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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e13823
Ciências da Natureza e Educação do Campo: reflexões
formativas no âmbito do Programa “Escola da terra” da
Amazônia Paraense
Hellen do Socorro de Araújo Silva1, Tiago Corrêa Saboia2
1, 2 Universidade Federal do Pará - UFPA. Faculdade de Educação do Campo e do Programa de Pós-Graduação em Educação
e Cultura. Rua Padre Antônio Franco, 2617, Campus Universitário do Tocantins. Cametá - PA, Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: hellen.ufpa@gmail.com
RESUMO. Este artigo objetiva refletir sobre a formação
continuada e permanente estruturada, a partir do Programa
Escola da Terra, e desenvolvido na experiência da Amazônia
paraense com professores do campo que atuam em escolas
multisseriadas. A metodologia ancorou-se em estudos
bibliográficos na intenção de dialogar teoricamente acerca da
Ciência da Natureza como área de conhecimento, bem como
discutir sobre ciência e conhecimento científico na interlocução
com os referenciais da Educação do Campo. A pesquisa de
campo debruçou-se nas observações participantes e nos registros
coletados em meio aos ciclos da formação em alternância da
área de Ciência da Natureza, concretizadas no Tempo
Universidade juntos aos professores do campo no ano de 2018.
Os resultados apontam que as formações do Programa Escola da
Terra têm problematizado a realidade das escolas multisseriadas
junto ao poder público local, além de provocar e desafiar o
trabalho dos professores para uma perspectiva da pedagogia da
transgressão, em que um repensar crítico sobre sua práxis
sintonizada aos princípios da educação do campo.
Palavras-chave: áreas de conhecimentos, interdisciplinaridade,
formação continuada.
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Natural Sciences and Rural Education: reflections within
the scope of the “Escola da Terra” Program
ABSTRACT. This paper presents a reflection about continuing
and permanent training, which is structured from the Escola da
Terra Program and is developed in the experience of the
Amazon region of Pará with field teachers who work in
multigrade schools. The methodology was anchored in
bibliographic studies. It sought to dialogue about Natural
Science as an area of knowledge and discussed science and
scientific knowledge in dialogue with the references of Rural
Education. The field research focused on the participant
observations and records collected during training cycles in the
alternating Natural Science carried out at Tempo Universidade
together with field teachers in 2018. The results indicate that the
formations of the Escola da Terra Program have problematized
the reality of multigrade schools with the local public
authorities. In addition, they provoked and challenged the work
of teachers towards a perspective of pedagogy of transgression,
in which there is a critical rethinking of their praxis in tune with
the principles of rural education.
Keywords: fields of knowledge, interdisciplinarity, continuing
education.
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Ciencias de la Naturaleza y Educación del Campo:
reflexiones en el ámbito del Programa “Escola da Terra”
RESUMEN. Este artículo busca reflexionar sobre la formación
continuada y permanentemente estructurada, a partir del
Programa Escola da Terra, desarrollado en base a la experiencia
de la Amazonia (en el estado de Pará, Brasil), con profesores del
campo que actúan en escuelas multigrado. La metodología se
fundamentó en estudios bibliográficos con la intensión de
dialogar teóricamente sobre la Ciencia de la Naturaleza como
área de conocimiento, así como también, discutir sobre ciencia y
conocimiento científico en interlocución con los referenciales de
la Educación del Campo. La investigación en terreno se basó en
observaciones participantes y en registros obtenidos en medio a
los ciclos de formación en alternancia del área de la Ciencia de
la Naturaleza, concretizadas en el Tiempo Universidad junto a
los profesores del campo en el año de 2018. Los resultados
apuntan a que las formaciones del Programa Escola da Terra han
problematizado la realidad de las escuelas multigrado junto al
poder público local, además de estimular y desafiar el trabajo de
los profesores hacia una perspectiva de pedagogía de
transgresión, donde hay un repensar crítico sobre su praxis,
sintonizada a los principios de la educación del campo.
Palabras clave: áreas de conocimientos, interdisciplinariedad,
formación continuada.
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Introdução
As reflexões que apresentamos nesse texto derivam das experiências pedagógicas que
embasaram a elaboração e o desenvolvimento das formações na área de Ciências da Natureza,
no âmbito do programa de formação continuada e permanente “Escola da Terra”, que atendeu
a professores que atuam no campo, nas águas e nas florestas da Amazônia Paraense.
O referido programa é vinculado ao Instituto de Ciências da Educação da Universidade
Federal do Pará (UFPA) e possuía, em 2018, parceria com seis municípios paraenses. Fez
parte das políticas educacionais da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização,
Diversidade e Inclusão (SECADI) e desde 2019 integra as ações da Secretaria de Modalidades
Especializadas de Educação (SEMESP) no Ministério da Educação (MEC).
De acordo com a portaria 579 de 2013, a Escola da Terra” tem como objetivo
“promover a formação continuada de professores para que atendam as necessidades
específicas de funcionamento das escolas do campo e daquelas localizadas em comunidades
quilombolas”, na perspectiva de gerar melhorias nas condições de acesso, permanência e
aprendizagem dos estudantes das escolas do campo, quilombola e extrativista, através da
formação continuada de professores que atuam nas escolas multisseriadas das redes
municipais de ensino.
Cabe pontuar que, embora as reflexões remetam ao contexto de formação no âmbito do
Programa “Escola da Terra”, o diálogo acerca do ensino de Ciências da Natureza com os
pressupostos da Educação do Campo (EdC) foi e está sendo construído ao longo de nossa
trajetória docente junto à Faculdade de Educação do Campo da UFPA (FECAMPO), na qual
atuamos desde o ano de 2015.
Esse acúmulo nos permitiu construir compreensões acerca do ensino de Ciências a
partir de outra lógica de produção de conhecimento. Além disso, também pudemos
reconhecer que o acesso aos conhecimentos científicos e culturais é um aspecto essencial para
o processo de libertação do sujeito frente às contradições sociais (Freire, 1987).
Diante do exposto, destacamos que nosso objetivo neste artigo é refletir sobre a
formação continuada e permanente estruturada, a partir do Programa “Escola da Terra”, o
qual fora desenvolvido na experiência de professores do campo que atuam em escolas
multisseriadas da Amazônia paraense. A metodologia ancorou-se em estudos bibliográficos,
os quais procuraram dialogar teoricamente acerca da Ciência da Natureza como área de
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conhecimento, bem como discutir sobre ciência e conhecimento científico na interlocução
com os referenciais da Educação do Campo.
A pesquisa de campo debruçou-se nas observações participantes e nos registros
coletados em meio aos ciclos da formação em alternância da área de Ciência da Natureza,
concretizadas no Tempo Universidade junto aos professores do campo no ano de 2018.
Para isso, faz-se necessário pensar nos processos de ensino a partir de um constante
repensar de conteúdos, dos seus formatos e intencionalidades (Antunes-Rocha & Martins,
2012), no sentido da superação da fragmentação do conhecimento e na construção de uma
visão de totalidade dos processos nos quais os educandos estão inseridos (Molina, 2014).
Desse modo, e dialogando com autores como Freire (1987, 1992, 1996, 2016), Arroyo
(2012), Caldart (2012), Hage (2005, 2014), entre outros, teceremos algumas reflexões que
embasaram a elaboração e o desenvolvimento das formações na área de Ciências da Natureza,
no âmbito do Programa Escola da Terra, destacando os pressupostos epistemológicos que nos
permitem (re)pensar as Ciências a partir dos princípios da EdC.
Para isso, em um primeiro momento, demarcamos teoricamente os pressupostos
relativos à área de conhecimento das Ciências da natureza construindo reflexões a partir de
dois movimentos: i) de distanciamento de compreensões acerca da Ciência e do conhecimento
científico que não dialoguem com os referenciais da EdC e, posteriormente, ii) um
movimento de aproximação da compreensão desta área de conhecimento aos referenciais da
EdC. Junto a isso, apresentamos algumas implicações destas discussões nas formações com os
professores do campo.
De quais Ciências da Natureza estamos falando?
Atualmente, vivenciamos um período no qual o conhecimento científico torna-se
extremamente valioso em função dos processos e transformações tecnológicas, científicas e
ambientais de escala global. Tais questões envolvem, por exemplo, temas relacionados ao
aquecimento global, que podem gerar efeitos locais, tais como o aumento de temperatura nas
cidades, mas também, devem envolver a compreensão de processos locais. Entre eles,
podemos destacar a crescente taxa de desmatamento e de queimadas na Amazônia, que pode
aumentar a incidência de doenças infecciosas e parasitárias, sem contar a perda significativa
de biodiversidade, impactando, assim, diferentes populações.
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Compreender tais processos e transformações requer do indivíduo um rol de
conhecimentos sistematizados ao longo de séculos de desenvolvimento das Ciências. Por isso,
o acesso a uma educação científica é considerado não apenas importante, mas essencial para
todas as pessoas (Gil & Vilches, 2006).
É fácil perceber o grau de importância que as Ciências assumem na formação escolar
básica, uma vez que as crianças, desde os anos iniciais da escolarização, têm contato com
temas relacionados ao corpo humano, à biodiversidade, às características e ao
desenvolvimento dos animais e da Terra. Segundo as Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica (Resolução CNE/CEB 04, de 13 de julho de 2010) em que define a
Educação do Campo como uma modalidade da educação básica, es enfatiza que as
temáticas discutidas nas escolas devem ter modos diferenciados para se trabalhar no
atendimento educacional aos sujeitos do campo, portanto a mobilização de conhecimentos,
considerando conceitos e procedimentos, habilidades, atitudes e valores precisar estar
voltados para a utilização na vida cotidiana.
Portanto, cabe a nós, neste momento, demarcarmos a necessidade de uma construção
epistemológica de área de conhecimento que esteja alinhada aos princípios norteadores da
Educação do Campo e as implicações para a formação docente. Consideremos esse esforço
vital para (re)pensar o ensino das Ciências da Natureza no âmbito da formação no Programa
“Escola da Terra”.
Para Molina (2013), a formação de professores por áreas de conhecimento, e não mais
disciplinar, foi uma importante estratégia para o movimento de EdC. Em primeiro lugar, por
ampliar as possibilidades de oferta do ensino básico no território rural, e, em segundo lugar,
por “contribuir com a construção de processos capazes de desencadear mudanças na lógica de
utilização e de produção de conhecimento no campo” (Molina, 2013, p. 471).
Ainda que o conceito de área de conhecimento apresentado por Molina (2013) possa
parecer esclarecedor, a nossa vivência na formação de professores revela lacunas
significativas na compreensão sobre as Ciências e sua articulação com os referenciais da EdC.
Consequentemente, essa lacuna estende-se à produção acadêmica.
Os resultados de um levantamento realizado por Silva et al. (2019), no período de dez
anos, apontaram uma baixa frequência de trabalhos relacionando o ensino das Ciências e a
EdC, bem como discussões empobrecidas de referenciais que articulem essas áreas.
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Dessa forma, acreditamos que as reflexões construídas durante os planejamentos das
ações formativas, da mesma forma que seu desenvolvimento junto aos professores cursistas
dos diferentes municípios atendidos pelo programa “Escola da Terra”, possam
contribuir/auxiliar para ampliar o debate do ensino das Ciências da Natureza nas escolas do
campo. Para isso, a seguir destacaremos duas demarcações que consideramos essenciais nessa
discussão.
A Ciência da qual não estamos falando
A primeira demarcação importante a ser feita é o distanciamento que buscamos em
pautar a Ciência aos moldes dos ideais positivistas, ou seja, uma ciência que seja
absolutamente suficiente em si e fechada ao diálogo com outras realidades.
Entre os muitos autores que discutem diferentes possibilidades teórico-metodológicas
para o ensino de Ciências (Fracalanza, Amaral & Gouveia, 1987; Krasilchik, 1983; Fourez,
1997; Auler & Delizoicov, 2001), é possível perceber que as discussões recentes estão
situadas, principalmente, na superação de visões deformadas da ciência e tecnologia
(Cachapuz et al., 2005).
Segundo tais autores, a análise do ensino de Ciências tem evidenciado que os processos
pedagógicos se pautam em concepções simplistas sobre as relações de ciência e de tecnologia,
assumindo-a de forma demasiadamente conceitual, descontextualizada e sem
problematização. Nesse sentido, acreditamos que a (re)significação dessa área de
conhecimento, no contexto das escolas do campo, seja construída a partir da superação dessas
visões distorcidas do desenvolvimento científico.
Diante dessas lacunas, principalmente de caráter epistemológico, compreendemos que,
para a formação continuada de professores, problematizar o currículo não é suficiente. É
imperativo que as discussões acerca de conceitos, conteúdos e práticas sejam desenvolvidas a
partir de um movimento de reeducar o próprio pensamento pedagógico, tal qual Arroyo
(2012) nos provoca.
Isso significa dizer que buscamos no Programa “Escola da Terra”, discutir/construir a
área de Ciências da Natureza a partir de uma perspectiva crítica para promover ações
formativas que estivessem inseridas numa dupla perspectiva, ou seja, uma educação entendida
como prática social e histórica. Nesse sentido, o que se buscou foi a desmistificação da
imagem da Ciência como algo distante da realidade e de difícil compreensão.
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O movimento de distanciamento de visões distorcidas das Ciências nos levou ao que
assumimos como segunda demarcação: a necessidade de aproximação da referida área de
conhecimento com a realidade dos educandos.
Compreendemos que, no contexto das escolas do campo, a necessidade dos processos
de ensino estar ancorada na realidade do educando é ainda mais pujante. A articulação dos
conteúdos curriculares, juntamente com os saberes e práticas socioculturais presentes nas
comunidades, é um dos principais elementos que encontramos nas Diretrizes Operacionais
para Educação Básica nas Escolas do Campo (Resolução CNE/CEB 01, de 03 de abril de
2002) e demarcam a sua própria delimitação enquanto campo teórico.
Nesse sentido, Fernandes (2004) pontua que a EdC defende o direito que uma
população tem de pensar o mundo a partir do lugar onde vive, da terra onde pisa, ou seja, a
partir de sua realidade. Desse modo, segundo as Diretrizes Operacionais para Educação
Básica nas Escolas do Campo de 2002, a própria identidade da escola do campo também está
vinculada “às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes
próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros”.
É importante destacar que, ao considerar a realidade do educando para o
desenvolvimento das temáticas relacionadas à Ciência e as suas tecnologias, que ela não se
resuma a meros recortes do cotidiano a fim de exemplificar determinados conceitos. É
necessário que façamos além.
Acreditamos que o ensino das Ciências da Natureza possa promover a valorização da
realidade em que os educandos estão inseridos, articulando os conteúdos com os saberes do
campo em um movimento dialético de problematização e dialogicidade que envolva
comunidade e escola.
Brick et al. (2014) destacam a importância de que ao pensar a formação de professores,
o campo não seja utilizado meramente no sentido de contextualização do ensino, mas sim
levando em consideração, efetivamente, os princípios, as especificidades e as demandas. Por
isso, torna-se essencial que o professor busque articular a realidade em suas diferentes
dimensões (sociais, culturais, econômicas, políticas, ambientais) durante a condução dos
processos formativos.
Reconhecemos que são enormes os desafios e dificuldades a serem enfrentadas na
construção de práticas no ensino de Ciências que consigam alcançar níveis adequados dessa
articulação. No que se refere às escolas com turmas multisseriadas, a realidade revela
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dificuldades ainda maiores em virtude do cenário de abandono e precarização que se
encontram (Hage, 2014). Sobre esse cenário, o autor denuncia que:
Esse quadro, em grande medida, é resultante da falta e/ou ineficiência de políticas públicas,
em particular da política educacional para o meio rural, situação que envolve fatores macro e
microestruturais relacionados, como a profunda desigualdade e exclusão social e o fracasso
escolar dos sujeitos do campo, expresso nas taxas elevadas de distorção idade-série, de
reprovação e de dificuldades de aprendizagem da leitura e escrita, entre outras situações e
fatores que comprometem o ensino e a aprendizagem nas escolas rurais com turmas
multisseriadas (p. 1174).
Durante as formações do Programa “Escola da Terra”, são recorrentes os relatos de
dificuldades no desenvolvimento de atividades nesta área de conhecimento. Entre as
principais, destacam-se aquelas de natureza estrutural, como a falta de espaços e de materiais
adequados; e dificuldades de natureza teórica, como o baixo domínio dos conhecimentos
específicos da área para o planejamento e para o desenvolvimento adequado das atividades.
No entanto, acreditamos que, na medida em que o professor toma consciência da
importância desse movimento, ele se torna provocador de rupturas e gera implicações no
terreno das concepções e das práticas para o contexto escolar. Por esse motivo, cremos no
potencial das formações desenvolvidas no âmbito da “Escola da Terra”. Por meio delas,
busca-se construir novos/outros alicerces, à medida que se desconstrói concepções
engessadas. Esse é, sem dúvida, um dos grandes desafios a serem superados quando falamos
em formação docente na área das ciências da natureza, o obstáculo epistemológico que
dificulta a incorporação de outra concepção de Ciência (Molina, 2014).
Nesse sentido, destacaremos duas implicações que consideramos essenciais para as
reflexões aqui desenvolvidas. A primeira relaciona-se diretamente ao entendimento acerca da
área de conhecimento das Ciências da Natureza, a segunda, com a condução dos processos
de ensino.
Ciências da Natureza de caráter popular e emancipatório
Conforme discorremos anteriormente, considerar a inter-relação entre as temáticas
científicas e tecnológicas com as diferentes dimensões da realidade abre a oportunidade do
diálogo com uma pluralidade de explicações, inclusive aquelas relacionadas aos diferentes
modos de vida, forma de sobrevivência, de resistências e lutas das classes populares
(Virginio, 2005).
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Assim, o conhecimento científico, aos poucos, deixa de ser entendido de maneira
dogmática (sem questionamentos) e/ou como um produto que está pronto e acabado, apenas a
ser consultado nos livros didáticos (Megid Neto & Francalanza, 2003). Isso implica dizer que
a Ciência deixa de ser entendida como imposição teórica e passa a ser dialogada/construída
coletivamente e com respeito às diferenças, conforme Freire nos ensina, a partir de uma
educação libertadora.
Para Freire (2016), quanto maior for a integração ao seu contexto, mais homens e
mulheres refletem sobre ele e, consequentemente, engajam-se, tornando-se sujeitos. Uma vez
que os conhecimentos científicos podem possibilitar uma maior compreensão da realidade,
principalmente relacionados à natureza e meio ambiente, as Ciências da Natureza ocupam um
lugar de destaque ao compromisso de uma formação dos sujeitos a partir de um projeto de
emancipação humana.
Arroyo (2004) nos provoca a pensar o lugar do modo de vida no campo para os
processos de ensino na educação emancipadora ao dizer que:
Quando situamos a educação como um processo de transformação humana, de emancipação
humana, percebemos quanto os valores do campo fazem parte da história da emancipação
humana. Então como a escola vai trabalhá-los? Se que a escola vai ignorá-los? Será
suficiente pegar o livro da cidade e apenas adaptá-lo? A questão é mais fundamental, é ir às
raízes do campo e trabalhá-las, incorporá-las como uma herança coletiva que mobiliza e
inspira lutas pela terra, pelos direitos, por um projeto democrático e que também pede
educação (p. 80).
As reflexões desenvolvidas, até o momento, auxiliam-nos a entender a educação do
campo em estreita relação com a dimensão cotidiana, do “fazer e do ser do sujeito do campo
aqui entendido como o tempo empiricizado, como território do uso, onde marcam suas lutas e
conquistas” (Antunes-Rocha & Martins, 2012, p. 26).
Entendemos, portanto, que esse outro/novo olhar sobre a área de Ciências da Natureza
que buscamos construir, junto aos cursistas do Projeto Escola da Terra, possa contribuir para a
“superação de currículos assépticos, sem vida social, cultural e política” (Menezes et al.,
2016, p. 13) a partir de práticas pedagógicas que melhor dialogue com a realidade concreta
dos estudantes e que sejam promotoras de diferentes aprendizagens.
Em nossas experiências nos eixos de formações do Programa em análise, uma das
colocações iniciais de reflexão com os professores cursistas é provocada a partir do seguinte
questionamento: “como vivencio os saberes e práticas culturais em minha comunidade?”.
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Para isso, o memorial formativo mostrou-se um instrumento valioso no resgate de memórias,
histórias de vida, saberes e experiências relacionadas aos modos de vida no campo, bem como
as suas implicações na trajetória docente.
A intencionalidade que precede tal questionamento situa-se como norteadora das
discussões. Ora, se anteriormente destacamos a importância da realidade para os processos
formativos, faz-se necessário um movimento de (re)conhecer o seu território, bem como o
modo de relacionamento com ele. Assim, é possível construir atividades pedagógicas que
ultrapassem os muros das escolas se os professores conhecem, valorizam e assumem o
compromisso com a realidade das comunidades.
A formação organizada a partir da alternância pedagógica ganha ainda mais significado.
Se compreendida de forma adequada, as relações entre os diferentes tempos/espaços
formativos são provocadoras de rupturas (Antunes-Rocha & Martins, 2012) e podem alterar
radicalmente a gica dos processos de ensino. Considerando que é a partir da inter-relação
entre os diferentes tempos e espaços formativos que teoria e prática se conectam, pressupõe-
se, portanto, que o estudante conheça, relacione e integre os elementos de sua cultura ao
conhecimento técnico-científico (Correia & Batista, 2012).
A partir desta perspectiva, a organização da dinâmica das formações do Programa
Escola da Terra por alternância pedagógica nos possibilitaram, também, ampliar a
compreensão da própria área do conhecimento de modo que permita o diálogo com outras
áreas. Sobre isso falaremos a seguir.
Ciências da Natureza necessariamente interdisciplinar
destacamos, anteriormente, o compromisso presente nos pressupostos da EdC com a
formação por área de conhecimento e com mudanças na lógica de produção e utilização deste
e, consequentemente, com o distanciamento de compreensões de Ciência dentro de uma
lógica de produção capitalista na qual a fragmentação é necessária para produzir
conhecimento (Caldart, 2012).
Em razão disso, acreditamos que uma formação de professores de caráter disciplinar
(Biologia, Física e Química de modo isolado) não se sustentaria no contexto da EdC pelo fato
de primar por uma matriz formativa e curricular que busque o significado da vida, do
território, das territorialidades, identidades e, sobretudo, da existência e r-existência humana.
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No bojo das discussões de um ensino de Ciências verdadeiramente problematizador e
dialógico, conforme os próprios pressupostos freirianos (Freire, 1987; 1996), entendemos que
a interdisciplinaridade, no contexto da formação inicial e continuada de professores, precisa
ser compreendida como um meio de buscar a articulação entre os diferentes saberes e teorias,
em prol de uma visão contextualizada de sociedade de ser humano (Moreno, 2014).
Nesse sentido, a organização pedagógica em diferentes tempo-espaços formativos
revela-se como uma grande facilitadora na construção de um ensino de Ciências que esteja
articulado aos saberes populares e tradicionais presentes no trato com a terra, com os rios e as
florestas.
Freire (1992) enfatizava a impossibilidade de compreender e ensinar fenômenos fora do
contexto histórico-social, cultural e político. Por isso, acreditamos que é essa relação que trará
vida ao currículo escolar e permitirá que o educando perceba a diversidade de sua cultura,
além também da importância dos conhecimentos científicos para melhor compreender e
intervir na própria realidade. Assim, assumimos, como elemento central nas formações, esse
despertar para questões inerentes às comunidades.
As intencionalidades, desde a escuta inicial até as atividades do Tempo-escola/Tempo-
comunidade, são no sentido de fazer com que os cursistas (re)conhecessem em seus territórios
questões relacionadas a aspectos culturais, religiosos, políticos, econômicos e de lutas sociais.
Nesse sentido, a construção do que denominamos mapeamento de saberes se revela
como um importante instrumento das formações, uma vez que, além de possibilitar que os
professores façam o resgate dos saberes e práticas presentes em suas comunidades, em um
intenso movimento de problematização, permite-nos, enquanto formadores, uma maior
aproximação dos diferentes contextos os quais esses professores atuam.
Essa aproximação é fundamental para que reflexões acerca da organização pedagógica
nas escolas do campo sejam provocadas a partir das diferentes realidades vivenciadas pelos
professores, conforme as exposições a seguir:
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Figura 1 - Rede de saberes construída pelos professores cursistas da escola multisseriada da comunidade de
Itapepoca, município de São Caetano de Odivelas/PA.
Fonte: os autores.
Figura 2 - Elementos relacionados à produção da farinha organizado enquanto rede de saberes pelos professores
cursistas no município de São Caetano de Odivelas/PA.
Fonte: os autores.
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Figura 3 - Representação e problematização do território organizada pelos professores cursistas do Distrito de
Curumu, município de Breves/PA.
Fonte: os autores.
O trabalho desenvolvido com os professores de escolas multisseriadas nestas atividades
teve como iniciativa a construção da rede de saberes, considerando os elementos da realidade
concreta que pudessem se constituir como o eixo gerador, fundante e primordial para afirmar
a relação homem/natureza como indissociável na produção do conhecimento.
A perspectiva de escola e de ensino trabalhado no Programa Escola da Terra é no
sentido de afirmar uma formação crítica e problematizadora relacionada com a efetiva
realidade vivenciada pelos sujeitos do campo, das águas e das florestas. A busca por
aproximações do currículo com os diferentes saberes, culturas e história dos sujeitos do
campo se faz urgente e necessária. Sobre isso, Hage (2005) nos ensina que
Diante de situações existenciais tão diversas que envolvem ecossistemas, biodiversidade,
sociodiversidade e tantos outros elementos que compõem o acervo de saberes, experiências,
e tecnologias da região, é inadmissível que as políticas e as práticas curriculares vigentes
continuem a se perpetuar desconsiderando essas especificidades que constituem as
identidades culturais de nossa região. (p. 67).
Desse modo, o fortalecimento e a valorização do componente sociocultural foi o
principal articulador das ações formativas no TE/TC. Acreditamos que quando trabalhada a
partir da sociobiodiversidade, a área das Ciências da Natureza deixa de ser encarada como
algo distante e de difícil compreensão e passa ser potencialmente atrativa. Afinal, a vida nas
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comunidades ensina tanto sobre os animais e seus hábitos, as plantas e seus frutos, sobre a
dinâmica dos rios e florestas, quanto um livro de Ciências.
Esses conhecimentos fazem parte da vida e do trabalho de nossas comunidades. Eles
circulam de forma viva entre os seus sujeitos, inclusive das crianças. Cabe à escola
reconhecer e afirmar esses saberes, além de articulá-los com o direito à educação pública e de
qualidade no campo. Isto pode ser observado na mística apresentada ao longo do processo
formativo.
Figura 4 - Ornamentação com elementos que permearam as discussões sobre o território no momento de
socialização das produções do Tempo-comunidade organizado pelos professores cursistas de São Caetano de
Odivelas/PA.
Fonte: os autores
Figura 5 - Afirmação da cultura enquanto elemento formativo no território a partir dos bonecos cabeçudos,
Pierrô e o boi na socialização do Tempo-comunidade em São Caetano de Odivelas/PA.
Fonte: os autores.
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Em síntese, pensar o ensino de Ciências, a partir dos princípios da EdC, requer que os
limites da própria área de conhecimento sejam superados. Questões relacionadas à natureza e
ao meio ambiente, por exemplo, são demasiadamente complexas para serem compreendidas
disciplinarmente ou mesmo dentro de uma única área de conhecimento. Desse modo, é
necessário que no contexto da EdC, o ensino de Ciências não signifique apenas Ciências da
Natureza. Portanto, é urgente a necessidade de um olhar mais amplo frente à complexidade
que se apresenta.
Ciências da Natureza e transgressão nas escolas multisseriadas
Atuar enquanto formadores no Programa Escola da Terra nos possibilitou imensuráveis
aprendizados, tanto com os professores do programa nos momentos de planejamento, quanto
com os professores cursistas durante as formações. Entre os muitos aprendizados, destacamos
um em especial: a ideia de educar como uma ação transgressora.
Hage (2014) destaca a necessidade da “transgressão do modelo seriado urbano de
ensino” uma vez que a seriação presente nas turmas multisseriadas impacta negativamente na
organização das ações educativas, tornando-as fragmentadas. Sobre isso, o autor afirma que:
Em nossos estudos constatamos que é justamente a presença do modelo seriado urbano de
ensino nas escolas ou turmas multisseriadas que impede que os professores compreendam
sua turma como um único coletivo, com suas diferenças e peculiaridades próprias,
pressionando-os para organizarem o trabalho pedagógico de forma fragmentada, levando-os
a desenvolver atividades de planejamento, curricular e de avaliação isolados para cada uma
das séries, de forma a atender aos requisitos necessários a sua implementação (Hage, 2014,
p. 1175).
Nesse sentido, a ideia de transgressão fez parte de todas as intencionalidades das ações
desenvolvidas durante as formações. Assim, consideramos que o movimento de
(re)significação da área das Ciências da Natureza que propusemos a partir das reflexões aqui
apresentadas e que nortearam as ações formativas, é transgressor na medida em que:
Expõe as fragilidades da concepção de Ciência elitista que atribui ao conhecimento
cientifico o status de verdade inquestionável e favorece a compreensão de uma Ciência
popular. Ou seja, os saberes dos sujeitos do campo deixam de ser inviabilizados pela
escola e passam a ser valorizados nos processos educativos.
Questiona a compreensão de Ciência puramente conceitual, pautada e organizada a
partir de atividades e conceitos presentes nos livros didáticos. Assume-se, então, uma
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Ciência na qual a construção de conhecimento é sociocultural e prática, pautada pelos
saberes do mundo do trabalho e das diferentes culturas.
Supera a compreensão fragmentada de Ciências, que particiona a realidade para
compreendê-la. A realidade passa a ser problematizada levando-se em consideração as
diferentes dimensões que a compõe (social, política, econômica etc.).
É nesse contexto que acreditamos que a área de Ciências da Natureza busque ir além do
ensino de conceitos científicos, uma vez que é imperativo considerar a educação científica de
nossos educandos a partir de discussões acerca de sua própria realidade. Portanto, acreditamos
que as reflexões apresentadas nesta pesquisa sejam uma ponte para pensar atividades
educativas de caráter transgressor.
Nesse sentido, destinaremos nossas últimas reflexões para evidenciar possíveis
desdobramentos voltados à organização dos processos educativos na área de conhecimento
em discussão.
Quais atividades conseguem transgredir os livros didáticos
Essa indagação, quando colocada em discussão nas formações, é sempre foco de muitas
discussões. Por meio dela, tomamos conhecimento de que muitas experiências exitosas para o
ensino de ciências estão sendo desenvolvidas nas escolas do campo. Partindo dos relatos dos
professores cursistas, tentamos auxiliar na construção de atividades que estejam voltadas tanto
para o desenvolvimento de conceitos científicos, mas, principalmente, que esses conceitos
estejam conectados aos pressupostos da EdC.
Para isso, um dos instrumentos utilizados é a matriz de conhecimento. Por meio desse
instrumento é possível perceber de que forma os professores articulam diferentes
possibilidades de organização dos objetos de estudo para a elaboração de estratégias de
ensino.
Como exemplo, apresentamos a seguir, resumidamente, as possibilidades de
reorganização de uma atividade muito presente nos livros didáticos de Ciências: a experiência
da germinação da semente de feijão no algodão molhado.
Tabela 1 - Matriz de conhecimento referente ao objeto de estudo “Germinação de sementes”.
Objeto de
estudo
Problemas de
estudo
Práticas de
estudo
Conteúdos de
estudo
Produto dos
estudos
Interface com
outras áreas e
temáticas
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Germinação de
sementes
O que é
necessário para
promover a
germinação das
sementes?
Quais os tipos
de espécies
vegetais são
plantadas na
comunidade?
As sementes
são todas do
mesmo tipo?
Quais
instrumentos
são utilizados
para plantar?
Como se
prepara a terra
para plantar?
Observar o
processo de
germinação de
diferentes
sementes
Conversa com
os pais para
saber a o que é
necessário para
plantar
Pesquisa na
comunidade
para conhecer
quais vegetais
são plantados
na comunidade
Aula Passeio
em uma horta
da agricultura
familiar
Semeando as
palavras
(atividade em
sala de aula)
Bancos de
sementes:
Atividade de
colagem com
diferentes
sementes
Seres vivos no
meio ambiente.
Partes de uma
planta (raiz,
caule, folhas,
flores e frutos)
e suas
respectivas
funções.
Importância da
água e da luz
para a vida das
plantas.
Ecossistemas
Mural das
plantas
Alfabetário das
plantas e frutos
Varal de
poesias
Agroecologia
Agricultura
familiar
Alimentos
transgênicos
Sistema de
medidas
(centímetros,
metro, metros
quadrados,
hectare)
Debates que
promovam a
relação entre as
áreas de
conhecimentos
(ciências,
linguagem,
história,
geografia,
matemática,
artes plásticas,
etc.)
Fonte: os autores.
Em uma primeira análise, por mais simples que seja a abordagem à essa clássica
experiência, desperta o interesse dos educandos. Comumente essa atividade é organizada
com objetivo apenas de observação das fases da germinação e sem maiores discussões ou
problematizações.
É nesse sentido que afirmamos que o movimento de ressignificação dessas práticas no
ensino de ciências se faz necessário para superar abordagens que não tenham significado
concreto para a vida do educando. A matriz de conhecimento a seguir traz algumas
possibilidades de reorganização desta atividade, levando em consideração as reflexões que
construímos até aqui.
O que propomos aqui é que a atividade supere a lógica fragmentada presente nos livros
didáticos e que busque ir além da observação. Entretanto, sabemos que são muitos os
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caminhos para isso e não é nossa intenção esgotar aqui tais possibilidades, no entanto,
destacamos dois pontos que são essenciais para a compreensão que optamos por desenvolver
nesse texto: a relação com a realidade do educando e a interdisciplinaridade.
Assim, a relação com a realidade do educando pode ser buscada a partir de seus relatos
ou até mesmo com uma pesquisa na própria comunidade. Conhecer e discutir em sala quais os
tipos de alimentos produzidos nela, por exemplo, é uma forma de valorizar o trabalho na
agricultura muito presente nesses lugares. Além disso, pode-se trazer para o debate questões
relacionadas à agricultura familiar, à segurança, à pesca, à soberania alimentar e aos
transgênicos, por exemplo.
A interdisciplinaridade, por sua vez, é necessária em virtude da complexidade das
temáticas que vão emergindo a partir da atividade inicial. Além disso, o diálogo com outras
áreas de conhecimento favorece o planejamento no contexto de turmas multisseriadas.
Considerar os diferentes níveis de domínios de leitura e escrita, por exemplo, é fundamental
para o planejar ações durante o desenvolvimento da atividade.
Considerações finais
Compreendemos a formação docente como um movimento dinâmico que consiste em
constante ressignificação das intencionalidades educativas. Nesse sentido, buscamos construir
a partir das experiências vivenciadas no Programa Escola da Terra, reflexões que permitam
que o educador do campo possa perceber as grandes potencialidades dos conteúdos
relacionados à área das Ciências da Natureza para abordar, problematizar e responder
questões diversas da realidade do educando.
As ricas experiências construídas e compartilhadas pelos professores das escolas
multisseriadas evidenciam que, quando pensados para além da lógica do livro didático, os
conteúdos atribuídos à área das Ciências da Natureza podem subsidiar a elaboração de
outras/novas compreensões acerca da própria realidade e com isso, proporcionar uma
educação como ação transgressora da forma escolar atual. Ao mesmo tempo, o diálogo com o
riquíssimo contexto sociocultural, o qual nossos educandos estão imersos, pode favorecer a
desmistificação da Ciência como algo distante e de difícil compreensão, além de aproximar a
construção do conhecimento científico desde um viés mais popular. Nesse sentido, os saberes
e práticas relacionadas às mais diferentes formas de (re)existências constituem um
significativo campo de estudo para área em questão.
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Portanto, acreditamos que o diálogo com os professores cursistas do Programa Escola
da Terra tem revelado um cenário de grandes desafios para o desenvolvimento de práticas
educativas nesta área. Por outro lado, foi possível tomar conhecimento de iniciativas exitosas
na promoção de uma educação científica de caráter popular. Em meio a isso, defendemos que
estar juntos, fazer juntos e o construir juntos têm proporcionado incomensuráveis momentos
de aprendizagens e memórias junto aos professores das escolas multisseriadas aonde o
programa tem realizado as formações.
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 27/01/2022
Aprovado em: 06/04/2022
Publicado em: 28/05/2022
Received on January 27th, 2022
Accepted on April 06th, 2022
Published on May, 28th, 2022
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
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Silva, H. S. A., & Saboia, T. C. (2022). Ciências da Natureza e Educação do Campo: reflexões formativas no âmbito do
Programa “Escola da terra da Amazônia Paraense. Rev. Bras. Educ. Camp., 7, e13823.
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SILVA, H. S. A.; SABOIA, T. C. Ciências da Natureza e Educação do Campo: reflexões formativas no âmbito do Programa
“Escola da terra” da Amazônia Paraense. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 7, e13823, 2022.
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