Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e13425
Tocantinópolis/Brasil
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2021
ISSN: 2525-4863
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Autonomia federativa, sistemas municipais de
ensino/educação: impactos para a educação no Tocantins
Carlos Roberto Jamil Cury1, Rosilene Lagares2, Ítalo Bruno Paiva Gonçalves3
1 Pontífica Universidade Católica de Minas Gerais PUC/MG. Instituto de Ciências Humanas/Departamento de
Educação/Mestrado em Educação Avenida Dom José Gaspar, 500. Belo Horizonte - MG. Brasil. 2, Universidade Federal do
Tocantins UFT. 3 Sistema Estadual de Ensino do Tocantins.
Autor para correspondência/Author for correspondence: crjcury.bh@terra.com.br
RESUMO. No Brasil, quatro espécies de entes federados
dotados de autonomia, duas delas de entes tradicionais (União e
Estados) e duas de entes recentes (Distrito Federal e
Municípios), diferentemente, das federações clássicas em que
um poder político central (União) e os centros regionais de
poder (estados). No arcabouço da Constituição Federal de 1988,
o Município compõe a Federação contando com autonomia
administrativa, legislativa e política, no âmbito de suas
atribuições. No campo da educação, o ente federado municipal,
em contraposição à histórica condição hierárquica, pelo menos
formalmente, logra autonomia para organizar seu sistema
próprio de ensino/educação, traço fundamental do Estado
Federal salvaguardada pela Constituição e legislação que trata
do tema. Neste artigo, correlacionando dialeticamente sociedade
e educação, problematizam-se condições dos Municípios
Tocantinenses para a materialização da autonomia e da gestão
da educação, assentando-se em bases teóricas e documentais e
observação assistemática. Esses entes enfrentam desafios de
natureza conceitual, cultural, política, administrativa, financeira,
pedagógica e relativa ao regime de colaboração. Assim sendo,
cabe cautela para evitar uma precária solução, a de sistemas
nominais, criados legalmente, mas sem atuação real e efetiva.
Palavras-chave: política e gestão da educação, educação
municipal, município.
Cury, C. R. J., Lagares, R., & Gonçalves, I. B. P. (2021). Autonomia federativa, sistemas municipais de ensino/educação: impactos para a educação no Tocantins...
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Federative autonomy, municipal education/education
systems: impacts for education in Tocantins
ABSTRACT. In Brazil, there are four types of federal entities
endowed with autonomy, two of them from traditional entities
(Union and States) and two from recent entities (Federal District
and Municipalities), unlike the classic federations in which there
is a central political power (Union) and the regional centers of
power (states). In the framework of the Federal Constitution of
1988, the Municipality is part of the Federation, with
administrative, legislative and political autonomy within the
scope of its attributions. In the field of education, the municipal
federated entity, in contrast to the historical hierarchical
condition, at least formally, achieves autonomy to organize its
own teaching/education system, a fundamental feature of the
Federal State safeguarded by the Constitution and legislation
dealing with the subject. In this article, dialectically correlating
society and education, the conditions of Tocantins
Municipalities are problematized for the materialization of
autonomy and education management, based on theoretical and
documentaries’ bases and unsystematic observation. These
entities face conceptual, cultural, political, administrative,
financial, pedagogical and collaboration-related challenges.
Therefore, care should be taken to avoid a precarious solution,
that of nominees systems, created legally, but without real and
effective action.
Keywords: education policy and management, municipal
education, municipality.
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Autonomía federativa, educación municipal/sistemas
educativos: impactos para la educación en Tocantins
RESUMEN. En Brasil, hay cuatro tipos de entidades
federativas dotadas de autonomía, dos de ellas de entidades
tradicionales (Unión y Estados) y dos de entidades recientes
(Distrito Federal y Municipios), a diferencia de las federaciones
clásicas en las que hay un poder político central (Unión) y
centros de poder regionales (estados). Según la Constitución
Federal de 1988, el Municipio es parte de la Federación, con
autonomía administrativa, legislativa y política en el ámbito de
sus atribuciones. En el ámbito educativo, la entidad federativa
municipal, en contraposición a la histórica condición jerárquica,
al menos formalmente, gana autonomía para organizar su propio
sistema docente/educativo, característica fundamental del
Estado Federal sustentado en la Constitución y en la legislación
que se ocupa del tema. En este artículo, correlacionando
dialécticamente sociedad y educación, se discuten las
condiciones de los Municipios de Tocantins para la
materialización de la autonomía y la gestión educativa, con base
en bases de observación teóricas, documentales y no
sistemáticas. Estas entidades enfrentan desafíos conceptuales,
culturales, políticos, administrativos, financieros, pedagógicos y
de colaboración. Por tanto, hay que tener cuidado para evitar
una solución precaria, la de los sistemas nominales, creados
legalmente, pero sin una actuación real y efectiva.
Palabras clave: política y gestión educativa, educación
municipal, municipio.
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Introdução
No Brasil, país federativo desde a
Proclamação da República, se conhece,
hoje, mercê da Constituição Federal de
1988 (Brasil, 1988, art. 1º), quatro espécies
de entes federados dotados de autonomia,
duas delas de entes clássicos (União e
Estados) e duas de entes recentes (Distrito
Federal e Municípios), diferentemente das
federações clássicas em que há um poder
político central (União) e os centros
regionais de poder (Estados ou Províncias).
No arcabouço Constitucional, o
Município compõe a Federação contando
com autonomia administrativa
(competência para a auto-organização de
seus órgãos e serviços), legislativa
(competência para editar leis, inclusive sua
Lei Orgânica) e política (competência para
eleger os integrantes do Executivo e do
Legislativo) (art. 18, 29-31 e 32).
No campo da educação, o ente
federado municipal, em contraposição à
histórica condição hierárquica, logra
autonomia para organizar seu sistema
próprio de ensino/educação, sendo um
traço fundamental do Estado Federal
salvaguardado pela Constituição e
legislação que trata do tema (Brasil, 1988,
art. 211; 1996, art. 8º, 11 e 18.).
Neste artigo, assentando-se em bases
teóricas, análises documentais e
observação assistemática, correlacionando
dialeticamente sociedade e educação,
problematizam-se condições dos
Municípios Tocantinenses para a
materialização da autonomia e a gestão da
educação, tomando como pressuposto
analítico que o estudo da educação
municipal implica uma postura radical: “ir
à raiz da realidade” (Frigotto, 1987, p. 82)
visando a apreensão do fenômeno para
além da descrição de seus processos.
Federalismo e os municípios
Em breve incursão acerca da
evolução constitucional do Município no
Brasil, tem-se que a Constituição Política
do Império do Brazil de 1824 (Brasil,
1824) não tratou de forma expressa do
assunto, prevendo, tão somente, a
existência das Camaras em todas as
cidades e villas existentes e que fossem
criadas:
CAPÍTULO II
Das Camaras
Art. 167. Em todas as Cidades, e Villas
ora existentes, e nas mais, que para o
futuro se crearem haverá Camaras, ás
quaes compete o Governo economico, e
municipal das mesmas Cidades, e Villas.
Art. 168. As Camaras serão electivas, e
compostas do numero de Vereadores,
que a Lei designar, e o que obtiver maior
numero de votos, será Presidente.
Art. 169. O exercicio de suas funcções
municipaes, formação das suas Posturas
policiaes, applicação das suas rendas, e
todas as suas particulares, e uteis
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attribuições, serão decretadas por uma
Lei regulamentar. (Redação original).
Segundo Meirelles (2008, p. 37), em
de outubro de 1828, uma lei ordinária
disciplinou o processo de eleição dos
vereadores e juízes de paz e catalogou
todas as atribuições das Camaras e “com
surpresa para os que tinham lobrigado a
autonomia municipal nos dispositivos
constitucionais trouxe ela para as
Municipalidades a mais estrita
subordinação administrativa e política aos
presidentes das Províncias”. Assim,
“poucos foram os atos de autonomia
praticados pelas Municipalidades ... Na
vigência da Lei Regulamentar de 1828, que
perdurou até a República, as
Municipalidades não passaram de uma
divisão territorial, sem influência política e
sem autonomia na gestão de seus interesses
...
Com a Constituição proclamada da
República dos Estados Unidos do Brasil de
1891 (Brasil, 1891) sob a forma de
governo republicano e uma federação,
houve expressa previsão de que os Estados
se organizariam assegurando certa
autonomia aos Municípios no âmbito de
seus interesses, como visto no “TÍTULO
III, Do Município, Art. 68. Os Estados
organizar-se-ão de forma que fique
assegurada a autonomia dos Municípios
em tudo quanto respeite ao seu peculiar
interesse.” Autonomia, porém, que não se
materializou no campo da ação, como
argumentado por Meirelles (2008, p. 39):
Com tal liberdade, as Constituições
Estaduais modelaram seus
Municípios, com maior ou menor
amplitude na administração, em
termos que lhes asseguravam a
autonomia pregada na Lei Magna. As
leis orgânicas reafirmaram o
princípio e discriminaram as
atribuições municipais, mas todo esse
aparato de autonomia ficou nos
textos legais.
Durante os 40 anos em que vigorou a
Constituição de 1891 não houve
autonomia municipal no Brasil. O
hábito do centralismo, a opressão do
coronelismo e a incultura do povo
transformaram os Municípios em
feudos de políticos truculentos, que
mandavam e desmandavam nos
“seus” distritos de influência, como
se o Município fosse propriedade
particular e o eleitorado um rebanho
dócil ao seu poder.
A Constituição da República dos
Estados Unidos do Brasil de 1934 (Brasil,
1934) manteve o governo próprio do
Município, firmando-se o conceito de
“peculiar interesse”, e inseriu “ideias
sociais-democráticas”, segundo Meirelles
(2008, p. 40), pois os Municípios
precisavam “antes e acima de tudo de
rendas próprias”, não apenas da
preservação do princípio da autonomia
constitucional. Precisavam assegurar a
“realização de seus serviços públicos e
possibilitassem o progresso material do
Município”.
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Art - Compete privativamente aos
Estados:
I - decretar a Constituição e as leis
por que se devam reger, respeitados
os seguintes princípios:
...
d) autonomia dos Municípios;
...
Art 13 - Os Municípios serão
organizados de forma que lhes fique
assegurada a autonomia em tudo
quanto respeite ao seu peculiar
interesse; e especialmente:
I - a eletividade do Prefeito e dos
Vereadores da Câmara Municipal,
podendo aquele ser eleito por esta;
II - a decretação dos seus impostos e
taxas, a arrecadação e aplicação das
suas rendas;
III - A organização dos serviços de
sua competência.
§ - O Prefeito poderá ser de
nomeação do Governo do Estado no
Município da Capital e nas estâncias
hidrominerais.
§ - Além daqueles de que
participam, ex vi dos arts. 8º, § 2º, e
10, parágrafo único, e dos que lhes
forem transferidos pelo Estado,
pertencem aos Municípios:
I - o imposto de licenças;
II - os impostos predial e territorial
urbanos, cobrado o primeiro sob a
forma de décima ou de cédula de
renda;
III - o imposto sobre diversões
públicas;
IV - o imposto cedular sobre a renda
de imóveis rurais;
V - as taxas sobre serviços
municipais.
§ 3º - É facultado ao Estado a criação
de um órgão de assistência técnica à
Administração municipal e
fiscalização das suas finanças.
§ - Também lhe é permitido
intervir nos Municípios a fim de lhes
regularizar as finanças, quando se
verificar impontualidade nos serviços
de empréstimos garantidos pelos
Estados, ou pela falta de pagamento
da sua dívida fundada por dois anos
consecutivos, observadas, naquilo em
que forem aplicáveis, as normas do
art. 12. (Grifos dos autores).
A Constituição dos Estados Unidos
do Brasil de 1937, também, manteve a
autonomia constitucional do Município,
firmando-se o conceito de “peculiar
interesse”, assim como a discriminação das
rendas municipais.
Art 26 - Os Municípios serão
organizados de forma a ser-lhes
assegurada autonomia em tudo
quanto respeite ao seu peculiar
interesse, e, especialmente:
a) à escolha dos Vereadores pelo
sufrágio direto dos munícipes
alistados eleitores na forma da lei;
b) a decretação dos impostos e taxas
atribuídos à sua competência por
esta Constituição e pelas
Constituições e leis dos Estados;
c) à organização dos serviços
públicos de caráter local.
Art 27 - O Prefeito será de livre
nomeação do Governador do
Estado.
Art 28 - Além dos atribuídos a eles
pelo art. 23, § 2, desta Constituição
e dos que lhes forem transferidos
Pelo Estado, pertencem aos
Municípios:
I - o imposto de licença;
II - o imposto predial e o territorial
urbano;
III - os impostos sobre diversões
públicas;
IV - as taxas sobre serviços
municipais.
Art 29 - Os Municípios da mesma
região podem agrupar-se para a
instalação, exploração e
administração de serviços públicos
comuns. O agrupamento, assim
constituído, será dotado de
personalidade jurídica limitada a
seus fins.
Parágrafo único Caberá aos
Estados regular as condições em
que tais agrupamentos poderão
constituir-se, bem como a forma, de
sua administração. (Grifos dos
autores).
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No entanto, Meirelles (2008, p. 41)
comenta a respeito da imposição de um
“novo regime político ao Brasil”:
Pode-se afirmar, sem vislumbre de
erro, que no regime de 1937 as
Municipalidades foram menos
autônomas que sob o centralismo
imperial, porque na Monarquia os
interesses locais eram debatidos nas
Câmaras de Vereadores e levados ao
conhecimento dos governadores (Lei
de 1828) ou das Assembleias
Legislativas das Províncias (Ato
Adicional de 1834), que proviam a
respeito, ao passo que no sistema
interventorial do Estado Novo não
havia qualquer respiradouro para as
manifestações locais em prol do
Município, visto que os prefeitos
nomeados governavam
discricionariamente, sem a
colaboração de qualquer órgão local
de representação popular.
Com a deposição da Ditadura do
país, reacende-se o debate democrático e o
interesse pelo Município. Meirelles (2008,
p. 42) comenta que o Municipalismo ganha
força na Constituinte e reflete-se na
Constituição dos Estados Unidos do Brasil
de 1946, ficando “assegurada autonomia
política, administrativa e financeira”.
Art 28 - A autonomia dos Municípios
será assegurada:
I - pela eleição do Prefeito e dos
Vereadores;
II - pela administração própria, no
que concerne ao seu peculiar
interesse e, especialmente,
a) à decretação e arrecadação dos
tributos de sua competência e à
aplicação das suas rendas;
b) à organização dos serviços
públicos locais. (Brasil, 1946; Grifos
dos autores).
Para o mesmo autor, “Somente com
a promulgação da Constituição de 1946 e
subsequente vigência das Cartas estaduais
e leis orgânicas é que a autonomia
municipal passou a ser exercida de direito
e de fato nas administrações locais ...”. (p.
8).
Com a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1967 (Brasil, 1967)
e a Emenda Constitucional 01 de 1969
(Brasil, 1969), o regime federativo foi
mantido, assim como a autonomia estadual
e municipal, mas “em termos mais restritos
do que as anteriores Constituições da
República ... (Meirelles, 2008, p. 43). E,
no caso dos Municípios, “Os atos
institucionais e as emendas constitucionais
que a sucederam [Constituição de 1937]
limitaram as franquias municipais no
tríplice plano político, administrativo e
financeiro”. (p. 43).
Constituição da República
Federativa do Brasil de 1967
Art 16 - A autonomia municipal será
assegurada: (Vide Lei Complementar
nº 2, de 1967)
I - pela eleição direta de Prefeito,
Vice-Prefeito e Vereadores realizada
simultaneamente em todo o Pais, dois
anos antes das eleições gerais para
Governador, Câmara dos Deputados
e Assembléia Legislativa;
II - pela administração própria, no
que concerne ao seu peculiar
interesse, especialmente quanto:
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a) à decretação e arrecadação dos
tributos de sua competência e à
aplicação de suas rendas, sem
prejuízo da obrigatoriedade, de
prestar contas e publicar balancetes
nos prazos fixados em lei estadual;
b) à organização dos serviços
públicos locais.
Emenda Constitucional nº 01, de
17/10/1969
Art. 15. A autonomia municipal se
assegurada:
I - pela eleição direta de prefeito,
vice-prefeito e vereadores, realizada
simultaneamente em todo o País;
(Redação da pela Emenda
Constitucional nº 22, de 1982)
II - pela administração própria, no
que respeite ao seu peculiar interêsse,
especialmente quanto:
a) à decretação e arrecadação dos
tributos de sua competência e à
aplicação de suas rendas, sem
prejuízo da obrigatoriedade de
prestar contas e publicar balancetes
nos prazos fixados em lei; e
b) à organização dos serviços
públicos locais.
Com a Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988 (Brasil,
1988), entretanto, retoma-se o prestígio do
Município não como esfera autônoma,
dotada de competências constitucionais
bem definidas, mas, essencialmente, como
alternativa à tendência centralizadora
historicamente vivenciada pelo País. O
Município passa a integrar a categoria de
organização político-administrativa da
República Federativa do Brasil (art. 18)
como ente federativo, inaugurando-se um
novo modelo de federação (art. 1º):
Art. A República Federativa do
Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e
Municípios e do Distrito Federal,
constitui-se em Estado Democrático
de Direito e tem como fundamentos:
...
Art. 18. A organização político-
administrativa da República
Federativa do Brasil compreende a
União, os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, todos autônomos,
nos termos desta Constituição.
(Grifos dos autores).
No tríplice plano político,
administrativo e financeiro, o Município
conta com autonomia administrativa
(competência para a auto-organização de
seus órgãos e serviços), legislativa
(competência para editar leis, inclusive sua
Lei Orgânica) e política (competência para
eleger os integrantes do Executivo e do
Legislativo).
Inaugura-se, também, um intenso e
controverso debate a respeito da natureza
federativa do Estado brasileiro, visto que a
Constituição se diferencia do modelo
clássico de Federação, em que apenas
dois níveis de distribuição de poder (União
e Estados). Questiona-se a admissibilidade
de um federalismo de três níveis ou se o
Município, apesar da expressa previsão
constitucional, continuaria sendo uma
simples divisão administrativa dos Estados,
sem o status de ente federativo.
Cury (2002) ressalta alguns dos
aspectos relacionados à opção federalista
brasileira por cooperação:
o que supõe o compartilhamento do
poder e a autonomia relativa das
circunscrições federadas em
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competências próprias de suas
iniciativas. Outra suposição de uma
organização federativa, decorrente da
anterior, é a não-centralização do
poder. Isso significa a necessidade de
um certo grau de unidade e sem
amordaçar a diversidade. E, na
forma federativa adotada pela CF/88,
com 27 estados e mais de 5.500
municípios, a realização do
sistema federativo por cooperação
recíproca, constitucionalmente
previsto, poderá encontrar os
caminhos para superar os entraves e
os problemas que atingem nosso país.
A Constituição Federal de 1988
reconhece o Brasil como uma
República Federativa formada pela
união indissolúvel dos estados e
municípios e do Distrito Federal ...
(art. 1º da Constituição). E ao se
estruturar assim o faz sob o princípio
da cooperação, de acordo com os
artigos 1º, 18, 23 e 60, § 4º, I...
Percebe-se, pois, que ao invés de um
sistema hierárquico ou dualista,
comumente centralizado, a
Constituição federal montou um
sistema de repartição de
competências e atribuições
legislativas entre os integrantes do
sistema federativo, dentro de limites
expressos, reconhecendo a dignidade
e a autonomia próprias destes como
poderes públicos. A Constituição fez
escolha por um regime normativo e
político, plural e descentralizado no
qual se cruzam novos mecanismos de
participação social com um modelo
institucional cooperativo e recíproco
que amplia o número de sujeitos
políticos capazes de tomar decisões.
Por isso mesmo a cooperação exige
entendimento mútuo entre os entes
federativos e a participação supõe a
abertura de arenas públicas de
decisão. (p. 171-172; Grifos dos
autores).
Da tessitura federalista, é uma marca
a contradição ou paradoxo considerando as
tensões próprias na existência de distintos
polos de poder:
sustenta fundamentalmente a
pluralidade de esferas
governamentais com poderes
compartilhados ou, na lição de Rui de
Brito Álvaro Affonso, a
“coexistência de autonomias dos
diferentes níveis de governos e a
preservação simultânea da unidade e
da diversidade de uma nação”, o que
traz a ínsita contradição ou
paradoxo do ordenamento estatal
federalista unidade e diversidade,
união e autonomia. (Pires, 1999, p.
56).
Embora positivada, em tal
organização público-administrativa, a
histórica centralização da União é presença
marcante:
A solução brasileira é, contudo,
traída pela vocação centralizadora da
União, não por enunciados
constitucionais diretamente vertidos a
tal propósito, mas por mecanismos
com que a União é aquinhoada, e
que, pervertidos, arrimam a
neutralização dos demais entes. Por
outro lado, consagrando a índole
radical do municipalismo simétrico,
assenta-se, em verdade, em
autonomia “nominal” desconcertante,
não obstante a defesa vigorosa do
municipalismo em diversos meios.
A partir dos movimentos da década
de 80, o municipalismo passou a ser
defendido sob enfoques diferentes e
sobre bases ideológicas distintas:
como contraponto da lógica
centralizadora do federalismo
nominal, na condição de princípio
democrático e como princípio de
engenharia administrativa, com
vistas à construção da eficiência na
prestação do setor público. Essas
ideias, segundo Marcos André B. C.
Melo, constituem o núcleo de
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sustentação do consenso em torno da
ideia do neomunicipalismo. A
proposta de “valorização do poder
local e de descentralização é o
problemático consenso atual”. (Pires,
2013, p. 174).
Nesse cenário, perseveram
dependência e cooptação:
Desse modo, no seu conjunto, a
federação brasileira revela,
sobretudo, o sintoma persistente da
dependência, na figura do que se
pode definir como pirâmide
invertida. A sorte de Estados e
Municípios se desenha, em uma
vertente, à régua e a compasso, nas
mãos da União, sem que haja
salvaguardas capazes de suportar a
complexidade das relações
engendradas por força da histórica
cultura centralizadora e do
federalismo cordial; em outra
vertente pelas explícitas pautas de
preferência ou negocismo. E, ainda,
na vertente democrática, sujeitando-
se as relações a forte mecanismo de
cooptação.
Os Estados-Membros necessitam ser
fortalecidos, enquanto deve ser
revista a atuação da União em
“política de ponta”. A cooptação dos
Municípios e o esvaziamento dos
Estados-Membros esmorecem os
processos de autonomia, de
construção democrática e de
consolidação da cidadania. (Pires,
2013, p. 175-176).
A emancipação dos Municípios não é
simples, mas é uma empreitada possível e
necessária, e a própria Constituição indica
alguns caminhos, como a colaboração,
cooperação e coordenação.
E a autonomia municipal no campo da
educação?
Visto o histórico do Município na
busca pela autonomia e em sua nova
condição de ente federativo, é preciso
verificar o desdobramento a respeito da sua
participação no campo da educação.
Semelhantemente, o debate da
autonomia municipal na área constitui-se
em uma guerra de posições, perpassado por
teses de pesquisas e diretrizes, políticas,
projetos e ações.
Embora com perspectivas diferentes
a respeito da origem normativa dos
sistemas municipais de ensino/educação, se
na Constituição Federal de 1988 ou na Lei
de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional 9.394/1996 (LDB),
pesquisadores da área, como Saviani
(1999), Cury (2002), Lagares (2008),
Arroyo (2015) guardam uma preocupação
comum, a das condições dos entes
municipais com tamanha responsabilidade
no campo da educação.
Para Saviani (1999), “a definição
clara da competência dos municípios para
instituir os próprios sistemas de ensino flui
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB) e não da Constituição
Federal”. (p. 124; Grifos dos autores). No
entanto, a partir de então, a questão a ser
refletida “diz respeito às condições para a
sua efetivação” (p. 124). E, quando a LDB
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três opções ao município instituir o
próprio sistema de ensino, integrar-se ao
sistema estadual de ensino ou compor com
o estado um sistema único de educação
básica o fez por motivos formais e reais,
dos quais sobressaem dificuldades técnicas
e financeiras, como continua Saviani
(1999):
a LDB revela uma certa cautela ao
prescrever, no parágrafo único do
artigo 11, que “os municípios
poderão optar, ainda, por se integrar
ao sistema estadual de ensino ou
compor com ele um sistema único de
educação básica”... Em verdade, a
LDB, ainda que lhe dê caráter
opcional, estabelece claramente a
competência dos municípios para
organizar os próprios sistemas de
ensino. Aliás, o próprio fato de
deixar a eles a opção indica o
reconhecimento explícito de sua
competência nessa matéria. Com
certeza a LDB introduziu a
possibilidade de opção à luz de duas
evidências, uma no plano formal e
outra no plano real. Do ponto de vista
formal, levou em conta a
ambiguidade da Constituição, como
se mostrou. Do ponto de vista real,
considerou as dificuldades técnicas e
financeiras que muitos municípios
teriam para organizar a curto ou
mesmo a médio prazo os seus
sistemas de ensino. É de notar que o
reconhecimento dessa limitação está
expresso também no texto
constitucional quando, ao estabelecer
no inciso VI do artigo 30 a
competência inequívoca dos
municípios de manter programas de
Educação Pré-escolar e de Ensino
Fundamental, acrescenta que isso
será feito com a cooperação técnica e
financeira da União e do estado. (p.
124).
i
Cury (2002), ao abordar o
federalismo cooperativo, uma escolha
oposta a tradição de centralização, comenta
a respeito de algumas dificuldades em sua
implementação:
A pergunta aqui é direta: quem
(re)educará o educador”? Um dos
obstáculos para a realização deste
modelo federado é a desproporção
existente entre os Estados do Brasil
seja sob o ponto de vista de recursos
financeiros, seja do ponto de vista de
presença política, seja do ponto de
vista de tamanho, demografia e
recursos naturais. (p. 173).
Essa pergunta pode ser igualmente
feita aos Municípios e suas atribuições.
Arroyo (2015), também,
problematiza as condições dos municípios
considerando sua capacidade econômica:
“É justo que os direitos das crianças, dos
adolescentes, pobres e negros a serviços
públicos, a escolas, sejam entregues à
responsabilidade do município, o ente
político mais pobre?” (p. 45).
Analisando a evolução da
participação dos entes federativos na
arrecadação total de tributos entre 2010 e
2019, utilizando dados da Receita Federal,
os resultados da pesquisa de Reis e Chaves
(2021) mostram a situação de desigualdade
e desequilíbrio dos Municípios no sistema
tributário e no atendimento educacional,
um aspecto a ser considerado na discussão
sobre a autonomia municipal na educação:
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apesar da baixa participação
municipal na arrecadação total dos
tributos, é a rede municipal de ensino
que possui a maior carga de
responsabilidades sobre a educação
infantil e o ensino fundamental
quando agrega os maiores volumes
de matrículas condizentes com a
legislação nacional. A parca
distribuição de recursos federais,
cujos objetivos centram-se na
diminuição das disparidades
regionais, não impacta positivamente
na redução da desigualdade social
entre os municípios. Pela ótica dos
recursos tributários, percebemos
certo abismo entre estados e
municípios brasileiros, o que indica
que a divisão de responsabilidades na
oferta da educação básica não é
uniforme. (p. 9).
Alves e Pinto (2020) comentam que
uma das características que permeiam o
Município historicamente é a “falta de
recursos tributários fator que explica a
sua dependência dos demais níveis de
governo”; mas que a “Constituição de
1988 minorou, em parte, essa fragilidade
financeira, mas as políticas posteriores de
municipalização da educação e da saúde
acirraram ainda mais essa ausência de
autonomia” e que “uma medida do esforço
do Estado em relação ao investimento em
educação pública é o ‘gasto por aluno.’”
(p. 2).
Nessa análise, então, não se pode
deixar de lado a subvinculação advinda do
Fundo de Manutenção da Educação e
Valorização dos Profissionais da Educação
(Fundeb)
ii
, agora permanente, aprovado
pela Emenda Constitucional 108, de 26
de agosto de 2020 (Brasil, 2020) e
regulamentado pela Lei nº 14.113, de 25 de
dezembro de 2020 (Brasil, 2020). Entre as
conclusões sobre o novo fundo, nos
debates, o reconhecidos os avanços no
que se refere à complementação da União,
porém destaca-se que o índice final obtido,
de 23% a partir de 2026, não corresponde
às necessidades de financiamento de uma
educação básica de boa qualidade para
todos, o que repercutirá no campo da
educação municipal.
(Árduas) Condições dos Municípios
Tocantinenses em busca de relações
mais amplas
No Tocantins, o mais recente Estado
da Federação, criado em 5 de outubro de
1988, no art. 13 do Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias (Brasil,
1988)
iii
, dentre seus 139 Municípios, até o
momento, oitenta instituíram legalmente
seus sistemas municipais de
ensino/educação.
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Figura 1: Linha do tempo da homologação das Leis de Sistema Municipal de Ensino dos Municípios
tocantinenses.
Fonte: Rede ColaborAção Tocantins (RCT) (2021).
Figura 2: Quantitativo de Leis de Sistema Municipal de Ensino/Educação aprovadas por ano no Estado do
Tocantins, 2021.
Fonte: Rede ColaborAção Tocantins (RCT) (2021).
Os demais 59 Municípios sem
sistemas, conforme a Lei Estadual
2.139, de 3 de setembro de 2009, que
dispõe sobre o Sistema Estadual de Ensino
do Tocantins (Tocantins, 2009), não estão
integrados ao sistema estadual como
pressupõe o art. 11, parágrafo único da
LDB (Brasil, 1996), estando, assim, sem
autonomia e sem apoio da esfera estadual:
Art. Integram o Sistema Estadual
de Ensino:
I - a Secretaria da Educação e
Cultura;
II - a Secretaria da Ciência e
Tecnologia;
III - o Conselho Estadual de
Educação;
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IV - os órgãos Estaduais de Cultura;
V - as instituições de ensino, em
quaisquer níveis ou modalidades,
mantidas pelo Poder Público
Estadual;
VI - as instituições de educação
básica, criadas e mantidas pela
iniciativa privada;
VII- as instituições de educação
profissional técnica de nível médio,
criadas e mantidas pela iniciativa
privada;
VIII - as instituições de educação
superior, criadas e mantidas pelo
Poder Público Municipal.
§1º Os órgãos estaduais integrantes
do Sistema Estadual de Ensino
podem atender, subsidiariamente,
mediante convênio, para emissão de
atos legalizadores, as instituições de
educação básica e de educação
profissional técnica de nível médio
mantidas pelo Poder Público
Municipal, nos municípios que não
disponham de sistema próprio.
(Grifos dos autores).
Correlacionando dialeticamente
sociedade e educação, um conjunto de
fatores implica em árduas condições para a
materialização da autonomia e a gestão da
educação municipal, como o Município ter
dificuldade em seu reconhecimento
enquanto ente federativo, como definido
pela Constituição Federal de 1988,
dificultando a compreensão do real
significado de institucionalização do
sistema municipal de ensino/educação,
contribuindo com a manutenção das
relações hierárquicas, intencionalmente,
sem intenção ou por causa da falta de
condições objetivas (A. R. Sousa,
comunicação pessoal, 06 de outubro,
2021). O fato de os Municípios serem os
entes mais pobres da federação,
concentrando, assim, fragilidades e
limitações técnicas, administrativas e
financeiras, dificultando o exercício da
autonomia. Esses entes federados
conseguiram um protagonismo, mas
continuam sendo os que têm maiores
dificuldades em operar a autonomia (L. V.
Santos, comunicação pessoal, 06 de
outubro, 2021). Ainda, por obstáculos
relacionados a cultura política oligárquica
e paternalista do Estado brasileiro,
marcado pelo controle e centralização do
poder, na visão de C. P. Reis (comunicação
pessoal, 06 de outubro, 2021).
Para R. F. Carvalho (comunicação
pessoal, 06 de outubro, 2021), a temática
deve ser analisada na perspectiva da
totalidade, explicativa das relações sociais
na sociedade capitalista, pois é um
conjunto de questões determinantes que
impedem a autonomia do município.
Baseado no referencial crítico da educação,
as relações sociais capitalistas não são
baseadas na autonomia, de construção,
participação e transparência, não
remetendo a ideia de articulação, mas de
fragmentação.
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Lagares (2008), analisando os
Municípios tocantinenses, destaca que “são
desafios de ordem conceitual e cultural,
político-administrativo-pedagógicos, e,
ainda, os relativos à implementação do
regime de colaboração entre as diversas
instâncias.” (p. 201):
No tocante à questão conceitual e
cultural, os municípios demonstram
insuficiência e/ou inconsistência de
conhecimento e informações em
relação a sistemas de educação, mais
especificamente quanto aos seus
elementos, e, ainda, à concepção,
natureza e papel do CME e do
próprio SMEd [Sistema Municipal de
Educação].
Na perspectiva político-
administrativo-pedagógica, ainda
persistem insuficiência de
sistematização de informações e
dados a respeito da organização e da
gestão da educação nos municípios
do Tocantins; baixa especialização
político-administrativa dos órgãos
administrativos, sobretudo em
relação a funções como
acompanhamento, supervisão,
orientação, avaliação, autorização e
credenciamento das instituições de
educação; descontinuidade político-
administrativa; compreensão
insuficiente do que pode ser realizado
pelo município, independentemente
do realizado pelos governos federal e
estadual; ausência de PMEs e de uma
gestão que atenda às demandas
cotidianas; administração de
programas, projetos e ações pontuais,
financiados pelo governo federal e/ou
pelo governo estadual, marcados pela
não-regularidade e pelo acesso
diferenciado; inexistência ou pouco
debate, reflexão, problematização,
estudo, avaliação e reformulação da
política pública educacional do
município; ausência de tratamento
equânime com a organização dos
níveis e modalidades de educação e
ensino, bem como pulverização da
formação escolar; ausência ou
reduzida autonomia dos dirigentes
municipais de educação, em especial,
na gestão financeira; tensão entre
demanda de dirigentes municipais de
educação pela participação efetiva na
gestão financeira dos recursos da
educação e resistência do executivo
e/ou de outros órgãos municipais que
lidam com as finanças, além de certo
receio em lidar com recursos
públicos; desconhecimento e/ou falta
de qualificação de dirigentes
municipais no tocante à política e
gestão da educação; insuficiência
e/ou inconsistência relativas à
natureza/conceitos,
mecanismos/instrumentos e
dimensões/espaços da gestão
democrático-participativa na
educação, com experiências ditas
participativas que não têm levado à
construção e consolidação de práticas
sociais descentralizadas,
democráticas e participativas,
sobretudo de decisão e controle
social, embora apontem para essa
direção.
Prevalece a perspectiva da
participação tutelada, e não como
mecanismo de representação e
participação política. A criação dos
CMEs vem contribuindo para o
processo de discussão da educação
municipal, contudo, ainda expõe
vulnerabilidades em relação aos
critérios adotados pelo poder
executivo para a definição de seus
membros e ao desvirtuamento de
suas funções. A definição dos
gestores das instituições de educação
é marcada por práticas clientelistas,
por meio de indicações políticas do
executivo e/ou legislativo municipal,
vigorando as preferências políticas,
justificadas pela racionalidade
instrumental. As instituições de
educação, ainda, estão sob a tutela
dos órgãos executivos, com
princípios centralizadores e
tecnocráticos na gestão. Ainda,
ddificuldades com a mobilização
social e exclusão dos profissionais da
educação não-docentes dos planos de
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carreira existentes e a não-efetivação
destes planos profissionais.
Por fim, existe o desafio de
estabelecer o regime de colaboração,
pois ainda permanecem a
competição, a hierarquização ou
isolacionismo entre as esferas
públicas, que se contrapõem à
autonomia e interação entre os
elementos dos sistemas de educação,
que concentra esforços apenas na
função de execução e nos meios
educacionais. (p. 201-202; Grifos dos
autores).
Lagares et al. (2020), em análise do
“desfecho da pandemia do novo
coronavírus para a educação pública no
país e no Tocantins, tendo a educação
como campo de lutas ... demonstram que a
conjuntura reacende a discussão a respeito
da não prioridade da educação [pública]
pelo Estado e desnuda que o liame para a
sua destruição é fino e frágil.” (p. 1).
Tais análises coadunam e reforçam
as preocupações dos pesquisadores da área
em relação às condições dos Municípios no
âmbito da educação. No entanto pergunta-
se: possibilidade de que a instituição do
sistema de ensino/educação por alguns
municípios possa gerar uma falsa solução,
sendo a de sistemas abandonados ou
pseudo sistemas, criados legalmente, mas
sem atuação efetiva com poucas normas
e decisões ou seguindo as normas do
Conselho Estadual de Educação sem o
equilíbrio na repartição de riquezas, e,
desse modo, continuarem dependentes,
submissos, subordinados, não, integrados?
Notas conclusivas
No cenário contemporâneo, o
incentivo à descentralização faz parte do
intento neoliberal/ultraliberal de desonerar
o governo federal, que centraliza os
recursos e repassa responsabilidades a
governos estaduais e municipais e,
também, a organizações não-
governamentais (Ongs). Por outro lado, a
descentralização pode significar
autonomia, maior participação, mais
cidadania, ampliação do processo
democrático.
As condições árduas [e, por vezes,
exíguas] das esferas municipais no
Tocantins para a materialização da sua
autonomia e a gestão da educação advêm
de aspectos estruturais da sociedade, não
apenas dos contextos, como por exemplo,
as mudanças exigidas pela pandemia da
Covid-19. Nesse sentido, problematizá-las
implica problematizar a estrutura societária
brasileira desigual.
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disponibilização de dados contábeis pelos
entes federados, para tratar do
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73301999000400006
i
Art. 30. A educação infantil será oferecida em:
I - creches, ou entidades equivalentes, para crianças
de até três anos de idade;
II - pré-escolas, para as crianças de 4 (quatro) a 5
(cinco) anos de idade. (Redação dada pela Lei
12.796, de 2013) (Brasil, 1996).
ii
A política de fundos foi iniciada com o Fundo de
Manutenção e Desenvolvimento do Ensino
Fundamental e Valorização do Magistério (Fundef
1997-2006), com a Lei n° 9.424/1996.
iii
Texto promulgado em 5/10/1988: Art. 13 ADCT:
“É criado o Estado do Tocantins, pelo
desmembramento da área descrita neste artigo,
dando-se sua instalação no quadragésimo sexto dia
após a eleição prevista no § 3º, mas não antes de
de janeiro de 1989. § O Estado do Tocantins
integra a Região Norte e limita-se com o Estado de
Goiás pelas divisas norte dos Municípios de São
Miguel do Araguaia, Porangatu, Formoso, Minaçu,
Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Campos
Belos, conservando a leste, norte e oeste as divisas
atuais de Goiás com os Estados da Bahia, Piauí,
Maranhão, Pará e Mato Grosso. § 2º O Poder
Executivo designará uma das cidades do Estado
para sua capital provisória até a aprovação da sede
definitiva do governo pela Assembleia Constituinte.
§ O Governador, o Vice-Governador, os
Senadores, os Deputados Federais e os Deputados
Estaduais serão eleitos, em um único turno, até
setenta e cinco dias após a promulgação da
Constituição, mas não antes de 15 de novembro de
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1988, a critério do Tribunal Superior Eleitoral,
obedecidas, entre outras, as seguintes normas: [...].”
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em : 13/11/2021
Aprovado em: 04/12/2021
Publicado em: 19/12/2021
Received on November 13th, 2021
Accepted on December 04th, 2021
Published on December, 19th, 2021
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram
os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da
pesquisa, a saber: elaboração, análise e interpretação dos
dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito
e; aprovação da versão final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for
the designing, delineating, analyzing and interpreting the
data, production of the manuscript, critical revision of the
content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam
não haver nenhum conflito de interesse referente a este
artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Cury, C. R. J., Lagares, R., & Gonçalves, I. B. P. (2021).
Autonomia federativa, sistemas municipais de
ensino/educação: impactos para a educação no Tocantins.
Rev. Bras. Educ. Camp., 6, e13425.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e13425
ABNT
CURY, C. R. J.; LAGARES, R.; GONÇALVES, I. B. P.
Autonomia federativa, sistemas municipais de
ensino/educação: impactos para a educação no Tocantins.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 6, e13425,
2021. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e13425