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2022
ISSN: 2525-4863
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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12967
Orientações Curriculares para a Educação do Campo no
estado de Mato Grosso: um olhar a partir das Ciências
Naturais
Ilma Ferreira Machado1, Valdenir de Souza Coutinho2
1 Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT. Faculdade de Educação e Linguagem (Facel). Avenida Tancredo Neves,
s/n, Bairro Cavalhada. Cáceres - MT. Brasil. 2 Rede Estadual de Ensino de Mato Grosso.
Autor para correspondência/Author for correspondence: ilma.ferreiramachado@gmail.com
RESUMO. Este artigo busca analisar como o currículo da
Educação do Campo é abordado nas Orientações Curriculares da
Educação Básica do estado de Mato Grosso e de que forma as
proposições teórico-metodológicas apresentadas podem ser
articuladas pelas Ciências Naturais. O estudo pauta-se em uma
concepção de educação crítica e de pesquisa qualitativa, tendo
por base a análise de documentos da Educação do Campo, de
modo especial as Orientações Curriculares para a Educação
Básica de Mato Grosso, seção que trata da Educação do Campo.
Os resultados da pesquisa apontam que as indicações
pedagógicas feitas nas orientações curriculares resguardam as
especificidades das escolas do campo e trazem grandes
contribuições para as Ciências Naturais. É importante que os
projetos político-pedagógicos indiquem temas de estudo e ações
que dialoguem com a realidade do campo e com os saberes
socioculturais, ambientais e produtivos dos trabalhadores rurais,
de modo que as Ciências Naturais possam atuar
significativamente na formação dos estudantes
do campo.
Palavras-chave: educação do campo, ciências naturais,
orientações curriculares, estado de Mato Grosso.
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Curricular Guidelines for Rural Education in the state of
Mato Grosso: a view from the Natural Sciences
ABSTRACT. This article aims to analyze how the rural
education curriculum is approached in the Curricular
Orientations of Basic Education of the state of Mato Grosso and
how the theoretical-methodological propositions presented here
can be articulated by Natural Sciences. The study is guided by a
critical conception of education and by a qualitative research
methodology, based on the analysis of documents on Rural
Education, in particular the Curricular Orientations of Basic
Education of the state of Mato Grosso, in the section where the
question of Rural Education is addressed. The results of the
research show that the pedagogical indications made in the
curricular orientations safeguard the specificities of rural schools
and make great contributions to Natural Sciences. It is important
that the political-pedagogical projects indicate study topics and
actions that dialogue with the reality of the rural world and with
the socio-cultural, environmental and productive knowledge of
rural workers, so that the natural sciences can act significantly in
the formation of the students.
Keywords: rural education, natural sciences, curricular
orientations, state of Mato Grosso.
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Orientaciones Curriculares para la Educación del Campo
en el estado de Mato Grosso: una mirada a partir de las
Ciencias Naturales
RESUMEN. Este artículo se propone analizar la manera en que
el currículo de la educación del campo es abordado en las
Orientaciones Curriculares de la Educación Básica del estado de
Mato Grosso e de qué forma las proposiciones teórico-
metodológicas presentadas pueden ser articuladas por las
Ciencias Naturales. El estudio está pautado por una concepción
crítica de la educación y por una metodología de investigación
cualitativa, teniendo por base el análisis de documentos de la
Educación del Campo, en particular las Orientaciones
Curriculares de la Educación Básica del estado de Mato Grosso,
sección que trata de la Educación del Campo. Los resultados de
la investigación muestran que las indicaciones pedagógicas
hechas en las orientaciones curriculares resguardan las
especificidades de las escuelas del campo y aportan grandes
contribuciones a las Ciencias Naturales. Es importante que los
proyectos político-pedagógicos indiquen temas de estudio y
acciones que dialoguen con la realidad del campo y con los
saberes socioculturales, ambientales y productivos de los
trabajadores rurales, de modo que las ciencias naturales puedan
actuar significativamente en la formación de los estudiantes del
campo.
Palabras clave: educación del campo, ciencias naturales,
orientaciones curriculares, estado de Mato Grosso.
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Introdução
Historicamente, no Brasil, a educação dos trabalhadores rurais não foi prioridade do
estado, ficando à mercê das conveniências do capital (Ribeiro, 2010). A educação rural
começa a ser discutida nas primeiras décadas do século XX, pautando a educação dos
trabalhadores do campo basicamente no sentido da preparação para trabalho na agricultura,
como mão-de-obra (Fernandes & Molina, 2005; Calazans, 1993).
A luta dos movimentos sociais do campo pelo reconhecimento das especificidades da
Educação do Campo, de modo especial, nos últimos vinte anos, contribuiu com a definição de
políticas educacionais - legislação, programas e projetos, voltados para as escolas do campo,
tanto em termos de sua organização e funcionamento, quanto em termos da formação de
educadores para atuar nessa modalidade. Citamos, aqui, o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (PRONERA), instituído em 1998, abrangendo cursos de graduação (a
exemplo do Pedagogia da Terra) e pós-graduação em diversas áreas de conhecimento, em
parceria com universidades brasileiras (Souza, 2008; Molina & Antunes-Rocha, 2014), e o
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
(Procampo).
As resoluções CNE/CEB nº 01/2002 - que define as diretrizes operacionais da educação
básica no campo - e CNE/CEB nº 02/2008 - que estabelece normas e princípios para o
atendimento a essa educação - evidenciam que uma característica essencial da Educação do
Campo é constituir-se a partir da diversa realidade do campo e dos sujeitos que ali vivem e
trabalham. Isso significa construir um Projeto-Político-Pedagógico - PPP, cuja finalidade seja
uma formação de base científica, tecnológica, cultural e humana, que possibilite a
compreensão da realidade dos estudantes, assim como a criação de estratégias de intervenção
crítica, com vistas a potencializar o campo como espaço de vida e produção.
Portanto, as escolas do campo têm autonomia - legalmente respaldada - para definirem
seus PPP’s e, ao mesmo tempo, um compromisso com esta questão, que tem se revelado
bastante desafiadora. Um dos desafios gira em torno da organização e estrutura pedagógica e
de como conceber e desenvolver um currículo adequado às especificidades das escolas do
campo, que considere, problematize e valorize os saberes e os costumes das famílias e dos
educandos do campo.
Neste artigo procuramos analisar como as Orientações Curriculares da Educação Básica
em Mato Grosso pautam a discussão sobre currículo da Educação do Campo e que
proposições teórico-metodológicas remetem ao ensino de Ciências Naturais, que se constitui
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um importante mecanismo de apropriação e construção de conceitos científicos, de
questionamento e explicação das relações homem-natureza no mundo, de exercício da
autonomia do educando e de “posicionamento crítico diante de uma sociedade cada vez mais
tecno-científica” (Almeida, Lachert & Filho, 2015, p. 3).
O presente estudo foi realizado com base em uma abordagem crítica (Gamboa, 1998) e
na metodologia de pesquisa qualitativa (Ludke & André, 2018), considerando o estudo de
documentos que normatizam a Educação do Campo em âmbito nacional - as resoluções nº
01/2002 e nº 02/2008 e o Decreto Federal nº 7.352/2010 - e em âmbito estadual - a resolução
nº 126/2006/MT e as Orientações Curriculares do Estado de Mato Grosso - OC’s, com foco
na seção da Educação do Campo. O procedimento metodológico usado consistiu na leitura
acurada desses documentos e no destaque dos elementos-chave para a compreensão do
assunto. A temática é analisada com o apoio de teóricos da educação, que fornecem elementos
para uma reflexão crítica da Educação do Campo, considerando, sobretudo a questão
curricular e a área de Ciências Naturais.
Educação do Campo: concepções e princípios
Os desejos de mudanças e de valorização dos trabalhadores do Campo, tanto em termos
educacionais, quanto socioeconômicos e culturais, que marcaram as lutas por terra/reforma
agrária nos anos de 1990 e início de 2000, desencadearam ações em defesa da Educação do
Campo (Caldart, 2009b). Questionamentos sobre o tipo de educação destinado aos
trabalhadores do campo apareceram de maneira muito forte, nesse período, impulsionando a
luta por políticas públicas efetivas para o campo e a educação/escola do campo.
O termo “Educação do Campo” surge em 1998, durante a realização da I Conferência
Nacional “Por uma Educação Básica do Campo”, em Luziânia-GO, sob a iniciativa de
diversos movimentos sociais e entidades populares, com destaque para o Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) (Kolling, Ceriolli & Caldart, 2002; Caldart, 2009b).
A identificação dos trabalhadores do campo como camponeses, pertencentes a uma classe
social que se contrapõe aos latifundiários, que são membros da classe burguesa, levou a
repensar o conceito e o sentido de educação rural, que é planejada por agentes externos e na
lógica academicista (Machado, 2009).
A Educação do Campo é aquela pensada e realizada pelos trabalhadores do campo, a
partir de suas necessidades e aspirações. Tem por base um novo conceito de campo,
concebido como espaço de vida e trabalho de milhares de famílias, organizadas na perspectiva
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da produção familiar, solidária e agroecológica e não na exploração dos trabalhadores e nem
na degradação da terra e do meio ambiente (Machado, 2009; Kolling, Ceriolli & Caldart,
2002).
A Educação do Campo desperta o desejo de equidade e valorização do sujeito do campo
(Rosa & Caetano, 2008, p. 23) e é vista de forma diferenciada por movimentos sociais do
campo, organizações não governamentais - ONGs, entidades religiosas, entidades sindicais, e,
principalmente, pelas escolas do campo, que passam a reivindicar propostas educativas que
contemplem as necessidades formativas dos trabalhadores do campo. A luta pela democracia,
pelo reconhecimento do campo como espaço sociocultural, e da identidade dos camponeses,
tem sido permanente e assegurado algumas conquistas, dentre elas referenciamos a aprovação
de decreto-leis e regulamentos que procuram resguardar o direito de as escolas do campo se
organizarem diferenciadamente.
No rol dos dispositivos legais que sustentam a Educação do Campo, é válido
destacarmos a resolução CNE/CEB nº1, de 3 de abril de 2002, que institui as Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo, remetendo à necessidade de se
atentar para a identidade da escola do campo, que, conforme o parágrafo único do artigo 2º, é
definida por:
sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência
e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que
associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país.
A Educação do Campo caracteriza-se pelas interações e diálogos entre diversos agentes
e entidades sociais que buscam compatibilizar ideias e expectativas das famílias e dos
profissionais da educação no sentido da construção de uma escola democrática, equitativa e
que promova, de maneira integrada, uma formação técnica, humana e política. Essa
construção passa pela organização de projeto político-pedagógicos que priorizem aspectos
relacionados às realidades e peculiaridades de vida e trabalho dos estudantes do campo e a um
projeto social de campo, de perspectiva coletiva e emancipadora, que exige acesso à cultura,
aos conhecimentos científicos e aos avanços tecnológicos.
Cabe destacarmos, também, a aprovação da resolução CNE/CEB nº 2/2008, que é
considerada como um dos frutos da II Conferência Nacional Por Uma Educação do Campo,
realizada em 2004, e importante instrumento de consolidação da área. A resolução nº 2/2008
estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de
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políticas públicas de atendimento à Educação Básica do Campo. Essa Resolução reafirma a
diversidade como um dos princípios da Educação do Campo, como, por exemplo, no artigo
sétimo, parágrafo primeiro, ao definir que: “a organização e o funcionamento das escolas do
campo respeitarão as diferenças entre as populações atendidas quanto à sua atividade
econômica, seu estilo de vida, sua cultura e suas tradições” (Brasil, 2008, p. 2), e enfatiza a
necessidade de se promover formação profissional/pedagógica “apropriada à Educação do
Campo e às oportunidades de atualização e aperfeiçoamento com os profissionais
comprometidos com suas especificidades” (Brasil, 2008, p. 2).
A concepção de Educação do Campo que vai se configurando nesse período diferencia-
se substancialmente da concepção de educação rural, que era pensada e organizada sem a
participação dos sujeitos do campo e que, de um modo geral, refletia os interesses dos grandes
proprietários de terras, de proporcionar aos trabalhadores do campo uma formação técnica e
limitada, sustentada em um currículo “importado” das escolas urbanas. A Educação do
Campo procura desmontar essa ideia e afirmar outra lógica de educação, pautada em novo
paradigma. A expressão Educação do Campo:
...identifica também uma reflexão pedagógica que nasce das diversas práticas de educação
desenvolvida no campo e ou pelos sujeitos do campo ... que reconhece o campo como lugar
onde não apenas reproduz, mas também se produz pedagogia, reflexão que desenha traços do
que pode se constituir como um projeto de educação ou de formação dos sujeitos do campo
(Kolling; Cerioli & Caldart, 2002, p. 22).
A Educação do Campo sustenta-se na concepção de educação crítica e emancipadora,
que tem como um dos princípios o reconhecimento das diversidades socioculturais do campo
e o respeito aos sujeitos do campo como pessoas que precisam ser consideradas a partir de
suas aspirações de vida coletiva, seja em acampamentos, assentamentos, pequenos sítios,
entre outros. Trata-se de uma educação que está intimamente ligada à pedagogia do trabalho e
da cultura (Rosa & Caetano, 2008), matrizes pedagógicas a serem contempladas na
construção do PPP das escolas do campo.
A pedagogia do trabalho coloca-se na perspectiva da valorização do trabalho realizado
pelas famílias do campo e do trabalho como princípio educativo.
E o trabalho é princípio educativo porque é através dele que o ser humano produz a si
mesmo, produz a resposta às necessidades básicas, imperativas, como ser da natureza
(mundo da necessidade), mas também e não separadamente às necessidades sociais,
intelectuais, culturais, lúdicas, estéticas, artísticas e afetivas (mundo da liberdade) (Frigotto,
2009, p. 72).
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A pedagogia da cultura insere-se no processo de valorização do conhecimento empírico
dos educandos do campo, como cultura e vivência, fazendo a correlação entre os conteúdos
das disciplinas e a realidade concreta. Isso nada mais é que respeitar os saberes dos
educandos, como afirma Freire (2004). A Educação do Campo é, portanto, uma educação
específica e diferenciada: “educação, no sentido amplo de processo de formação humana que
constrói referências culturais e políticas para a intervenção das pessoas e dos sujeitos sociais
na realidade, visando a uma humanidade mais plena e feliz” (Kolling, Nery & Molina, 1999,
p. 22).
A Educação do Campo tem por finalidade “formar o trabalhador e a trabalhadora rural
para enfrentar os desafios da produção e da sociedade contemporânea, buscando articular o
trabalho cooperativo com relações de equilíbrio e respeito com a terra” (Lima, Amaral &
Machado, 2015, p. 140). Dentro dessa visão apontamos a importância de tomar o currículo
como instrumento que vai além da habilidade cognitiva, e que possibilite desenvolver
habilidades intelectuais e práticas, valores culturais e humanos e múltiplos saberes do
educando.
A escola do campo tem um perfil diferenciado e requer projetos pedagógicos pautados
na complexa realidade do campo e nos diferentes modos de produção das famílias que ali
vivem, de modo a valorizar o trabalho como princípio educativo e como práxis
transformadora. Na constituição das escolas do campo é importante considerar a singularidade
e as especificidades dos sujeitos do campo e eliminar qualquer tipo de discriminação em
relação a eles.
Para pensar uma Educação do Campo deve-se ter noção de quem é a população do campo.
Que tempo as pessoas dispõem, considerando que levantam às 3, 4 ou 5 horas da madrugada
para trabalhar e não tem horas de retorno para descanso. Parcela da população trabalhadora
rural já desejou estudar ou tentou participar de processos de aprendizagem. As tentativas
geralmente são seguidas de evasão por não haver reconhecimento das especificidades da
população da cidade e população do campo quanto às suas possibilidades de tempo e espaço
de vida (Brandão, 2006, p. 41).
Pensar em uma educação dessa forma é respeitar os limites e as potencialidades dos
sujeitos do campo e proporcionar oportunidades de progressão escolar e de formação e
desenvolvimento humano.
No ano de 2010, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou o Decreto nº
7.352/2010, que institui a Política de Nacional de Educação do Campo e o Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária - PRONERA, reafirmando a concepção de Educação do
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Campo expressa nas resoluções 01/2002 e 02/2008 e enfatizando, no artigo segundo, os
princípios da Educação do Campo, dentre os quais ressaltamos:
I – respeito à diversidade do campo...; II – incentivo à formulação de projetos político-
pedagógicos específicos para as escolas do campo ... articulação de experiências e estudos
direcionados para o desenvolvimento social, economicamente justo e ambientalmente
sustentável, em articulação com o mundo do trabalho ...; IV – valorização da identidade da
escola do campo por meio de projetos pedagógicos com conteúdos curriculares e
metodologias adequadas às reais necessidades dos alunos do campo, bem como flexibilidade
na organização escolar ...
Os princípios expressos no Decreto 7.352/2010 evidenciam a preocupação com um
projeto de campo pautado no desenvolvimento socioambiental e economicamente justo e
sustentável, articulado à cultura e ao mundo do trabalho do agricultor familiar e do camponês.
Trata-se de um projeto de campo e sociedade, que se entrelaça com o projeto de Educação do
Campo.
A Política Nacional de Educação do Campo, embora ainda bem inicial, passa a
repercutir nos estados e municípios brasileiros, que se põem a pensar a Educação do Campo
em suas localidades. Mato Grosso figura como um dos primeiros estados a estruturar uma
política de Educação do Campo: constituiu uma coordenadoria gestora para essa área,
aprovou a Resolução CEE/MT, nº 126/2003, que institui as Diretrizes Operacionais para a
Educação Básica do Campo no sistema estadual de ensino de Mato Grosso, inseriu essa
modalidade no Plano Estadual de Educação, e elaborou Orientações Curriculares voltadas
para as escolas do campo, entre outras ações.
No tópico seguinte abordaremos as principais proposições curriculares para a Educação
do Campo no âmbito das Orientações Curriculares da Educação Básica do estado de Mato
Grosso. E, em seguida, analisaremos como as Orientações dialogam com a área de Ciências
Naturais.
As Orientações Curriculares da Educação do Campo do Estado de Mato Grosso
De acordo com estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE), o Estado de Mato Grosso possuía, em 2010, cerca de 3.035.122 habitantes, dos quais
552.321 residiam em áreas rurais. São os povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos,
assentados da reforma agrária, agricultores familiares e camponeses; enfim, trabalhadores de
áreas urbanas e rurais, com acesso ou não à propriedade da terra.
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Preocupado em atender às diversidades do estado de Mato Grosso, no ano de 2010, a
Secretaria de Estado de Educação - Seduc promoveu a discussão e formulação das
Orientações Curriculares da Educação Básica, que foram sistematizadas em forma de
coletânea. A base epistemológica da coletânea é o trabalho como práxis, e o princípio
pedagógico é a busca pela superação da divisão entre trabalho manual e intelectual,
entendidos como “dimensões que se articulam dialeticamente para constituir a práxis
humana” (Mato Grosso, 2010, p. 9). Isso significa que “educação não pode ser ofertada de
forma desigual em função da origem de classe dos alunos, desenvolvendo projetos que
formem para o exercício de funções intelectuais ou operacionais” (idem). As orientações
ancoram-se em uma concepção de formação humana e emancipatória (Mato Grosso, 2010),
formulada de modo a integrar todos os saberes, articulando formação científica, tecnológica
e cultural, com vistas a superar a ruptura historicamente determinada entre uma escola que
ensine a pensar através do domínio teórico-metodológico do conhecimento, socialmente
produzido e acumulado e, uma escola que ensine a fazer, através da memorização de
procedimentos e do desenvolvimento de habilidades psicofísicas (Mato Grosso, 2010, p. 16).
Com base nesses pressupostos, o currículo é concebido em seus fundamentos teórico-
práticos e “princípios científicos e linguagens das diferentes tecnologias que caracterizam o
processo de trabalho contemporâneo, em suas relações com a cultura ...” (Mato Grosso, 2010,
p. 23), pautando-se em um método de conhecimento em movimento, e não estático ou como
mera contemplação da realidade. O processo de produção do conhecimento é compreendido,
portanto, “como resultante da relação entre o homem e as relações sociais em seu conjunto,
através da atividade humana” (Mato Grosso, 2010, p. 29), do trabalho mediado pela
linguagem - língua, matemática, artes, informática, entre outros.
O documento Orientações Curriculares para a Educação Básica do Estado de Mato
Grosso está organizado em cinco volumes: Concepções; Área de Linguagens, Área Ciências
da Natureza e Matemática, Área de Ciências Humanas, e Orientações Curriculares das
Diversidades Educacionais. O volume das “Orientações Curriculares das Diversidades
Educacionais” - que possui o maior número de páginas, engloba: educação em direitos
humanos, gênero e diversidade sexual; educação ambiental; educação das relações
etnicorraciais; Educação do Campo; educação quilombola; educação de jovens e adultos -
EJA; e educação escolar indígena.
No presente estudo nos detemos nas orientações curriculares para a modalidade da
Educação do Campo, fruto de estudos e discussões com educadores e assessores pedagógicos
de diversas regiões do estado de Mato Grosso. Conforme expresso na apresentação, “as
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orientações refletem uma das conquistas dos profissionais da educação e dos movimentos
sociais que contribuem no sentido de que a “diversidade” seja pauta de prioridade da
Secretaria do Estado de Educação” (Mato Grosso, 2010, p. 13).
O documento Orientações Curriculares para a Educação do Campo objetiva apontar
indicativos para a “construção das práticas pedagógicas da Educação no/do Campo,
contextualizadas com aspectos históricos da questão agrária brasileira e do processo
constitutivo da Educação do Campo no Brasil e no estado de Mato Grosso” (Mato Grosso,
2010, p. 109). Frisa a necessidade de se compreender que a escola do campo se constitui
mediante “uma profunda relação entre a agricultura e a vida camponesa” e que “este
entrelaçamento contribui para a melhoria das realidades vivenciadas pelos povos do campo”
(Mato Grosso, 2010, p. 109).
Os jovens do campo e suas famílias têm na agricultura familiar o modo predominante
de produzir a sua existência (Machado, 2009; Ribeiro, 2010) com a criação de animais de
pequeno porte, plantação e comercialização de verduras e frutas, extrativismo, e agroindústria,
com o beneficiamento de alguns produtos. Porém, o campo é marcado por relações
contraditórias e por uma grande desigualdade social, e os agricultores familiares vivenciam
“condições insuficientes - de terra, maquinários, insumos” (Vendramini, 2004, p. 7) para
manterem sua unidade familiar. O avanço do agronegócio e a redução dos financiamentos
para a agricultura familiar colocam em risco o modo de organização e produção desses
trabalhadores rurais. Por isso, é importante fortalecer a agricultura familiar e democratizar o
acesso à terra - reforma agrária popular.
As dimensões da agricultura e vida camponesa sedimentam a identidade do povo do
campo, indicando a necessidade de se pensar em um PPP que atenda essas especificidades, e
que seja construído de forma coletiva e participativa: pais, educandos, profissionais e
comunidade escolar como um todo, de maneira que a realidade local seja considerada e a
identidade da escola resguardada. A construção do PPP das escolas do campo “representa
possibilidade de múltiplas aprendizagens, pois permite diálogo entre os saberes diversos e as
ciências” (Mato Grosso, 2010, p. 109). Neste sentido, é importante pensarmos a organização
curricular de forma integrada e problematizadora que possibilite questionar e refletir sobre a
realidade concreta de educandos e educadores, avançando da teorização à prática e vice-versa.
Para Lima (2013), o processo de construção do currículo deve estar para além da
dinâmica de seleção e organização dos conteúdos, voltando-se principalmente para a
redefinição do papel da escola. Os conteúdos não podem ser pensados como verdades
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absolutas e neutras, mas como saberes históricos e culturais construídos socialmente,
passíveis de serem questionados e confrontados com as experiências dos alunos, o que
favorece a produção de novos conhecimentos. Atentar-se a essas questões contribui para que a
escola do campo atue com vistas à redução das desigualdades educacionais, resguardando “as
especificidades de aprendizagens e metodologias considerando a realidade e necessidade do
povo mato-grossense” (Mato Grosso, 2010, p. 13).
A escola não pode ficar alheia à realidade de trabalho e cultura dos trabalhadores do
campo, caso contrário, cairá na velha prática de educação bancária (Freire, 1981). Por isso, o
currículo, como eixo integrante do PPP, precisa dialogar com essa realidade no sentido de
analisá-la mais profundamente, de ajudar a buscar soluções para os problemas que afligem as
comunidades rurais e de contribuir para potencializar a produção e a geração de renda, que
permitem que milhares de jovens e seus familiares sustentem sua existência e projeto de vida.
O currículo é sustentado por um princípio ético de respeito aos saberes dos educandos e
educadores de forma a atender às necessidades da sociedade atual, com destaque para as
necessidades e demandas dos sujeitos do campo (Caldart, 2009). É eixo motriz da prática
pedagógica, na qual se estabelecem relações de diálogo e compromisso com o ensino e a
aprendizagem, em uma perspectiva de formação integral.
O currículo, como projeto baseado num plano construído e ordenado, relaciona a conexão
entre determinados princípios e uma realização dos mesmos, algo que se há de comprovar e
que nessa expressão prática concretiza seu valor. É uma prática na qual se estabelece um
diálogo, por assim dizer, entre agentes sociais, elementos técnicos, alunos que reagem frente
a ele, professorem que o modelam etc. (Sacristán, 2000, p. 16).
A escola do campo, com sua configuração pensada coletivamente, com base nos
princípios apontados nos parâmetros legais e pelos teóricos da Educação do Campo, não se
restringe à sala de aula, mas se expande-se em uma práxis educativa ao entorno da escola e à
comunidade/assentamento. Isso favorece a realização de atividades pedagógicas dinâmicas e
críticas.
As OC’s, seguindo os princípios da resolução CNE/CEB nº01/2002, apresentam
indicativos para o ensino destinado aos filhos dos trabalhadores do campo, oportunizam
construir propostas pedagógicas que consigam dialogar com a realidade de cada espaço –
assentamento da reforma agrária e pequenas comunidades rurais. Elas têm os educadores e os
educandos como sujeitos ativos, uma vez que
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... é a partir de seus desafios e esperanças que se podem construir propostas educacionais que
se enlaçam, não por suas carências e fracassos, mas pelo desejo de projetar sonhos ancorados
no gosto pela busca de igualdade construída nas diferenças e conflitos... vale ressaltar que
são propositivas que só podem fazer parte da “realidade”, com o poder inventivo e criativo
daqueles que acreditam na utopia e no poder de “ser mais” ... (Mato Grosso, 2010, p. 109-
110).
Compete ao poder público garantir as condições de funcionamento das escolas do
campo, e à comunidade escolar se articular na busca de estratégias e mecanismos para o pleno
funcionamento das escolas. Essa prática propiciará que a participação e o protagonismo dos
sujeitos do processo educativo se efetivem.
As OC’s propõem uma organização curricular com base em Temáticas Pedagógicas a
serem trabalhadas pelas escolas do campo, entendendo-as como “propostas reflexivas
consideradas fundamentos, das muitas que poderão ser construídas com a aliança entre
pesquisa, estudo de realidades, diagnóstico problematizador, leituras e experiências
pedagógicas” (Mato Grosso, 2010, p. 123). Por meio das Temáticas Pedagógicas poderão
ocorrer ações que favoreçam a consolidação de práticas pedagógicas já em andamento,
porém, ainda, invisibilizadas em diversos espaços do campo, bem como a criação de
“horizontes de possibilidades, que tanto podem corroborar para superar conceitos pré-
moldados, como potencializar saberes que reafirmam as identidades dos sujeitos do campo”
(Mato Grosso, 2010, p. 122).
São quatro as Temáticas Pedagógicas apontadas nas Orientações Curriculares da
Educação do Campo/MT: Construção da Cidadania, Terra e trabalho; Os povos do campo:
identidades, lutas; e Sociedades Sustentáveis. Tais temáticas procuram valorizar elementos e
dimensões da realidade do campo, como podemos constatar na descrição a seguir:
“Construção da Cidadania” compreende questões relacionadas ao respeito à
singularidade dos povos do campo e aos direitos humanos e sociais - acesso ao crédito,
assistência técnica e jurídica, transporte e escoamento de produção, comercialização, saúde,
educação, moradia, saneamento básico, combate e erradicação ao trabalho escravo e infantil,
acesso às tecnologias da informação e comunicação; valorização do trabalho coletivo -
comunitário e escolar, do cooperativismo, e da socioeconomia solidária (Mato Grosso, 2010).
“Terra e trabalho” remetem à abordagem de questões relacionadas à luta pela terra, pela
vida e trabalho; trabalho no campo; agricultura familiar
i
e agricultura camponesa
ii
, relações
entre terra, trabalho e capital, o trabalho solidário e coletivo, entre outras questões. Essa
temática pode contribuir “com o entendimento de como se deu a propriedade da terra, bem
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como o processo histórico da reforma agrária” (Mato Grosso, 2012) no Brasil e em Mato
Grosso, possibilitando, ainda, aprofundar a compreensão do trabalho como atividade humana.
A temática “Os povos do campo: identidades, lutas e organizações” trata de questões
como reconhecer, ressignificar e reafirmar a diversidade sociocultural dos povos que vivem
no campo - quilombolas, indígenas, ribeirinhos, agricultores familiares, etc. Revela o
sentimento de pertencimento e identidade dos sujeitos do campo, a terra e os territórios como
valor coletivo, espiritual e cultural.
“Sociedades Sustentáveis” envolve reflexões e estudos sobre a dimensão sociopolítica
da sustentabilidade. Isso passa pelo respeito a todas as formas de vida e ao meio existente no
ecossistema, pela solidariedade dos povos do campo, pelo fortalecimento das lutas e formas
de organização dos povos do campo, e das práticas de participação e relações de poder
democráticas.
As Temáticas Pedagógicas podem ser articuladas em diferentes áreas de conhecimento
e, ainda, incorporar outras, conforme a realidade e necessidade das escolas. O objetivo central
é resguardar o compromisso com a política pública da Educação do Campo e com a formação
integral do sujeito, respeitando o campo como espaço de vida e de relações vividas, suas
culturas, os movimentos sociais, e as identidades locais. Cabe às escolas do campo definirem
seus PPP considerando essas temáticas pedagógicas, e inserindo outras, conforme demandado
pela realidade de cada uma delas.
As temáticas propostas pelas OC’s são inovadoras, dinâmicas e contextualizadas, e
levam em conta questões da atualidade nacional e local. É um desafio trabalhar com essas
temáticas pedagógicas, que necessitam ser epistemologicamente bem compreendidas, até
mesmo para que se definam as metodologias mais apropriadas. Como suporte às práticas
educacionais indicadas, as Orientações Curriculares propõem “estratégias metodológicas
centradas na pesquisa e experimentação como processo de ensino-aprendizagem, tendo a
observação e imitação da natureza como referências, tomando a cooperação como princípio
ético” (Mato Grosso, 2012, p. 88). Entre as iniciativas metodológicas apontadas estão:
pedagogia da alternância; complexo temático; pedagogia de projetos; temas geradores e
pesquisação.
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Possíveis diálogos entre as Orientações Curriculares da Educação do Campo e as
Ciências Naturais
O Ensino de Ciências Naturais tem grande relevância no desenvolvimento pessoal,
contribuindo para a compreensão e manutenção das relações econômicas, sociais e culturais
das pessoas no mundo (Coutinho, 2019, p. 49), concebendo os fenômenos para além da mera
aparência.
Ao estudar Ciências, as pessoas aprendem a respeito de si mesmas, da diversidade e dos
processos de evolução e manutenção da vida, do mundo material – com os seus recursos
naturais, suas transformações e fontes de energia –, do nosso planeta no Sistema Solar e no
Universo e da aplicação dos conhecimentos científicos nas várias esferas da vida humana
(Brasil, 2017, p. 321).
De acordo com a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, uma das atribuições das
Ciências é assegurar “o acesso à diversidade de conhecimentos científicos produzidos ao
longo da história, bem como a aproximação gradativa aos principais processos, práticas e
procedimentos da investigação científica” (Brasil, 2017, p. 319). Assim, cabem aos
professores de Ciências empreender experimentos e investigações a partir dos problemas reais
da vida dos estudantes (Lorenzetti & Delizoicov, 2001).
Diante dessa concepção de “Ciências Naturais” compreendemos a importância de se
contemplar, no PPP da escola, as proposições das OC’s, que abrigam diversas temáticas
ligadas às atividades do campo, como por exemplo: agricultura familiar, agroecologia,
ecologia, educação ambiental, estudo da luta pela terra e pela vida, entre outros que guardam
profunda relação com as Ciências Naturais.
É plenamente viável vincular as Temáticas Pedagógicas indicadas pelas OCs -
Construção da cidadania, Terra e trabalho, Povos do Campo e Sociedade Sustentável ao
planejamento de Ciências Naturais. Além disso, é possível desenvolver atividades
pedagógicas, em sala de aula e em outros espaços, utilizando metodologias diversas, tendo
por princípio a interdisciplinaridade e a pesquisa e o estudo do meio
iii
.
É importante que os professores de Ciências Naturais sejam orientados pela escola a
elaborarem seus planos de ensino com base nas OCs/MT; a formação continuada pode
contribuir nesse sentido. É possível haver estudo, organização e distribuição dos objetivos de
aprendizagem por ciclo de formação humana, como também, por componente curricular, de
modo especial em relação a Ciências Naturais, com metodologias e estratégias que atendam
os educandos em suas respectivas realidades. As Orientações sugerem trabalhar com estudo
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do meio, projetos pedagógicos, temas geradores, pedagogia da alternância, que, mais do que
metodologias, constituem-se em formas de organizar/desenvolver o currículo.
Ciências Naturais não é mera coadjuvante nesse processo, podendo constituir-se como
articuladora da maioria das proposições curriculares apresentadas para a Educação do Campo,
tanto por meio das OCs, quanto das demais resoluções específicas. É o que se evidencia neste
trecho das OCs, que versa sobre a agroecologia, na temática Sociedades Sustentáveis:
A Escola do Campo pode, sobretudo, criar alternativas acessíveis e aplicáveis à vida
camponesa, como por exemplo: captação de energia solar; formas de armazenamento de
água; criação de microclima com quebra-vento; minhocário; produção de composto-orgânico
e sistemas agroflorestais com cultivo de plantas frutíferas, medicinais e ornamentais; coletas-
armazenamento-partilha de sementes tradicionais ou crioulas, entre tantas outras (Mato
Grosso, 2010, p. 130).
A partir dessa dinâmica de organização curricular e das Temáticas Pedagógicas
apontadas pelas Ocs/MT, incluindo sugestão de atividades pedagógicas, identificam-se ricas
possibilidades de as Ciências Naturais articularem os conteúdos escolares e a realidade dos
educandos do campo. Tudo isso, em uma perspectiva de integração com outras áreas de
conhecimentos e de construção crítica e coletiva do conhecimento.
No contexto da diversidade socioeconômica e cultural do estado de Mato Grosso e dos
ecossistemas que abriga, é extremamente pertinente que cada escola tente mapear ou fazer
uma espécie de inventário da realidade com o objetivo de “identificar as fontes educativas do
meio” (Freitas, 2010, p. 168), servindo, também, para apontar as potencialidades, emergências
e urgências. Para além de uma mera constatação, esse inventário contribuirá para que a escola
se pergunte qual é a centralidade social (Dalmagro, 2010) dessas questões na vida dos
estudantes e de suas famílias e o que é possível fazer diante da situação diagnosticada.
Em uma realidade marcada pelo agronegócio e pela monocultura, produção em larga
escala e com uso de agrotóxicos, quais são os impactos ambientais e econômicos? Em relação
à agricultura familiar, de que forma o uso de agrotóxicos tem sido abordado e quais os
impactos dessa forma de produção para as pessoas do entorno da escola? Como são
produzidos os alimentos que chegam à mesa dos trabalhadores rurais e à merenda escolar,
quem produz e que tipo de alimentos são produzidos? Há produção agroecológica, onde e
como ela é praticada? Como está a questão hídrica na comunidade local? Há projetos ou
programas de proteção às nascentes dos rios? Por fim, cabe pensar que projetos e atividades
de estudo e pesquisa a escola pode promover para compreender melhor e intervir nessa
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realidade, concebendo a ciência como instrumento imprescindível para isso, e os
trabalhadores do campo como interlocutores importantes nesse processo.
O ambiente natural do campo constitui espaço vivo de aprendizagem a ser explorado
pelas Ciências Naturais, favorecendo a realização da pesquisa, a relação com o mundo do
trabalho e entre teoria e prática, contribuindo, assim, com a formação dos estudantes das
escolas do campo numa perspectiva integral (Machado, 2009; Frigotto; Ciavatta & Ramos,
2005). Colocar o currículo em prática não é tarefa fácil. É necessário haver investimento na
formação dos educadores, na organização estrutural das escolas e em políticas educacionais
que busquem fortalecer a práxis pedagógica nas escolas do campo.
As Oc’s evidenciam o compromisso com a democracia e a participação dos diferentes
sujeitos do campo no processo de estruturação de um projeto de escola. Apresentam, também,
a preocupação com a formação profissional do educador para lidar, crítica e respeitosamente,
com as diferenças e atender às políticas de igualdade e de acesso e permanência na Educação
do Campo.
Considerações finais
Neste texto refletimos sobre a importância das propostas especificas para Educação do
Campo que aparecem no âmbito das Orientações Curriculares das Diversidades do Estado de
Mato Grosso, como também sobre a relação dessas propostas com as Ciências Naturais.
Constatamos que as Temáticas Pedagógicas e ações metodológicas sugeridas pelas OC’s
revelam grandes possibilidades de realização interativa por parte deste componente curricular.
A Educação do Campo, como enfatizam Kolling, Nery e Molina (1999), é uma
educação específica e diferenciada, no sentido amplo de processo de formação humana, que
constrói referências culturais e políticas para a intervenção das pessoas, como sujeitos sociais,
na realidade. As OC’s/MT também apontam para essa ideia quando lembram, por exemplo,
que as Temáticas Pedagógicas são proposições abertas e que cabe agregar a elas “reflexões
que permitem compreender o ser no mundo, este compreendido como parte intrínseca da
natureza, onde a essência é o elemento fundamental para a compreensão da existência” (Mato
Grosso, 2010, p. 87).
É nessa perspectiva que afirmamos que as Orientações Curriculares para as escolas do
campo constituem-se em instrumento político-pedagógico fundamental para o processo de
formação dos sujeitos do campo, respeitando suas especificidades e construindo
possibilidades de aprendizados significativos e de uma vida digna e feliz para crianças, jovens
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e adultos que ali vivem. Como afirmam as OC’s, sustentando-se no Plano Estadual de
Educação de Mato Grosso, “o campo precisa ser compreendido como um espaço de vida e de
relações vividas e, ao mesmo tempo, produto e produtor de cultura” (Mato Grosso, 2010, p.
81). As Ciências Naturais constituem-se em um componente curricular fundamental para a
problematização e compreensão da realidade física e natural, podendo apontar elementos que
contribuam para a melhoria das condições de vida e trabalho dos sujeitos que vivem do/no
campo.
As proposições curriculares contidas nas OC’s, mais do que potencialidades de trabalho
educativo, revelam demandas urgentes das Ciências Naturais nas escolas do campo, uma vez
que esta pode se constituir como um polo irradiador das ações pedagógicas ali desenvolvidas.
Mas, junto com isso, revela também os desafios enfrentados pelas escolas, sobretudo, na área
de Ciências Naturais, para implementar proposições curriculares, incluindo-se as temáticas
pedagógicas e as metodologias indicadas, uma vez que falta a muitos professores maior
familiaridade com essa forma de trabalho e maior conhecimento e vivência da Educação do
Campo, segundo os pressupostos teórico-metodológicos e embasamento legal destacados ao
longo desse artigo. Arroyo (2007) enfatiza a necessidade de formação continuada que
possibilite aos profissionais da escola do campo, conhecer e se comprometerem com a
realidade das populações rurais, tendo sempre presente a diversidade de cultura, saberes e de
formas de vida no campo. Isso possibilita a realização de um trabalho pedagógico mais
coerente e afinado com a realidade das escolas do campo.
Há, também, uma alta rotatividade do quadro de profissionais da educação dessas
escolas, que, em sua maioria, é formado por pessoal não concursado/efetivo, portanto, sem
estabilidade funcional (Coutinho, 2019). Somam-se a isso outras dificuldades: estrutura física
precária, estradas de difícil acesso, falta de um quadro profissional efetivo, cortes de recursos
financeiros etc. Todos estes problemas obstaculizam a efetivação da política pública em
Educação do Campo, que se faz em articulação com outros setores do poder público, e com
aporte do poder público; se essa articulação falha, as políticas para o campo e a Educação do
Campo ficam fragilizadas.
Urgem, portanto, ações coletivas de sujeitos com visão transformadora e determinação
para resistir à destruição das políticas públicas. Isso implica na adesão de educadores,
educandos, agricultores familiares, poder público e movimentos sociais, imbuídos do desejo e
compromisso com a concretização de uma educação em favor da formação humana
emancipadora para os trabalhadores e as trabalhadoras do campo.
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 30/08/2021
Aprovado em: 23/11/2021
Publicado em: 30/04/2022
Received on August 30th, 2021
Accepted on November 23th, 2021
Published on April, 30th, 2022
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Machado, I. F., & Coutinho, V. S. (2022). Orientações Curriculares para a Educação do Campo no estado de Mato Grosso:
um olhar a partir das Ciências Naturais. Rev. Bras. Educ. Camp., 7, e12967. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12967
ABNT
MACHADO, I. F.; COUTINHO, V. S. Orientações Curriculares para a Educação do Campo no estado de Mato Grosso: um
olhar a partir das Ciências Naturais. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 7, e12967, 2022.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12967
