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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14340
Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação
de docentes Intelectuais Coletivos: influências da
Pedagogia Socialista na formação de educadores do campo
do Território Kalunga – Goiás
Mônica Castagna Molina1, Pedro Henrique Gomes Xavier2, Marcelo Fabiano Rodrigues Pereira3
1 Universidade de Brasília - UnB. Programa de Pós-Graduação em Educação e Programa de Pós-Graduação em Meio
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Campus UnB Planaltina. Área Universitária, 01, Vila Nossa Senhora de Fátima.
Planaltina - DF. Brasil. 2 Faculdades Integradas IESGO. 3 Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal.
Autor para correspondência/Author for correspondence: mcastagnamolina@gmail.com
RESUMO. O presente texto discute a Licenciatura em Educação do
Campo da Universidade de Brasília, buscando identificar quais os
elementos do processo formativo que contribuem com a formação de
Intelectuais Coletivos do povo quilombola Kalunga, para atuação no
trabalho docente, na gestão escolar e na gestão comunitária, de modo
a incorporar saberes dos sujeitos e suas pautas reivindicatórias nesse
processo. A abordagem metodológica tem como suporte o
Materialismo Histórico Dialético para análise de pesquisas realizadas
na LEdoC - UnB e no território quilombola Kalunga. Tais pesquisas
referem-se ao trabalho apoiado pelo CNPq e a uma pesquisa de
Doutorado em andamento. Em ambas, recorrem-se aos instrumentos
da pesquisa participante (Schmidt, 2006); de observações; análise
documental de produções acadêmicas dos sujeitos envolvidos e
entrevistas semiestruturadas. Este artigo fundamenta-se no constructo
teórico e prático da Educação do Campo, nas influências da Pedagogia
Socialista e na formação de Intelectuais Coletivos na perspectiva
gramsciana. Os resultados encontrados apontam que a formação da
LEdoC - UnB tem repercutido não apenas na formação para a
docência, mas também nas esferas sociais de atuação dos sujeitos
como lideranças escolares e comunitárias, fortalecendo processos que
vêm desencadeando relevantes transformações coletivas, apesar das
variadas tensões e contradições que desafiam permanentemente a
atuação desses Intelectuais Coletivos.
Palavras-chave: Licenciatura em Educação do Campo, formação
docente, pedagogia socialista, intelectuais coletivos.
Molina, M. C., Xavier, P. H., & Pereira, M. F. R. (2022). Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação de docentes Intelectuais Coletivos: influências
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UnB’s Degree in Education for Rural Areas (LEdoC -
UnB) and the training of teachers/collective intellectuals:
influences of Socialist Pedagogy in the training of
educators for rural areas based in the Kalunga Territory -
Goiás
ABSTRACT. The present text discusses the Degree in Education for
Rural Areas at the University of Brasília, seeking to identify which
elements of the training process of this Degree contribute to the
formation of the Kalunga Quilombo people as collective intellectuals
and to their performance as teachers, school and community
managers, so as to incorporate the knowledge of these individuals and
their demands in this process. The methodology is based on
Dialectical Historical Materialism and research carried out both at
LEdoC-UnB and in the Kalunga-Goias Quilombola territory. These
researchs are linked to the work supported by CNPq and to Doctoral
research, in both, resorting to the instruments of participant research
(Schmidt, 2006), making observations, document analysis of academic
productions of the individuals involved and semi-structured
interviews. This article is based on the theoretical and practical
construct of Education for Rural Areas; the influences of Socialist
Pedagogy and the formation of collective intellectuals in the
Gramscian perspective. The outcomes indicate that the formation of
LEdoC-UnB has had repercussions on both teacher’s training and
individuals’ social spheres of action, such as school and community
leaders strengthening processes that have been triggering relevant
collective transformations, even before tensions and contradictions
that permanently challenge their performance.
Keywords: Degree in Education for Rural Areas, teacher training,
socialist pedagogy, collective intellectuals.
Molina, M. C., Xavier, P. H., & Pereira, M. F. R. (2022). Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação de docentes Intelectuais Coletivos: influências
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La Licenciatura en Educación del Campo-UnB (LedoC-
UnB) y la formación de docentes/intelectuales colectivos:
influencias de la Pedagogía Socialista en la formación de
educadores en el campo del Territorio Kalunga - Goiás
RESUMEN. Este texto discute la Licenciatura en Educación del
Campo de la Universidad de Brasilia, buscando identificar qué
elementos del proceso de formación de esta Licenciatura contribuyen
a la formación del pueblo Quilombola Kalunga como intelectuales
colectivos, en sus trabajos como docentes, en la gestión escolar y
gestión comunitaria, con el fin de incorporar sus saberes y sus
demandas en este proceso. La metodología se basará en el
Materialismo Histórico Dialéctico, en investigaciones realizadas en la
LEdoC-UnB y en el territorio quilombola Kalunga. Estas
investigaciones están vinculadas a un trabajo apoyado por el CNPq y a
una investigación de Doctorado, en ambos, recurriendo a los
instrumentos de investigación participante (Schmidt, 2006),
observación, análisis documental de las producciones académicas de
los involucrados y entrevistas semiestructuradas. Este artículo se basa
en el constructo teórico y práctico de la Educación del Campo; las
influencias de la Pedagogía Socialista y la formación de intelectuales
colectivos en la perspectiva Gramsciana. Los resultados indican que la
formación de la LEdoC-UnB ha repercutido en la formación para la
docencia y actuación social de los sujetos, como los procesos de
fortalecimiento de los líderes escolares y comunitarios que vienen
desencadenando transformaciones colectivas relevantes, aunque se
enfrenten a tensiones y contradicciones permanentemente.
Palabras clave: Licenciatura en Educación en el Campo, formación
de profesores, pedagogía socialista, intelectuales colectivos.
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Introdução
Neste texto, discorre-se sobre a Licenciatura em Educação do Campo da Universidade
de Brasília como ponto de partida para se analisar influxos na formação de sujeitos do
Território Quilombola Kalunga - Goiás, no sentido de situá-la como uma graduação que tem
promovido significativas repercussões na formação de Intelectuais Coletivos (Gramsci, 2001),
com amplas influências dos pressupostos da Pedagogia Socialista (Pistrak, 2009).
A Licenciatura em Educação do Campo é herdeira de um movimento social, histórico e
político bastante amplo: a Educação do Campo. Trata-se de um fenômeno que precisa ser
compreendido a partir da tríade campo − educação − política pública (Caldart, 2012) e que
leva ao debate acerca dos projetos e modelos de campo que estão em disputa no cenário
brasileiro, principalmente nas últimas décadas.
O modelo de campo ligado ao viés capitalista de produção na vertente do agronegócio
significa: máxima exploração da natureza e do homem pelo homem, com vistas à ampliação
incessante do capital e à obtenção sucessiva dos lucros; mercantilização da terra pelo uso
extensivo de agrotóxicos e uso de sementes transgênicas; monocultura; internacionalização da
agricultura e substituição do trabalhador pela hipertecnificação do trabalho. Esse modelo
pressupõe a expulsão dos sujeitos camponeses, o fim das culturas e tradições locais. Para isso,
há um intenso investimento pela conquista do imaginário das pessoas, sejam elas do campo
ou da cidade, conforme expressa Bruno (2012), que destaca o anseio do agronegócio em se
dissociar de identificações negativas, como por exemplo, a devastação ambiental e a violência
dos processos de desterritorialização que promove, entre outros.
O contraponto a essa lógica é a Agricultura Familiar Camponesa (Alentejano, 2020),
que se vincula à luta pela Reforma Agrária Popular, com alterações na estrutura e relação com
a terra e com projetos de produção que se relacionam intrinsecamente à produção material da
vida, cultura e conhecimento no campo brasileiro. Um caminho em construção é a
Agroecologia como modo de produção e meio de vida no campo, conforme defendem Guhur
e Toná (2012), como uma possibilidade concreta para a consolidação de condições sociais,
culturais e políticas do campesinato no Brasil.
Foi no bojo da contradição entre esses dois projetos sociais em disputa que a Educação
do Campo surgiu. Respondendo às demandas dos movimentos sociais camponeses, ela teve
seu nascedouro no I Encontro Nacional das Educadoras e dos Educadores da Reforma Agrária
- I ENERA e seu batismo, na I Conferência Nacional de Educação Básica do Campo,
realizada em 1998. Depois da realização de centenas de práticas e experiências formativas,
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derivadas principalmente das lutas e conquistas de muitos projetos executados em diferentes
níveis de escolarização, protagonizados pelos camponeses envolvidos nesse processo que se
materializaram no intervalo entre 1998 e 2002, ocorreu na UnB um importante evento: o I
Seminário Nacional de Educação do Campo. Neste Seminário, o próprio Movimento
Nacional de Educação do Campo, em função da ampliação da compreensão do direito à
educação dos camponeses, incluindo as lutas pelo acesso à Educação Superior, decidiu
suprimir o "Básica" de seu nome, indicando a disponibilidade e necessidade de lutar por todos
os níveis de escolarização a esses sujeitos.
Entre as conquistas históricas do Movimento da Educação do Campo, cabe destacar a
conquista de importantes políticas públicas, entre as quais é fundamental dar destaque ao
Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - Pronera (Molina & Antunes-Rocha,
2014). É uma política pública que em sua origem já trazia a intencionalidade de fortalecer a
luta pelo acesso e permanência da população camponesa à educação (Esmeraldo et al., 2014).
É importante acrescentar que desde 2007, pelo avanço das lutas e experiências
acumuladas a partir dos cursos do Pronera (Molina, Santos & Brito, 2020), houve a criação do
Programa de Apoio à Formação Superior em Licenciatura em Educação do Campo -
Procampo, voltado especificamente para a formação de educadores e educadoras do campo e
para “...que se constitua desde a especificidade do campo (que inclui uma estrita relação entre
educação e processos de desenvolvimento comunitário)” (Caldart, 2011, p. 131).
Considerando as limitações e o enfoque deste artigo, não é possível apresentar um
percurso histórico mais detalhado do processo de implementação dessa política no Brasil, mas
há de se destacar estudos que já têm registrado esse acúmulo teórico e prático ao longo dos
últimos anos, que podem ser consultados nas pesquisas de Molina e Sá (2011) e Molina e
Hage (2019), entre outros. Já existem também várias publicações que detalham e discutem
especificamente o Projeto Político Pedagógico da Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade de Brasília, como exemplo: Molina (2015, 2017), Nascimento (2019), Ferreira
(2015), Brito (2017), M. F. R. Pereira (2019), Silva (2019) e outros.
É importante observar que aqui se trata de Licenciaturas que sustentam a
intencionalidade de formação de um educador que consiga pensar a escola como ferramenta
fundamental para a transformação da sociedade vigente, principalmente na superação da
estrutura social econômica que pressupõe a exploração dos trabalhadores, e que se constitua
como ferramenta de luta, conquista de direitos e contribua com o projeto emancipatório da
sociedade (Santos, 2012).
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O projeto estruturante desses cursos orbita em torno de elementos fundamentais que os
estruturam, entre os quais cabe destacar pelo menos cinco aspectos: organização curricular
por áreas do conhecimento, organizando os componentes curriculares a partir de quatro
grandes áreas: Artes, Literatura e Linguagens; Ciências Humanas e Sociais; Ciências da
Natureza e Matemática; Ciências Agrárias; especificidades no perfil profissional projetado
pelo curso para a formação humana; Alternância Pedagógica; vinculação entre a formação e a
produção material e cultural na perspectiva da práxis transformadora; humanização da
docência e horizontalidade nas relações sociais estabelecidas nas interações pedagógicas
(Molina, 2011).
Considerando o Projeto Político Pedagógico dessas Licenciaturas, é possível perceber a
clareza de que há um perfil profissional idealizado para a formação docente. São
intencionalidades que extrapolam a formação para a docência somente, ou seja, além de uma
formação multidisciplinar em uma das áreas do conhecimento ofertadas pelo curso, há a
intencionalidade da formação para possibilitar a inserção do egresso na gestão de processos
educativos escolares e também na promoção práxis educativas comunitárias.
No curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília, ao longo
da formação, os estudantes escolhem uma área do conhecimento (Linguagem, Ciências da
Natureza ou Matemática). Nesse percurso, também são consideradas intencionalidades
formativas direcionadas para habilitar esses sujeitos para a Gestão de Processos Educativos
Escolares, a fim de que compreendam as formas de organização escolar e possam contribuir
na construção do projeto político pedagógico e na organização do trabalho escolar e
pedagógico nas escolas do campo. Isso ocorre sem se desconsiderar a intencionalidade de
formação para a Gestão de Processos Educativos nas Comunidades, processo que subsidia os
sujeitos para o trabalho formativo e organizativo com as famílias e grupos sociais para a
liderança de equipes, associações comunitárias, sindicatos, movimentos sociais, etc.
Para que isso seja possível, a organização curricular se dá por meio da Alternância
Pedagógica (Molina, Martins & Antunes-Rocha, 2021), com ênfase no perfil de educadores
que se pretende formar, sendo muito importante ao argumento que se desenvolverá a seguir a
compreensão de que nesse perfil de formação proposto e materializado pela LEdoC - UnB
estão as três dimensões formativas intencionalizadas pelo curso, de forma absolutamente
imbricadas e indissociáveis.
O projeto formativo da LEdoC mantém, outrossim, a imprescindível articulação entre
terra; território; trabalho; luta; identidade e cultura, sendo necessária a adesão à Pedagogia da
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Alternância como importante intencionalidade pedagógica e possibilidade de aproximação da
Universidade com a realidade local dos sujeitos que integram essa formação.
Na Universidade de Brasília, a alternância entre Tempo Universidade e Tempo
Comunidade acontece por meio da Inserção Orientada na Comunidade - IOC e da Inserção
Orientada na Escola - IOE. São intencionalidades do curso ações pedagógicas realizadas ao
longo de todas as suas etapas; com isso, o docente em formação se integra à vida escolar e
comunitária do campo, para observar, pesquisar e interferir na realidade de seu território A
IOC e a IOE são também formas de aproximação entre a Universidade e os diversos contextos
dos quais os sujeitos em formação na LEdoC fazem parte.
As pesquisas realizadas na Educação do Campo vêm constatando influências
significativas da Pedagogia Socialista no projeto formativo da LEdoC - UnB, mostrando
aproximações entre ela e a herança socialista, principalmente a expressa em "A Escola-
Comuna" (Pistrak, 2009). Tal estudo tem levantado um importante aporte teórico que serve de
referência para educadores das escolas do campo.
Molina e Sá (2012) afirmam que a concepção gramsciana de Escola Unitária é uma
importante referência para a Educação do Campo, pelo compromisso com essa formação
omnilateral, cuja centralidade é o trabalho integrado à dimensão da ciência e da cultura e cujo
horizonte é a formação de Intelectuais Orgânicos da classe trabalhadora. Esse é certamente
um fator que aponta caminhos de resistência e vai ao encontro do histórico de luta dos
movimentos sociais camponeses e da classe trabalhadora no sentido de superação de fluxos
hegemônicos.
Nos limites deste artigo, será discutido o contexto territorial Kalunga nos municípios de
Cavalcante-GO e Teresina de Goiás-GO, considerando a atuação de egressos da LEdoC –
UnB nestes territórios. Ao longo do texto, serão abordados elementos fundantes da Pedagogia
Socialista que reverberam nas intencionalidades formativas da LEdoC - UnB, tais como:
Atualidade, Auto-organização dos Estudantes, Trabalho Coletivo e Trabalho como Princípio
Educativo. O conceito de Intelectuais Coletivos será utilizado como categoria analítica, tal
como Gramsci apresenta, para situar os egressos do curso como sujeitos fundamentais na
articulação das lutas coletivas pelos direitos; pela cultura; pela valorização dos saberes e
modos de produção material da vida; pela afirmação da identidade quilombola e pelo
fortalecimento das lutas sociais em prol da soberania do seu povo.
Na tessitura deste texto, inicialmente serão apresentados elementos basilares da
Pedagogia Socialista e a maneira como esses princípios se incorporam à formação inicial de
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docentes na Licenciatura em Educação do Campo da UnB. Na sequência, será discutido o
conceito de Intelectuais Coletivos na perspectiva gramsciana, apontando os influxos desse
conceito nas significações de sujeitos egressos do curso que residem no território Kalunga,
objetivando, então, identificar as contribuições que tal processo formativo vem trazendo a tais
sujeitos e território.
A pesquisa se deu em um processo participativo que, para Schimidt (2006), é capaz de
relacionar as reflexões epistemológicas como uma forma de romper com o paradigma
positivista e avançar na crítica das dimensões éticas e políticas da pesquisa, constituindo-se
como uma pesquisa que promove a relação com o outro próximo, constituindo-se uma ideia
de comunidades interpretativas. Como instrumento desta pesquisa, foram realizadas
entrevistas semiestruturadas, e para preservação dos sujeitos pesquisados, usaremos a
nomenclatura de frutos do Cerrado para identificá-los.
A Pedagogia Socialista e suas contribuições para o projeto político pedagógico da
Licenciatura em Educação do Campo da UnB
A linha norteadora da discussão a ser apresentada nesta seção é a apresentação de
princípios basilares que orientam e subsidiam a Pedagogia Socialista, entre os quais
destacam-se a Atualidade, o Trabalho como Princípio Educativo, o Trabalho Coletivo e a
Auto-organização dos Estudantes. Ao se fazer referência a essa vertente, reporta-se à
pedagogia construída na Rússia no período compreendido entre 1918 e 1931, em que esteve
vigente a experiência da Escola-Comuna (Pistrak, 2009). Foram quatorze anos de uma práxis
educativa que marcou uma ruptura com a proposta educacional czarista-verbalista,
interrompida por reformas educacionais que ocorreram no país.
Nesse período, importantes Intelectuais Orgânicos sistematizaram os pilares de uma
educação socialista, entre os quais é necessário destacar Mosey Pistrak, Nadezhda Krupskaya,
Viktor Shulgin, Anátoly Lunatcharski, além de outros que estiveram à frente do Comissariado
Nacional da Educação - Narkompros. Este foi um coletivo envolvido no processo de
construção de um sistema educacional russo, objetivando materializar a educação com uma
pedagogia para a construção da Escola do Trabalho (Pistrak, 2009).
É importante contextualizar que o trabalho desse coletivo de educadores foi realizado
em período marcado por avanços na construção de uma Pedagogia Socialista, mas que, ao
mesmo tempo, atravessou uma série de obstáculos históricos, como a superação dos imensos
desafios provocados pelo processo da Revolução, as tentativas de construção de uma
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organização pedagógica alinhada aos interesses dos trabalhadores e a resistência a ideais
contrários à perspectiva revolucionária (Gehrke & Silva, 2018).
Em face desse contexto, os desafios educacionais desse grupo encarregado de esboçar
um projeto de educação socialista foram inúmeros, dos quais se destaca a necessidade de
educar os trabalhadores e lutadores como homens e mulheres munidos de conhecimentos e
valores sociais que lhes permitissem a construção de uma nova vida, com novos parâmetros e
princípios regentes das relações sociais de trabalho e produção. Soma-se a isso a missão de se
construir uma escola que não reproduzisse os princípios dualistas, que fosse única em seus
princípios pedagógicos e para todos.
Além disso, fazia-se necessária a organização de uma escola que possibilitasse a
formação de sujeitos como partícipes de uma coletividade, organizada pela classe operária
para construir uma ordem social que superasse a ordem vigente capitalista.
Com esses desafios começou-se a pensar nos pilares pedagógicos da Escola-Comuna,
ou Escola Única do Trabalho, que “tinha a tarefa de provocar inovações a serem generalizadas
para as escolas regulares” (Freitas, 2009, p. 13). Para o autor, tratava-se de uma escola cuja
finalidade era a emancipação da classe trabalhadora e a busca por alternativas à superação da
propriedade privada, ou seja, uma escola capaz de contribuir com processos emancipatórios
tão necessários ao contexto social, político e econômico do país.
Algumas categorias foram fundantes na organização da Pedagogia Socialista soviética:
Atualidade, Trabalho como Princípio Educativo, Auto-organização e Coletividade, sendo esta
última tratada neste texto como Trabalho Coletivo (Gehrke & Silva, 2018).
É inevitável que se destaque a Atualidade como ponto de partida para a reflexão sobre
essas categorias. O conceito está relacionado ao esforço educativo no sentido de se penetrar a
realidade, sua dinâmica e manifestações. A Atualidade, conforme Gehrke e Silva (2018) e
Freitas (2009), é tudo o que está na vida social e que precisa ser percebido, compreendido e
transformado. É tudo o que afeta o sujeito em sua vida comunitária: as tensões, contradições,
tramas, lutas e anseios coletivos. Pistrak (2009) sinaliza que a tarefa da escola não é somente
o estudo da Atualidade, mas o seu domínio, a superação de uma visão ingênua da realidade.
Isso significa possibilitar aos estudantes um tipo de conhecimento do real que lhes permita ir
além da aparência dos fenômenos, encontrando a essência dos fenômenos de uma realidade
que é complexa e síntese de múltiplas determinações.
Movida por esses princípios, a escola ligada à realidade histórica, social e cultural dos
sujeitos precisa fazer sentido para a vida dos estudantes, os educadores devem partir do
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princípio da pesquisa para compreender a Atualidade, e os estudantes devem ser construtores
de suas próprias histórias e não meros receptores de migalhas.
Recorre-se a Pistrak (2009) para sinalizar esse movimento dinâmico que envolve a
relação do sujeito com a realidade:
...a tarefa básica da escola é o estudo da Atualidade, o domínio e a penetração nela. Isso não
significa que a escola não deva familiarizar-se e estudar o passado coexistente...A escola
deve formar nas ideias da Atualidade; a Atualidade deve, como um rio amplo, desembocar
de forma organizada. A escola deve penetrar na Atualidade e identificar-se com ela (Pistrak,
2009, p. 117-118).
Essa é uma importante lente para pensarmos a Educação do Campo, superando a visão
estática de “escolas mortas” e construindo ambientes vivos que se integrem à vida dos sujeitos
que dela fazem parte, suas lutas, organizações coletivas, saberes, tradições e cultura. Assim, a
Escola-Comuna é inspiradora das escolas do campo por apontar caminhos entre a escola e a
vida social dos sujeitos que integram esse espaço por meio do trabalho socialmente útil e
necessário, a Auto-organização e a atuação coletiva em face das necessidades comuns.
Na continuidade de tal entendimento, Krupskaya (2009) registrou que o coletivo de
educadores que idealizou a Escola-Comuna nutria a firme intenção de estruturar a escola de
acordo com a vida social, com anseios de mudanças na escola e de colocá-la como parte
integrante da vida de maneira racional, intencional e orgânica. Isso significa a continuidade do
desejo de transformar a escola, sendo indispensável conectá-la às múltiplas dimensões da
vida, e a vida, aos conteúdos escolares, à gestão da escola, à organização do trabalho
pedagógico com o engajamento de todos os agentes educativos que integram a vida escolar.
Outro conceito estruturante da Pedagogia Socialista é o olhar sobre o trabalho em sua
dimensão ontológica, compreendendo-o também como um Princípio Educativo. Abreu
(2017) busca as elaborações teóricas de Marx e Engels para situar o trabalho como elemento
fundante na organização da classe trabalhadora e a experiência de luta para a emancipação da
classe.
A visão de escola emancipadora na Escola-Comuna aproximou, conforme destaca
Abreu (2017), a função social da escola à perspectiva da classe trabalhadora. A partir da
compreensão da necessidade de se associar trabalho produtivo e educação, Marx e Engels
formularam a compreensão do Trabalho como Princípio Educativo.
A Pedagogia Socialista, então, herdeira de uma concepção marxista de trabalho o
assume como Princípio Educativo e, dessa maneira, estrutura-se para preparar os construtores
Molina, M. C., Xavier, P. H., & Pereira, M. F. R. (2022). Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação de docentes Intelectuais Coletivos: influências
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de uma nova vida, a vida socialista. Krupskaya (2009) ressalta que essa escola deve contribuir
no fortalecimento de uma juventude que possa ser defensora de um futuro melhor.
A visão de escola emancipadora na Escola-Comuna aproximou, conforme destaca
Abreu (2017), a função social da escola à perspectiva da classe trabalhadora. A partir da
compreensão da necessidade de se associar trabalho produtivo e educação, Marx e Engels
formularam a compreensão do Trabalho como Princípio Educativo.
No contexto soviético da Rússia, foram inúmeros os desafios enfrentados para que fosse
possível a superação da forma/conteúdo escolar que antecedeu a Revolução, uma escola que
negava o acesso ao conhecimento, pois o currículo era pautado em dogmas religiosos, com
oferta de apenas dois ou três anos de estudo para uma minoria. Pistrak (2009) aponta essa
categoria como aquela que responde às perguntas: Que sociedade queremos construir? Como
essa sociedade será construída? Daí afirma que uma pedagogia de cunho social “só será
possível e benéfica na condição em que cada membro da sociedade compreenda claramente o
que é preciso construir (e isto exige a educação na realidade atual) e como é preciso construir”
(Pistrak, 2009, p. 41).
Essa concepção de Auto-organização dos Estudantes, que foi basilar na construção das
Escolas-Comuna, é um marco pedagógico importante, de acordo com Gramsci (1999), no
processo de troca individual entre dirigentes e dirigidos. Para Pistrak (2009), a autonomia dos
estudantes é necessária por um tempo determinado, e sua formação passa por momentos em
que lideram e momentos em que são liderados. Nessa perspectiva, a formação leva o
estudante a entender a importância do trabalho coletivo e da organização coletiva.
Em contraponto aos parâmetros capitalistas de organização social, pautados na
competitividade e meritocracia, na qual existe um processo de hierarquização do trabalho, o
trabalho socialmente útil e necessário materializa o exercício da práxis, ou seja, a teoria unida
à prática com forças emancipatórias e transformadoras da realidade social. Freitas (2009)
afirma: “É pelo trabalho, em sentido amplo, que esta relação se materializa. Daí a máxima:
não basta compreender o mundo, é preciso transformá-lo”.
Assumido nessa perspectiva de ser útil e socialmente necessário e, portanto, Princípio
Educativo, o trabalho é a alternativa que bem contribui para a conexão dos conteúdos
escolares com a vida. Nesse sentido, devem estar presentes e integrar o processo educativo os
“elementos culturais que determinam a natureza e a função educativa do trabalho”
(Manacorda, 2007, p. 136).
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Em consonância com essa categoria está a coletividade, ou seja, os sujeitos precisam se
auto-organizar para intervirem na sua realidade, e a escola precisa contribuir para a formação
desse homem construtor de sua própria história a partir do trabalho coletivo. Pistrak (2009)
lista os elementos que constituem essa capacidade organizativa: “1) aptidão para trabalhar
coletivamente e para encontrar espaço num trabalho coletivo; 2) aptidão para analisar cada
problema novo como organizador; 3) aptidão para criar as formas eficazes de organização”
(Pistrak, 2009, p. 41).
Então, o que seria essa coletividade? Compreende-se que, para muito além do mero
agrupamento ou reunião de pessoas,
...é um conjunto de pessoas norteado num sentido determinado, um conjunto de pessoas
organizadas que têm a sua disposição os organismos da coletividade. Onde houver uma
coletividade organizada, haverá também os seus organismos e uma organização dos
encarregados da coletividade e a questão das relações entre camaradas deixa de ser uma
questão de amizade, de afeto ou vizinhança para se converter num assunto de
responsabilidade. Mesmo se os camaradas se encontram em condições iguais e marcham
lado a lado na mesma fila, cumprindo quase as mesmas funções, relacionam-se não
simplesmente por amizade, mas pela responsabilidade comum no trabalho, pela participação
conjunta na coletividade (Makarenko, 1986, p. 135-136).
O autor ratifica o entendimento de coletividade como escolha social que transforma
hábitos fundamentais na organização da juventude comunista e imprescindíveis na
organização dos trabalhadores para o fortalecimento das novas relações de trabalho e de vida
social.
Com base nas considerações e reflexões apresentadas nesta seção acerca dos pilares da
Pedagogia Socialista, é necessária uma ampliação nesse horizonte categórico, considerando
que os objetivos traçados para o presente texto levam ao debate teórico acerca dos Intelectuais
Coletivos na perspectiva gramsciana, e sobre isso se discorre na próxima seção.
Formação do Intelectual Coletivo
As constatações apresentadas na seção anterior revelam o quanto as bases pedagógicas
elaboradas nas origens da Pedagogia Socialista têm muito a contribuir com diferentes olhares
e enfoques a serem dados à Educação do Campo na atualidade. Não obstante, convém situar e
articular esse debate à compreensão de Intelectual Coletivo que orienta as análises e reflexões
expostas neste texto. Assume-se aqui a perspectiva gramsciana de Intelectual Orgânico. Para
Gramsci (2001), trata-se de um conceito antagônico ao de intelectual tradicional, pois este
desenvolve ações que julga não integrarem parte de nenhum campo ideológico, ou seja, um
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discurso de suposta neutralidade. Essa análise em um determinado bloco histórico italiano
revela que se trata de um intelectual que não compreende nada da vida coletiva, desenvolve-se
no bojo conservador e religioso, e está ligado ao desenvolvimento capitalista dentro de uma
estrutura atrasada. Segundo o autor, os intelectuais tradicionais “não se comprometem nem
com a superação da condição de vida do povo nem com a atualização capitalista do padrão
civilizatório e produtivo da nação emergente” (Martins, 2011, p. 137).
Gramsci (2001) entende que os intelectuais não estão associados ao tipo de trabalho que
o sujeito realiza, ou seja, para ele, não há dicotomia entre trabalho manual e intelectual, como
se o tipo de atividade laboral fosse determinante para a definição do “ser intelectual”, mas a
relação que este sujeito exerce em condições e relações sociais concretas, reais. Para ele não
há distanciamento entre esses intelectuais e as relações sociais da classe a que pertencem. É
nessa relação orgânica com a classe social que se trava a disputa hegemônica que, na
perspectiva da classe trabalhadora, requer a superação da sociedade cindida em classes.
Esse intelectual, conforme Gramsci (2001), é aquele que atua como organizador de sua
classe, pela compreensão que tem e compartilha a respeito da leitura crítica da realidade. É
parte integrante dessa atuação o compromisso na elevação dos níveis de consciência acerca
dos processos sociais, políticos, políticos e econômicos. Portanto, o intelectual orgânico é o
que articula a organização coletiva e está a frente de ações concretas de intervenção
transformadora na realidade.
Conforme Gramsci (apud Liguori & Pasquale, 2017), o Intelectual Orgânico, por outro
lado, situa-se numa determinada organicidade econômica, social e política, e assume o viés de
determinado grupo, não estando presente apenas em determinada classe. A burguesia, por
exemplo, também busca forjar seus Intelectuais Orgânicos para conquistar hegemonia (pelo
consenso e pela coerção) para dar homogeneidade e criar consciência coletiva no campo
social e econômico. Na interpretação de Liguori e Pasquale (2017), embora não haja uma
relação direta entre ele e a produção econômica, há fortes influências nos espaços do Estado,
considerado este numa visão ampliada (sociedade civil e política).
Ainda a esse respeito, Gramsci acrescenta que, enquanto a visão de intelectual
tradicional pressupõe uma ação externa de alguém pertencente a um grupo social autônomo, o
Intelectual Orgânico não está separado do povo, esclarecendo que “não há atividade humana
da qual se possa excluir toda intervenção intelectual, não se pode separar o homo faber do
homo sapiens” (Gramsci, 2001, p. 53).
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Visto nessa perspectiva, o intelectual seria, então, um sujeito com elevada cultura
erudita no campo da filosofia, belas artes, economia e política, colocando-se como superior
em comparação aos outros sujeitos da sociedade e, ao mesmo tempo, apartados dos anseios
econômicos e políticos da sociedade.
Para o autor, não há qualquer trabalho realizado pela força física do homem dissociado
da força intelectual: os homens são intelectuais, todos eles, embora nem todos exerçam essa
função na sociedade.
Destarte, a discussão sobre esse termo direciona-se à pertinência dele na formação de
educadores na perspectiva do Intelectual Orgânico. Se, por um lado, a burguesia forma os
educadores para a manutenção do status quo, conforme explica com clareza Neves (2011),
por outro, há um fluxo na educação que está debatendo a formação de educadores na
perspectiva do Intelectual Orgânico da classe trabalhadora.
Ora, se todo homem é intelectual, como seria possível a resistência consciente à
hegemonia imposta à classe trabalhadora? Hegemonicamente, a escola como aparelho
ideológico do Estado tem um papel forte na disseminação da ideia e de práticas que fazem os
trabalhadores não se sentirem intelectuais; ao contrário, sentem-se inferiorizados por causa da
exclusão e da subordinação que a escola capitalista tradicional provoca. Outro fato histórico e
relevante mecanismo de controle ideológico imposto pelas forças hegemônicas aos interesses
do capital é a divisão do trabalho e, em consequência, a divisão social do trabalho e a
separação ideológica entre o trabalho manual e o trabalho intelectual, que culminou na
sociedade de classes.
Assim, os intelectuais da classe trabalhadora em seu compromisso com a organização
política e cultural de sua classe necessitam lutar por uma organização social que supere a
exploração e o controle das forças hegemônicas. Nessa direção, a elevação do nível de
consciência da classe trabalhadora e a formação massiva de seus próprios Intelectuais
Orgânicos são fundamentais, considerando-se que
Todo grupo social, nascendo no terreno originário de uma função essencial no mundo da
produção econômica, cria para si, ao mesmo tempo, organicamente, uma ou mais camadas
de intelectuais que lhe dão homogeneidade e consciência da própria função, não apenas no
campo econômico, mas também no social e político (Gramsci, 2001, p. 15).
É essa concepção gramsciana de Intelectuais Orgânicos que foi muito bem interpretada
por Semeraro (2009) ao destacar a coerência dessa visão com o que Marx entende como
intelectual aquele que se envolve nas lutas operárias enquanto cientista, crítico e
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revolucionário. Para Semeraro (2009), o papel dos intelectuais não restrito ao campo dos
debates teóricos e das ideias requer que se envolvam com a luta, pois devem ser
"politicamente comprometidos com o próprio grupo social para fazer e escrever a
história...capazes de refletir sobre o entrelaçamento da produção material com as
controvertidas práticas da reprodução simbólica” (Semeraro, 2009, p. 130).
É considerando esse estreito vínculo entre os Intelectuais Orgânicos e o compromisso
social revolucionário que Gramsci (2001) os coloca em intrínseca relação com a concretude
da realidade, que é histórica e social. Sabe-se que isso não ocorre de forma linear, mas como
um processo histórico concreto, permeado por muitas contradições que precisam ser
permanentemente analisadas e entendidas, o que envolve um processo de pensar, agir e
refletir na busca por superar a leitura ingênua da realidade em sua superficialidade, para
buscar a essência inerente a ela, suas tensões e contradições.
A escola, sob esse olhar, torna-se um meio fundamental para forjar os intelectuais de
diversos níveis, assumindo na práxis educativa a formação dos intelectuais engajados nas
lutas sociais, políticas e culturais dos povos oprimidos, garantir a presença em todos os
espaços da sociedade política e sociedade civil. Procurando avançar nesse entendimento,
busca-se neste artigo ampliar a compreensão sobre como Gramsci compreende os processos
educativos.
Antes de finalizar esta seção, cumpre observar que Gramsci, nos "Cadernos do
Cárcere", concebe a escola tradicionalmente instituída, hegemônica como um espaço de
constituição dos dirigentes da hegemonia, ou seja, os Intelectuais Orgânicos da burguesia.
Cria-se uma tendência de abolir as escolas "desinteressadas" e "formativas", levando a uma
crise educacional. Para Gramsci, a perspectiva contra-hegemônica a essa lógica é a construção
da escola que aborda a cultura geral, humanista e formativa, que desenvolve sua organização
pedagógica na justiça e no desenvolvimento do trabalho manual e intelectual.
A escola é o lugar para se avançar na elaboração dos intelectuais, e quanto maior o grau
de instrução ofertado por ela, maior será a complexidade cultural. Gramsci compreende que,
dentro de um bloco histórico, a escola deve atender às especificidades e necessidades de um
povo, e no debate sobre a formação do intelectual, a classe trabalhadora deve avançar na
formação de seus Intelectuais Orgânicos.
Para que a classe trabalhadora forme os seus Intelectuais Orgânicos, é necessário
disputar a escola. Essa é a compreensão que melhor dialoga com o entendimento da
Licenciatura em Educação do Campo, para a qual a escola é sim um dos instrumentos de
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formação dos intelectuais, e, por isso, ocupar os latifúndios do saber e disputar a Organização
do Trabalho Pedagógico é fundamental para a transformação da estrutura escolar que temos.
Nessa perspectiva, a formação de educadores do campo ultrapassa a visão tradicional de
capacitar intelectuais da universidade que estão dissociados da vida, cultura, tradições, lutas,
tramas e tensões da realidade dos sujeitos camponeses, pois ressignifica o olhar sobre esses
sujeitos camponeses que estão inseridos nesse processo como Intelectuais Coletivos. Esse
movimento parte da formação dos camponeses na Licenciatura em Educação do Campo, com
destaque para os egressos do curso da Universidade de Brasília.
Será apresentada de maneira mais detalhada na seção seguinte a forma como a
Licenciatura em Educação do Campo da Universidade de Brasília vem incorporando os
elementos da Pedagogia Socialista e o conceito de Intelectuais Coletivos na formação de
educadores do povo quilombola Kalunga, para que, sob a influência desses princípios, possam
atuar na gestão escolar e comunitária de modo a incorporar saberes dos sujeitos e suas pautas
reivindicatórias nesse processo.
Análise e discussão dos dados
As categorias da Pedagogia Socialista, o conceito gramisciano de Intelectuais Orgânicos
e as considerações apresentados anteriormente serviram para contextualizar a visão com a
qual se discutem aqui os desdobramentos da proposta formativa da LEdoC - UnB na práxis de
egressos, sujeitos do Território Kalunga em Goiás. Assim, é preciso que se apresente o
território do qual estes sujeitos fazem parte antes de se discutir os elementos do processo
formativo dessa Licenciatura que contribuíram com a formação do povo quilombola Kalunga
como Intelectuais Coletivos para atuação no trabalho docente, na gestão escolar e
comunitária.
O território Kalunga no estado de Goiás, região da Chapada dos Veadeiros, surgiu no
período do Ciclo do Ouro e do garimpo. Em 1722, quando Bartolomeu Bueno, o Anhanguera,
e João da Silva Ortiz invadiram as terras centrais do Brasil, formou-se o que é hoje o estado
de Goiás. Os negros escravizados foram levados para explorar as Minas dos Goyazes e, nesse
processo de luta, resistência e liberdade, surgiu o quilombo Kalunga nos municípios de
Cavalcante, Teresina e Monte Alegre (Cunha, 2018, p. 34).
Para tratar do território Kalunga, há que se compreender a sua identidade, sua cultura, a
forma de produzir seus alimentos, seus festejos, suas lutas, sua história, alicerçando-os na
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multiterritorialidade. “São movimentos socioterritoriais disputando o primeiro território em
todas suas escalas” (Fernandes, 2009, p. 12).
O território é utilizado como conceito central na implantação de políticas públicas e
privadas, nos campos, nas cidades e nas florestas, promovidas pelas transnacionais, governos
e movimentos socioterritoriais...conflitualidades. Neste contexto, tanto o conceito de
território, quanto os territórios, passam a ser disputados. Temos, então, disputas territoriais
nos planos material e imaterial (Fernandes, 2009, p. 4).
Percebe-se que o conceito de território tem múltiplos significados. O Território Kalunga
já foi analisado com diferentes olhares, alguns deles com vícios acadêmicos preconceituosos
encarando-o como “atraso”, desconsiderando toda e qualquer relação material e imaterial.
Opta-se neste artigo por abordar esse território a partir do olhar dos próprios
pesquisadores Kalunga. São investigadores que produzem a partir de suas vivências, de suas
experiências, conhecedores natos de seu território. Como afirma o egresso da LEdoC Cunha
(2018, p. 22), em sua dissertação de Mestrado, sobre as singularidades, memórias e histórias
de seu Território:
Nós, kalungueiros, somos um povo singular, minha família e eu somos essa gente. Gente de
descendência africana que pertencem a várias gerações, gente que resistiu na luta contra a
escravidão, gente que tem uma memória, várias histórias e suas tradições. Gente que tem
ainda hoje suas identidades que vêm de longe, como demonstram nossos anciãos (Cunha,
2018, p. 22).
Do conceito de território, enfoca-se especialmente o aspecto da multiterritorialidade
como espaço de governança, como propriedade e como espaço relacional, conforme
apresentado por Fernandes (2008, p. 17). Para falar dos territórios Kalunga da Chapada dos
Veadeiros, mais precisamente do município de Cavalcante, dialoga-se neste artigo com
autores como Maia (2014), Costa (2013), Cunha (2018), Silva (2015), Alves (2015) e Dias
(2016), além de outros pesquisadores que, em sua maioria, pertencem ao próprio território
Kalunga.
De acordo com Maia (2014), o Território Kalunga da região da Chapada dos Veadeiros
foi reconhecido em 2009 como Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, tem uma área
de 253.191,72 hectares, aproximadamente, localiza-se no estado de Goiás e é considerado o
maior do Brasil.
Os quilombos não são apenas locais para onde os negros fugiam da escravidão.
Segundo Catelan et al. (2019), também significam uma violação da ordem social da época,
lugares da organização coletiva, da autonomia e da constituição de uma identidade nacional,
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espaços de luta, resistência e esperança para muitos que viviam em condições de escravidão
naquele regime.
Assim, as coletividades negras passaram a compor o cenário nacional embasados na
hierarquia da cor branca. Com o fim formal da escravidão pela Lei Áurea de 1888, e o início
do mercado consumidor no Brasil, os descendentes [de pessoas que foram escravizadas]
foram marginalizados pelo Estado Nacional e jogados à própria sorte no canibal universo
capitalista recém-nascido (Catelan et al., 2019, p. 40).
A constituição dos territórios quilombolas no Brasil deu-se em terras de difícil acesso.
A esses territórios, foram atribuídas algumas denominações, como “terra de preto, território
negro, mocambos, comunidades negras rurais, terras de santos, entre outras” (Dias, 2016, p.
31). A palavra Kalunga, que caracteriza esses territórios, é para reafirmá-los como espaços de
luta, de coletividade, de produção material e imaterial da vida.
Para Alves (2015), as políticas de desenvolvimento no estado de Goiás, especificamente
para os territórios do interior, próximo a Brasília, desencadearam vários impactos ambientais
e sociais, e o território Kalunga vem sofrendo grande parte desses impactos. A princípio, a
maior preocupação dos quilombolas eram os garimpos e a invasão de suas terras por
fazendeiros ávidos por acumularem mais terras. Hoje as terras quilombolas estão sendo
invadidas por empresas de mineração e para a construção de usinas hidrelétricas, aumentando
o índice de desmatamento e o número de invasores posseiros e grileiros.
Silva (2015), pesquisadora Kalunga, no trabalho de conclusão de curso em que fez um
levantamento sobre os abusos sexuais de menores e mulheres nos territórios Kalunga do
município de Cavalcante, constatou que essa violência sexual é cometida, em geral, por
homens que vêm de fora. Além do problema da exploração sexual, evidencia-se a exploração
da mão de obra do meio ambiente, entre outras.
Pode-se observar que a luta sempre fez parte da história do povo Kalunga, que segue
lutando e resistindo no Território como há séculos, vivendo da sua produção de subsistência
com a roça de toco, o extrativismo e a criação de animais. São sujeitos que concebem suas
próprias técnicas de produção e estabelecem entre si várias redes de solidariedade que lhes
têm permitido permanecer no território há tanto tempo, apesar dos inúmeros desafios já
enfrentados que objetivam sua expropriação e que se tem ampliado cada vez mais, em função
dos inúmeros interesses da especulação fundiária em torno de área tão relevante para o estado
de Goiás.
A terra é o lugar do desenvolvimento da soberania dos povos, da cultura, o lugar da
mística, da religiosidade, de se reafirmar como povo. A escola é o espaço da troca entre os
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saberes empíricos e científicos. E o espaço de luta por políticas públicas são as associações
comunitárias, tais como: Associação Quilombo Kalunga (AQK), tendo a presidência e a vice-
presidência ocupadas por egressos da LEdoC, e a Associação Kalunga de Cavalcante (AKC),
também com a presidência e a vice ocupadas por sujeitos que se formaram na LEdoC.
Podemos observar que toda a organização dos estudantes Kalunga da LEdoC-UnB se
deu na segunda turma, em 2008, com apenas 4 (quatro) estudantes. A partir das ações que
esses estudantes desenvolveram no território, nas turmas seguintes ingressaram muitos
estudantes Kalunga. Entre 2008 e 2020, de acordo com Gomide et al. (2019), com adaptações,
formaram 69 estudantes Kalunga e outros em formação. Desde o início do curso, a LEdoC-
UnB buscou utilizar estratégias de acesso à Universidade, por processos seletivos específicos
de entrada, de modo a garantir a manutenção do perfil de ingresso de sujeitos oriundos de
comunidades camponesa. Em 2008 essa intencionalidade se estendeu aos sujeitos
quilombolas do território Kalunga.
Além delas, foi criada em 2012 a Associação de Educação do Campo do Território
Kalunga e Comunidades Rurais - Epotecampo, organizada pelos estudantes do curso. E em
2017, foi criada a Associação Mulheres Quilombo Kalunga de Monte Alegre, presidida por
uma egressa da LEdoC (Gouveia, 2008).
Feita essa contextualização do território e dos sujeitos, a linha norteadora da discussão
que se apresenta na sequência tem a finalidade de responder a uma pergunta crucial proposta
neste artigo: Quais contribuições a LEdoC - UnB tem proporcionado aos sujeitos do
Território Kalunga por meio do processo de formação inicial de docentes? Para isso, os
argumentos apresentados adiante pretendem evidenciar a maneira como as categorias da
Pedagogia Socialista e a concepção de sujeitos como Intelectuais Coletivos se apresenta nas
significações dos sujeitos colaboradores da pesquisa.
Uma categoria importante na Pedagogia Socialista é a Atualidade, que parte da noção
de investigação da realidade, ação que concebe as porções da vida como instrumentos
pedagógicos e fazem parte da Organização do Trabalho Pedagógico da LEdoC - UnB. Essa
relação das porções da realidade com os conhecimentos científicos registrados no currículo
escolar contribui para se avançar no processo de ensino-aprendizagem.
Conhecer a realidade é conceber a Atualidade, compreendendo que as contradições
locais estão intrinsecamente relacionadas com as contradições universais. Partindo desse
pressuposto, a investigação da realidade, como intencionalidade investigação dos
pesquisadores Kalunga, revela que é preciso avançar na luta pela soberania de seu povo, pela
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emancipação humana. Esses Intelectuais Coletivos Kalunga, a partir de suas pesquisas,
avançam na organização quilombola e contribuem para a promoção de diálogos na formação
política dos sujeitos envolvidos. Santos (2018), pesquisadora Kalunga, entende que o
...intuito dessa pesquisa não estava somente em compreender a questão racial no Brasil, mas
também em encontrar subsídios para me formar enquanto estudante pesquisadora que deseja
por meio do teatro contribuir com o processo de formação dos sujeitos do grupo ao qual
pertenço, através do ensino, oferecendo às estudantes possibilidades para que possam ser
formados e formadores de ideias (Santos, 2018, p. 60).
O processo de investigação torna-se um ato político em que o pesquisador se forma e
forma os envolvidos na pesquisa a partir de ações pedagógicas, relacionando-o com o
Trabalho Coletivo e o Trabalho como Princípio Educativo. Todo esse esforço tem fortalecido
a luta do povo Kalunga para garantir Políticas Públicas, inserindo-se na luta, desenvolvendo
seu território, cultura e educação. Nesse sentido, Freitas (2009, p. 24) ajuda a refletir.
Nós não precisamos de selvagens civilizados, executores obedientes, escravos e, portanto,
eles devem conhecer a Atualidade, poder lutar, poder construir; eis porque nós precisamos
não de muralhas monásticas, não do isolamento das crianças da vida, não raptá-las, não da
história antediluviana, não da técnica e ciência antiquadas, não de professores antiquados,
afastados da Atualidade. Não, nós precisamos da escola cada vez mais integralmente, de
cima para baixo, impregnada pela Atualidade; nós precisamos de professores que
compreendam a Atualidade, que tomem parte na sua construção, nós precisamos que a
criança que tome parte na sua construção, nós precisamos que a criança viva-a.
A luta pela garantia da permanência de sua cultura e de seu povo força os Kalunga a se
inserirem nos movimentos sociais como o MAM - Movimento pela Soberania Popular na
Mineração. A inserção no MAM vem somando forças para combater as mineradoras que têm
entrado fortemente em seu território, o que se pode identificar no trabalho realizado por
Gouveia (2018, p. 91), pesquisador Kalunga.
Também existem estudantes quilombolas que se tornaram militantes do Movimento Pela
Soberania Popular na Mineração (MAM). Desse modo, fica explícita tamanha mudança que
o curso de Licenciatura em Educação do Campo da UnB tem proporcionado ao território
Kalunga ao formar os estudantes quilombolas.
Com o ingresso de muitos Kalunga na Licenciatura em Educação do Campo da UnB,
conforme dito anteriormente, a Universidade tem desenvolvido muitas ações no território. Um
exemplo dessas ações são os Seminários de Tempo Comunidade organizados pelos estudantes
do curso, egressos e lideranças das comunidades, constituindo, assim, o Trabalho como
Princípio Educativo.
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Como acompanhamento de atividades de Tempo Comunidade estão previstas atividades que
integram as ações formativas desenvolvidas nas comunidades, e estão organizadas em quatro
atividades articuladas conforme o PPP do curso: 1) Inserção Orientada na Escola (IOE); 2)
Inserção Orientada na Comunidade (IOC), 3) Tempo de Estudos e 4) Seminários Territoriais
de Tempo Comunidade. O curso da UnB se estruturou em equipes para acompanhamento do
Tempo Comunidade nos diversos territórios em que os e as estudantes do curso vivem, o
território Kalunga é um deles (Gomide et al., 2019, p. 4).
Essa organização pelos Seminários de TC para além da socialização das atividades
realizadas nos territórios é um espaço para planejar ações que possam contribuir com a
transformação da materialidade da vida. Todas essas ações são pensadas pelos estudantes e
egressos da LEdoC, pelas lideranças políticas das comunidades, pelos movimentos sociais e
pela universidade. Assim, podemos compreender o diálogo entre as categorias Atualidade,
Auto-organização, Trabalho como Princípio Educativo e Trabalho Coletivo nas ações
desenvolvidas nas comunidades. Pode-se observá-las articuladamente no depoimento de
Vilmar, à época presidente da Associação Quilombo Kalunga e hoje prefeito do município de
Cavalcante.
No país há grande ameaça de tomada de direito e isso demanda de nós que participemos da
luta, temos que conversar com o povo, temos que avançar mais, estou como presidente desde
2004 da AQK. Fizemos um planejamento estratégico e dele fizemos o plano de ação,
estamos trabalhando com o geoprocessamento territorial, social e ambiental, queremos
conhecer o sítio histórico por completo: quantas pessoas, quantas famílias, o que se produz.
Quem vai fazer a gestão do quilombo somos nós, hoje temos 136 mil hectares de terra, no
início tínhamos 14 mil hectares, então temos que tomar conta desse patrimônio (UNB,
Relatório de Acompanhamento de Tempo Comunidade, 2010).
Percebe-se que a Auto-organização está presente nas ações dos sujeitos Kalunga, que se
organizam em associações, grupos teatrais, grupos de mulheres, grupos de pesquisadores,
concluindo-se que o povo do maior quilombo do país está organizado. É fato que a formação
na LEdoC tem contribuído na construção das organizações e nas lutas dos quilombolas
Kalunga por seus territórios. A partir desse entendimento, as ações de investigação da
realidade, fomentada pela LEdoC - UnB, contribuem para conceber a Atualidade, avançam no
processo de investigação da realidade para transformar, portanto, os intelectuais em formação
ou formados na LEdoC - UnB, que vêm avançando na construção das relações socioculturais,
ambientais, políticos e econômicos sob a perspectiva do seu povo.
A importância do inventário, no geral, a gente pode definir que o inventário é para conhecer
a nossa realidade. E é conhecer a conjuntura atual que nos leva a pensar estratégias, metas e
os caminhos que a gente deve tomar no processo de luta, no processo de formação dentro da
Molina, M. C., Xavier, P. H., & Pereira, M. F. R. (2022). Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação de docentes Intelectuais Coletivos: influências
da Pedagogia Socialista na formação de educadores do campo do Território Kalunga – Goiás...
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escola e do grupo de teatro. [Buscar] o que a associação deve, ou não, fazer. Então,
inventariar para nós é crucial e indispensável (Jabotá, 2020).
Para compreender a Atualidade, entendendo todo esse processo de construção, tem-se
que conceber os fenômenos da realidade de diversos pontos de vista, desvendando diversas
relações específicas entre si, sociais, culturais, políticas e econômicas, para transformá-las
(Pistrak, 2018).
Assim, os sujeitos Kalunga compreendem a necessidade de se organizarem e lutarem
pelo seu povo, engendrando estratégias para avançar nessa luta a partir de grupos organizados
em associações e grupos de teatro. “Foi a partir do inventário que eu comecei a perceber de
perto os conflitos as potencialidades na comunidade que eu não percebia passei a perceber
com olhar de pesquisadora que eu consegui a identificar esses problemas de conflitos” (Baru,
2020).
Baru (2020), como pesquisadora e intelectual, avança no processo de identificação dos
conflitos e tem um olhar sobre esse conflito de forma a agir sobre ele, considerando os
Kalunga sujeitos de direito, lutadores e construtores de sua própria história. Além disso,
entende que seu povo contribui significativamente no processo de transformação das relações
(sociais, culturais, políticas, ambientais e econômicas) dentro de sua própria comunidade, do
seu próprio município e em busca de um país mais justo.
Essa transformação passa pelo compromisso de compreender para intervir na
Atualidade, agir sobre ela de forma coletiva, avançando no processo do Trabalho Coletivo e
organizando-se como grupo de direito e lutando para transformar a realidade.
Os educadores formados na LEdoC - UnB têm avançado no sentido de se constituírem
sujeitos pesquisadores e intelectuais comprometidos com a transformação da realidade em
que se encontram, avançando nas mudanças das relações políticas, econômicas e sociais.
Portanto, a relação do homem com a natureza mediatizada pelo trabalho é histórica, muda no
decorrer do tempo-espaço e tem provocado mudanças nas relações sociais de produção e nas
relações humanas (Abreu, 2017).
E isso faz com que você começa a mudar o seu olhar como pesquisador, não só enquanto o
pesquisador, mas também, enquanto sujeito. E isso faz com que eles possam entender a
cultura dentro da comunidade, e os conflitos dentro da comunidade. O inventário fortaleceu
muito e proporcionou até uma forma de organização política dentro da própria escola, dentro
da própria comunidade (Aroeira, 2020).
Já existem relações preestabelecidas dentro das comunidades enraizadas no modo de
produção capitalista, mas é possível observar que os sujeitos intelectuais formados na LEdoC
Molina, M. C., Xavier, P. H., & Pereira, M. F. R. (2022). Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação de docentes Intelectuais Coletivos: influências
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- UnB se auto-organizam para superar essas velhas relações de interesse da hegemonia.
Pistrak (2009) compreende a Auto-organização como um processo estreitamente ligado às
questões da Atualidade. Como a luta contra-hegemônica ocorre de forma coletiva no âmbito
do processo de formação, os estudantes e egressos Kalunga da LEdoC - UnB, ao perceberem
essas contradições e se aprofundarem teoricamente nas relações sociais, avançam no processo
de transformação.
Depois que entrei na LEdoC, comecei a participar das associações, ouvia falar das
associações, mas eu não conhecia, não sabia como funcionava. Então, foi a partir da LEdoC,
que eu comecei a participar, assim, das ações que eram desenvolvidas a partir dos seminários
do Tempo Comunidade. A partir daí, que eu fui me envolvendo nesses processos (Baru,
2020).
Gouveia (2018) atribui sua militância nessa organização à formação na LEdoC, que tem
como “objetivo maior formar educadores(as) para as Escolas do Campo, que possam
contribuir para que estas escolas sejam vivas, profundamente comprometidas com a
transformação da realidade dos povos do campo” (UnB, 2018, p. 92).
Conforme mencionado na introdução deste texto, a LEdoC - UnB tem como objetivo a
formação em três dimensões, na gestão comunitária, na gestão escolar e na docência,
possibilitando ao egresso formado relacionar todo o processo educativo para além da sala de
aula. Desse modo, torna-se possível o diálogo entre a escola e a comunidade, entre os
conteúdos e a materialidade da vida, politizando-se e buscando uma formação humana.
Uma forma de politizar, e os sujeitos Kalunga entenderam isso muito bem, é a
organização em associações e coletivos políticos. A Epotecampo, associação criada por um
grupo de estudantes da LEdoC em 2011, movimento de articulação entre Tempo Comunidade
e Tempo Universidade, tem avançado nos debates políticos, sociais, culturais e ambientais no
território Kalunga. Segundo Pereira (2013), que se debruçou em sua pesquisa sobre a criação
dessa associação, revela que os estudantes começaram a se organizar a partir da primeira
reunião de TC e criaram um comitê para dialogar com os órgãos políticos e jurídicos. Vendo a
necessidade de ter um grupo mais fortalecido, viram a necessidade de criar a associação.
Uma outra forma de avançar nesse debate e na articulação entre os interesses de suas
comunidades foi continuar estudando e pesquisando. Assim, observa-se que as monografias,
as dissertações e projetos de pesquisa em nível de mestrado foram realizados dentro das
comunidades e nas escolas Kalunga com o olhar dos sujeitos que pertencem àquela
comunidade, mas que se tornaram pesquisadores e pesquisadoras de seu próprio território.
Nesse sentido, compreende-se que a LEdoC - UnB tem chegado a resultados importantes a
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partir do objetivo de formar Intelectuais Coletivos engajados com a luta de seu povo,
reconstruindo suas histórias e transformando sua realidade.
Em publicação recente, Gomide et al. (2019) fizeram um relato histórico da dinâmica de
atuação da LEdoC - UnB na comunidade Kalunga. Foram analisadas construções coletivas
dos sujeitos desse território e mostrado o quanto eles têm crescido também na produção
científica do conhecimento. Apenas para referenciar, é importante resgatar a produção de 69
monografias e 8 dissertações de mestrado.
Essas produções expressam o acúmulo da produção científica que os sujeitos Kalunga
têm desenvolvido em suas comunidades. Esse processo de pesquisa demonstra o
protagonismo desses Intelectuais Coletivos que percebem a necessidade de investigarem sua
realidade para transformá-la. Esse movimento os tem ajudado a conhecerem e registrarem
todas as contradições existentes nas comunidades, nas escolas, na cultura e nos modos de
produção, contribuindo para avançarem na luta pela emancipação humana.
Organização artística no Território Kalunga e a formação do Intelectual Coletivo
A Licenciatura em Educação do Campo - UnB tem em sua formação a arte, com o
teatro político e o audiovisual na área de Linguagens. Além da formação estética, política e
social, a arte tem contribuído para observar a materialidade da vida e desvelar as contradições
existentes. Os grupos organizados têm avançado no debate sociopolítico e socioambiental nos
territórios em que atuam. São dois grupos que, além do teatro, trabalham com audiovisual: o
Arte Kalunga MATEC e o Vozes do Sertão Lutando por Transformação - VSLT.
Os grupos teatrais, instrumentos de luta e debate sobre os problemas sociais, políticos e
ambientais, são instrumentos desenvolvidos pelos sujeitos Kalunga. Santos (2018), que faz
parte do grupo VSLT, entende que este contribuiu na sua formação e possibilitou que se
inserisse na luta e resistência: “durante meu processo de ensino-aprendizagem fui percebendo
a necessidade que tinha em tomar uma posição política...por ser uma jovem negra e morar no
maior quilombo do Brasil e do mundo” (Santos, 2018, p. 56).
O teatro é um instrumento importante por trazer os problemas sociais para serem
discutidos e formar politicamente os sujeitos atores e espectadores. Em entrevista concedida,
Jatobá (2020) entende o teatro como forma de se inventariar todas as contradições.
Eu acho que a peça de teatro seria um desses o dobramento a partir do inventário, mas que
sem dúvida tem uma relação intrínseca. A partir do momento que a gente pega por exemplo
um caso de um caminhão da empresa de mineradora que derrubou uma ponte e a gente
trabalha uma cena sobre isso a gente fez a leitura da realidade A gente tá transfigurando ela
Molina, M. C., Xavier, P. H., & Pereira, M. F. R. (2022). Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação de docentes Intelectuais Coletivos: influências
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em forma de uma peça, né, a peça esse é um resumo crítico da nossa realidade para tentar na
parte de formar, né (Jatobá, 2020).
As atividades de teatro no território Kalunga transformaram-se em recursos de luta para
os Intelectuais Coletivos, pois partem do pressuposto de que o intelectual não é só aquele que
está na universidade elaborando artigos, livros, etc., mas também aquele que vivencia o
diálogo com a realidade e o conhecimento produzido historicamente pelo homem, olha para
realidade à luz da teoria para compreendê-la e modificá-la. Santos (2018), como futura
educadora do campo, dedica-se a criar informações que possam ajudar os sujeitos a exercerem
a práxis, compreendendo que isso demanda um novo olhar para a produção do conhecimento.
O grupo Terra em Cena é um coletivo que surgiu no curso da LEdoC - UnB com a
disciplina de Artes Cênicas, principiando com apresentações nas escolas do campo e
territórios camponeses dos estudantes do curso. Está vinculado a várias ações atualmente,
inclusive à Universidade Federal do Piauí-UFPI (Campus de Bom Jesus), a coletivos dos
territórios formados por estudantes da LEdoC, à Escola de Teatro Político e Vídeo Popular do
Distrito Federal - ETPVP-DF, que abrange a Rede de Escolas de Teatro e Vídeo Político e
Popular Nuestra América, e em parcerias com outros coletivos, inclusive escolas públicas do
DF.
O Teatro Político e o Vídeo Popular, na concepção de Silva (2019), são bases para a
área de formação em Linguagens num processo de práxis pedagógica no curso. De acordo
com a autora, essa vivência se inspira na fonte dos “movimentos sociais de luta pela terra que
se dedicam na construção de uma cultura política contra-hegemônica no país” (Silva, 2019, p.
65).
Gouveia (2018) contextualiza esses coletivos de teatro do território Kalunga: o grupo
Arte Kalunga MATEC - Meio Ambiente, Tradição, Educação e Cultura surgiu em 2008 pela
iniciativa de uma estudante da LEdoC, moradora da Comunidade Engenho II; o VSLT teve
origem em 2013, com a participação da coordenadora do MATEC, Núria Renata.
Em 2015, Santos (2018), que entrou na LEdoC e começou a participar do coletivo,
afirma que a criação do VSLT teve um importante papel em sua formação. “Durante meu
processo de ensino-aprendizagem fui percebendo a necessidade que tinha em tomar uma
posição política..., por ser uma jovem negra e morar no maior quilombo do Brasil e do
mundo” (Santos, 2018, p. 56).
Composto por 28 integrantes, sobretudo jovens, o VSLT (vinculado ao Terra em Cena)
é composto por 28 integrantes de maioria quilombola: 11 são estudantes da LEdoC, 4 do
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Ensino Fundamental e 13 do Ensino Médio, todos residentes nos municípios de Cavalcante e
Teresina de Goiás (Gouveia, 2018). Assim, constata-se na formação dos coletivos de teatro a
relação entre o Ensino Superior e a Educação Básica.
Produzir textos teatrais baseados em problemas estruturais da comunidade e interpretá-
los é, sem dúvida, um movimento de práxis que leva à reflexão, age na representação e faz a
reflexão coletivamente com os sujeitos que o prestigiam. O grupo produziu uma primeira
peça, “Se há tantas riquezas, por que somos pobres?”, apresentada em seminário de Tempo
Comunidade no município de Cavalcante (Santos, 2018).
As peças teatrais são utilizadas para discutir, informar e formar os sujeitos dos
territórios. Os coletivos de teatro vêm-se empenhando cada vez mais nas contradições e
apontando-as, tendo em vista a necessidade do combate aos interesses hegemônicos em seus
territórios. Em entrevista, Jatobá (2020) assegura que as peças teatrais fazem interface com o
momento de inventariar essas contradições.
Eu acho que a peça de teatro seria um desses o dobramento a partir do inventário, mas que
sem dúvida tem uma relação intrínseca. A partir do momento que a gente pega, por exemplo,
um caso de um caminhão da empresa de mineradora que derrubou uma ponte e a gente
trabalha uma cena sobre isso a gente fez a leitura da realidade A gente tá tran-çando ela em
forma de uma peça, né, a peça esse é um resumo crítico da nossa realidade para tentar na
parte de formar, né (Jatobá, 2020).
Por meio dos novos organismos históricos, sustenta Gramsci (1999), origina-se uma
outra superestrutura que passa a constituir novos intelectuais, porém não aqueles que dão
continuação à intelectualidade precedente, mas os "novos" intelectuais, que estão ligados
organicamente ao grupo social que representam.
Quais particularidades definem esses novos intelectuais Kalunga? Em se tratando de
Intelectuais Coletivos do território Kalunga, são as questões emergentes da própria
materialidade e imaterialidade da vida, conforme apresenta o relato a seguir:
Com isso, eu ficava mesmo só ouvindo, emocionava muito com a cultura da folia. Foi a
partir do inventário que eu comecei a valorizar mais a cultura, né! Assim, depois que eu
peguei um pouco das técni-cas do audiovisual, senti que devia fazer os registros. Ah! Porque
assim, a gente tem que produzir um documentário, fazer um registro da cultura da folia de
São Sebastião. Fui investigar, porque que é uma cultura [que acontecia] desde quando eu era
criança já existia. Aí ela ficou sem a pessoa mais velha da comunidade, [essa pessoa que]
fazia a folia. Aí essa pessoa faleceu, a partir disso, ficou 20 anos sem girar. Aí eu fui
investigar, aí em 2011, depois de 20 anos, o neto desse senhor resolveu organizar e soltar
essa folia. Fui investigar por que tinha parado, o porquê do surgimento, qual a importância
dela, para os jovens, para as pessoas da comunidade, e também perguntar o porquê que
retornou. Deixei as pessoas da comunidade, os foliões dizerem, não intervim, eles que são os
protagonistas desse inventário. Não tinha o registro dessa cultura, nem escrito nem
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audiovisual, então, a partir dessa formação na LEdoC, na formação do audiovisual, pude
contribuir para minha comunidade. Sempre que eu tenho oportunidade, estou colaborando,
desenvolvendo ações, desenvolvendo oficinas de teatro, de capoeira na comunidade.
Estamos consolidando um grupo de teatro, assim, devido às dificuldades de transporte, de
tantas outras coisas aqui na cidade, a gente não consegue (Baru, 2020).
Nesse território, observa-se a materialidade na terra, nas matas, nos modos de vida, na
cultura, na identidade, nas relações sociais, na relação entre a sociedade política e a sociedade
civil, e isso contribui na formação desses intelectuais, que, em determinado momento de sua
formação, cursaram o Ensino Superior na LEdoC - UnB. Ao olhar o PPP da LEdoC - UnB de
2018, a atividade com o Complexo de Estudos possibilita as bases da ciência com a prática
social, ou seja, o trabalho. Ter a realidade como ponto de partida amplia a consciência da
totalidade e o papel da ciência e do conhecimento historicamente acumulado. O curso planeja
desenvolver a capacidade de os estudantes fazerem uma leitura crítica e absorverem a sua
realidade e o conhecimento científico, provocando mudanças sociais.
Os sujeitos assimilam a importância e a totalidade de se efetivarem como Intelectuais
Coletivos e Orgânicos, e realizam suas pesquisas no campo da arte, da linguística, da cultura,
da Organização do Trabalho Pedagógico das escolas, do meio ambiente, da identidade, enfim,
investigações acerca de tudo o que faz parte da vida no território. Ao realizarem suas
pesquisas, avançam no entendimento da vida quilombola e em como elas são importantes no
estímulo ao diálogo e à formação política desses sujeitos.
Organização didático-pedagógica das escolas
Imburana, um dos indivíduos da pesquisa, entende que a luta das associações das quais
participa tem relações inerentes à sua formação como educador. Acredita fazer a diferença e
buscar melhorias para a sua comunidade e para as práticas pedagógicas na sala de aula.
Afirma que a visão da totalidade faz com que os seus estudantes possam questionar tudo o
que está posto, algo de que não tinha ideia quando de seu ingresso na escola e na Licenciatura
em Educação do Campo. Portanto, colocar os estudantes da Educação Básica diante de
questões problematizadoras é mostrar uma nova realidade.
Sim, com certeza, isso vem cada dia mais aprimorando sobre isso, né, até a questão de
Cultura, né, quando eu até mesmo, os meus estágios. Eu vi aqui às vezes, precisava em filtrar
mais principalmente o fortalecimento da cultura dentro das escolas e hoje eu, como
professor, eu já faço algumas coisas que eu acharia que deveria ter dentro da escola. Eu às
vezes pego um grupo de alunos, em vez de tá lá dentro da sala de aula, eu vou, eu pego eles
para trazer os materiais deles e apresentar algumas atividades culturais (Imburana, 2020).
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No livro “Outros sujeitos, outras pedagogias”, Arroyo (2012, p. 3) discorre sobre a
perversidade da divisão, exclusão, desigualdade, despolitização, marginalização e, o que é
mais impiedoso, sobre como tornar inexistentes os grupos coletivos da classe trabalhadora.
Ao torná-los irrelevantes ou incompreensíveis, excluídos de maneira radical na própria forma
de aceitarem a “inclusão”, sendo “o outro”, aqueles que são os donos dos meios de produção,
agem da forma mais perversa. A entrevistada Baru identifica claramente esse não
reconhecimento dos quilombolas pelos grupos hegemônicos:
A comunidade não é reconhecida como Quilombo, embora a maior parte das pessoas são
descendentes do Quilombo Kalunga, das comunidades Vão do Moleque, do Vão de Almas,
mas assim, ela não foi reconhecida porque teve algumas influências [de fora] na época. Teve
reuniões para registrar os quilombos e devido à influência de algumas pessoas de fora, a
maioria não aceitou, teve assim, os conflitos e essa questão de terra mesmo, têm umas
pessoas que têm grandes interesses, pessoas da comunidade que tem assim, uma área grande
de terra. Elas ficaram nessas de ser coletivo ou de ser privado, aí assim, de não poder vender.
Então, eu não tava quando fiz a discussão, mas foi o que foi falado. É um povoado onde
predominava grande parte das mineradoras, está destruindo tudo, aí difícil de trabalhar com
ela, principalmente a gente de lá (Baru, 2020).
Baru (2020) relata inúmeros conflitos na disputa territorial das comunidades
quilombolas e discorre sobre o seu território de maioria quilombola. Porém, percebe que o
interesse individual predominou quando, em reunião, foi decidido que aquele território não
seria reconhecido como quilombola, que não havia interesse em ter a terra para uso coletivo, e
sim uso privado, demonstrando o propósito da maior parte da comunidade de se reconhecer
como "o outro".
A motivação de trazer as vivências de educandos e educadores é fundamental, de acordo
com Arroyo (2017, p. 115). O autor ressalta a importância da troca de experiências sociais
como objeto de análise e afirma que o educador deve elaborar estratégias para apresentar
novos processos de aprendizagem, vivências pessoais e as experiências sociais do grupo, do
coletivo, da cultura.
Compreender a forma de viver é necessário para se superar os conceitos abstratos que,
em grande parte, parecem distantes das vivências concretas e tornam-se estranhos e sem
motivação.
Na escola em que eu trabalho, [desenvolvemos] a construção de livros de rezas da
comunidade, porque muitas vezes na comunidade, não tem nenhuma [reza] registrada. Então,
trazer a construção de um livro de rezas que é da comunidade dentro da escola, possibilita a
mudança de visão dos sujeitos ali na escola, porque a comunidade tem que ser valorizada
pela comunidade e são aspectos da comunidade, então temos muitos materiais para serem
trabalhados (Aroeira, 2020).
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A formação de educadores na Educação do Campo favoreceu os indivíduos da
comunidade com o acesso ao Ensino Superior e deu oportunidade aos educadores das
comunidades de assumirem as escolas do campo. A partir dessa formação, é fundamental que
educadores da comunidade sejam contratados e inseridos nessas escolas, uma vez que grande
parte deles conta apenas com contratos temporários.
Há um empenho significativo dos Intelectuais Coletivos formados na LEdoC pela
garantia de que haja educadores da própria comunidade nas escolas do campo, não apenas
pela garantia do emprego, mas também para assegurar que os educadores dessas escolas
sejam engajados nas lutas da comunidade, nos modos de produção, na sua cultura.
Para reivindicar que as funções de gestão das escolas quilombolas sejam ocupadas por
educadores da comunidade, as lideranças comunitárias e escolares do território Kalunga
foram até a cidade de Goiânia.
Nós fomos até em Goiânia, no início do ano, falar com a primeira-dama e reivindicar esses
pontos, que a gente quer a participação dos professores Kalunga, das pessoas que são dos
territórios, dentro dos espaços de gestão, dentro das escolas, seja diretor, ou seja, a
coordenadora, ou seja, secretária. Teve gente que perguntou se eu não tive medo de perder o
emprego, porque eles não entendem a questão da luta, eles acharam que eu fui lá fazer
denúncia do diretor. Não, não fui fazer denúncia do diretor, eu fui lá reivindicar, cobrar, pedi
a nossa participação nos processos de gestão que é de interesse da comunidade. Não “tô”
pedindo para tirar ele, estou pedindo que nós precisamos estar lá juntos (Aroeira, 2020).
Na obra “Os grilhões invisíveis”, com foco nos escritos de Gramsci, Schlesener (2016)
estuda a função dos intelectuais na construção e manutenção da hegemonia. A autora trata dos
"Cadernos" e registra como Gramsci retoma a temática dos intelectuais na manutenção da
hegemonia burguesa da Itália.
Gramsci apresenta categorias como os intelectuais, o princípio educativo e o jornalismo,
e fala da atuação do monopólio intelectual na história em "Cadernos do Cárcere, v. 2"
(Gramsci, 2001, p. 16). Dentre as camadas dos intelectuais, refere-se aos eclesiásticos, que
monopolizaram durante muito tempo a ideologia religiosa, a filosofia e as ciências da época,
“como a escola, a instrução, a moral, a justiça, a beneficência, a assistência, etc.”.
Schlesener (2016) esclarece que esses intelectuais contribuíram para a formação do
senso comum dominante. A partir dessa inferência, a importância das disputas no campo das
ideias é muito importante para os intelectuais quilombolas formados na LEdoC. A
(des)construção de ideologias constitui uma metodologia importante e, portanto, não basta ter
escolas no campo, os próprios educadores Kalunga devem assumir a formação de seu povo.
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Considerações finais
Neste artigo, pretendeu-se abordar as intencionalidades formativas da Licenciatura em
Educação do Campo da Universidade de Brasília e suas contribuições na formação dos
sujeitos do Território Kalunga de Goiás, com a oferta de curso de formação de docentes que
tem promovido significativas repercussões na formação de Intelectuais Coletivos, com grande
influência dos pressupostos da Pedagogia Socialista.
Os resultados encontrados neste estudo ratificam que a formação da LEdoC - UnB, por
meio de suas matrizes formativas, tem repercutido não apenas na formação para a docência,
mas também em esferas sociais de atuação dos sujeitos, como lideranças escolares e
comunitárias, fortalecendo processos de transformação coletiva, embora haja tensões
contraditórias e fluxos dialéticos que desafiam esses Intelectuais Coletivos. Em tal processo, a
cultura, a elevação dos níveis de consciência e a formação omnilateral são intencionalidades
fundamentais na compreensão e transformação social da qual os sujeitos fazem parte.
Compondo os subsídios teóricos para os argumentos apresentados neste texto, recorreu-
se às contribuições da Pedagogia Socialista soviética, destacando-se princípios caros à
formação inicial de docentes na Licenciatura em Educação do Campo (Atualidade, Trabalho
como Princípio Educativo, Auto-organização e Trabalho Coletivo), agregando-se a esse
debate o conceito de Intelectuais Coletivos na perspectiva gramisciana para, em seguida,
apontar influxos desse conceito nas significações de sujeitos egressos do curso que residem
no território Kalunga.
Nos limites deste texto, optou-se pelo recorte espaço-temporal de egressos do curso de
Licenciatura em Educação do Campo que residem no território Kalunga no estado de Goiás,
região da Chapada dos Veadeiros, um povo com fortes marcas de identidade, cultura, formas
tradicionais de produzir seus alimentos, festejos, com lutas e história que expressam a riqueza
cultural, social e presença política dos sujeitos.
Hodiernamente, esse território tem enfrentado grandes impactos ambientais e sociais:
além dos garimpos e da invasão das terras por fazendeiros, há a intensificação do
mineronegócio e a construção de usina hidrelétrica, aumentando o desmatamento e o número
de invasores posseiros e grileiros.
Em face desses desafios, verificou-se a Auto-organização presente nas ações dos
sujeitos Kalunga, que os ajudou na estruturação coletiva, na articulação política em
associações, grupos teatrais, grupos de mulheres, grupos de pesquisadores, concluindo-se que
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o povo do maior quilombo do país está organizado. Observou-se que a formação na LEdoC -
UnB tem contribuído na construção das organizações e nas lutas por seus territórios.
Outro aspecto importante revelado por este estudo foi a internalização da categoria
Atualidade, tão importante para que esses sujeitos concebam os fenômenos da realidade por
diversos pontos de vista, passando a mostrar diversas relações específicas entre si. A leitura
da realidade numa perspectiva crítica e transformadora, conforme os dados analisados
mostram que o compromisso de compreender para intervir na Atualidade, agir sobre ela de
forma coletiva, avançando no processo do Trabalho coletivo é condição sine qua non para as
lutas na direção dos direitos, da resistência e da transformação social.
Os dados analisados também demonstraram que a pesquisa científica é elemento que
contribui para a formação desses Intelectuais Coletivos. Por meio dela, os Kalunga avançam
no importante processo de identificação dos conflitos e apuram seus olhares sobre a
Atualidade e se forjam como sujeitos de direito, reconhecendo-se como lutadores e
construtores de sua própria história. Com isso, contribuem significativamente para o processo
de transformação das relações sociais, culturais, políticas, ambientais e econômicas dentro de
sua própria comunidade, do seu próprio município e em busca de um país mais justo.
É importante também destacar a expressão cultural e política dos sujeitos desse
território. Ficou constatado neste estudo que os grupos teatrais fortalecidos no processo
formativo da LEdoC são instrumentos de luta e debate dos problemas sociais, políticos e
ambientais que paulatinamente vêm sendo consolidados pelos sujeitos Kalunga.
Os sujeitos formados na LEdoC - UnB que produzem material e culturalmente a vida no
território Kalunga de Cavalcante, Goiânia, têm feito avanços no seu papel de sujeitos
pesquisadores e intelectuais comprometidos com a transformação da realidade em que se
encontram e, em consequência, nas mudanças das relações políticas, econômicas e sociais.
Portanto, conclui-se que a LEdoC - UnB tem promovido significativos avanços na
formação de Intelectuais Coletivos por meio da incorporação, no processo formativo, de
elementos que são basilares na Pedagogia Socialista e tem contribuído com a formação de
Intelectuais Coletivos engajados na luta de seu povo, reconstruindo sua história e
transformando sua realidade.
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 30/04/2022
Aprovado em: 02/05/2022
Publicado em: 03/5/2022
Received on April 30th, 2022
Accepted on May 02nd, 2022
Published on May, 03th, 2022
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author was responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
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Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
CNPq.
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CNPq.
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Molina, M. C., Xavier, P. H., & Pereira, M. F. R. (2022). Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação de docentes
Intelectuais Coletivos: influências da Pedagogia Socialista na formação de educadores do campo do Território Kalunga –
Goiás. Rev. Bras. Educ. Camp., 7, e12543. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12543
ABNT
MOLINA, M. C.; XAVIER, P. H.; PEREIRA, M. F. R. Licenciatura em Educação do Campo - UnB e a formação de docentes
Intelectuais Coletivos: influências da Pedagogia Socialista na formação de educadores do campo do Território Kalunga –
Goiás. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 7, e12543, 2022. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e12543
