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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e13816
A epistemologia do Escola da Terra no Distrito Federal:
ensaios do Sistema de Complexos nas Escolas do Campo
Clarice Aparecida Santos1, Eliene Novaes Rocha2, Maura Luciane Souza3,
1, 2 Universidade de Brasília - UnB. Faculdade UnB Planaltina. Área Universitária 01, Vila Nossa Senhora de Fátima. Planaltina-
DF. 3 Secretaria de Educação do Distrito Federal.
Autor para correspondência/Author for correspondence: claricesantos61@gmail.com
RESUMO. O presente artigo objetiva compartilhar o processo
de formação continuada de educadores(as) da Educação Básica
das Escolas do Campo do Distrito Federal (DF), por meio do
Programa Escola da Terra, do Ministério da Educação, em
parceria com a Universidade de Brasília (UnB) e a Secretaria de
Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), na
perspectiva do Sistema de Complexos. Contextualiza a trajetória
de construção e de institucionalização da política pública de
Educação do Campo no DF, as estratégias desenvolvidas pela
SEEDF e as contribuições da UnB, por meio da Escola da Terra
e de outros projetos para a implementação de tais políticas.
Apresenta os elementos do Projeto Pedagógico do Programa, os
princípios teórico-metodológicos sobre os quais se assentam o
Sistema de Complexos, a organização curricular do curso,
identificando os limites e os desafios próprios de um percurso
coletivo e, principalmente, os avanços construídos no âmbito
das escolas, do corpo docente e da própria UnB, notadamente a
instituição do curso de Especialização em Educação do Campo,
dentro dessa mesma perspectiva epistemológica.
Palavras-chave: programa escola da terra, formação
continuada, educadores, sistema de complexos.
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The epistemology of Escola da Terra in the Distrito
Federal: essays on the System of Complexes in rural
schools
ABSTRACT. This article aims to share the process of
continuing education of educators from countryside schools in
the DF through the Escola da Terra Program, of the Ministry of
Education, in partnership with the University of Brasília and the
State Department of Education of the District Federal, from the
perspective of the System of Complexes. It contextualizes the
trajectory of construction and institutionalization of the
Countryside Education public policy in the DF, the strategies
developed by SEEDF and the contributions of UnB, through
Escola da Terra and other projects for the implementation of
such policies. It presents the elements of the Program's
Pedagogical Project, the theoretical-methodological principles
on which the System of Complexes are based, the curricular
organization of the Course, identifying the limits and challenges
inherent to a collective route and, mainly, the advances built
within the scope of the schools, teachers and UnB itself, notably
the institution of the Specialization Course in Countryside
Education in the same epistemological perspective.
Keywords: escola da terra program, continuing education,
educators, system of complexes.
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La epistemología de la Escola da Terra en el Distrito
Federal: ensayos sobre el Sistema de Complejos en
escuelas rurales
RESUMEN. Este artículo tiene como objetivo compartir el
proceso de formación continua de educadores de escuelas rural
del campo del Distrito Federal a través del Programa Escola da
Terra, del Ministerio de Educación, en colaboración con la
Universidad de Brasilia y la Secretaría de Estado de Educación
del Distrito Federal, desde la perspectiva del Sistema de
Complejos. Contextualiza la trayectoria de construcción e
institucionalización de la política pública de Educación del
Campo en el DF, las estrategias desarrolladas por SEEDF y los
aportes de la UnB, a través de la Escola da Terra y otros
proyectos para la implementación de tales políticas. Presenta los
elementos del Proyecto Pedagógico del Programa, los principios
teórico-metodológicos en los que se sustenta el Sistema de
Complejos, la organización curricular del Curso, identificando
los límites y desafíos inherentes a un camino colectivo y,
principalmente, los avances construidos en el marco del ámbito
de las escuelas, profesores y de la propia UnB, destacándose la
institución del Curso de Especialización en Educación Rural en
la misma perspectiva epistemológica.
Palabras clave: programa escola da terra, formación continua,
educadores, sistema de complejos.
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Histórico e contextualização do processo de construção da política pública de Educação
do Campo no Distrito Federal
O caminho político-pedagógico percorrido na construção da política pública de
Educação do Campo no Distrito Federal foi norteado pela formação como ferramenta
fundamental para o planejamento e o desenvolvimento de um trabalho inicial, que buscou
inserir a Educação do Campo na agenda pública, política e pedagógica da Secretaria de
Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), a partir de 2011.
Tal contexto configurou um desafio para a implantação de uma política pública forjada
na luta de organizações e movimentos sociais do campo – de trabalhadoras e trabalhadores,
fundada em uma perspectiva emancipatória e garantidora dos direitos dos sujeitos do campo.
Entre os anos de 2001 e 2010, foram conquistados importantes marcos normativos[1],
que dão sustentação a essa política educacional no país, na esteira de uma trajetória de lutas já
iniciadas, anteriormente, por diversos setores da sociedade, com ênfase para os movimentos
sociais camponeses.
Entre os anos de 2012 e 2017, o movimento foi de construção e de início do processo de
implantação da Educação Básica do Campo na Rede Pública de Ensino do Distrito Federal[2].
A elaboração dessas ações e políticas deu-se a partir da sensibilização dos gestores,
visibilização das demandas e mobilização de recursos e esforços técnicos, políticos e sociais.
O objetivo foi planejar, organizar e implementar essa modalidade de ensino da Educação
Básica, de forma territorializada, tendo como ponto de partida e de chegada o campo e seus
sujeitos.
Diante do primeiro grande desafio de conhecer o campo do DF, estruturar e reunir as
condições materiais, recursos humanos, orçamentários, informações e dados internos e da
realidade das Coordenações Regionais de Ensino e suas respectivas Unidades Escolares do
Campo, foram empreendidos esforços e ações por meio de um instrumento metodológico que
permitiu a realização de diagnóstico junto às escolas, considerando os territórios onde as
comunidades escolares e locais estão inseridas – lócus onde os sujeitos produzem e
reproduzem sua existência e convivência social.
Os dados sistematizados da coleta quali-quantitativa do diagnóstico produziram
elementos fundamentais para dar visibilidade à realidade das 75 Escolas do Campo existentes
à época, bem como para a construção coletiva, baseada na escuta dos(as) profissionais que
nelas atuavam e na observação participante. Foi possível, ainda, pautar institucionalmente as
demandas advindas desse trabalho, trazer à baila a necessidade de se instaurar processos
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formativos junto aos(às) gestores(as) (em nível intermediário e local), professores(as),
coordenadores(as), orientadores(as) educacionais e demais profissionais da educação que
atuavam diretamente com os sujeitos da Educação do Campo: os estudantes.
Compreendendo os estudantes do campo como sujeitos de direitos e construtores de
história, cultura, valores, conhecimentos populares, potenciais e demandas singulares, é
imprescindível que a educação pública, o seu currículo, o Projeto Político-Pedagógico (PPP) e
o Inventário Social, Histórico, Cultural e Ambiental das Escolas do Campo estejam,
intimamente, ligados à vida desses educandos.
Desse modo, com a intencionalidade de (re)organização do trabalho pedagógico, em
consonância com os princípios e matrizes da Educação do Campo, a questão da integração
dessa política ao Currículo foi incorporada às discussões de construção ampla e democrática
do Currículo em Movimento da Educação Básica do DF, que movimentou a rede pública de
ensino no período de 2013 a 2014. Segundo Caldart (2015):
...o esforço coletivo empenhado para que o trabalho pedagógico se aproprie da lógica
dialética, num movimento em que a vida ajuda a compreender ou dar sentido aos conteúdos,
ao estudo dos conceitos das ciências, os conteúdos precisam ajudar a compreender e a
resolver as questões da vida (p. 62).
Dessa esteira, emerge a construção coletiva dos marcos políticos e normativos,
conforme citado anteriormente, no âmbito distrital, adensados por ações pioneiras de
promoção do reconhecimento e de apropriação dos princípios e matrizes norteadores dessa
política pública, contornada pelas especificidades e diversidade dos seus sujeitos e territórios
camponeses e, substancialmente, vinculada ao modo de vida e à realidade dos povos do
campo. Das referidas ações e marcos, podem-se destacar: a elaboração/publicação dos
Pressupostos Teóricos do Currículo em Movimento da Educação Básica do Distrito Federal
(2014); o Plano Distrital de Educação (2015-2024); a inserção da Modalidade de Ensino de
Educação do Campo no Regimento Escolar da Rede Pública de Ensino do DF (2015); a oferta
de Formação Continuada, desenvolvida pela atualmente denominada Subsecretaria de
Formação Continuada dos Profissionais de Educação (EAPE); o processo de construção dos
Inventários Sociais, Históricos, Culturais e Ambientais das Escolas do Campo; a Proposta
Didática para a Construção do Inventário (2016); o Projeto interventivo, coletivo e formativo
denominado de Dia do Campo; a constituição do Fórum Permanente da Educação do Campo
do DF (FECAMPO); e a implantação do Programa Nacional de Inclusão de Jovens: Projovem
Campo – Saberes da Terra (2015-2017) – inserindo a Pedagogia da Alternância na Educação
Básica do DF.
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Tendo em vista que os primeiros esforços de regulação já estavam materializados – a
inclusão da Educação do Campo como Modalidade de Ensino no Currículo em Movimento
(2014) e a aprovação da Meta 08 do Plano Distrital de Educação (PDE), estabelecendo 41
estratégias voltadas para a implementação da política pública educacional para a área,
abarcando objetivos pedagógicos e estruturais – tornava-se necessário instituir orientações
para nortear o trabalho pedagógico contextualizado, cerne da Educação do Campo.
A partir da propositura do Fórum Permanente de Educação do Campo à SEEDF, do
documento produzido e aprovado em seu âmbito, denominado Diretrizes Operacionais da
Educação Básica do Campo do DF (2016/2017), o Conselho de Educação do Distrito Federal
(CEDF) fez diversas recomendações que culminaram na construção de dois importantes
instrumentos normativos da SEEDF: a Portaria n° 419, de 20 de dezembro de 2018, que
institucionalizou a política de Educação Básica do Campo na rede, com o objetivo de
demarcar as especificidades e fornecer as bases operacionais para a sua implementação; e as
Diretrizes Pedagógicas da Educação Básica do Campo para a Rede Pública de Ensino do
Distrito Federal, aprovadas em julho de 2019, pelo Parecer CEDF nº 140/2019, e publicadas
pela Portaria SEEDF nº 224/2019, com a finalidade de proporcionar ferramentas teóricas,
conceituais e metodológicas capazes de auxiliar o redimensionamento do trabalho pedagógico
das unidades escolares do campo.
É importante destacar que as referidas Diretrizes Pedagógicas apresentam os princípios
e as matrizes dessa política pública, revelam os fundamentos, refletem sobre os sujeitos do
campo no DF, dialogam diretamente com a estrutura da SEEDF (regimentos, currículo e a
escrituração própria) e trazem orientações importantes para as escolas a respeito do processo
dinâmico e coletivo de construção do Inventário Social, Histórico, Cultural e Ambiental –
Inventário da Realidade – apresentando as metodologias disponíveis e possíveis para a sua
elaboração e reelaboração contínuas. Além disso, dão visibilidade e orientam a respeito da
Pedagogia da Alternância enquanto princípio, prática e metodologia ativa.
Ressalta-se, ainda, que as diretrizes estabelecem a relação da Educação do Campo com
os Eixos Transversais do Currículo em Movimento da Educação Básica, a saber: Educação
em e para os Direitos Humanos, Educação para a Diversidade – com uma tratativa especial
direcionada às Mulheres do Campo – e Educação para a Sustentabilidade – reconhecendo a
centralidade da Agroecologia como proposta fundamental e, sobretudo, prática social que visa
ao desenvolvimento sustentável do campo, que corrobora com a contra hegemonia necessária
ao alicerce de um novo paradigma e projeto de campo.
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Mesmo diante da vigência da Lei nº 5.499/2015, que institui o Plano Distrital de
Educação (PDE) [3] e estabelece, em sua Meta 8, as Estratégias nº 24 e 25, diretamente
relacionadas com a oferta de Formação Continuada em Educação do Campo, a garantia de
acesso à formação continuada dos profissionais que atuam na Educação do Campo/Escolas do
Campo ainda é um desafio para o processo de implementação da política de Educação Básica
do Campo.
Segundo o Censo Escolar de 2020, são 80 unidades escolares do campo, distribuídas em
10 Coordenações Regionais de Ensino (CREs), com 2.195 professores atuantes nessas
escolas. Destes, 1.573 são efetivos e 622 são substitutos em regime de contratação temporária,
situados em um contexto institucional desfavorável às especificidades dessa realidade e às
suas demandas no que tange à efetividade do direito à formação continuada, revelando
lacunas na oferta dessa política, a qual deve se vincular às lutas por garantia de direitos da
categoria.
Contudo, desde 2018, com o início da implementação do processo formativo inerente ao
Programa Escola da Terra, é possível constatar a relevância dessa experiência (com a 1ª
edição, 2018/2019, e a 2ª edição, 2020/2021), em que o trabalho coletivo e formativo está no
centro do processo pedagógico e constrói aproximações teóricas e metodológicas com as
práticas escolares já desenvolvidas na rede de escolas do campo do DF, concorrendo para o
fortalecimento da identidade e da função social das escolas do campo, assim como do
caminho que vem sendo sedimentado pelo desenvolvimento da formação continuada pela
EAPE/SEEDF. Pode-se perceber seus impactos em diversos aspectos junto ao coletivo de
cursistas e escolas envolvidas, bem como a sua contribuição para o alcance da estratégia 25 da
Meta 8/PDE, mencionada anteriormente.
Ressalta-se que a efetivação da parceria interinstitucional, materializada por meio de
ações pactuadas e promovidas pelos órgãos públicos (MEC/UnB/SEEDF), que são agentes
dessa política formativa, constitui uma das principais estratégias responsáveis pelos avanços
político-pedagógicos que a Formação Escola da Terra vem entregando aos sujeitos envolvidos
e à Educação do Campo de um modo geral, considerando o percurso realizado até o
momento, (1ª e 2ª edições), além do diferencial de implantação/implementação, concomitante,
da formação em nível de pós-graduação da primeira turma de Especialização em Educação do
Campo, voltada à rede de Escolas do Campo do DF, que se encontra em fase de conclusão.
A Ação Escola da Terra do Ministério da Educação (MEC) é parte das ações que
compõem o Programa Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO), que tem como
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objetivo assegurar a realização de processos de formação continuada de professores(as) que
atuam na Educação Básica nas Escolas do Campo e Quilombolas. No Distrito Federal, a
articulação deu-se por meio da parceria entre o MEC, a Secretaria de Estado da Educação do
Distrito Federal (SEEDF) e a Universidade de Brasília (UnB).
A primeira edição da ação Escola da Terra no DF teve início em 2018 e conclusão em
2019, tendo participado 120 professores, gestores e coordenadores de Escolas do Campo.
Essa primeira experiência possibilitou a aproximação e o diálogo, não somente com os
professores e professoras que atuam nessas escolas, mas também com a comunidade, com os
movimentos sociais e sindicais que ocupam o campo do Distrito Federal e constroem suas
lutas em defesa do território camponês e da educação.
A parceria com o MEC se repetiu para a segunda edição do Escola da Terra (2020-
2021) e encontrou um grande desafio para a sua execução, em razão da suspensão das
atividades presenciais, motivada pela pandemia do novo coronavírus, denominado de Sars-
Cov-2. Os desafios de construir um processo de formação basicamente virtual, reinventar as
formas de fazer formação continuada, articular e mobilizar os(as) professores(as) e construir
estratégias pedagógicas para envolvimento e mobilização de toda equipe de assessores(as)
pedagógicos(as) e professores(as) formadores(as) exigiram um intenso processo de
mobilização, articulação e de construção coletiva.
A segunda edição concentrou a atuação no objetivo de contribuir com a execução da
política pública de formação continuada para professores de Educação Básica que atuam na
Educação do Campo no Distrito Federal, visando a qualificar a atuação dos professores em
sala de aula e contribuir para melhorar a qualidade da educação nas escolas do DF.
Assim, o objetivo deste trabalho é compartilhar o processo de formação continuada de
educadores(as) da Educação Básica das Escolas do Campo do Distrito Federal (DF)
desenvolvido por meio do Programa Escola da Terra, do Ministério da Educação, em parceria
com a Universidade de Brasília (UnB) e a Secretaria de Estado de Educação do Distrito
Federal (SEEDF), na perspectiva do Sistema de Complexos.
Para isso, destacamos os elementos que estruturaram a formação continuada de
professores das Escolas do Campo do DF à luz da segunda edição e a partir dos seguintes
elementos: i) Projeto Pedagógico da formação; ii) a organicidade envolvendo toda a equipe de
formação: equipe pedagógica de coordenação, formadores/as e cursistas; iii) alguns
resultados: sistematização, registro e memória desses processos formativos e oferta da 1ª
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Turma de Especialização em Educação do Campo para professores das Escola do Campo do
Distrito Federal.
Os resultados desse processo, coordenado e acompanhado pelas autoras deste artigo,
apontam que, resguardando a importância da formação presencial, em momentos adversos
como esses que o mundo tem vivenciado, manter o trabalho pedagógico, a formação e a
articulação com as Escolas do Campo, ainda que mediado pelas tecnologias no formato
remoto, torna-se um elemento de resistência em defesa da Escola do Campo e do direito à
educação para os sujeitos do campo.
A epistemologia do Escola da Terra no DF – ensaios do Sistema de Complexos nas
Escolas do Campo do DF, o Projeto Pedagógico e a Organização Curricular
Nós precisamos criar uma escola que prepare os construtores da nova vida.
(Krupskaya)
A Escola da Terra no DF assenta-se na teoria do conhecimento, com base nos princípios
da Pedagogia Socialista, que teve, entre os seus expoentes, Pistrak (2009, 2018); Krupskaya
(2017); Lunatchárski (2018); e Shulgin (2013).
A Pedagogia Socialista foi proposta e implementada nos primeiros anos da Revolução
Russa, em 1917, em um país onde não havia ensino formal para a maioria da população,
especialmente os camponeses, que apresentavam altos índices de analfabetismo, além da
baixa qualificação e do trabalho precário dos professores, situação que desafiava os
educadores da época, comprometidos com o processo de transformações sociais profundas, no
âmbito de uma revolução que depôs séculos de tirania absolutista, imposta por impérios
familiares que condenavam a população à miséria e à morte.
Tratava-se de mobilizar educadores e dirigentes na perspectiva de um novo projeto
formativo e educativo, no âmbito formal das escolas. Um projeto de escola pública, laica,
unitária nos diferentes níveis, para todos os cidadãos e cidadãs, ou seja, uma “Escola Única do
Trabalho”.
Do ponto de vista epistemológico, os educadores da Pedagogia Socialista destacavam
que a educação socialista era mais do que somente uma questão de conteúdos de ensino.
Embora rejeitassem a escola livresca, enfatizavam a importância dos seus métodos, da forma
escolar. Para eles, as crianças aprenderiam participando ativamente do trabalho e da vida
social e comunitária, inclusive da administração escolar, de acordo com as suas condições e
idades.
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Não é suficiente, a nosso ver, tornar crítico o conteúdo da escola capitalista. Há toda uma
organização do trabalho escolar (não só a pedagógica) que está pensada a partir das relações
sociais capitalistas, para familiarizar o aluno com estas relações – em especial as relações de
poder vivenciadas pela organização da escola capitalista. O recurso à prática, no interior da
escola atual, pode ser ainda facilmente reduzido a uma tematização de questões da prática. A
postulação pode terminar reforçando a característica verbalista do nosso sistema
educacional, o qual pode continuar a desenvolver seu trabalho com temas “ilustrados pela
prática”, com um ou outro momento pontual de inserção na prática (Pistrak, 2009, p. 97-98).
Para tanto, criaram uma forma de organização escolar conhecida como Sistema de
Complexos, segundo o qual os professores não deviam ensinar de acordo com um programa
rígido, com disciplinas e conteúdos previamente determinados. Os problemas das crianças,
suas famílias e de seus entornos, as questões relacionadas com a produção e a reprodução da
vida, as condições objetivas e subjetivas, é que deveriam constituir-se em ponto de partida,
estudados e compreendidos, com vista à busca de soluções, amparadas nas bases das ciências.
Segundo aqueles(as) educadores(as), essas eram as condições necessárias para a
formação de homens e mulheres, “vinculados aos desafios do presente, desalienados, mais
preocupados em criar o futuro do que em cultuar o passado, e cuja busca do bem comum
superasse o individualismo e o egoísmo”, bases da nova sociedade em construção
(Tragtenberg, 1981, pp. 8-9 apud Caldart et al., 2012, p. 565).
De acordo com Freitas (2012), a formulação no conjunto da denominação “Escola
Única do Trabalho” embute três categorias: escola, única e trabalho. A importância da escola
é reconhecida pelo autor “como um instrumento de luta na construção de uma nova sociedade,
na perspectiva de que esta atenda aos interesses da classe trabalhadora – vale dizer, como
instrumento de sua conscientização e emancipação” (p. 339). A definição de escola como
única é feita a partir da “concepção de que a sociedade que almejamos é uma sociedade de
trabalhadores iguais, e não dividida entre exploradores e trabalhadores explorados” (p. 339).
Pressupõe a superação da escola dual capitalista, que impõe itinerários formativos distintos,
de maior ou menor progressão, de acordo com a classe social a que pertencem crianças e
jovens. A categoria trabalho envolve, nessa perspectiva da escola, dois sentidos: “um, no
entendimento ontológico do termo trabalho como atividade criativa dos seres humanos
(portanto significando uma relação da escola com a vida), e outro como trabalho produtivo”
(p. 339), propriamente dito, ligando diretamente a escola com as atividades produtivas das
famílias e do seu entorno. Trata-se de trabalho produtivo, envolvendo estudantes, educadores
e gestores das escolas, respeitando as condições individuais, a idade e seus talentos e
interesses.
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Complexos de Estudos é uma concepção teórico-metodológica de organização do ensino
escolar, elaborado e adotado nas escolas dos primeiros anos da Revolução Russa, no que
Krupskaya denominou de “trabalho pedagógico experimental” (Pistrak, 2009, p. 107).
Afirmava a pedagoga que, sem um bom plano,
...seria impossível qualquer tipo de trabalho. No entanto, toda questão está em como realizá-
lo. No processo de crescimento, o plano inicial inevitavelmente passa por mudanças, a vida
introduz nele correções, mas ao mesmo tempo aprofunda-o e torna-o mais claro (Pistrak,
2009, p. 107, grifo das autoras).
Esse é o sentido geral do Sistema de Complexos, sintetizado por Leite e Sapelli (2021):
...como uma forma de organizar o currículo escolar de modo que propiciasse aos estudantes,
desde a menor idade, a apropriação das questões da atualidade, a apreensão da realidade,
buscando explicitar suas contradições, compreendendo-as a partir das relações entre o
singular, o particular e o universal, portanto, a partir das suas múltiplas determinações.
Também que promovesse a exercitação de processos de auto-organização, tendo o trabalho
como categoria de sustentação e como método geral (p. 237).
A opção teórico-metodológica pelo Sistema de Complexos está em acordo com os
princípios da Educação do Campo, notadamente no que se refere à indissociabilidade entre
Educação e Campo, isto é, sobre a intrínseca ligação entre a educação escolar e as relações
sociais presentes no campo brasileiro. Na perspectiva da emancipação humana, da educação
omnilateral e politécnica, tais relações precisam ser confrontadas por dentro da instituição
escolar, que carrega as marcas das relações sociais capitalistas, notadamente a ruptura entre
teoria e prática, entre trabalho manual e intelectual, entre ensino e realidade.
O desafio é buscar formas de ensino e formas de organização escolar que estabeleçam a
ligação entre o pensar e o fazer. Para tanto, exige-se repensar o “complexo” sistema
educacional como um todo, desde o processo de construção de conhecimento até as formas de
gestão escolar; desde o conteúdo formativo até as formas de organização da escola e sua
relação com seu entorno, com a vida real que acontece nas práticas sociais, com as lutas do
povo que acontecem onde a escola está inserida.
O conteúdo formativo do qual tratamos não se refere às listas de conteúdos de ensino
pré-estabelecidos que, embora possam se apresentar como críticos, são vazios da vida real
dos(as) estudantes. O conteúdo formativo, ao qual nos referimos, é aquele advindo do
Inventário da Realidade, da imersão da escola com as famílias, com a comunidade e suas
organizações e dos problemas e desafios reais que o contexto apresenta à escola e aos
conhecimentos científicos como seu objeto.
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Nesse diapasão, é de importância crucial o vínculo entre ensino e realidade na
organização do currículo escolar, buscando romper as formas tradicionais de abordagens
fragmentadas, descontextualizadas dos conteúdos e das disciplinas. É importante, inclusive,
repensar a própria independência das disciplinas, implementando práticas de planejamento
coletivo e o trabalho por áreas do conhecimento.
O curso de Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) da UnB orienta-se,
epistemológica e metodologicamente, por esta concepção. Na formação continuada,
desenvolvida pelo Escola da Terra[4], assim como no curso de Especialização em Educação do
Campo como formação acadêmica em nível de pós-graduação, ofertada às(aos)
educadoras(es) das Escolas do Campo no Distrito Federal, vinculado ao Escola da Terra,
implementa-se um processo formativo de acordo com esse arcabouço teórico-metodológico.
O Projeto Pedagógico da formação Escola da Terra/DF
O curso realizou-se em alternância pedagógica. As atividades de formação presencial
denominado Tempo Universidade (TU) foram alternadas com as atividades de Tempo
Comunidade (TC). No total, realizaram-se 138 horas em Tempo Universidade (TU) e 75
horas em Tempo Comunidade (TC). O Projeto Pedagógico de formação organizou-se a partir
de 3 Módulos Temáticos, cujos eixos e subeixos visam a dialogar sobre os princípios da
Educação do Campo, a formação por área do conhecimento e a relação com os Complexos de
Estudo como elemento orientador da construção do projeto pedagógico das Escolas do
Campo.
Cada módulo temático desenvolveu-se a partir de subeixos temáticos, denominados de
componentes curriculares, com conteúdo, estratégias e práticas pedagógicas que dialogam
com as práticas dos(as) professores(as), com os desafios da formação e atuação pedagógicas,
visando a assegurar a ampliação da ação e da qualidade do trabalho pedagógico nas Escolas
do Campo. Cada componente curricular estava organizado com as atividades de Tempo
Universidade (TU) e de Tempo Comunidade (TC). A cada encontro de TU retomava-se as
atividades realizadas no TC, para ampliar o debate e os conhecimentos dos(as) professores(as)
participantes da formação.
O Quadro 1 sintetiza os módulos temáticos de formação com os seus respectivos
componentes curriculares.
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Quadro 1 - Módulos temáticos de formação e componentes curriculares.
Módulos Temáticos de Formação
Componentes Curriculares
Módulo 1: Conceitual sobre
Complexos Temáticos e Escola do Campo
Educação do Campo: Princípios e Fundamentos.
Escola e Educação do Campo.
Organização Escolar e Método do Trabalho
Pedagógico
Módulo II: Complexos e formação
por área do conhecimento
Docência por áreas de conhecimento I: Linguagens
(Linguística, Artes e Literatura); Ciências da
Natureza e Matemática.
Docência por áreas de conhecimento II:
Linguagens (Linguística, Artes e Literatura);
Ciências da Natureza e Matemática
O sistema de complexos na Escola do Campo I
O sistema de complexos na Escola do Campo II
Módulo III: Práticas Pedagógicas
para escolas de educação básica
do campo: multisseriação e
Complexos de Estudo
Práticas Pedagógicas e o sistema de complexos
nas escolas do campo.
Práticas escolares nas escolas do campo:
intercâmbio de experiências.
Seminário Integrador: Avaliação e
Sistematização
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2022.
No Módulo I, denominado de Complexos Temáticos e Escola do Campo, realizou-se o
estudo sobre os fundamentos e os princípios da Pedagogia Socialista e da Educação do
Campo e sobre os Complexos de Estudo como proposta orientadora para a organização do
trabalho pedagógico nas Escolas do Campo. As seguintes temáticas foram abordadas: Escola
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do Campo e o seu projeto educativo; o inventário da escola e da comunidade como elemento
estruturante da organização do trabalho pedagógico nas Escolas do Campo, com foco nas
matrizes de formação humana e nas suas implicações na constituição do Projeto Político-
Pedagógico da Educação do Campo; e a constituição histórica da Educação do Campo como
prática social e categoria teórica.
Trabalhou-se, ainda, as questões atuais sobre a Educação do Campo, versando sobre a
concepção de escola e da sua tarefa específica no projeto educativo dos sujeitos do campo; o
aprofundamento teórico sobre as concepções, a forma de organização escolar, a gestão de
processos educativos escolares e a gestão de processos educativos comunitários; a
organização escolar e o trabalho pedagógico como categorias teóricas de compreensão do
desenho de escola socialmente construído; a estrutura e as formas de gestão escolar; as formas
de organização do trabalho de educadores e educandos; a análise de práticas de gestão de
processos educativos, desenvolvidas pelos estudantes em escolas de Educação Básica; o
aprofundamento do estudo de métodos e de fundamentos para o trabalho de organização e
educação comunitária; e a orientação metodológica para construir com a comunidade um
projeto de intervenção na realidade do campo, envolvendo a escola.
A prática da formação constituiu um esforço de vivência dos princípios presentes na
proposta dos Complexos de Estudos, partindo da realidade das escolas e das questões
inerentes a ela. Mais que ofertar uma formação descolada da vivência dos professores, os
complexos permitem articular o processo de construção de um novo conteúdo ou forma,
partindo da prática dos professores. Se, para os pedagogos socialistas, seria impossível
construir um novo conhecimento para uma nova realidade, na Educação do Campo é
impossível construir uma nova prática pedagógica entre os educadores se não for levada em
conta a sua prática escolar cotidiana e os desafios concretos nela existentes, tornando os
Complexos uma vivência prática e não uma mera recomendação.
No Módulo II, designado de Complexos e Formação por áreas do conhecimento, tratou-
se do aprofundamento sobre a relação entre a docência e a formação por área de
conhecimento; a relação entre as áreas de conhecimento e a vivência dos Complexos como
Projeto Político-Pedagógico nas Escolas do Campo; a área de conhecimento na relação com a
formação dos estudantes na Educação Básica nas Escolas do Campo; e a função social da
escola na relação com a agroecologia, os modos de vida, a cultura e os saberes do campo.
Nessa etapa da formação, a centralidade do trabalho pedagógico voltou-se para a
concepção de docência por área de conhecimento sob o prisma do Sistema de Complexos,
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com abordagens nas áreas de Linguagens, Ciências da Natureza e Matemática, dialogando
sobre as potencialidades e as possibilidades das escolas em seus projetos pedagógicos no
âmbito da organização por área do conhecimento.
Essa abordagem interdisciplinar da formação pelas áreas de conhecimento permitiu um
maior aprofundamento sobre o Sistema de Complexos na Escola do Campo, visando a
compreender de forma conceitual e prática a abordagem histórica sobre a organização escolar
e o método de trabalho pedagógico; o aprofundamento teórico sobre concepção e formas de
organização escolar, bem como a estrutura e as formas de gestão escolar na perspectiva do
Sistema de Complexos; formas de organização do trabalho de educadores e educandos;
formas de organização curricular; e sistemas de avaliação. Ao tratar dos conteúdos e formas
presentes na Escola do Campo à luz das áreas de conhecimento, mais uma vez é possível
identificar os princípios propostos pela teoria dos Complexos, no qual articula-se a construção
do conhecimento com a prática socialmente necessária nas comunidades rurais, buscando
problematizar o saber na sua intrínseca relação prática. Não se trata, pois, de construir um
conhecimento etéreo sem sentido ou prática, mas sim, construir um conhecimento a partir das
áreas de conhecimento, que seja capaz questionar os saberes instituídos e que aponte para a
transformação da realidade dos sujeitos envolvidos.
Em sequência, no trabalho realizado no Módulo III, que teve como elemento
estruturante o aprofundamento sobre as Práticas Pedagógicas para escolas de Educação Básica
do campo, os seguintes tópicos ganharam relevo: classes multisseriadas; complexos de
estudo, com base no estudo do projeto pedagógico nas Escolas do Campo; práticas
pedagógicas inovadoras na Educação do Campo; intercâmbio de experiências e práticas na
Escola do Campo; e sistematização e avaliação do processo pedagógico do curso. Tais
práticas pedagógicas e o Sistema de Complexos nas Escolas do Campo aprofundaram sobre o
lugar da escola no Projeto Político-Pedagógico da Educação do Campo; a Educação Básica
para os sujeitos do campo; a análise de projetos e práticas de Escolas do Campo; e o desenho
organizativo e pedagógico de uma Escola do Campo, na perspectiva dos Complexos.
O percurso formativo, especialmente com o olhar sobre as práticas escolares, permite
perceber que existem práticas na Escola do Campo que se aproximam dos princípios dos
Complexos. Ainda que de forma pontual em alguns casos, as práticas revelam que os
princípios vão se consolidando como ação consciente do educador/a da Escola do Campo e
que existe um esforço em articular as ações pedagógicas da escola com a realidade dos
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sujeitos e de apontar estratégias de transformação, o que, por si, já indica uma compreensão e
vivência dos Complexos no cotidiano da Escola do Campo.
Destaca-se, ainda, nesse módulo, o estudo sobre as práticas escolares nas Escolas do
Campo; o intercâmbio de experiências, com a socialização e a análise de práticas
desenvolvidas nas escolas de Educação Básica do DF; e o desenho organizativo e pedagógico
das Escolas do Campo.
É oportuno mencionar a realização do Seminário Integrador, onde ocorreram avaliação
e sistematização, com reflexões sobre todo o processo formativo, os avanços, os limites e as
perspectivas de continuidade do processo de formação do Escola da Terra no Distrito Federal.
No que se refere às atividades de Tempo Comunidade, diante da situação da pandemia
de Covid-19, o trabalho se concentrou em duas atividades: o trabalho de organização e de
debate sobre os Inventários da Realidade, como instrumento de mapeamento da situação das
escolas e a sua relação com a comunidade. Já o Tempo Leitura, de aprofundamento individual
e coletivo em Núcleos de Base Territorial, enfatizou o intercâmbio e a sistematização de
práticas pedagógicas e experiências na Educação do Campo, bem como o intercâmbio entre as
escolas do DF e a UnB. Salienta-se a construção de Mostra da produção artística dos
estudantes do curso, de abordagem político-pedagógica.
Além de desenvolverem as atividades de estudo e leitura complementar, no Tempo
Comunidade os/as cursistas também realizaram as seguintes atividades de Inventário:
pesquisa de campo, oficinas de intercâmbio, construção de projeto pedagógico, dentre outros,
conforme detalhamento previsto no percurso formativo do curso.
A construção do Inventário cumpre com o objetivo de organizar as informações para
servir de subsídio ao processo formativo dos(as) professores(as), na perspectiva de, a partir da
realidade, analisar sua prática pedagógica em relação às necessidades e às questões da
atualidade da comunidade, onde está inserida a escola e os(as) estudantes. Além disso, por
meio do questionário, objetiva-se identificar as práticas desenvolvidas nas escolas e na relação
escola-comunidade do campo do DF. Observa-se que, com o Inventário, é possível definir e
gerar motes para que os docentes modifiquem seus modos de relação com a escola. O
inventário pode ser uma forma de desafiar os professores a atuarem com os alunos do Ensino
Fundamental na leitura crítica de seu meio, bem como no mapeamento e na sistematização de
práticas pedagógicas desenvolvidas nas escolas, com intercâmbio de experiências e
aprofundamento em seminários nos territórios.
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A organicidade a partir dos Núcleos de Base Territorial (NBTs)
A turma de 120 estudantes foi organizada em Núcleos de Base Territorial (NBTs), de
forma a viabilizar o trabalho com os grupos, o planejamento e a execução do trabalho
pedagógico nas Escolas do Campo, bem como aprofundar a reflexão sobre os temas
abordados no curso, a relação entre os conhecimentos da comunidade e a escola, ampliando e
qualificando a ação docente, e o seu papel enquanto professor/a comprometido com os
processos de ensino e aprendizagens e com a gestão dos processos de aprendizagem no
cotidiano escolar.
Vale destacar o panorama geral em relação às escolas do Distrito Federal no Campo,
que consiste em 80 escolas localizadas na área rural, denominadas no PDE de Escolas do
Campo. Tais escolas são marcadas pela diversidade, sendo que cada Região Administrativa
apresenta particularidades únicas, o que contribui para as diferenciações entre as unidades
educativas.
Desse panorama, participaram da formação da ação Escola da Terra 57 Escolas,
distribuídas em 07 (sete) Núcleos de Base Territorial, totalizando 12 turmas, conforme a
Figura 1 a seguir:
Figura 1 - Escolas participantes por território.
Fonte: Elaborado pelas autoras, 2021.
Na perspectiva epistemológica da auto-organização dos estudantes, além da articulação
das identidades territoriais, a organização dos NBTs possibilitou também toda a organicidade
do curso pelos próprios professores(as) formandos(as), pois para cada NBT foi destinado um
Assessor/a Pedagógico/a, cujo papel era de articular, mobilizar e animar o processo de
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formação. Assim, as atividades de organicidade, tais como registro, memória, mediação e
mística foram inteiramente assumidas pelos Núcleos, de modo a vivenciar os princípios da
organização, do trabalho educativo e criativo como elemento estruturante do processo
pedagógico.
Um importante processo de trabalho, desenvolvido a partir dessa organicidade, foi o
mapeamento e o registro das experiências e práticas pedagógicas desenvolvidas nas referidas
escolas, sendo apresentadas e refletidas à luz dos fundamentos teórico-metodológicos no
processo de formação, bem como na organização para sistematização e publicação em livro.
Como resultado da primeira edição da formação, publicou-se o livro “Escola da Terra”. Na
segunda edição, os resultados dos trabalhos produzidos e estimulados pela formação do
Escola da Terra estarão em um segundo livro, com prática e escrita coletivas, a ser definido
pelos territórios.
As práticas que geram pesquisa e a sistematização das práticas
Ao final do processo, realizou-se o Seminário de Pesquisa, com o objetivo de dar
consequência à sistematização coletiva das práticas, objeto do Módulo III, que teve como
elemento estruturante o aprofundamento sobre as Práticas Pedagógicas para escolas de
Educação Básica do campo, na estratégia de registro e reflexão como um processo de
acúmulo teórico-metodológico do curso.
O Seminário apontou para a organização de três Eixos de Pesquisa, compostos por
professores(as) cursistas, assessores(as) pedagógicos(as) e professores(as) formadores(as) da
UnB, estes atuando como orientadores(as). São eles: Eixo 1. Identidade Territorial; Eixo 2.
Práticas e Experiências na perspectiva da construção da Escola do Campo; e Eixo 3. Políticas
Públicas. A composição dos grupos, por Eixo de Pesquisa, realizou-se de acordo com os
interesses e a identificação temática dos(as) professores(as). A partir desses Eixos, em cada
um dos grupos compostos definiram-se as temáticas em que se dedicariam aos estudos, com
vista à elaboração de artigos em duplas ou em trios de professores(as).
Como Orientação Metodológica aos grupos, definiu-se que todos os trabalhos deveriam
considerar o seguinte percurso: 1. Mapeamento – descrição, situação, estado da arte; 2.
Experiências e práticas – avanços, limites e elementos/indicadores para a construção da
Escola do Campo na perspectiva do Sistema de Complexos; 3. Fundamentação Teórica; e 4.
Desafios e perspectivas para a Escola do Campo no DF, para a formação dos(as) estudantes e
para a formação docente.
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Na ocasião da escrita deste artigo, em janeiro de 2022, os grupos de pesquisa
encontravam-se em fase de estudos e elaboração dos artigos que serão apresentados no
Seminário de Socialização, previsto para o mês de abril de 2022.
Considerações finais
Alguns resultados do processo de formação e as perspectivas de formação continuada e
de formação em nível de pós-graduação
O processo de formação gerou uma dinâmica rica de mobilização entre as Escolas do
Campo do Distrito Federal, materializada na interlocução e na articulação de professores, com
trocas, partilhas e construção de processos coletivos auto-organizados. Importante destacar os
avanços empreendidos nessa segunda edição em relação à primeira, no quesito da autonomia
dos(as) professores(as) cursistas na gestão do processo pedagógico.
Ao longo desse processo, a UnB aprovou a oferta da primeira turma de Especialização
em Educação do Campo, exclusivamente voltada para professores (as) das Escolas do Campo
do DF, como parte da continuidade das ações de formação, de modo a não se restringir a um
curso pontual. Os resultados desse processo são visíveis nos relatos dos professores, mas
também na relação entre a UnB e as Escolas do Campo, que resulta em diversas articulações,
como, por exemplo, entre a Licenciatura em Educação do Campo (LEdoC) e os Programas e
Projetos de Extensão, que articulam diversas ações com as escolas e com os(as)
professores(as) que nelas atuam.
Quanto ao processo formativo propriamente dito, vale reafirmar o fortalecimento da
construção coletiva, das parcerias estabelecidas entre as dimensões de participação existentes,
do trabalho e da pesquisa como princípios educativos, do espaço à voz e ao protagonismo da
escola e da realidade de seu entorno/território, a troca e o persistente processo dialógico de
ensino e aprendizagem, forjado na horizontalidade das relações, as quais revelam práticas
pedagógicas em construção ou consolidação da transição para a Escola do Campo,
considerando suas contradições, limites e possibilidades. Tudo isso só foi possível graças ao
planejamento coletivo a que se refere Krupskaya (Pistrak, 2009) desde os primeiros passos da
implementação do Projeto, envolvendo os(as) assessores(as) pedagógicos dos NBT’s em
todas as fases do processo. O plano inicial passou por várias mudanças porque a vida foi
introduzindo nele as correções necessárias e isso não se tornou um problema, mas um
aprendizado, porque as mudanças estavam previstas no plano. Ou seja, o planejamento
coletivo é fundamentalmente pedagógico.
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Outra fundamental estratégia, geradora dos avanços já mencionados e que merece ser
destacada na trajetória do Programa em tela no DF, é a construção de aproximações
importantes entre a universidade e as escolas da rede – o Ensino Superior e a Educação Básica
–, materializadas por meio da presença da universidade nas escolas e das escolas na
universidade, além dessa integração acontecer entre as próprias escolas e os territórios
diversos, ainda que em tempos mediados por tecnologia e em meio à crise sanitária de
importância internacional, como a que enfrentamos.
Por outro lado, não é recente a parceria estabelecida entre a SEEDF e a UnB,
notadamente, com a Faculdade UnB Planaltina (FUP/UnB). As articulações referentes às
ações formativas, ao intercâmbio, aos projetos pedagógicos, à extensão acadêmica, às
Semanas Universitárias, ao Fórum Nacional de Educação do Campo (FONEC), ao Fórum
Distrital de Educação do Campo (FECAMPO), aos estágios e ao diálogo com a LEdoC
concretizam essa sinergia.
No projeto pedagógico e no percurso formativo do curso Escola da Terra-DF, o fomento
à perspectiva interdisciplinar, à formação por Área do Conhecimento, ao trabalho coletivo e
orgânico, à gestão participativa, aos Complexos de Estudo e à derivação de projetos de
inserção orientada na escola (a vida precisa fazer parte da construção do conhecimento), ao
Inventário da Realidade da Escola do Campo (em construção), à integração com os
movimentos sociais do campo, além da agroecologia como prática social que visa ao
desenvolvimento sustentável do território/campo, também merecem destaque e representam
um potente diferencial.
Por tudo aqui compartilhado e, sobretudo, pelos impactos gerados e sementes lançadas
em solo fértil (são cerca de 230 cursistas participantes, em quase 50 territórios
educativos/comunidades escolares do campo), conclui-se com uma avaliação potencialmente
positiva acerca da experiência, com a perspectiva de desenvolvimento de uma 3ª edição do
referido Programa/Curso de Formação Continuada, proposta a ser apresentada pelo
MEC/SEMESP à UnB/FUP e, posteriormente, à SEEDF, bem como a implementação da 2ª
Turma de Especialização (2022/2023). Ou seja, progressivamente, a ação Escola da Terra
vem se consolidando como uma política pública de formação continuada no Distrito Federal.
Sendo assim, em regime tripartite de cooperação técnica, tem deixado consistentes
contribuições à concepção de educação subjacente ao Sistema de Complexos, que visa à
garantia das condições de acesso ao conhecimento para todos os estudantes (sujeitos/as do
campo) na perspectiva da emancipação humana.
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[1]São Marcos Legais da Educação do Campo na esfera federal: A Resolução nº 1, de 3 de abril de 2002 – institui
as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo; o Parecer CNE/CEB nº 1/2006 – que
dispõe sobre os dias letivos para a aplicação da Pedagogia da Alternância nos Centros Familiares de Formação
por Alternância; o Parecer CNE/CEB nº 3/2008 – Marcos conceituais – Escola do Campo e Educação do
Campo; a Resolução CNE/CEB nº 2/2008 – Diretrizes complementares, normas, princípios e critérios: nucleação
de escolas; transporte escolar, ampliação de oferta próximo às moradias dos estudantes; o Decreto Federal nº
6.755/2009 – Institui a Política Nacional de Formação de Profissionais do Magistério da Educação Básica e
disciplina a atuação da CAPES; a Resolução nº 4, de 13 de julho de 2010 – que define as Diretrizes Curriculares
Nacionais Gerais para a Educação Básica e institui a Modalidade de Ensino da Educação do Campo; o Decreto
nº 7.352, de 4 de novembro de 2010 – dispõe sobre a Política de Educação do Campo e o Programa Nacional de
Educação na Reforma Agrária (PRONERA); e a Portaria nº 86, de 1º de fevereiro de 2013 – institui o Programa
Nacional de Educação do Campo (PRONACAMPO) e define suas diretrizes.
[2]No âmbito do Distrito Federal, destacam-se as seguintes normativas/legislações vigentes: o Currículo em
Movimento da Educação Básica do DF; a Portaria nº 15/2015 – Regimento Escolar da Rede Pública de Ensino
do DF; o Plano Distrital de Educação – Lei nº 5.499, de 14 de julho de 2015; a Portaria nº 419, de 20 de
dezembro de 2018 – institui a política de Educação Básica do Campo na SEEDF; e as Diretrizes Pedagógicas da
Educação Básica do Campo da rede pública de ensino do DF.
[3] Recuperado de: https://www.educacao.df.gov.br/wp-
conteudo/uploads/2018/01/pde_site_versao_completa.pdf. Acesso em: 18 jan. 2022.
[4] Escola da Terra é um projeto de extensão vinculado ao Curso de Licenciatura em Educação do Campo.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 25/01/2022
Aprovado em: 06/04/2022
Publicado em: 28/05/2022
Received on January 25th, 2021
Accepted on April 06th, 2022
Published on May, 28th, 2022
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10.20873/uft.rbec.e13816
2022
ISSN: 2525-4863
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Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Santos, C. A., Rocha, E. N., & Souza, M. L. (2022). A epistemologia do Escola da Terra no Distrito Federal: ensaios do
Sistema de Complexos nas Escolas do Campo. Rev. Bras. Educ. Camp., 7, e13816.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e13816
ABNT
SANTOS, C. A.; ROCHA, E. N.; SOUZA, M. L. A epistemologia do Escola da Terra no Distrito Federal: ensaios do Sistema de
Complexos nas Escolas do Campo. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 7, e13816, 2022.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e13816
