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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14037
Educação do Campo e os desafios da profissionalização
docente no Noroeste Fluminense Rio de Janeiro
Francisca Marli Rodrigues de Andrade1, Marcela Pereira Mendes Rodrigues2, Jacqueline de Souza Gomes3
1, 2, 3 Universidade Federal Fluminense - UFF. Instituo do Noroeste Fluminense de Educação Superior (INFES). Programa de
Pós-Graduação em Ensino (PPGEn / UFF). Avenida João Jasbick, s/no, Bairro Aeroporto. Santo Antônio de Pádua - RJ. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: marli_andrade@id.uff.br
RESUMO. O presente artigo tem como objetivo analisar a
profissionalização de docentes da Educação Básica em três
escolas do campo, localizadas no município de Santo Antônio
de Pádua Rio de Janeiro, Brasil. Metodologicamente,
adotamos a observação-participante, por meio da qual as
vivências nas escolas pesquisadas, durante o período de 2015 a
2019, suscitaram uma diversidade de dados. Enquanto
resultados mais significativos, a pesquisa evidencia o abandono,
por parte do poder público, no tocante à infraestrutura das
escolas, à formação inicial e continuada de docentes; bem como,
à falta de projetos políticos-pedagógicos e de práticas de ensino
e aprendizagem pautadas nos princípios da Educação do Campo
e da Pedagogia da Alternância. Todas essas ausências geram
impactos na autonomia docente e na desterritorialização
identitária e geográfica das comunidades que
frequentavam/frequentam essas escolas.
Palavras-chave: educação do campo, profissionalização
docente, pedagogia da alternância.
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Rural Education and teacher professionalization
challenges in Northwestern Rio de Janeiro State
ABSTRACT. The aim of the present article is to analyze Basic
Education teachers’ professionalization in three rural schools in
Santo Antônio de Pádua County, Rio de Janeiro State, Brazil.
The adopted methodology followed the participatory
observation, which allowed experiences lived in the investigated
schools from 2015 to 2019 to raise data diversity. Most of all
research results have shown abandonment by the public
authorities regarding schools’ infrastructure, teachers’ initial and
continuing training, as well as lack of both political-pedagogical
projects and teaching/learning practices based on the principles
set for Rural Education and the Pedagogy of Alternation. All
these missing elements have impact on teaching autonomy and
lead to the degradation in the identity and geography of
communities that have attended and still attend to these schools.
Keywords: rural education, teacher professionalization,
pedagogy of alternation.
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Educación Rural y los desafíos de la profesionalización
docente en el Noroeste Fluminense Rio de Janeiro
RESUMEN. El presente artículo tiene como objetivo analizar la
profesionalización de los profesores de Educación Básica en tres
escuelas rurales, ubicadas en el municipio de Santo Antônio de
Pádua Rio de Janeiro, Brasil. Metodológicamente, adoptamos
la observación participante, por medio de las culas las
experiencias en las escuelas encuestadas, durante el período de
2015 a 2019, posibilitaron el acceso a una diversidad de datos.
Como resultados más significativos, la investigación destaca el
abandono, por parte de los poderes públicos, en cuanto a la
infraestructura de las escuelas, la formación inicial y continua de
los docentes; así como la carencia de proyectos político-
pedagógicos y de prácticas de enseñanza y aprendizaje basados
en los principios de la Educación Rural y de la Pedagogía de la
Alternancia. Todas estas ausencias generan impactos en la
autonomía docente y en la desterritorialización identitaria y
geográfica de las comunidades que asistieron/asisten a estas
escuelas.
Palabras clave: educación rural, profesionalización docente,
pedagogía de la alternancia.
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Entre o Ruralismo Pedagógico e a Educação do Campo: disputas em questão
As lutas simbólicas e físicas travadas pela terra na América Latina, herança do
colonialismo, são marcadas por desigualdades e exclusão social. No Brasil, o meio rural,
enquanto território multidimensional, é permeado por dilemas e desafios que envolvem a
histórica discussão sobre as políticas públicas voltadas às populações do campo. Nessa
discussão, mesmo com os avanços significativos de marcos jurídicos, persiste a trajetória de
abandono em relação às populações campo. Para confrontar essa realidade, desde a década de
1960, os povos do campo têm se organizado politicamente em coletivos e em movimentos
sociais para denunciar o silenciamento e a negligência perpetrada pelos órgãos
governamentais (Ribeiro, 2013). Ao longo dessa organização coletiva, as populações do
campo passaram a reivindicar, também, uma educação que contemplasse seus interesses
sociais e suas demandas sócio-históricas, voltadas ao desenvolvimento do campo desde outras
perspectivas, diferentes das lógicas adotadas pelo capital.
Os povos do campo, a partir das suas diversidades étnico-raciais e identitárias,
materializam que “o paradigma da Educação do Campo nasceu da luta pela terra e pela
reforma agrária ... esta luta cria e recria o campesinato em formação no Brasil” (Fernandes &
Molina, 2004, p. 39). Dentro de um processo de diferenciação ideológica, é importante
destacar que, na estrutura latifundiária que se perpetuou no Brasil, as políticas públicas de
educação para os contextos rurais foram orientadas por uma lógica hegemônica que contribui
para o “desenraizamento” dos povos do campo dos seus territórios. A proposta de educação
pensada pelas esferas governamentais para as populações do campo permaneceu/permanece
vinculada a uma concepção preconceituosa, porque não considera os saberes decorrentes dos
trabalhos, sobretudo, dos agricultores (Ribeiro, 2013). Por muito tempo, prevaleceu/prevalece
a perspectiva pedagógica da Educação Rural, cujo enfoque político se mostra como tentativa
de integrar as populações rurais ao progresso do desenvolvimento capitalista (Arroyo, 2012 &
Caldart, 2012).
Na perspectiva desenvolvimentista capitalista, “o paradigma do rural tradicional elege,
seleciona o que lhe interessa como modelo econômico e cultural. Ao privilegiar operações
lógicas para produzir uma realidade, que valida suas próprias escolhas e as tornam universais”
(Fernandes & Molina, 2004, p. 39). Ao contrário da proposta da Política da Educação do
Campo, a Educação Rural é concebida a partir de uma perspectiva pragmática e utilitarista,
adequada às lógicas e aos modelos hegemônicos de desenvolvimento econômico, cujas bases
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se fundamentam nos interesses das classes dominantes (Azevedo, 2007). Desse modo, a
Educação Rural, com base nessas concepções, ignora os conhecimentos das populações do
campo, adquiridos por meio do trabalho na/com a terra, fazendo com que estas/es sujeitas/os
se alienem do seu trabalho e do seu território. Tais concepções ganharam uma expressiva
força política durante os anos 1930-1940, para então designar uma corrente de pensamento
chamada de “ruralismo pedagógico” (Arroyo, 2012).
O ruralismo pedagógico teve como propósito favorecer o movimento migratório
populacional do campo para os centros urbanos êxodo rural corroborando, assim, para que
a “ideia de fixação do homem ao campo exaltasse de forma romantizada uma educação
voltada à ‘vocação’ do país, entendida como agrária” (Antonio & Lucini, 2007, p. 179). Nesse
sentido, o ruralismo pedagógico, enquanto movimento formativo, arquitetou de forma
detalhada proposições para a educação escolar das populações rurais (Antunes-Rocha,
2011); bem como, estabeleceu uma posição contundente de educação para as populações que
vivem no campo. Diante desse fenômeno, temos duas distinções essenciais entre esses dois
modelos de educação, os quais se concretizam na relação de interesses divergentes e seus
sujeitos-históricos; ou seja, a Educação Rural e a Educação do Campo. Por essa razão,
destacamos que enquanto a “Educação do Campo vem sendo criada pelos povos do campo, a
Educação Rural é resultado de um projeto criado para a população do campo, de modo que os
paradigmas projetam distintos territórios” (Fernandes & Molina, 2004, p. 32).
Para além das diferenciações elencadas, a Educação do Campo apresenta uma
concepção de educação que propõe um processo de transformação social e histórica do sujeito
do campo (Caldart, 2012). Logo, seu objetivo consiste em romper, em seu âmago, com a
concepção de Educação Rural, ainda ofertada aos povos do campo em muitos territórios
brasileiros (Andrade et al., 2019). Em razão disso, pensar a Educação do Campo implica em
analisar as múltiplas questões que se fazem presentes no território camponês. Em outras
palavras, requer que pensemos o “campo e sua gente, seu modo de vida, de organização do
trabalho e do espaço geográfico, de sua organização política e de suas identidades culturais,
suas festas e seus conflitos” (Fernandes & Molina, 2004, p. 38). Por meio da compreensão das
múltiplas dimensões de territórios e territorialidades do campo brasileiro, podemos identificar,
também, as principais características das populações do campo, para dirigir a elas políticas
públicas que atendam às suas especificidades (Bavaresco & Rauber, 2014). Sobre esse tema,
Caldart (2012, p. 261) enfatiza que:
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Ainda que a Educação do Campo se mantenha no estrito espaço da luta por políticas
públicas, suas relações constitutivas a vinculam estruturalmente ao movimento das
contradições do âmbito da questão agrária, de projetos de agricultura ou de produção no
campo, de matriz tecnológica, de organização do trabalho no campo e na cidade... E as
disputas se acirram ou se expõem ainda mais quando se adentra o debate de conteúdo da
política, chegando ao terreno dos objetivos e da concepção de educação, de campo, de
sociedade, de humanidade.
A proposta de uma educação voltada para os povos do campo surge por meio de
reivindicações de sujeitas/os coletivos. Logo, quando falamos em Educação do Campo é
inevitável não pensar nas lutas sociais, nas/nos trabalhadoras/es como protagonistas e
sujeitas/os das ações pedagógicas (Machado, 2017). Sendo assim, os Movimentos Sociais do
Campo, ao reivindicarem uma educação que atenda às suas necessidades e interesses,
assumem o protagonismo na formulação de políticas públicas “como autores-sujeitos políticos
de políticas” (Arroyo, 2012, p. 360). Isso ocorre porque a Educação do Campo constitui-se
“como luta social pelo acesso dos trabalhadores do Campo à educação (e não qualquer
educação) feita por eles mesmos e não apenas em seu nome. A educação do Campo não é
para nem apenas com, mas sim, dos camponeses” (Caldart, 2012, p. 261). Esse protagonismo
acaba por tensionar as esferas públicas por políticas de reconhecimento dos movimentos
sociais; bem como, suas respectivas autorias em espaços como universidades, Ministério da
Educação e nos demais órgãos de formulação e análise de políticas do Estado (Arroyo, 2012).
A construção das lutas dos movimentos sociais pelo direito à educação teve como
resultado, entre os mais significativos, a assinatura do Decreto n. 7352, de 04 de novembro de
2010. Esse documento não apenas instituiu a Política de Educação do Campo; mas, também,
teve como desdobramento a exigência de elaboração do Programa Nacional de Educação do
Campo (Pronacampo). Ademais, o referido decreto foi a base para a instituição, no ano de
2012, do Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo
(Procampo) (Andrade et al., 2019). Na pauta do Procampo, ficou definido que a formação do
educador do campo será mediada por uma matriz formativa que apresenta algumas
especificidades, diferenciando-a, portanto, dos demais cursos de formação de professores.
Entre essas especificidades destacam-se os espaços/tempos de formação diferenciados; ou
seja, Tempo Universidade (TU) e Tempo Comunidade (TC), conforme sinalizou Molina e
Hage (2015, p. 137):
A organização curricular dessa graduação prevê etapas presenciais (equivalentes a semestres
de cursos regulares), ofertadas em regime de alternância entre Tempo Escola e Tempo
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Comunidade, tendo em vista a articulação intrínseca entre educação e a realidade específica
das populações do campo.
A articulação desses espaços/tempos representa uma tentativa de contemplar as
múltiplas possibilidades formativas, entre elas: a aproximação epistêmica entre os saberes do
campo e os da universidade. Para além da questão epistemológica, é importante enfatizar o
valor simbólico e político da presença das populações do campo na universidade. Tal
presença se materializa na construção de programas formativos que respondam às
particularidades e às singularidades, resultantes do processo histórico que excluiu do acesso à
educação a classe trabalhadora do campo e os povos tradicionais (Molina & Freitas, 2011).
Pois, a organização estrutural brasileira, atendendo aos interesses hegemônicos,
historicamente, tem marginalizado as populações do campo, impondo-lhes uma educação
rural que lhes nega a sua cultura, o seu trabalho e vínculo com a Terra (Ribeiro, 2013). Por
essa razão, a presença física dessas/es sujeitas/os em espaços universitários não somente na
condição de objeto de pesquisa desafia a estrutura social brasileira.
Os arranjos conceituais e metodológicos da pesquisa
O desafio de pensar a profissionalização de educadores do campo no âmbito da
Educação Básica, pautada na experiência, significa, em outros aspectos, possibilitar
estratégias de resistência diante do cenário brutal de fechamento de escolas do campo e
negação do direito à educação (Andrade & Rodrigues, 2020). Nesse sentido, torna-se
fundamental discutir sobre a formação de educadoras/es do campo e, por conseguinte, o
impacto dessa formação na atuação de docentes que compreendam a complexidade que
envolve a questão agrária no Brasil. À vista disso, a proposta pedagógica da Educação do
Campo ressalta que “a raiz de tudo é o ser humano no seu processo de humanização, de
emancipação humana” (Arroyo, 2012, p. 359). Por isso, tal proposta possibilita ao docente
desenvolver a capacidade de refletir conforme enfatizou Oliveira (2016) sobre os
principais problemas sociais, econômicos e ambientais que afetam a sociedade; ou seja,
disponibiliza conhecimentos que possam servir de instrumento de análise do contexto no qual
se efetiva a prática pedagógica.
Com a apresentação da conjuntura nacional entre os modelos de Educação Rural e
Educação do Campo, interessa-nos, neste artigo, adentrar nas particularidades e
singularidades locais de territórios nos quais vem se construindo a Educação do Campo.
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Nessa perspectiva, o presente artigo pretende discutir o processo de profissionalização de
educadores do campo da Educação Básica e sua influência na construção de práticas
pedagógicas humanizantes, capazes de construir perspectivas pedagógicas decoloniais e
contra hegemônicas. A construção desta pesquisa nasceu com o propósito de estudar uma
realidade pouco explorada no campo educacional brasileiro; isto é, as condições de
empregabilidade e de formação de educadores que atuam em três escolas do campo. Essas
escolas estão localizadas na cidade de Santo Antônio de Pádua RJ, um território que
compreende um contingente populacional significativo vivendo no meio rural em torno de
10% o que demanda políticas públicas educativas específicas para essas populações (IBGE,
2010) 1.
A cidade de Santo Antônio de Pádua foi contemplada, no ano de 2015, com a
implementação do curso de Licenciatura Interdisciplinar em Educação do Campo, da
Universidade Federal Fluminense (UFF). Desde então, tal curso vem articulando e
desenvolvendo processos de aproximações com as escolas do campo da região e, portanto,
construindo diálogos que fortalecem a luta pela Educação do Campo na cidade e na região.
Esses processos iniciaram-se no segundo semestre letivo de 2015, com a elaboração de um
mapeamento das escolas existentes no município e, posteriormente, com a realização de
visitas de campo, sob a supervisão de professoras/es do curso, nas seguintes escolas: Alice do
Amaral Peixoto, João Neves Brum e Anacleto Eccard Júnior essas duas últimas escolas
foram fechadas no ano de 2017, respectivamente. Tais visitas se delinearam, posteriormente,
na construção desta pesquisa, a qual se materializa em perspectiva formativa coletiva durante
a trajetória acadêmica construída com o curso e, por isso, compreende o recorte temporal de
2015 a 2019.
A elaboração da pesquisa contemplou uma característica dos cursos de Educação do
Campo; isto é, a constituição de coletivos de “produtores-pesquisadores de conhecimentos
sobre a própria prática de formação tanto nos cursos, nas pesquisas, no campo, no tempo
comunidade e na dinâmica social, política, cultural e pedagógica do campo, de seus povos e
dos seus movimentos” (Arroyo, 2012, p. 364). Com base nisso, a pesquisa tem como objetivo:
analisar os processos de profissionalização de docentes da Educação Básica em três escolas
localizadas no município de Santo Antônio de Pádua Alice do Amaral Peixoto, João Neves
Brum e Anacleto Eccard Júnior. Com base nesse objetivo, adotamos, como aporte
metodológico, a observação-participante e, portanto, as vivências nas escolas que suscitaram
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uma diversidade de dados que foram sistematizados em um diário de campo. Entretanto,
resgataremos neste artigo sete categorias analíticas que estão diretamente relacionadas à
profissionalização de educadores do campo da Educação Básica: condições de
empregabilidade dos docentes; formação inicial; formação continuada; autonomia docente;
práticas de ensino/aprendizagem; Pedagogia da Alternância; classes multisseriadas.
A observação-participante foi adotada enquanto um dos métodos de coleta de dados
dessa pesquisa, uma vez que tal método consiste em uma metodologia adequada para
apreender, compreender e intervir nos diversos contextos em que o pesquisador/a se move
(Mónico et al., 2017). Nesse sentido, concordamos que a observação-participante “é
especialmente apropriada para estudos exploratórios, estudos descritivos e estudos que visam
à generalização de teorias interpretativas” (Lima, Almeida & Lima, 1999, p. 132). Durante
nossas vivências nas escolas do campo, a observação se constituiu enquanto elemento
fundamental de investigação e se traduziu enquanto um eixo articulador entre teoria e prática.
A flexibilidade desse enfoque de pesquisa permitiu uma aproximação ao cotidiano da
comunidade escolar e das suas representações, da sua dimensão histórica, sociocultural, dos
seus processos (Mónico et al., 2017). Por esse motivo, durante a realização do trabalho
empírico nos empenhamos em acompanhar e registrar, em um diário de campo, todos os
dados relacionados ao objetivo da pesquisa. Esses dados passaram por um processo de
organização e sistematização, cujas análises foram realizadas a partir de uma pesquisa
bibliográfica que envolve o campo epistemológico da Educação do Campo e dos Estudos
Decoloniais.
Formação de educadores do campo: entre ausências e insipiências na construção das
escolas do campo
A aprovação das Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo
Resolução CNE/CEB 1, de 3 de abril de 2002 foi essencial para garantir investimentos
voltados à formação de educadores do campo e, portanto, imprescindível para garantir o
direito à oferta de Educação do Campo. Contudo, essa imprescindibilidade não reflete a
realidade, sobretudo se olharmos o inexpressivo quantitativo de programas de formação de
educadores do campo antes do Decreto no 7.352/20102. Associada a outros elementos, essa
inexpressividade tem revelado um dos desafios à institucionalização das concepções
pedagógicas e das políticas de Educação do Campo no Brasil. Em outras palavras, coloca em
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evidência a afirmativa de que “a especificidade na formação de educadoras e educadores do
campo não é mais para ser questionada, mas garantida” (Arroyo, 2007, p. 164). Entretanto,
após duas décadas da aprovação dessas Diretrizes Operacionais e mais de uma década do
Decreto no 7.352/2010, as esferas governamentais apresentam diferentes dificuldades para
materializar a Educação do Campo, em detrimento de uma concepção de Educação Rural.
Tais dificuldades serão apresentadas a seguir.
Formação docente e condições de empregabilidade nas três escolas pesquisadas
No combate às desvantagens educacionais, previstas no documento base do Procampo,
Molina e Antunes-Rocha (2014, p. 226) reiteram que “as necessidades presentes na escola do
campo exigem um profissional com uma formação bem mais ampliada e abrangente, capaz de
compreender uma série de dimensões educativas e deformativas presentes na tensa realidade
do campo na atualidade”. Dado a isso, as/os educadoras/es que atuam com as populações do
campo precisam de uma formação que as/os habilitem a compreender a gravidade e a
complexidade dos processos de acumulação de capital no campo, entendendo que esses
processos interferem diretamente na realidade do território rural (Molina & Antunes-Rocha,
2014). Com base nesses referenciais, definimos enquanto categorias principais de análise: a
formação inicial e continuada; bem como as condições de empregabilidade das/os docentes
que atuam em três escolas do campo, na cidade de Santo Antônio de Pádua. Essas
informações encontram-se organizadas no Quadro 1.
Quadro 1 - Formação e profissionalização docente.
Escolas
Quantitativo
de docentes
Regime de
trabalho
estatutário
Formação em
cursos de
graduão
Nome do
curso de
Graduação
Formação
continuada
em Educação
do Campo
Escola Alice do
Amaral Peixoto
4 docentes
Pedagogia
Pedagogia
Informática
------
Escola João
Neves Brum
3 docentes
Pedagogia
Pedagogia
Pedagogia
Anacleto Eccard
nior
1 docente
Pedagogia
Aspectos Observados
Escolas
Autonomia
docente
materiais didáticos
Práticas de
ensino e
aprendizagem
Presença do
regime de
alternância
Classes
multisseriadas
Escola Alice do Amaral
Peixoto
Escola João Neves
Brum
Escola Anacleto Eccard
nior
Fonte: Elaboração nossa. Dados da pesquisa (2015 a 2019).
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Os dados expostos no Quadro 1 destacam que a maioria das docentes que
atuavam/atuam nas três escolas do campo pesquisadas todas mulheres possui formação
acadêmica universitária. Essa evidência se mostra enquanto um diagnóstico antagônico em
comparação com o cenário nacional, uma vez que grande parte das/os professoras/es que
trabalham em áreas rurais no Brasil não possui ensino superior3. Contudo, nenhuma dessas
profissionais participou de algum tipo de formação inicial e/ou continuada, especificamente,
em Educação do Campo. Entendemos que em função das especificidades do projeto político
da proposta de Educação do Campo, a formação superior em Pedagogia curso frequentado
por 6 (seis) das 8 (oito) docentes que atuam nas três escolas não é suficiente para atender as
demandas das comunidades escolares. Ao contrário, em alguns casos, dificulta uma
compreensão sobre a importância da Pedagogia da Alternância na dinâmica das escolas do
campo, uma vez que muitos/as estudantes de Pedagogia se formam sem ter tido uma única
disciplina sobre Educação do Campo ao longo de sua formação. Portanto, não se trata apenas
de comprometimento, mas de formação técnica, algo que não foi contemplado na matriz do
curso de Pedagogia ofertado pela Faetec4, instituição que formou a maioria das professoras.
A literatura indica que as escolas do campo precisam de “um educador que tenha
compromisso, condições teóricas e práticas para desconstruir as práticas e ideias que forjaram
o meio e a escola rural” (Molina & Antunes-Rocha, 2014, p. 226). Ademais, os marcos
normativos da Educação do Campo sinalizam que é de fundamental importância que as/os
educadoras/es que atuam em contextos rurais conheçam as especificidades da Educação do
Campo e, portanto, sejam capazes de incorporar no cotidiano escolar os elementos teóricos e
metodológicos pautados na Pedagogia da Alternância (Brasil, 2010). Os registos dos diálogos
com as docentes das três escolas do campo pesquisadas indicam duas questões fundamentais,
relacionadas à profissionalização: a) as profissionais tinham pouco conhecimento sobre a
proposta política e pedagógica da Educação do Campo; b) essas docentes afirmaram não se
identificar enquanto educadoras do campo. Em outras palavras, as docentes não tinham uma
relação de aproximação com o campo e, tampouco, com os movimentos sociais.
As informações da pesquisa nos levam a refletir sobre as prováveis perspectivas que
venham nos dar uma elucidação sobre a desvinculação dessas educadoras da vida e do
trabalho do campo das populações com as quais trabalham. Enquanto possíveis
perspectivas, consideramos duas hipóteses: a) a alta rotatividade de professoras/es nas escolas
do campo no contexto pesquisado; b) a falta de formação acadêmica em Educação do Campo
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e de participação política nos movimentos sociais. Com relação à primeira hipótese,
sinalizamos os reflexos do vínculo empregatício das professoras, todas em situação de
contratos por tempo determinado, o que significa que elas lecionam nessas escolas por um
determinado período; ou seja, não são docentes estatutárias e, por isso, não usufruem de uma
efetividade no cargo. Logo, a alta rotatividade de docentes nessas escolas pode configurar
como elemento que dificulta o fortalecimento do vínculo com o campo, com a comunidade e
com uma proposta de enraizamento dessas comunidades em suas terras.
A alta rotatividade de docentes nas escolas pesquisadas reforça, portanto, a tese de
Ribeiro (2013, p. 124) quando ressalta que “na medida em que estes professores conseguem
ampliar sua formação solicitam transferência para as escolas situadas nos centros urbanos,
mantendo-se, dessa forma, a precariedade do ensino oferecido pelas escolas rurais”. Sobre
este tema, os resultados das pesquisas de Santos (2019) ressaltam que em função da ausência
de uma formação específica para atuação no campo, muitas vezes as/os docentes fazem uso de
estratégias improvisadas, as quais vão se constituindo como os únicos meios para trabalharem
com as/os estudantes. O autor acrescenta, também, que essas improvisações “se estendem
comprometendo as práticas, muitas vezes, sem referenciais teórico-metodológicos
consistentes voltados para a realidade da Educação do Campo” (Santos, 2019, p. 21).
No que diz respeito à segunda hipótese, com base nos dados registrados no diário de
campo, independente da alta rotatividade, as professoras dessas escolas não possuem
formação específica e/ou continuada na área de Educação do Campo e, tampouco, vínculos
com movimentos sociais. Essas ausências têm impactos significativos na profissionalização
política dessas docentes, de modo a não contemplar parte dos ideais que constroem a proposta
pedagógica e política da Educação do Campo. As informações da pesquisa sugerem que em
nossas análises devemos levar em consideração que a Educação do Campo é construída a
partir de reivindicações e lutas dos movimentos sociais e, portanto, as/os educadoras/es do
campo precisam de uma compreensão ampliada da sua responsabilidade política. Isto é,
estas/es profissionais precisam ter consciência de classe, uma vez que exercem, também, a
função de defensores dos direitos educativos diferenciados para as populações campesinas.
Como enfatiza Molina e Freitas (2011, p. 28):
É fundamental formar educadores das próprias comunidades rurais, que não as conheçam
e valorizem, mas, principalmente, que sejam capazes de compreender os processos de
reprodução social dos sujeitos do campo e que se coloquem junto às comunidades rurais em
seus processos de luta e resistência para permanência na terra.
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Os movimentos sociais do campo, em seus processos de resistências e lutas pela terra,
articularam estratégias para superar a baixa presença de educadores que não possuem vínculos
com o campo. Tais estratégias se pautam na reivindicação de investimentos contínuos em
políticas públicas na formação inicial e continuada de educadores do campo (Caldart, 2012).
Assim, as Licenciaturas de Educação do Campo (LEDOCs) vem contribuindo para as
políticas de formação de educadores, de modo que “uma das principais características dessas
Licenciaturas é que elas partem de uma visão da totalidade das relações sociais nas quais os
sujeitos a educar estão inseridos” (Molina, 2017, p. 602). Nesse sentido, destaca-se a
relevância da formação de educadoras/es do campo visando a transformação da realidade nas
quais atuam; bem como, as perspectivas mais amplas associadas à luta pela terra. Os
resultados encontrados por Oliveira e Santos (2018, p. 122) corroboram essa ideia, quando
afirmam que “no processo de formação docente, o professor deve aprender a refletir e
repensar a sua prática pedagógica levando o aluno a adquirir um conhecimento e uma
consciência crítica e autônoma”.
Ainda sobre as políticas de formação, Molina (2017) sinaliza que as contribuições das
LEDOCs refletem, também, no âmbito da pós-graduação stricto sensu, com repercussões em
diferentes ordens. Portanto, é notório que as licenciaturas de Educação do Campo têm se
mostrado imprescindíveis nesse processo de transformação, quanto aos princípios da
formação e da profissionalização docente. Embora a realidade das três escolas pesquisadas
não disponha de docentes com formação superior em Educação Campo, a presença de
estudantes desse curso de graduação nessas escolas e as pesquisas potencializadas no Tempo
Comunidade conforme destacou as pesquisas de Neves e colaboradores (2019) e de
Andrade e Neves (2021) imprimem novos elementos na dinâmica política da cidade de
Santo Antônio de Pádua. Tais dinâmicas representam um papel fundamental no processo de
formação e consolidação de um determinado perfil de educador do campo, que vai se
consolidando à medida que se materializa sua ação e intervenção político pedagógica nas
próprias lutas dos sujeitos camponeses aos quais objetiva educar” (Molina & Antunes-Rocha,
2014, p. 233).
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Ensino e aprendizagem nas escolas pesquisadas: abordagens da Educação Rural
enquanto características coloniais
No prospecto da Política de Educação do Campo, a construção de uma organização
curricular e práticas de ensino e aprendizagem que atendam, prioritariamente, as
especificidades e os interesses da população campesina, apresentam-se como uma das pautas
recorrentes. No tocante ao aspecto de lutas por direitos e, portanto, direito à educação é
importante pontuarmos a relevância da formação e atuação de educadoras/es do campo,
construída a partir da experiência vivida pelas comunidades. Essa compreensão permitirá
antecipação das comunidades frente às sutilezas que operam nos interesses implícitos nas
políticas públicas, sobretudo aqueles voltados ao esvaziamento do campo. Com a finalidade
de frear esse esvaziamento, o Decreto nº 7.352, de 4 de novembro de 2010, que dispõe sobre a
Política de Educação do Campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária
PRONERA no art. 2 apresenta alguns princípios básicos da Educação do Campo:
I - respeito à diversidade do campo em seus aspectos sociais, culturais, ambientais, políticos,
econômicos, de gênero, geracional e de raça e etnia;
II - incentivo à formulação de projetos político-pedagógicos específicos para as escolas do
campo, estimulando o desenvolvimento das unidades escolares como espaços públicos de
investigação e articulação de experiências e estudos direcionados para o desenvolvimento
social, economicamente justo e ambientalmente sustentável, em articulação com o mundo do
trabalho;
III - desenvolvimento de políticas de formação de profissionais da educação para o
atendimento da especificidade das escolas do campo, considerando-se as condições concretas
da produção e reprodução social da vida no campo;
IV - valorização da identidade da escola do campo por meio de projetos pedagógicos com
conteúdos curriculares e metodologias adequadas às reais necessidades dos alunos do campo,
bem como flexibilidade na organização escolar, incluindo adequação do calendário escolar
às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas;
V - controle social da qualidade da educação escolar, mediante a efetiva participação da
comunidade e dos movimentos sociais do campo.
Tomando como base os referenciais anteriormente citados e as experiências obtidas a
partir das vivências nas três escolas do campo, nos propusemos analisar como as escolas
Alice do Amaral Peixoto, João Neves Brum e Anacleto Eccard Júnior
contemplaram/contempla os princípios básicos que regem a Educação do Campo. Para isso
estabelecemos quatro categorias de análises: a) autonomia docente em relação aos conteúdos;
b) práticas educativas; c) Pedagogia da Alternância; d) classes multisseriadas. O propósito
dessa análise consiste em adentrarmos em algumas questões fundamentais que caracterizam a
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imposição da Educação Rural nas escolas do campo; ou seja, o distanciamento do discurso
oficial da prática concreta vivenciada em cada comunidade. Em outras palavras, confrontar as
concepções eurocentradas e urbanocêntricas, as quais tendem a impor uma representação
unificada de escola, na mesma medida em que atua com a finalidade de provocar o êxodo
rural. Êxodo este que, viabilizado por meio da omissão e negligência do Estado, nega a
possibilidade de permanência das populações do campo em suas terras.
Quadro 2 - Elementos que caracterizam as práticas de ensino e
aprendizagem.
Escolas Quantitativo
de docentes
Regime de
trabalho
estatutário
Formação em
cursos de
graduão
Nome do
curso de
Graduação
Formação
continuada
em Educação
do Campo
Escola Alice do
Amaral Peixoto 4 docentes
Pedagogia
Pedagogia
Informática
------
Escola João
Neves Brum 3 docentes
Pedagogia
Pedagogia
Pedagogia
Anacleto Eccard
nior 1 docente
Pedagogia
Aspectos Observados
Escolas
Autonomia
docente
materiais didáticos
Práticas de
ensino e
aprendizagem
Presença do
regime de
alternância
Classes
multisseriadas
Escola Alice do Amaral
Peixoto
Escola João Neves
Brum
Escola Anacleto Eccard
nior
Fonte: Elaboração nossa. Dados da pesquisa (2015 a 2019).
Para discutirmos o primeiro aspecto, em nossas experiências nas três escolas
percebemos que todas elas atendem, prioritariamente, estudantes do campo e estão localizadas
geograficamente no campo; isto é, reúnem os requisitos para reconhecimento da sua
identidade de escola do Campo (Brasil, 2010). Contudo, essas escolas não
ofereciam/oferecem um ensino voltado às especificidades das populações do campo e suas
territorialidades; tampouco eram reconhecidas pelas agências governamentais municipais
como escolas do campo. Sobre esse aspecto, o Decreto 7.532/2010, Art. 2 inciso IV
ressalta que são princípios da Educação do Campo a “valorização da identidade da escola do
campo por meio de projetos pedagógicos com conteúdos curriculares e metodologias
adequadas às reais necessidades dos alunos ... incluindo adequação do calendário escolar às
fases do ciclo agrícola e às condições climáticas” (Brasil, 2020).
Os dados da pesquisa sinalizam que os processos de ensino oferecidos pelas três escolas
não se distinguiam dos currículos das escolas urbanas e, portanto, não atendem aos princípios
previstos no âmbito legislativo. Todavia, enquanto justificativa para essa ampliação das
concepções do ruralismo pedagógico, as professoras e a gestão das escolas relataram que as
avaliações da educação básica para os estudantes, realizadas pelo Governo Federal,
classificam o desempenho das/os estudantes a partir de uma lógica urbana pré-estabelecida.
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Isto é, os conteúdos que caem nas avaliações o contemplam o princípio diferenciado,
previsto e estabelecido nos dispositivos jurídicos que embasam a Educação do Campo (Brasil,
2010; 2020). Com base nesses dados, entendemos que duas contraditórias precisam ser
inseridas no centro das nossas análises: a) o Estado que garante a efetividade da Educação do
Campo por meio de dispositivos legais como leis e decretos, é o mesmo que não a reconhece
em seus mecanismos de avaliação da Educação sica; b) embora a Educação do Campo
esteja prevista em marcos normativos desde o ano de 2002, as três escolas do campo
pesquisadas não possuem projetos político-pedagógicos elaborados a partir dos princípios da
Educação do Campo.
As duas contraditórias elucidadas são ampliadas quando identificamos que os materiais
didáticos, como livros, eram/são os mesmos utilizados nas escolas da zona urbana. Esta
constatação revela as estratégias de diminuição da autonomia e regulação do trabalho docente,
tal como denunciou Molina e Hage (2015, p. 131), realizada por meio da “utilização de
materiais didáticos que os professores recebem prontos, e com um supervisor que verifica a
aplicação do material”. Entendemos que a regulação do trabalho docente apresenta graves
consequências epistemológicas e psicológicas para docentes e estudantes, no que diz respeito
à representatividade, ao autoreconhecimento, à identidade, à territorialização e à
profissionalização. No tocante à profissionalização e ao descaso do Estado com as populações
do campo, as salas multisseriadas apresentam-se como uma realidade, na qual “a maioria das
escolas rurais de 1a a 4a série são multisseriadas ou unidocentes e, nestas, atuam muitos
professores com formação até o ensino fundamental e, alguns, com ensino médio” (Ribeiro,
2013, p. 124).
A realidade nacional das salas multisseriadas ou unidocentes também é refletida, de
alguma forma, nas escolas do campo em Santo Antônio de Pádua. Todas as três escolas
pesquisadas trabalhavam/trabalham com classes multisseriadas, justificadas no argumento de
pouca quantidade de alunos. Contudo, as classes multisseriadas se configuram enquanto uma
estratégia do poder blico municipal para minimizar despesas com as escolas o que,
consequentemente, contribui para a não efetivação da Pedagogia da Alternância. Desse modo,
os dados da pesquisa indicam que de acordo com as falas das professoras trabalhar com
esse tipo de classe é dificultoso, pois você tem que preparar diferentes planos de aula para
uma mesma turma. Essa fala tem relação com os resultados encontrados por Hage e Barros
(2010), quando indicaram que as angústias relacionadas à organização do trabalho pedagógico
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das salas multisseriadas com as dificuldades que as/os professoras/es encontram para
organizar o processo pedagógico, justamente porque trabalham com a visão de junção de
várias séries ao mesmo tempo. Em função disso, as/os professores precisam...
Elaborar tantos planos de ensino e estratégias de avaliação da aprendizagem diferenciados
quanto forem as séries com as quais trabalham. Como resultado, os professores se sentem
angustiados e ansiosos ao pretender realizar o trabalho da melhor forma possível e ao
mesmo tempo, se sentem perdidos, carecendo de apoio para organizar o tempo escolar,
numa situação em que se faz necessário envolver até sete séries concomitantemente (Hage
& Barros, 2010, p. 354).
As classes multisseriadas, vivenciadas nas três escolas, apresentam-se como um desafio
às políticas públicas do campo da região. Tais classes, de acordo com os dados da pesquisa,
eram/são constantemente criticadas pelas docentes, as quais as associam à representação de
algo negativo. Portanto, um implicador na construção da profissionalização docente,
sobretudo no que diz respeito à vinculação da identidade da/o educador/a do campo. Para
além dessas questões, a literatura indica que existe um senso comum que estabelece muitas
comparações entre as classes multisseriadas e as turmas seriadas da cidade, traduzindo o
desejo de que essas escolas possam se transformadas em seriadas; isto é, a única alternativa
para que nelas se desenvolva um processo de ensinoaprendizagem com qualidade (Hage &
Barros, 2010). Por sua vez, para o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais
Anísio Teixeira (INEP), o problema das classes multisseriadas está...
Na ausência de uma capacitação específica dos professores envolvidos, na falta de material
pedagógico adequado e, principalmente, a ausência de infraestrutura básica material e de
recursos humanos que favoreça a atividade docente e garanta a efetividade do processo
de ensino-aprendizagem. Investindo nestes aspectos, as turmas multisseriadas poderiam se
transformar numa boa alternativa para o meio rural, atendendo aos anseios da população
em dispor de uma escola próxima do local de moradia dos alunos, sem prejuízo da
qualidade do ensino ofertado, especificamente no caso das séries iniciais do ensino
fundamental (INEP, 2007, p. 19).
Contudo, conforme explicitado no documento elaborado pelo INEP, caso houvesse
infraestrutura, recursos necessários e formação inicial e continuada de docentes em Educação
do Campo, as classes multisseriadas também poderiam ser vistas como algo benéfico.
Algumas pesquisas sinalizam que o sistema multisseriado, como um todo, pode favorecer um
ambiente de socialização durante o processo de ensino e aprendizagem; ou seja, as diferenças
de idades e séries poderiam vir a possibilitar uma troca de saberes entre estudantes, o que
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favorece a potencialização da aprendizagem (Teruya et al., 2013). Nesse sentido, para garantir
uma efetiva aprendizagem de seus estudantes, as classes multisseriadas exigem grande
dedicação e um comprometimento maior do papel do educador/a. Apesar de todos os desafios
que envolvem o sistema multisseriado, esse sistema pode se tornar algo positivo quando
existe uma infraestrutura que acompanha a proposta pedagógica e profissionais com formação
na área de Educação do Campo.
No tocante à categoria de análise práticas de ensino e aprendizagem, os dados destacam
o caráter da Educação Rural e, portanto, os princípios coloniais dessas práticas,
fundamentados no paradigma urbano. Para detalharmos os elementos que compõem tal
caráter voltamos ao Pensamento Decolonial, sobretudo aos conceitos introduzidos por Walter
Mignolo de colonialidade e descolonialidade que nomeiam um conjunto complexo de
relações de poder. De acordo com Mignolo (2017, p. 13), a colonialidade revela-se como
“uma ‘matriz ou padrão colonial de poder’, o qual ou a qual é um complexo de relações que
se esconde detrás da retórica da modernidade (o relato da salvação, progresso e felicidade)
que justifica a violência da colonialidade”. Para confrontar essa violência, o autor ressalta que
a “descolonialidade é a resposta necessária tanto às falácias e ficções das promessas de
progresso e desenvolvimento que a modernidade contempla, como à violência da
colonialidade” (Mignolo, 2017, p. 13).
Os conceitos acima aludidos interessam-nos para ressaltar as diferentes perspectivas da
colonialidade do poder, do saber e do ser e seus impactos na vida das minorias políticas e
da natureza. Tais conceitos são importantes para entendermos e analisarmos o processo de
subalternização e exclusão das formas de ser, pensar e conhecer as singularidades das
populações do campo. Conforme explica Quijano (2005, p. 115), a gica da colonialidade
baseia-se em “uma específica racionalidade ou perspectiva de conhecimento que se torna
mundialmente hegemônica colonizando e sobrepondo-se a todas as demais, prévias ou
diferentes, e a seus respectivos saberes concretos”. Logo, torna-se evidente que, nas escolas
do campo pesquisadas, tanto as práticas de ensino e aprendizagem quanto as avaliações
instituídas pelo governo federal, partem de lógicas epistêmicas eurocêntricas e, sob o pretexto
de incorporar representações e culturas marginalizadas, apenas reforçam os estereótipos e os
processos coloniais, sobretudo os de racialização (Oliveira & Candau, 2010).
De acordo com os dados da pesquisa, podemos relacionar a soberania das lógicas
coloniais na perpetuação de um modelo de educação que impõe a adequação das/os sujeitas/os
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do campo aos moldes educacionais dos paradigmas urbanos. Isto é, não a efetiva
consolidação da política educacional da Educação do Campo. Por meio da imposição de um
currículo mínimo e das avaliações padronizadas que negam o ser e o saber das populações do
campo suas singularidades o Estado insiste em subalternizar os diferentes saberes
presentes no meio rural. Sobre essa temática, Oliveira e Candau (2010) pontuam que as
diretrizes formulam, explicitamente, perspectivas de políticas de reconhecimento da diferença
nos aspectos políticos, culturais, sociais, históricos e ambientais. Contudo, propõem, também,
“como obrigatórios, conteúdos pedagógicos nos sistemas de ensino, que, por sua vez, se
caracterizam enquanto uma perspectiva nada tradicional na educação brasileira” (Oliveira &
Candau, p. 2010, p. 32).
Como desdobramento das consequências anteriormente citadas, ressaltamos que quando
indagamos se as/os estudantes queriam continuar no campo, estas/es respondiam que não.
Suas respostas refletiam seus desejos de irem para a cidade, porque, segundo elas/es, a cidade
é “melhor” do que o campo. Quando perguntamos sobre esta afirmação, grande parte
comentou que esta ideia é compartilhada no âmbito escolar, colocando-nos, mais uma vez,
diante dos muitos desafios das escolas do campo. Parte desses desafios consiste em confrontar
a lógica da modernidade/colonialidade, no sentido de desconstruir a concepção do campo
enquanto território atrasado e, dessa forma, lutar pela permanência dessas populações em seus
territórios. Essa representação de lugar do atraso, resultado de uma concepção de
colonialidade do ser, do saber e do poder tem sido questionada nas pesquisas de Arroyo
(2007, p. 158), sobretudo quando enfatizou que:
uma idealização da cidade como o espaço civilizatório por excelência, de convívio,
sociabilidade e socialização, da expressão da dinâmica política, cultural e educativa. A essa
idealização da cidade corresponde uma visão negativa do campo como lugar do atraso, do
tradicionalismo cultural. Essas imagens que se complementam inspiram as políticas
públicas, educativas e escolares e inspiram a maior parte dos textos legais. O paradigma
urbano é a inspiração do direito à educação.
Enquanto possibilidade alternativa a essa concepção de colonialidade e ao paradigma
urbanocêntrico, a Pedagogia da Alternância, representa um dos meios de romper com esse
modelo de educação. Entretanto, nas escolas do campo de Santo Antônio de Pádua, a
alternância o é adotada enquanto proposta metodológica de ensino, mesmo que esteja
prevista nos marcos nacionais de educação. De acordo com o Decreto no 7.352/2010, art. 7, o
inciso II, “a oferta de educação básica, sobretudo no ensino médio e nas etapas dos anos finais
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do ensino fundamental, e de educação superior, de acordo com os princípios da metodologia
da pedagogia da alternância” deverá ser cumprida e assegurada pelos entes federados (Brasil,
2010). Entendemos que trabalhar em sistema de Alternância representaria, para as três escolas
pesquisadas, uma possibilidade de viabilizar que as/os docentes e estudantes tenham a
experiência de ressignificar as suas próprias realidades, por meio da práxis. Isto porque, na
troca de saberes entre o ambiente de vida e a escola, existe a possibilidade de reafirmação de
identidades, enquanto sujeitas/os e protagonistas de uma prática pedagógica.
Diante da precariedade, da anulação da identidade das escolas e do esvaziamento do
campo, fica evidente a necessidade de ressignificar as práticas pedagógicas das escolas
pesquisadas e, deste modo, fortalecer a sua ligação com o campo e com a sua identidade. Esse
fortalecimento poderia ser viabilizado, como destacou Ribeiro (2013, p. 239), por meio da
natureza do método da Pedagogia da Alternância, o qual entende “o trabalho como princípio
educativo de uma formação humana integral, que articula dialeticamente o trabalho produtivo
ao ensino formal”. Por esses motivos, concordamos que a Pedagogia da Alternância, enquanto
proposta decolonial, promove a crítica aos conhecimentos que historicamente ocupam um
lugar subalternizado nos programas educativos formais, em função do ocidentalismo e o
eurocentrismo e, portanto, de suas categorias excludentes.
A práxis pedagógica, mediada pela Pedagogia da Alternância, surge no sentido de
responder às demandas históricas das populações do campo por uma educação que atenda
suas demandas e interesses (Caldart, 2012). Em outras palavras, se mostra como uma proposta
pedagógica que pensa o campo a partir da classe camponesa e que busca recuperar “o vínculo
essencial entre a formação humana e produção material de existência, quando concebe a
intencionalidade educativa na direção de novos padrões de relações sociais” (Caldart, 2012, p.
263). Além disso, o sentido da Alternância nada mais é do que desestabilizar toda e qualquer
forma de colonialidade através de um movimento decolonial que garanta a emancipação
epistêmica; bem como, outras formas de produção de conhecimento (Andrade et al., 2019).
Consequentemente, “representa a construção de um novo espaço epistemológico que inclui os
conhecimentos subalternizados e os ocidentais, numa relação tensa, crítica e mais igualitária”
(Oliveira & Candau, 2010, p. 27).
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Conclusões
A pesquisa evidenciou que as três escolas do campo pesquisadas na cidade de Santo
Antônio de Pádua RJ, não divergente da realidade nacional, encontram-se no centro das
estratégias de estrangulamento da qualidade da Educação do Campo. Tais escolas foram
abandonadas pelo poder público e, portanto, mostram fragilidades relacionadas a alguns
aspectos, tai como: a) infraestrutura; b) formação inicial e continuada de docentes na área da
Educação do Campo; c) práticas pedagógicas que contemplem as diferentes realidades de
estudantes e dos contextos sociais nos quais as escolas estão inseridas. Enquanto principais
resultados, a pesquisa destaca que quase a totalidade das docentes atuantes nessas escolas tem
formação universitária. Contudo, esse dado tornou-se irrelevante, dado que as professoras não
se identificavam enquanto educadoras do campo e/ou com a realidade do campo. Essa
ausência de identificação pode está associada a muitos aspectos, principalmente: à falta de
uma formação específica e diferenciada; à alta rotatividade de contratação de professores para
as escolas pesquisadas; à ausência de vínculo com o território e com as questões que
permeiam a luta pela Educação do Campo; entre outros. Todas essas ausências dificultam o
desenvolvimento das práticas pedagógicas que contemplem as demandas e especificidades
das populações do campo.
Os resultados revelam, também, que as professoras que atuam nas três escolas
pesquisadas sofrem com as ausências formativas para atuarem em classes multisseriadas; bem
como, com a falta de autonomia na prática educativa. Tais docentes seguindo orientações da
política de educação municipal e nacional trabalham de acordo com o currículo mínimo e
conteúdo requerido nas avaliações da Educação Básica. Como resultado, essas orientações
corroboram as práticas de ensino-aprendizagem fundamentadas em lógicas coloniais e, ao
tempo, excludentes dos modos de vida e dos saberes das populações do campo. Na sequência
da exclusão, a pesquisa indica que entre os muitos obstáculos para a efetivação da Educação
do Campo enquanto política pública, um deles esbarra-se nas agendas e interesses
governamentais. Tal consideração ganha força mediante duas questões: a) os sistemas de
avaliação da Educação Básica são elaborados a partir de uma gica urbanocêntrica; b) os
projetos político-pedagógicos das três escolas o eram/são elaborados a partir do princípio
da Educação do Campo.
As duas questões elucidadas, associadas a outros resultados da pesquisa, traduzem o
descaso das esferas governamentais em âmbito nacional e local no que diz respeito à
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efetivação da Educação do Campo do Noroeste Fluminense, um território marcado pelo
fechamento de escolas do campo e pela negação do direito à escolarização. Diante dos
resultados apresentados torna-se evidente que o projeto da Educação do Campo, enquanto
perspectiva ideológica e política, encontra-se comprometido pelas agendas das políticas de
extermínio, aparelhadas pelas forças econômicas que determinam a dinâmica da luta pela terra
no Brasil. No âmbito dos jogos de poder pelo acúmulo de terras, o extermínio das
possibilidades educativas escolarizadas das populações do campo faz parte de um projeto
maior. Em tal projeto, a desarticulação das escolas do campo ausências de formação e
identidade docente, de materiais didáticos específicos, de práticas pedagógicas pautadas na
Educação do Campo e inexistência da Pedagogia da Alternância, entre outros representa um
impedimento para o fortalecimento de uma identidade forjada no trabalho e vida no campo e,
portanto, de pertencimento ao território. Ao tempo, a ausência dessa identidade contagia
outros aspectos que levam à desterritorialização das populações do campo; sejam elas no
campo geográfico, sejam elas no campo imaginário das representações simbólicas.
Referências
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1
Informação disponível em: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/santo-antonio-de-padua.
2 Para maiores informações consultar Cadastro Nacional de Cursos e Instituições de Ensino Superior: e-MEC.
Recuperado de: http://emec.mec.gov.br.
3 Informações disponíveis em:
http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=10402&catid=215
4 Instituição responsável pela implementação da política de Educação Profissional e Tecnológica pública e
gratuita no Estado do Rio de Janeiro, a Fundação de Apoio à Escola Técnica (Faetec), vinculada à Secretaria de
Estado de Ciência e Tecnologia, iniciou suas atividades em 10 de junho de 1997. Atualmente, a Rede atende
cerca de 50 mil alunos por ano em 117 unidades de ensino, que somam a oferta no Ensino Técnico de Nível
Médio, na Formação Inicial e Continuada / Qualificação Profissional e na Educação Superior. Maiores
informações estão disponíveis em: http://www.faetec.rj.gov.br/index.php/institucional/apresentacao-faetec.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 07/03/2022
Aprovado em: 15/02/2023
Publicado em: 15/03/2023
Received on March 03th, 2022
Accepted on February 15th, 2023
Published on March, 15th, 2023
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Andrade, F. M. R., Rodrigues, M. P. M., & Gomes, J. S. (2023). Educação do Campo e os desafios da profissionalização
Andrade, F. M. R., Rodrigues, M. P. M., & Gomes, J. S. (2023). Educação do Campo e os desafios da profissionalização docente no Noroeste Fluminense Rio
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docente no Noroeste Fluminense Rio de Janeiro. Rev. Bras. Educ. Camp., 8, e14037.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14037
ABNT
ANDRADE, F. M. R.; RODRIGUES, M. P. M.; GOMES, J. S. Educação do Campo e os desafios da profissionalização
docente no Noroeste Fluminense Rio de Janeiro. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 8, e14037, 2023.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14037