Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12971
Tocantinópolis/Brasil
v. 6
e9057
10.20873/uft.rbec.e9057
2021
ISSN: 2525-4863
1
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A Licenciatura em Educação do Campo no estado de
Goiás: olhares dos egressos sobre os múltiplos
aprendizados na formação do educador do campo na UFG
e UFCat
Heloisa Vitória de Castro Paula
1
, Alessandra Gomes de Castro
2
1
Universidade Federal de Catalão - UFCat. Faculdade de Educação. Avenida Dr. Lamartine Pinto de Avelar, n. 1120, Setor
Universitário. Catalão - GO. Brasil.
2
Universidade Federal de Goiás - UFG.
Autor para correspondência/Author for correspondence: heloisavitoria@ufcat.edu.br
RESUMO. O estudo ora proposto tem como foco a discussão
sobre a Educação do Campo, bem como os princípios teóricos e
pedagógicos que balizaram os cursos de Licenciatura em
Educação do Campo no estado de Goiás durante a
implementação dos mesmos. O objetivo deste trabalho é
apresentar os olhares dos egressos do curso de Licenciatura em
Educação do Campo sobre o processo da sua formação e a
apropriação dos conceitos acadêmicos e políticos da Educação
do Campo dentro dos dois cursos pesquisados. Para alcançar os
objetivos da pesquisa foram utilizadas a pesquisa teórica, a
pesquisa documental e a pesquisa de campo. A partir da
aplicação de questionário com questões abertas e fechadas foi
possível evidenciar elementos sobre a percepção dos alunos a
respeito do seu processo formativo no curso e os
desdobramentos em sua atuação profissional. A subjetividade
dos olhares dos egressos nos leva a refletir sobre a importância
do curso de Licenciatura em Educação do Campo para além da
universidade, tendo em vista os avanços e os retrocessos que nos
limitam no espaço institucional da Educação do Campo.
Observamos que há um consenso de que a proposta em ambas as
universidades foi capaz de promover uma formação pautada na
conscientização do papel destes alunos em suas comunidades,
sendo agentes de mudança em suas comunidades.
Palavras-chave: licenciatura em educação do campo, egressos,
formação de professores.
Paula, H. V. C., & Castro, A. G. (2021). A Licenciatura em Educação do Campo no estado de Goiás: olhares dos egressos sobre os múltiplos aprendizados na
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The Degree in Rural Education in the state of Goiás:
graduates’ views on the multiple learned in the training of
countryside educators at UFG and UFCat
ABSTRACT. The study proposed here focuses on the
discussion of Rural Education, as well as the theoretical and
pedagogical principles that guided the Licentiate Degree in
Rural Education courses in the state of Goiás during their
implementation. The objective of this work is to present the
views of the graduates of the course on the process of their
formation and the appropriation of academic and political
concepts of Rural Education within the two courses. To achieve
the research objectives, theoretical research and documentary
research were used and field research. From the application of a
questionnaire with open and closed questions that brought
elements about the students' perception about their training
process in the course and the consequences in their professional
performance. The subjectivity of the graduates' views leads us to
reflect on the importance of the Licentiate Degree in Rural
Education course beyond the university, in view of the advances
and setbacks that limit us in the institutional space of Rural
Education. Anyway, there is a consensus that training at both
universities was able to promote training based on awareness of
the role of these students in their communities, being agents of
change in their communities.
Keywords: degree in rural education, graduates, teacher
training.
Paula, H. V. C., & Castro, A. G. (2021). A Licenciatura em Educação do Campo no estado de Goiás: olhares dos egressos sobre os múltiplos aprendizados na
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El Grado en Educación de Campo en el estado de Goiás:
opiniones de los egresados sobre los múltiples aprendidos
en la formación de educadores de campo en UFG y UFCat
RESUMEN. El estudio que aquí se propone se centra en la
discusión de la Educación Rural, así como los principios
teóricos y pedagógicos que guiaron los cursos de la Licenciatura
en Educación Rural en el estado de Goiás durante su
implementación. El objetivo de este trabajo es presentar las
opiniones de los egresados del curso sobre el proceso de su
formación y la apropiación de los conceptos académicos y
políticos de la Educación Rural dentro de los dos cursos. Para
lograr los objetivos de la investigación, se realizaron
investigaciones teóricas y documentales utilizados e
investigación de campo. A partir de la aplicación de un
cuestionario con preguntas abiertas y cerradas que aportaron
elementos sobre la percepción de los estudiantes sobre su
proceso de formación en el curso y las consecuencias en su
desempeño profesional. La subjetividad de la mirada de los
egresados nos lleva a reflexionar sobre la importancia de la
carrera de Licenciatura en Educación Rural más allá de la
universidad, ante los avances y retrocesos que nos limitan en el
espacio institucional de la Educación Rural. De todos modos,
existe consenso en que la formación en ambas universidades fue
capaz de promover una formación basada en la conciencia del
rol de estos estudiantes en sus comunidades, siendo agentes de
cambio en sus comunidades.
Palabras clave: licenciatura en educación rural, graduados,
formación de profesores.
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Introdução
No decorrer do processo de
institucionalização nas Instituições de
Ensino Superior (IES), os cursos de
Licenciatura em Educação do Campo
(LEdoC) têm assumido um importante
papel no fortalecimento da Educação do
Campo nos territórios camponeses. Ao
passo que vêm contribuindo de forma
veemente para ampliar o debate sobre a
importância de se reconhecer que a
Educação do Campo não pode ser
compreendida apartada da realidade
concreta dos sujeitos e do contexto político
e social da luta pela terra, pela vida, por
direitos, entre outros.
Uma digressão histórica permite
entender que a Educação do Campo
emergiu dentro do Movimento dos
trabalhadores rurais Sem Terra (MST) e
transcendeu os anseios do mesmo por uma
educação para os assentados e os
acampados da Reforma Agrária. Com o
passar do tempo, ao reconhecerem que a
luta não era somente dos “sem terra”,
outros sujeitos, movimentos e instituições
agregaram força para garantir uma política
pública de educação para o campo que
contemplasse os saberes e fazeres próprios
dos povos do campo. Destarte, ao longo
da história, a Educação do Campo vem se
materializando para além da prática
pedagógica. Isto é, ao se territorializar
busca romper com as cercas do latifúndio,
do capital e da ignorância (Stédile &
Fernandes, 2012).
O MST foi um dos principais
interlocutores das lutas sociais do campo
nas últimas décadas e fez da Educação uma
de suas pautas, transformando as práticas
pedagógicas dos assentamentos em um
projeto de educação para o campo. O
projeto educacional que se iniciava
reconhecia para além do direito à escola,
uma educação construída com os sujeitos,
bem como a importância da formação de
professores.
O reconhecimento do projeto
educacional do Setor de Educação do MST
encorajou a realização do I Encontro de
Educadores e Educadoras da Reforma
agrária (ENERA), que aconteceu em 1997
e ganhou visibilidade interna e externa
proporcionada pelo prêmio da UNESCO
(MST, Boletim n. 9, 2004).
Nesse ínterim, a partir do ENERA,
inicia-se a articulação para a Conferência
Nacional “Por uma Educação Básica do
Campo”, que aconteceu em Luziânia (GO)
de 27 a 31 de julho de 1998, “... precedida
por Seminários estaduais, com o apoio em
um texto-base e nas experiências
concretas, ela constituiu um processo
unindo muitos parceiros na sua animação.”
(Arroyo & Fernandes, 1999, p. 8).
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Devido à seriedade com que o MST
havia assumido esse projeto de educação,
várias instituições se agregaram à luta, de
forma que a Educação do Campo não
pertencia mais somente ao movimento,
gradativamente ela deixava os
assentamentos e ganhava espaço dentro de
outras instituições que tinham as suas
atuações pautadas na garantia dos direitos
humanos e sociais. Diante disso, na
realização da Conferência Nacional foi
possível reunir o próprio MST, a
Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), o Fundo das Nações Unidas para
a Infância (UNICEF), a Organização das
Nações Unidas para a Educação e Cultura
(UNESCO) e a Universidade de Brasília
(UNB).
A Educação do Campo ganha então
um novo olhar, deixa de ser vista como
educação rural ou educação para o meio
rural e passa a ser reconhecida como um
projeto educativo legítimo, pensado para
os sujeitos do campo. Para o Setor de
Educação do MST, a Educação do Campo
primeiro se fez prática, para depois se
constituir como um conceito de uma
Educação que defende o direito de uma
população de se educar e de pensar o
mundo a partir do lugar em que vive
(MST, Boletim n. 09, 2004).
Para sustentar esse projeto de
Educação era preciso formar educadores
do campo capazes de realizar uma
educação que rompesse com o que o
movimento via como a lógica capitalista
imposta nas escolas, e se pautar em uma
matriz formativa que se atentasse para o
indivíduo em sua integralidade, sem se
fundamentar somente na formação
intelectual, mas também na formação
humana dos sujeitos.
Neste contexto, os movimentos
conquistaram o direito à educação básica
aliada à formação docente em nível
superior em consonância com a realidade e
as lutas do campo. Sendo que as primeiras
experiências de formação superior para as
educadoras e os educadores que atuavam
nas escolas dos acampamentos e
assentados da reforma agrária aconteceram
em 1998 no Rio Grande do Sul, momento
em que foi ofertado um curso intitulado
“Pedagogia da Terra”, que contou com
educandos advindos de todo Brasil. No ano
seguinte, esse curso espalhou-se para
outros Estados brasileiros (Ribeiro, 2004).
Para Castro (2020), a oferta desse
curso foi um marco na história da
formação de professores do campo. A
começar pelo fato de ser o primeiro curso
cuja organização e gestão foram realizadas
por duas coordenações: uma composta por
membros da universidade e outra por
representantes do MST. Outro aspecto
refere-se à organização curricular, que diz
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respeito à organização curricular
estruturada com a Pedagogia da
Alternância
i
, desenvolvida em dois tempos
educativosformativos: Tempo Escola (TE)
realizado na instituição de ensino e
Tempo Comunidade (TC) desenvolvido
nas comunidades de origem dos
educandos. Para Caldart et al (2013),
... a relação entre Tempo Escola (TE)
e Tempo Comunidade (TC) é uma
forma de afirmar a escola como
espaço de formação conectado com a
comunidade e com a organização
coletiva e a luta social, seja na
relação com a base acampada e
assentada, seja na participação nas
lutas nacionais e internacionais dos
trabalhadores. É essa materialidade
que nos permite ir além da
escolarização e da formação técnica
(p. 139).
A organização do curso em
alternância contribuiu para fortalecer as
escolas dos acampamentos e dos
assentamentos, bem como a luta por uma
educação própria do campo. Isso porque,
para ingressar na Pedagogia da Terra, os
candidatos deveriam pertencer às áreas da
Reforma Agrária ou ter alguma ligação
com os movimentos ou organizações
sociais do campo (Castro, 2020).
No que se refere à educação, o ano
de 1998 foi um marco para a conquista dos
povos do campo, haja vista que, para além
dos acontecimentos supracitados, ocorreu
também a criação do Programa Nacional
de Educação na Reforma Agrária
(PRONERA) vinculado ao Ministério do
Desenvolvimento Agrário, o que
impulsionou o trabalho com os cursos
formais e ampliou as discussões para uma
política de formação de educadores do
campo em nível superior (MST, Boletim n.
09, 2004).
A formação docente em Educação do
Campo conseguiu avançar no ano de 2007,
momento em que foi criado o Programa de
Apoio à Formação Superior em
Licenciatura em Educação do Campo
(PROCAMPO) por meio do Ministério da
Educação, pela iniciativa da então
Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade SECAD,
como resultado das lutas dos movimentos
sociais do campo. Para ofertar as
experiências piloto de turmas de
Licenciatura em Educação do Campo,
nesse mesmo ano, foram convidadas
quatro instituições: UFMG, UNB, UFBA e
UFS.
Posteriormente, nos anos seguintes
(2008 e 2009) outros editais foram
lançados de forma a possibilitar a
ampliação dessas experiências, bem como
a participação de outras Instituições de
Ensino Superior (IES).
Em 2012 foi lançado o Programa
Nacional de Educação do Campo
(PRONACAMPO). No Eixo II estava
contemplada a Formação Inicial e
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Continuada de Professores, fortalecendo a
formação de professores nos cursos de
Licenciatura em Educação do Campo, em
regime de alternância. Destarte, nesse
período, o MEC publicou outro Edital
conclamando as IES que tivessem interesse
em ofertar a LEdoC não mais como uma
turma especial, mas como curso regular de
graduação.
A partir do surgimento do
PRONERA, do PROCAMPO e do Edital
de 2012, a institucionalização foi se
delineando e o curso de Licenciatura em
Educação do Campo se instalando nas
universidades. Para que os cursos
contemplados tivessem garantia de
continuidade nas IES, houve uma
contrapartida com a disposição de 15 vagas
para professores efetivos e três vagas para
técnicos administrativos (Paula, 2020).
Ademais, mesmo diante desse
comprometimento, os desafios para a
implementação dos cursos foram além do
institucional. A estrutura organizacional
das instituições não estava preparada para
receber um curso que acontecia por regime
de alternância, levando muitos cursos a
terem que se adequar ao sistema
operacional da universidade quanto à
oferta dos períodos letivos. Diante do
exposto, é possível compreender o longo
caminho percorrido até que se consolidasse
a LEdoC no interior das universidades, não
estando os cursos da UFG e UFCAT (em
implantação) distantes dessas realidades e
enfrentamentos.
Nesse aspecto, o presente trabalho
tem como objetivo apresentar os olhares
dos egressos dos cursos da UFG e UFCAT
sobre o seu processo formativo, bem como
a apropriação dos conhecimentos
acadêmicos e políticos da Educação do
Campo no interior dos dois cursos.
A Educação do Campo nas instituições
de ensino superior de Goiás
A Universidade Federal de Goiás
(UFG), ao longo do tempo, tem procurado
ofertar cursos de graduação vinculados às
lutas dos movimentos sociais do campo.
Exemplo disso é o curso de Pedagogia da
Terra ofertado em 2007 pela Faculdade de
Educação da UFG em parceria com o
INCRA via PRONERA, cujo objetivo era
formar educadoras e educadores para o
exercício da docência nos diversos
assentamentos vinculados ao INCRA.
No mesmo ano foi criada na UFG da
Cidade de Goiás uma turma especial de
graduação em Direito voltada para
Beneficiários da Reforma Agrária,
estendida aos Agricultores Familiares
Tradicionais. Essa turma foi nomeada
como: Turma Professor Evandro Lins e
Silva. Destarte, a oferta de uma turma de
Direito pelo PRONERA na UFG se
constituiu como um marco na história da
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educação brasileira. Ao passo que foi a
primeira vez que no Brasil uma Instituição
de Ensino Superior ofertou um curso de
graduação em Direito, público e de
qualidade para os sujeitos do campo. Além
disso, significou que os chamados “sem
terra” e os seus filhos estavam ocupando o
latifúndio do saber (Castro, 2020).
Os movimentos sociais do campo
prosseguiram na luta para efetivar a
formação de professores para além de uma
turma especial. Dessa forma, em 2012, a
UFG concorreu ao Edital lançado pelo
MEC/SECADI que visava selecionar
Instituições de Ensino Superior para
ofertarem a Licenciatura em Educação do
Campo como curso regular e presencial,
voltado para a formação de professores
para a segunda fase do ensino fundamental
e para o ensino médio nas escolas do
campo no regime de alternância.
A possibilidade de trazer um curso
com a designação de vagas para
professores e técnicos despertou o
entusiasmo do então Reitor Professor
Edward Madureira Brasil - para elaborar
propostas para concorrer ao edital. De
forma que, ao tomar conhecimento da
Chamada Pública
ii
, o reitor juntamente
com a Pró-Reitora de Graduação
Professora Sandramara Matias Chaves -
conclamaram os diretores dos respectivos
Campi para se atentarem aos requisitos
estabelecidos pelo MEC e organizarem
comissões para concorrerem ao Edital.
De acordo com o Edital, o Projeto
Pedagógico deveria ter o currículo
organizado por áreas de conhecimento
iii
previstas para a docência multidisciplinar.
A comissão constituída na cidade de Goiás
perante as indicações do MEC optou por
Ciências da Natureza, Matemática e
Ciências Agrárias, considerando a
realidade do município. A então Regional
Catalão optou por Ciências da Natureza e
Matemática.
Apesar do escasso tempo para
elaboração e tramitação, os projetos
submetidos ficaram em 25º e 26º lugar, de
um total de 45 colocações. As duas
propostas foram aprovadas para serem
ofertadas no Câmpus Goiás e no Câmpus
Catalão
iv
.Todavia, as LEdoC deveriam
ofertar somente uma habilitação e devido à
ausência de profissionais foi sugerida a
área de Ciências da Natureza.
As LEdoCs no Brasil foram pensadas
para o ingresso de um perfil específico de
candidato, ou seja, para os profissionais
que estavam atuando nas escolas
localizadas no meio rural e que não tinham
uma formação de nível superior e para os
jovens e adultos que não fossem
professores, mas tivessem a intenção de vir
a ser educadores nas escolas do campo.
Paula, H. V. C., & Castro, A. G. (2021). A Licenciatura em Educação do Campo no estado de Goiás: olhares dos egressos sobre os múltiplos aprendizados na
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Os cursos ofertados na UFG/UFCAT
tinham o intuito de atender a essa
especificidade. Para isso, a primeira
seleção foi realizada por meio de um
vestibular específico. Para alcançar o
público a que se propunha, o Centro de
Seleção da UFG lançou o Edital
082/2013 visando o preenchimento de 60
(sessenta) vagas para cada Câmpus. O
Edital preconizou obrigatoriamente dois
tipos de candidatos: primeiro, os
professores do segundo segmento do
ensino fundamental ou do ensino médio
das escolas do campo
v
localizadas em
áreas rurais de municípios com menos de
50 mil habitantes; e segundo, profissionais
que atuavam em escolas ou instituições
rurais desenvolvendo atividades educativas
direcionadas a jovens e adolescentes.
Os candidatos aprovados no
vestibular, no ato da matrícula, tiveram que
apresentar um documento oficial
comprovando o exercício do magistério em
uma escola do campo ou a atuação com
atividades educativas direcionadas a jovens
e adolescentes em escolas ou instituições
com vínculo com o campo.
O primeiro processo seletivo
específico realizado de forma conjunta pela
UFG garantiu a entrada de 53 alunos na
cidade de Goiás e 37 alunos na cidade de
Catalão. No ato da matrícula, os candidatos
aprovados preencheram um questionário
no sistema da UFG. A partir dos dados, foi
possível levantar o perfil dos ingressantes.
Nas duas cidades o perfil dos alunos
correspondia ao seguinte: a maioria era do
sexo feminino (>50%); a maior parte dos
estudantes (>50%) era composta por
moradores da área urbana e os demais
residiam em munícipios próximos às sedes
ou nas áreas rurais; a renda familiar em sua
maioria absoluta era inferior a quatro
salários mínimos; e 60% dos estudantes
eram trabalhadores.
Os ingressantes nos cursos da UFG
eram em sua grande totalidade alunos
oriundos do sistema público de ensino,
sendo que uma parcela significativa deles,
em algum momento das suas vidas
escolares, cursou uma parte dos seus
estudos em escolas no campo.
Ademais, os dados permitiram
compreender que um número expressivo
ficou um grande período afastado da
escola, isto é, mais de 70% ficaram por
mais de dez anos sem frequentar a escola.
Devido a essa situação, para concluir a
educação básica, um grande percentual
recorreu à Educação de Jovens e Adultos
ou ao Ensino Supletivo para concluir o
ensino médio.
A história das Licenciaturas em
Educação do Campo da UFG - Câmpus
Goiás e da UFCAT se encontra em muitos
momentos que vão além da sua criação.
Paula, H. V. C., & Castro, A. G. (2021). A Licenciatura em Educação do Campo no estado de Goiás: olhares dos egressos sobre os múltiplos aprendizados na
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Ambas iniciaram suas atividades no
primeiro semestre de 2014, ainda com
poucos professores concursados e
precisando se organizar no tempo/espaço
em que se encontravam. Quando falamos
do tempo/espaço, queremos evidenciar os
desafios impostos pela oferta de um curso
em regime de alternância em dois locais
que tradicionalmente realizam suas
atividades em períodos regulares de oferta
de disciplinas, ofertando de forma restrita
componentes curriculares no período de
recesso acadêmico.
Para superar as suas dificuldades
iniciais, ambos os cursos buscaram o
acolhimento dos alunos como ponto de
partida, recebendo os mesmos de forma
calorosa, a fim de situá-los no espaço da
universidade e apresentar a Licenciatura
em Educação do Campo e a equipe de
docentes. No caso do Câmpus Goiás, por
exemplo, no primeiro dia de aula foi
proferida uma palestra com o intuito de
realizar um resgate da luta pela terra e a
educação dos diversos sujeitos do campo
no município de Goiás. A seguinte
narrativa de uma aluna da primeira turma
da cidade de Goiás é capaz de retomar a
importância do curso na vida desses
camponeses:
Quando a gente ficou sabendo do
curso ... foi muito em cima da hora.
Eu lembro que [uma amiga] ficou
sabendo e me avisou: “― tem um
curso de Educação do Campo, vamos
fazer”? Eu nem sabia o que era o
curso. “― de saber que tem
Educação do Campo, a gente vai se
identificar com alguma coisa lá.
Então vamos”! A gente foi e fez a
inscrição. Foi no sindicato pegar uma
declaração, comprovando que a gente
era do meio rural. E, quando
começou o curso, a gente foi vendo
que era uma formação para
professores. A gente nem sabia o que
era o curso. .... No dia da
apresentação do curso, foi que a
gente ficou sabendo o que era o
curso. A gente foi meio que se
apaixonando no decorrer do tempo
.... (Benvindo, 10/07/2019).
O “novo” curso despertou a
curiosidade de vários candidatos. Em todas
as oportunidades de diálogo eram vários os
questionamentos e as inquietações em
torno dessa licenciatura. Eram alunos e
alunas como a Benvindo, que veio do
campo e que buscava uma formação em
nível superior, mas não esperava que
encontraria um curso que fizesse o resgate
da sua identidade camponesa, valorizando
os seus saberes e sua cultura, sem
menosprezar a sua origem.
Na sua narrativa ela mencionou que
mesmo sem “conhecer” a LEdoC fez a
inscrição por indicação da amiga e foi
aprovada. Por ser de assentamento, partiu
do princípio de que ao envolver a
Educação do Campo o curso iria contribuir
para a sua vida. Ao participar da palestra
de apresentação da LEdoC pôde
compreender que se tratava de uma
Paula, H. V. C., & Castro, A. G. (2021). A Licenciatura em Educação do Campo no estado de Goiás: olhares dos egressos sobre os múltiplos aprendizados na
formação do educador do campo na UFG e UFCat...
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formação de professores para atuarem nas
escolas do campo.
Aos poucos os sujeitos do campo, a
classe trabalhadora da cidade e as
comunidades tradicionais foram ocupando
os espaços do tradicional Colégio
Sant’Anna na cidade de Goiás e do antigo
Centro de Formação de Professores
Primários, que no ano de 1983 havia se
tornado o Campus Avançado de Catalão e
agora é a recém-criada Universidade
Federal de Catalão.
Eu sempre tive esse sonho de ser
professora da Educação do Campo. É
por causa das questões que eu
vivenciei: a luta! A luta que é um
aluno do campo para ele chegar até
uma universidade, até mesmo na
escola. E, eu sempre sonhei,
sempre gostei .... Desde pequena eu
ensinava os outros, o que eu sabia!
E, a minha questão é essa: ser uma
professora que luta pelas causas dos
alunos do campo! E, também ensinar
o que eu aprendi: as novas técnicas
de ensino do campo .... O meu sonho
é trabalhar na sala de aula, seja no
campo, ou seja, na cidade! Eu quero
trabalhar nessa área de Educação do
Campo! (Garcia, 22/01/2019).
Ao longo do curso, os estudantes
foram assumindo a identidade do Educador
do Campo, reforçada por uma dinâmica
que valoriza o campo como lugar de luta e
de significados. Em diálogo com alguns
alunos que ingressaram nas primeiras
turmas, é possível compreender a
responsabilidade assumida na formação
desses sujeitos.
Os cursos da UFG/UFCAT
caminharam juntos em muitos momentos,
seja no desafio inicial de propor projetos
para concorrer à chamada pública ou na
luta constante para garantir a permanência
do curso nas instituições. O diálogo sempre
próximo entre a gestão dos cursos nos
trouxe a essa reflexão. Resistência sempre
foi o elo mais forte que uniu os dois
cursos. Apesar das realidades espaciais
distintas, a força de um impulsionou o
outro.
A cidade de Catalão está localizada
em uma região estrategicamente explorada
pelo agronegócio e pela mineração. As
comunidades rurais têm sido ameaçadas
pelo avanço de empresas voltadas à
exploração dos recursos minerais e ao
agronegócio. A terceira
vi
maior jazida de
Nióbio do mundo se encontra na região de
Catalão e atrai investidores internacionais.
As famílias que residem no campo
encontram dificuldades em produzir
alimentos, tendo em vista que a poluição
das empresas instaladas na área rural não
favorece a produção. O assédio aos
pequenos produtores vem em forma de
oferta de emprego aos mais jovens para
que possam deixar o campo.
Em contrapartida, o município de
Goiás, para além do agronegócio presente
no solo goiano, é um lugar marcado
historicamente pela luta de diversos
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segmentos sociais e sujeitos coletivos em
prol da Reforma Agrária. A luta pela terra
colaborou para que atualmente esse
município seja a região do Estado de Goiás
com o maior número de assentamentos. Ao
todo são vinte e quatro (24) assentamentos.
A presença dos camponeses nesse
território tem contribuído para o
abastecimento do município com produtos
advindos da produção campesina.
Ademais, o cotidiano dos sujeitos do
campo é permeado pela resistência ao
modelo econômico do agronegócio. Esses
sujeitos têm construído e defendido outro
projeto de desenvolvimento para o campo
ancorado na agroecologia. Dessa forma, a
inserção dos educandos na LEdoC da UFG
Câmpus Goiás contribui para o
fortalecimento dessas localidades.
Os olhares dos egressos da Licenciatura
em Educação do Campo da UFG e
UFCAT
Em sete anos do curso de
Licenciatura em Educação do Campo no
Estado de Goiás ainda vemos muitos
desafios, mas vislumbramos muitas
conquistas. Para acompanhar os impactos
desse curso ao longo do tempo temos
desenvolvido várias pesquisas
vii
com o
intuito de compreender a contribuição
dessa formação docente para as
comunidades de origens dos educandos.
Para atualizarmos os nossos bancos de
dados convidamos alguns alunos egressos
dos cursos da UFG Câmpus Goiás e da
UFCAT para compreendermos a
importância do curso na vida dessas
pessoas.
Dos alunos e alunas convidados, seis
responderam ao questionário. Foram cinco
mulheres e um homem. São estudantes
egressos da UFCAT e três estudantes
egressos da UFG. Esses estudantes em sua
totalidade vieram das escolas públicas e
apenas um concluiu o Ensino Médio na
modalidade da Educação de Jovens e
Adultos. Todos os participantes
ingressaram no ano de 2014, sendo a
Licenciatura em Educação do Campo o
primeiro curso superior de todos os
participantes que concluíram o curso no
ano de 2018.
Quando perguntados sobre o vínculo
que mantinham com o campo, um dado
reflete a característica do vestibular
específico realizado no processo seletivo
das primeiras turmas. Apenas uma egressa
não tem relação direta com o campo
atualmente, como local onde vive ou
trabalha, mas desenvolve pesquisas na pós-
graduação stricto sensu onde está cursando
o mestrado em Educação.
A formação de professores com
vínculo com o campo é vista como
fortalecedora da proposta da Educação do
Campo. A formação dos sujeitos do campo
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ou que tenham vínculo com o campo
permite o aprofundamento na compreensão
desse espaço - e os cursos de Licenciatura
em Educação do Campo assumem esse
compromisso - bem como o fortalecimento
do território camponês concebido como o
espaço de vida do camponês, lugar ou
lugares onde existe uma enorme
diversidade de culturas que constroem a
sua existência. É uma unidade de produção
familiar e local de residência da família. É
o local que contribui com a maior parte da
produção de alimentos saudáveis
consumidos pelas populações urbanas. É o
sítio, o lote, a propriedade familiar, assim
como também é a comunidade, o
assentamento, um município onde
predominam as comunidades camponesas
(Fernandes, 2012).
Adequar a escola e suas
especificidades vai além de manter um
prédio construído no campo. Valorizar a
cultura do campo o se restringe somente
a inserir conteúdos que retratam o campo.
Pensar em uma escola no/do campo passa
pela formação dos educadores do campo.
Para Ribeiro (2010),
... mesmo na formação de
professores, nas escolas de nível
médio, modalidade normal ou
magistério, e nos cursos de
Pedagogia, os currículos não
contemplam disciplinas, conteúdos
ou metodologias referentes ao
trabalho agrícola e à cultura
produzida a partir deste trabalho e da
vida do campo (p. 177).
Tornar-se um professor que dialoga
com a cultura do campo passa pela própria
experiência com essa realidade, com a
práxis social deste docente que
compreende e interage com a realidade do
campo sem desmerecê-lo.
Ao serem questionados sobre as
motivações que os levaram a cursar a
Licenciatura em Educação do Campo, a
necessidade de uma formação para ter mais
oportunidades e poder atuar nas escolas e
projetos da comunidade apareceram em
destaque, sendo que uma egressa ressaltou
a necessidade de ter conhecimentos para
ajudar o filho na escola e a possibilidade
de trabalho na escola do assentamento em
que vive.
A Alternância também foi um
atrativo para fazer o curso. Segundo a
aluna A “o regime de alternância,
ofertando as disciplinas de forma
condensada, sendo que em 1 mês se
realizava todas as disciplinas ... isso foi
bom, a aprendizagem e qualidade do
ensino, as atividades foram mais
dinâmicas e interessantes”.
A aluna se refere ao momento inicial
dos cursos, que acontecia durante o recesso
acadêmico da UFG, configurando-se como
um dos desafios para ambos os cursos.
Para Paula (2020),
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mesmo com a proposta integrativa da
metodologia, a escolha pelo Regime
de Alternância de certa forma se
configurou como um desafio aos
cursos de Licenciatura em Educação
do Campo selecionados no edital
02/2012. Apesar dos projetos
apresentarem uma proposta de
Alternância, essa metodologia ainda
era desconhecida em muitas
universidades e o incentivo
financeiro oferecido a cada IFES no
valor de R$ 4.000,00 por estudante,
pagos em uma única parcela anual,
era somente de custeio, o que fez
com que, diante da realidade
estrutural de muitos campi das
universidades selecionadas, o valor
fosse insuficiente para estruturar os
cursos e manter adequadamente a
alternância. (p. 80).
Apesar de desafiadora para ambos os
cursos, a Alternância presente na
Licenciatura em Educação do Campo foi
capaz de estabelecer um novo olhar para o
conhecimento produzido no campo, tendo
em vista os cursos que foram implantados,
a organicidade que os produz, que os
diferencia devido a sua dinamicidade e
exigência de ação dentro dos tempos em
que se propõe trabalhar (TU e TC). Essa
dinâmica da alternância, por si só, rompeu
com a lógica temporal da universidade e
oportunizou que esses cursos tratassem de
sua especificidade no cotidiano das IES,
haja vista que este é o elo entre o campo e
a universidade.
Essa dinâmica na formação do
educador do campo abriu novos horizontes
aos egressos que participaram desta
pesquisa. Dos seis egressos, somente uma
não está atuando no momento por questões
particulares. Os demais atuam em várias
frentes da escola, e somente uma não atuou
na escola no campo. Eles estão nas escolas
como professores, coordenadores e
secretárias. A aluna B, que está cursando o
Mestrado em Educação, diz ter atuado na
Educação Infantil antes de ingressar no
mestrado, mas se viu forçada a fazer o
curso de Pedagogia para poder continuar
trabalhando na creche, em parte devido à
habilitação desse curso, que é para atuar
nos Anos iniciais e Educação Infantil.
Quando questionados sobre a
contribuição do curso para a comunidade
em que estão inseridos, é unânime o
reconhecimento da importância dos
conhecimentos agregados durante a
formação, tanto no que se refere aos
aspectos acadêmicos, quanto políticos.
Palavras como valorização, conhecimento
e luta foram frequentes, mas também
apareceu a preocupação com a inserção
dos egressos do curso nas escolas do
campo de suas comunidades para atuarem
de forma efetiva. Ao destacarem os
conhecimentos adquiridos durante o curso,
uma das egressas realizou o Trabalho de
Conclusão de Curso pesquisando a escola
do assentamento em que vive e atua, o que
para ela possibilitou maior conhecimento
de sua comunidade.
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O único participante do sexo
masculino afirmou que fazer o curso o fez
permanecer em sua comunidade local no
campo, reforçando uma realidade presente
em muitas comunidades, que é ida dos
jovens para a cidade.
O êxodo dos jovens do campo é uma
preocupação que aparece com frequência
entre as famílias camponesas e a
Licenciatura em Educação do Campo
torna-se para muitos jovens a possibilidade
de permanecerem com suas famílias,
contribuindo de forma significativa para a
mudança em sua comunidade. Sobre o
esvaziamento da juventude do campo em
busca de acesso a melhores oportunidades,
Carneiro (1998) afirma que a crise na
agricultura familiar e dos processos
econômicos recentes que diversificaram o
espaço rural é responsável pela
heterogeinização do espaço rural e,
consequentemente, impulsionadora do
êxodo da juventude.
Diante dessa realidade a juventude
rural sofre as maiores consequências, “por
essa dinâmica de diluição das fronteiras
entre os espaços rurais e urbanos,
combinada com o agravamento da situação
de falta de perspectivas para os que vivem
da agricultura.” (Carneiro, 1998, p. 1).
Dessa forma, os jovens acabam
migrando para cidades em busca de
oportunidades de estudo e de qualificação
profissional. No entanto, é quase unânime
entre os jovens a decisão de não
retornarem à zona rural.
Os egressos do curso sentiram-se
animados em dar continuidade a sua
formação inicial. Duas egressas fizeram
pós-graduação em instituições públicas,
dois estão buscando uma nova formação
para fortalecer sua atuação profissional e
uma apenas concluiu o curso.
Esse ânimo em ir além aos
conhecimentos se reflete nas respostas
sobre as mudanças na vida pessoal após
fazer o curso. Todos destacaram a
importância de terem tido acesso a um
curso superior que refletisse as questões do
campo. Para eles, o curso possibilitou
ampliar o olhar sobre o mundo e ver o
homem do campo de forma diferente. A
aluna B descreve a sua experiência com o
seguinte relato:
Você vê, na minha opinião, as
pessoas estão em busca de um curso
superior com o objetivo de se
profissionalizar e ampliar as
possibilidades de chegar ao mercado
de trabalho com um diferencial e,
assim, melhorar sua qualidade de
vida. Bem, foi o que pensei quando
entrei no ensino superior, mas depois
de 4 anos de graduação e me via
como outra pessoa, o acesso à
universidade me fez construir como
uma pessoa totalmente diferente,
aprendi a olhar as questões com um
olhar mais crítico olho. e construtivo.
Aprendi que devemos sim nos
envolver nas questões sociais e
políticas que nos afetam diariamente,
por isso para mim muito mais do que
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ter um diploma universitário, o
LEdoC transformou-me numa nova
mulher, que conhece os seus direitos
e deveres, que acredita na educação
como uma processo de transformação
social, e me mostrou que nasci para
ser professora.
Essa possibilidade de transformação
social apresentada pela egressa faz parte do
projeto de educação da Licenciatura em
Educação do Campo que como
imprescindível que o professor conheça
seus direitos e de sua comunidade e seja
capaz de organizar um projeto educativo
coerente e participativo. Para Molina
(2002, p. 26), “... educador do campo é
aquele que contribui com o processo de
organização do povo que vive no campo”.
O quadro que emerge das escolas do
campo e dos cursos de formação inicial e
continuada dos educadores do campo tem
que ser o de educadores com conhecimento
político aliado ao conhecimento social.
Esse é o compromisso assumido pelos
cursos ofertados na UFG e na UFCAT que
sabem da importância de se formar
professores que ao atuarem nas escolas
sejam capazes de compreender a realidade
dos seus alunos para serem autores das
mudanças que se fazem necessárias em
uma escola no campo que apenas reproduz
o currículo da escola urbana. Esta realidade
pode ser mudada com propostas
pedagógicas que valorizem a diversidade
do ensino, a diversidade cultural e os
processos de interação e transformação do
campo.
A última pergunta apresentada aos
egressos foi se indicariam o curso de
Licenciatura em Educação do Campo a
outras pessoas e todas as respostas foram
positivas. As respostas reforçam a
característica do curso que se preocupa
com a formação humana e política dos seus
alunos. As respostas foram: Aluna A "É
uma forma que os filhos de assentados tem
em ter uma graduação e se tornando uma
pessoa com conhecimento para o mercado
de trabalho com mais garantia de
trabalho”; Aluna B Conhecimentos que
as vezes outros cursos não tem. Uma
relação entre território, trabalho e
educação, uma educação com igualdade
através de lutas constantes.”; Aluna C Eu
pude vivenciar grandes experiências e me
considero uma profissional muito
qualificada e dedicada, então sim eu
aconselharia pois tive uma formação muito
ampla e específica.”; Aluna D Sim,
porque é através de cursos superior e de
formação, que podemos crescer tanto na
vida como profissional”; Aluna E Com o
conhecimento obtido no curso de
licenciatura em Educação do Campo e
morador do campo você consegue
valorizar as pessoas a sua cultura o jeito
do povo do campo.”; e Aluno F “Seria
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bom ter mais professores camponeses para
atuação junto ao campo onde vivem.”
A análise do questionário
direcionado a esse grupo de egressos das
duas instituições nos leva a refletir sobre
alguns pontos a serem considerados.
Inicialmente, que o curso alcançou o seu
objetivo ao ampliar os olhares desses
sujeitos sobre o campo e sobre o lugar em
que vivem. O curso transformou a vida
dessas pessoas e atuou sobre a comunidade
em que vivem de forma direta ou indireta.
Considerações finais
Este estudo nos permitiu vislumbrar
a força de um projeto de educação que
nasce dentro do movimento social e
alcança a universidade para mudar a vida
de muitas pessoas e comunidades. Mesmo
diante dos desafios enfrentados durante a
implementação do curso, foi possível
avançar na construção de uma proposta
que dialogasse com os anseios e as
necessidades das comunidades que nos
cercam.
Ao longo deste trabalho foi possível
ver as particularidades de cada instituição,
indo desde o local em que se encontram até
os territórios que se colocam em disputa.
Apesar de geograficamente habitarmos
lugares diferentes, nossa realidade
institucional nos aproximou e nos trouxe
para o diálogo sobre a realidade vivenciada
entre os cursos.
Em muitos momentos os alunos
egressos que participaram deste estudo
convergiram às mesmas ideias sem que
tivessem tido a oportunidade de se
conhecerem. As impressões sobre a
importância da alternância na formação do
educador do campo e o quanto puderam
avançar em sua construção social nas
comunidades deram o tom desta análise e
permearam as respostas. Mas os desafios
da atuação profissional nas escolas do
campo também nos trouxeram elementos
que devem ser problematizados a fim de
avançarmos no debate e na ação.
Foi possível compreender que
tantos caminhos e histórias quanto
definições para eles. Os egressos
trouxeram vários termos para falarem de
suas conquistas, mas todos passaram pela
“superação”. Superaram os limites
anteriormente impostos a eles. Jovens,
mulheres e homens da classe trabalhadora
que não se contentaram apenas em
ingressar na universidade, quiseram ir além
e têm buscado cada vez mais ocupar o
território do saber - ou seria o latifúndio do
saber?
Este estudo é feito a quatro mãos,
com o olhar de duas professoras que foram
coordenadoras do curso em tempos de
muitos desafios, muitos desalentos, mas
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também com a certeza de que a luta
inevitavelmente se faz lutando. O que não
nos foge à análise é o fato de que
particularidades que devem ser
consideradas e respeitadas independente do
lugar que se habite e o que sempre irá nos
unir é a certeza de que “a educação muda
pessoas, pessoas mudam o mundo” (Paulo
Freire).
Para nós ficou claro que o
conhecimento teórico adquirido durante o
curso foi capaz de sustentar e dialogar com
os saberes do campo, chamando a atenção
para uma abordagem cultural, sem que
estivesse em detrimento a construção
teórica do campo e dos seus sujeitos.
Como pontos a serem fortalecidos esteve a
inserção dos egressos nas escolas do
campo e a ampliação de concursos, até
mesmo dentro dos próprios cursos para que
esses egressos possam também atuarem na
formação de novos professores.
Ressaltamos que este trabalho foi
apenas introdutório acerca da temática.
Todavia, a importância de estudos desta
natureza resiste no fato de que
conseguimos vislumbrar os
desdobramentos da formação docente
angariada no âmbito das LEdoCs.
Ademais, precisamos avançar na discussão
e na pesquisa a respeito do impacto dos
cursos nas comunidades escolares e nos
territórios dos egressos.
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Stédile, J. P., & Fernades, B. M. (2012).
Brava Gente: a trajetória do MST e a luta
pela terra no Brasil. 2. ed. São Paulo.
i
De forma singular, a Pedagogia da Alternância
surgiu na França na década de 1930. E foi fruto da
luta dos sujeitos do campo franceses que,
juntamente com a Igreja e líderes sindicais,
encontraram na alternância uma possibilidade para
garantir o vínculo da educação dos seus filhos com
a permanência no seio familiar e no campo, bem
como um ensino articulado com a realidade e as
necessidades agrícolas, entre outros. Ela se expande
por outros países da Europa até chegar ao Brasil na
década de 1960, sendo adotada pela Escola Família
Agrícola. No ensino superior a concepção
pedagógica baseada na alternância ocorreu em 1998
com a oferta das turmas especiais do curso de
Pedagogia da Terra.
ii
Realizada pelo Ministério da Educação por
intermédio da Secretaria de Educação Superior
SESU, da Secretaria de Educação Profissional e
Tecnológica - SETEC e da Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
SECADI
iii
As áreas sugeridas foram: (i) Linguagens e
Códigos; (ii) Ciências Humanas e Sociais; (iii)
Ciências da Natureza; (iv) Matemática; e (v)
Ciências Agrárias. Contudo, o MEC recomendou
que as habilitações oferecidas contemplassem
preferencialmente a área de Ciências da Natureza e
Matemática.
iv
Ressalta-se que no ano de 2019 a Regional
Catalão se desmembrou da Universidade Federal de
Goiás, tornando-se Universidade Federal de
Catalão.
v
Segundo o item 2.1.1.1 do Edital n. 082/2013 da
UFG, “são consideradas escolas do campo aquelas
que têm sua sede em espaço geográfico classificado
pelo IBGE como rural e, mais amplamente, aquelas
escolas que, mesmo tendo sua sede em áreas
consideradas urbanas, atendam à população de
municípios cuja reprodução social e cultural está
majoritariamente vinculada ao trabalho no campo,
conforme Decreto n. 7.352, artigo 1º, §1º, Inciso II,
de 4 de novembro de 2010” (UFG, 2013, p. 01).
vi
Segundo a Agência Nacional de Mineração
(ANM), 98% dos depósitos de nbio em operação
no mundo estão no Brasil. Desse total, 75% estão
concentrados na cidade de Araxá (MG), 21% se
encontram em depósitos não comerciais na
Amazônia e os outros 4% estão em Catalão (GO).
vii
Por exemplo, as pesquisas intituladas:
“Formação de Professores: Um olhar sobre a
Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade Federal de Goiás - Regional Goiás” e
“Formação de Professores: Da Educação Rural à
Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade Federal de Goiás - Regional Goiás”,
ambas aprovadas pelo Comitê de Ética da UFG,
foram desenvolvidas para alcançar, entre outros, tal
intento. Ressaltamos que os fragmentos das
entrevistas utilizados no decorrer do texto são
frutos desses trabalhos.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 30/08/2021
Aprovado em: 12/10/2021
Publicado em: 13/11/2021
Received on August 30th, 2021
Accepted on October 12th, 2021
Published on November, 13th, 2021
Contribuições no Artigo: As autoras foram as
responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
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Conflitos de Interesse: As autoras declararam não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
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Artigo avaliado por pares.
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Paula, H. V. C., & Castro, A. G. (2021). A Licenciatura em
Educação do Campo no estado de Goiás: olhares dos
egressos sobre os múltiplos aprendizados na formação do
educador do campo na UFG e UFCat. Rev. Bras. Educ.
Camp., 6, e12971.
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ABNT
PAULA, H. V. C.; CASTRO, A. G. A Licenciatura em
Educação do Campo no estado de Goiás: olhares dos
egressos sobre os múltiplos aprendizados na formação do
educador do campo na UFG e UFCat. Rev. Bras. Educ.
Camp., Tocantinópolis, v. 6, e12971, 2021.
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