases de
todo el sistema social y económico”. Segundo sua análise, o conflito fundamental é a
exploração predatória da natureza exercida pelo modo de produção capitalista. A economia
feminista denuncia o conflito capital x natureza como a face atual da reprodução do
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capitalismo e que também afeta a vida das mulheres. Além disso, elas foram excluídas da
esfera produtiva, portanto, seu trabalho produtivo e reprodutivo perde valor.
Outro conflito fundamental existente na sociedade tem, em sua base, a divisão sexual do
trabalho. Dessa maneira, “desde nuestro posicionamiento feminista emancipatorio
denunciamos el ocultamiento patriarcal del aporte de las mujeres y el discurso sexista que se
utiliza para desvalorizar su trabajo y justificar la posición subordinada en que se las coloca,
además de condenar la naturaleza violenta y demoledora de ese despojo” (Bustamante, 2019,
p. 278).
A divisão sexual do trabalho definiu o lugar privado para a mulher, ou seja, o espaço
doméstico, da família, excluindo-as da dimensão pública representada pelo mundo do
trabalho e a participação política (Saffioti, 2015), divisão essa definida pelo patriarcado. Em
diálogo com Barbosa (2021, p. 30):
… el patriarcado no se restringe a la esfera privada, ya que es de orden público y civil,
otorga derechos sexuales ilimitados a los hombres sobre las mujeres, se configura como una
relación jerárquica que invade todos los espacios de la sociedad, tiene una base material,
encarna y, finalmente, expresa una estructura de poder basada en la ideología y la violencia
(2021, p. 30).
Diante isso, afirmamos que a Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular
Solidária contribui para a inserção das mulheres na esfera produtiva do mundo do trabalho,
por meio da economia popular solidária e da agricultura familiar e camponesa. Esta inserção
proporciona uma renda a mais para as mulheres, com destaque para as suas produções,
fortalecendo uma autonomia econômica. Como podemos analisar nas falas a seguir:
... eu levo galinha caipira, baião, carne de sol, pamonha, as coisas de milho, capote, doce de
leite, doce de mamão. A feira dá um incentivo, uma aprendizagem e é bem lucrativo, apesar
que a gente mora no interior e vamos nos carros meio dia e tem a despesa de ir, mas que dá
um retorno. Tem uma troca, às vezes uma coisa que a gente não tem, compra na barraca
vizinha, a gente compra deles e eles compra da gente. Assim, a gente se comunica muito
bem. O aprendizado que a gente aprende de como é que funciona, porque a gente participa
ali daquela da escola,
xvi
que geralmente é só nós. Lá é mais gente, as pessoas ajudam a gente,
a gente ajuda quem está precisando, a amizade que fica. É uma coisa que a gente guarda e
fica com a gente, a lembrança. (Antônia, feirante e Agricultora, comunidade Ipojuca, grifo
nosso)
xvii
Ora, menina, a gente vende demais, tanto faça como leve, vai eu e toda minha família, tudo
que a gente faz é vendido, não voltamos com nada. O bom também que a gente fica
conhecida, depois as pessoas vêm atrás. A festa também é linda, uma animação danada, todo
mundo sorrindo. É cansativo, mas animado, dá um gás a mais. (Mazé, feirante, comunidade
Ipojuca, grifo nosso)
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Eu comecei a participar a partir da terceira feira através do Sindicado dos Trabalhadores
Rurais de Independência. É uma feira que nós da agricultura familiar vendemos bastante, nós
trabalhamos com o artesanato em barro, tem feira que nós não voltamos com nada, a gente
vende tudo. Ela contribui bastante na divulgação dos nossos produtos, eu mesma peguei
muitas encomendas através dessa feira. A feira que nós não vendíamos tudo, fazíamos troca
por outros produtos. Afirmo com certeza que é uma feira 100% boa. (Marilene, artesã,
Assentamento Cachoeira do fogo, Independência, grifo nosso)
Conforme Silva (2014, p.140), “a solidariedade e a socialização de saberes como
também constituintes da identidade das mulheres como camponesas”. Encontramos nos
depoimentos das feirantes a presença da solidariedade como aspecto central para o
fortalecimento da identidade e da união dessas mulheres em todo o processo articulado pela
feira. Em outros termos, a solidariedade como uma ética camponesa, que fortalece as
subjetividades inerentes à produção familiar e camponesa.
Podemos afirmar, ainda, que a feira contribui para a visibilidade dos seus produtos,
colaborando para uma renda extra no fim do mês, ao tempo que promove a divulgação desses
produtos. Há um fortalecimento da relação entre os/as feirantes por meio da solidariedade,
além de adquirir aprendizados construídos em uma Pedagogia do Movimento que articula a
rede das organizações que compõem a feira.
Uma feirante, que não quis se identificar, afirma: “é muito gratificante mostrar para
meus filhos que eu também coloco dinheiro dentro de casa”. Diante disso, concluímos que,
apesar de o objetivo maior da feira não ser a impulsão de uma economia feminista, ela traz
esse caráter quando proporciona autonomia e protagonismo feminino. Assim, a feira assume
um aspecto de economia popular solidária com aproximações feministas, de uma economia
feminista e popular.
Ressaltamos que, para além dessa questão da comercialização de produtos produzidos,
sobretudo por mulheres dentro da feira, há uma preocupação, por parte da Cáritas, em
desenvolver uma formação política com as mulheres feirantes e participantes da feira. Nessa
direção, destacamos o próprio Encontro de Mulheres no Semiárido Brasileiro, que é um
momento de formação que trabalha as questões de gênero, divisão sexual do trabalho,
violências contra as mulheres, bem como a abordagem de elementos que venham fortalecer o
protagonismo das mulheres e uma autonomia econômica dentro do trabalho produzido por
elas diretamente dentro da feira.
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Interfaces com a pedagogia do movimento e a Educação do Campo
Ao analisarmos a organização da Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular
Solidária e o processo de participação das mulheres camponesas, identificamos elementos da
abordagem da Educação do Campo para além do contexto escolar. Os Movimentos Sociais
construíram o conceito da Educação do Campo, conceito que ganha materialidade em duas
perspectivas: no âmbito das escolas do campo, no momento de disputa por uma Política
Nacional de Educação do Campo, que permite a consolidação das escolas do campo em áreas
de assentamentos rurais (Arroyo, Caldart & Molina, 2011). A outra perspectiva está associada
à discussão da Educação do Campo articulada com a Pedagogia do Movimento (Caldart,
2000) e que tem como objetivo demostrar como os próprios processos da luta articulada por
diferentes organizações são em si processos educativos.
A Educação do Campo, no âmbito da feira, se faz presente dentro da segunda forma de
compreensão, nos encontros formativos das mulheres, na construção da Feira da Agricultura
Familiar e Solidária, nos olhos da juventude que se encontra em Rede, nas conversas jogadas
em um banco da praça, na dança e nas músicas cantatas com alegria e bravura, nas mãos dos
pescadores e pescadoras que, por meio das águas, formam suas resistências.
Consideramos que a Educação do Campo se insere no agir das lutas camponesas e de
trabalhadores e trabalhadoras rurais na construção de uma estratégia de defesa dos territórios e
de fortalecimento da identidade camponesa. Assim, a feira contribui nesse fortalecimento por
meio da cultura e saberes populares ofertados pela identidade camponesa.
Diante disso, é dentro da Pedagogia do Movimento que envolve todo o processo de
preparação e organização da feira, no processo de formação política e as próprias redes que
são estabelecidas para o intercâmbio de experiências, na troca de saberes e comercialização
dos seus produtos. No conjunto dessas atividades, as feirantes vão fortalecendo a sua
identidade com o campo, e a própria compreensão desse espaço de formação política para a
convivência com o semiárido e para a permanência no território camponês.
No que concerne ao vínculo entre Pedagogia do Movimento, Educação do Campo e a
participação das mulheres camponesas nas feiras da agricultura familiar, consideramos:
a) A Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária no território
denominado Inhamuns/Crateús constitui um espaço pedagógico de autoformação das
mulheres camponesas;
b) Essa autoformação política conduz as mulheres camponesas a uma
compreensão crítica em torno de seu papel político como parte constituinte do campesinato;
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c) Ao passo que participam econômica e politicamente dos espaços articulados
pelas organizações das quais participam, as mulheres avançam no debate público do
patriarcado e do machismo em suas organizações. Do mesmo modo, exigem o
reconhecimento do seu direito de participar ativamente em todos os âmbitos de atuação junto
a suas organizações;
d) Ao se auto-reconhecerem como imprescindíveis nas esferas produtivas e
reprodutivas, as mulheres adquirem uma consciência crítica, fortalecem sua autoestima e,
sobretudo, assumem sua identidade camponesa;
e) Na luta em defesa da terra, da reforma agrária, da agroecologia e dos comuns,
as mulheres camponesas colocam no centro do debate político outra concepção de projeto
para o campesinato e o território camponês;
Finalmente, pelo exposto, consideramos que a Feira da Agricultura Familiar e
Economia Popular Solidária do território de Inhamuns e Crateús constrói uma subjetividade
vinculada à Educação do Campo e a uma Pedagogia do Movimento, sobretudo pelo
fortalecimento da identidade com o território camponês atrelada à produção familiar e
camponesa. As mulheres contribuem nesse processo numa dimensão educativo-pedagógica,
uma vez que são formadas dentro da Feira, ao tempo que também influenciam na natureza da
Feira, sobretudo por sua contribuição no fortalecimento da Economia Popular Solidária e em
perspectiva feminista.
Considerações finais
O artigo centrou-se em apresentar o processo de participação e reflexão crítica de
mulheres na Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária no território
denominado Inhamuns/Crateús, no Ceará. Ao destacarmos os espaços de atuação das
mulheres na Feira, identificamos que sua inserção se expressa não só como feirantes, uma vez
que participam ativamente na organização da Feira e dos Encontros de Mulheres realizados.
A Feira constitui um processo educativo e de reflexão crítica para as mulheres,
articulado aos princípios da Pedagogia do Movimento e da Educação do Campo. A Feira da
Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária do Território Inhamuns e Crateús, cujas
ações possuem características marcantes como a resistência e solidariedade, possibilitou para
os/as feirantes encontrarem nesse evento diversas oportunidades de crescimento em seus
trabalhos e na sua formação política. Dessa maneira, apresentam para a sociedade os diversos
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benefícios existentes em seus produtos, o que mantém acesa as tradições o modo de ser e de
viver dos camponeses e camponesas.
A partir da sistematização da feira, identificamos o papel da Cáritas Diocesana de
Crateús no fomento e fortalecimento da Economia Popular Solidária na região, contribuindo
para a autonomia e visibilidade dos pequenos produtores e produtoras, que tem a
oportunidade de ofertar para a sociedade alimentos produzidos dentro de alguns aspectos da
agroecologia e pelo respeito à vida.
Os eixos de construção da feira auxiliam a CDC a contribuir, ainda, para as trocas de
experiências entre as Redes que se encontram durante as formações ofertadas pelas
instituições e organizações que constroem a feira. Além de criar uma relação equilibrada
entre a agricultura e o artesanato, articula um espaço para a visibilidade da importância e do
papel das organizações sociais a serviço da inclusão, dos cuidados com a vida, olhando para
as belezas existentes no sertão.
Podemos analisar que as mulheres estão inseridas na Feira desde a sua organização,
criação e mobilização. As mulheres que estão à frente das produções oferecidas na Feira
fortalecem a agricultura familiar e camponesa, da mesma maneira que encontram na Feira
uma rede de apoio, em parceria com outras mulheres, dentro dos encontros destinados a elas.
Portanto, podemos concluir que a Feira da Agricultura Familiar Economia Popular
Solidária do território Inhamuns/Crateús fortalece a cultura e identidade camponesa, além de
contribuir para a inserção das mulheres no mundo do trabalho, por meio de uma aproximação
entre a Economia Popular Solidária e Feminista. Os espaços de formações voltados para as
mulheres auxiliam na união e no diálogo entre elas. Parafraseando Freire, esse processo de
aprendizagens acontece dentro da boniteza e da alegria que acontece nas dimensões
educativas da feira.
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Universidade Federal do Ceará, Fortaleza.
i
O artigo é fruto de pesquisa desenvolvida pela autora e coautora durante a Especialização em Educação do
Campo junto ao Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Ceará – IFCE. Do mesmo modo,
incorpora vertentes analíticas em torno à atuação política e da prática agroecológica das mulheres camponesas,
em pesquisa mais ampla, intitulada “Mulheres camponesas e indígenas, desenvolvimento sustentável,
agroecologia e a defesa dos territórios no Brasil, México e América Latina”, desenvolvida pela coautora no
marco da Bolsa de Produtividade PQ2/CNPq.
ii
Com o codinome “Praça dos Pirulitos”, atribuído pelos moradores e moradoras da cidade.
iii
Dados extraídos da página oficial da Cáritas. Disponível em: https://caritas.org.br/historia
iv
Dados da página oficial da Cáritas Diocesana de Crateús, disponível em: https://caritasdecrateus.org/
v
As informações apresentadas foram obtidas em entrevista realizada com Erbenia Sousa, coordenadora da
Cáritas Diocesana de Crateús.
vi
Entrevista concedida às autoras.
vii
Erbenia Sousa, coordenadora da CDC.
viii
Dados colhidos em entrevistas.
ix
A CDC compreende por “vocações: artesanato, cultura popular, coletividade”: material produzido pela CDC,
slide apresentado em reunião da organização.
x
Crateús será palco da XV Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária. Disponível em:
https://ifce.edu.br/crateus/noticias/crateus-sera-palco-da-xv-feira-da-agricultura-familiar-e-economia-popular-
solidaria
xi
As barracas solidárias consistem naquelas que são divididas por pessoas cadastras e que se solidarizam com os
produtores e produtoras que se somam em última hora, assim, dividindo os espaços das barracas.
xii
Revista da XV Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária dos Territórios Inhamuns e
Crateús.
xiii
Material utilizado pela Cáritas Brasileira, em formato de slide durante o III encontro de mulheres no
semiárido brasileiro.
xiv
Música: Plantadeira – Minuska (compositora).
xv
Revista da XV Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária dos Territórios Inhamuns e
Crateús.
xvi
A entrevistada se reporta à feira que acontece dentro da própria comunidade.
xvii
Entrevista concedida às autoras.
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 27/08/2021
Aprovado em: 23/11/2021
Publicado em: 30/04/2022
Received on August 27th, 2021
Accepted on November 23th, 2021
Published on April, 30th, 2022
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
Funding
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Martins, Y. V., & Barbosa, L. P. (2022). A participação das mulheres na Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular
Solidária do Território Inhamuns e Crateús – Ceará. Rev. Bras. Educ. Camp., 7, e12924.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12924
ABNT
MARTINS, Y. V.; BARBOSA, L. P. A participação das mulheres na Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária
do Território Inhamuns e Crateús – Ceará. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 7, e12924, 2022.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12924
