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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14582
Terapia ocupacional social junto a jovens pobres rurais:
ações na escola pública
Magno Nunes Farias1, Lívia Celegati Pan2, Roseli Esquerdo Lopes3
1 Universidade de Brasília - UnB. Faculdade de Ceilândia. Campus Universitário - Centro Metropolitano, Ceilândia Sul. Brasília
DF. Brasil. 2,3 Universidade Federal de São Carlos - UFSCar.
Autor para correspondência/Author for correspondence: magno.farias@unb.br
RESUMO. O objetivo deste estudo é colocar em tela a
experiência da atuação da terapia ocupacional social junto a
jovens pobres rurais, em uma escola pública do interior do
Brasil. A intervenção foi realizada durante o ano de 2019, por
meio de Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos, tendo
com eixo orientador os referenciais da terapia ocupacional social
e de Paulo Freire. As Oficinas se configuraram como espaços e
momentos de convivência, reflexão e experimentação que se
intencionava fomentar como interessantes e seguros para uma
dialogia em torno de questões individuais e coletivas. As práxis
estiveram direcionadas para problematização das questões
colocadas pelos sujeitos, tendo como referência desafios e
potencialidades relativas às suas vivências, na busca pela
promoção de reflexão-ação, conscientização e caminhos para se
superar situações-limites evidenciadas. Esse processo e seus
resultados permitem que se identifique e reafirme a contribuição
da terapia ocupacional social para garantir espaços em que os/as
jovens são interlocutores/as e protagonistas, sobretudo na escola,
elaborando com esses sujeitos formas para o alargamento de
suas vivências da condição juvenil no campo dos projetos para a
vida, da circulação cotidiana, do lidar com os conflitos, do
exercício da cidadania, da negociação cultural etc.
Palavras-chave: juventude rural, educação, terapia ocupacional,
participação social.
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Social occupational therapy with poor rural youth: actions
in public school
ABSTRACT. The aim of this study is to put on screen the
experience of the performance of social occupational therapy
with poor rural young people, in a public school in a city in the
interior of Brazil. The intervention was carried out during 2019,
through Workshops of Activities, Dynamics and Projects, having
with guiding axis the references of social occupational therapy
and Paulo Freire. The Workshops were configured as spaces and
moments of coexistence, reflection and experimentation that
was intended to foster interesting and safe for a dialogue around
individual and collective issues. The praxis were directed to
problematization of these questions posed by the subjects,
having as reference challenges and potentialities related to their
experiences, in the search for the promotion of reflection-action,
awareness and ways to overcome situations-limits evidenced.
This process and its results allow us to identify and reaffirm the
contribution of social occupational therapy to ensure spaces in
which young are interlocutors and protagonists, especially in
school, elaborating with these subjects ways to expand their
experiences of the youth condition in the field of projects for
life, of everyday circulation, dealing with conflicts, exercising
citizenship, cultural negotiation, etc.
Keywords: rural youth, education, occupational therapy, social
participation.
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Terapia ocupacional social con jóvenes rurales pobres:
acciones en la escuela pública
RESUMEN. El objetivo de este estudio es poner en pantalla la
experiencia de la realización de la terapia ocupacional social con
jóvenes rurales pobres, en una escuela pública de una ciudad del
interior de Brasil. La intervención se realizó durante 2019, a
través de Talleres de Actividades, Dinámicas y Proyectos,
teniendo como eje rector a los referentes de la terapia
ocupacional social y Paulo Freire. Los Talleres se configuraron
como espacios y momentos de convivencia, reflexión y
experimentación que pretendían fomentar un diálogo seguro en
torno a temas individuales y colectivos. La praxis se dirigió a la
problematización de las preguntas planteadas por los sujetos,
teniendo como referencia desafíos y potencialidades
relacionadas con sus experiencias, en la squeda de la
promoción de la reflexión-acción, la conciencia y las formas de
superar las situaciones-límites evidenciadas. Este proceso y sus
resultados nos permiten identificar y reafirmar el aporte de la
terapia ocupacional social para asegurar espacios en los que
los/as jóvenes sean interlocutores/as y protagonistas,
especialmente en la escuela, elaborando con estos sujetos formas
de ampliar sus experiencias de la condición juvenil en el campo
de los proyectos para la vida, de circulación cotidiana, de
manejo de conflictos, de ejercer la ciudadanía, de negociación
cultural, etc.
Palabras clave: juventud rural, educación, terapia ocupacional,
participación social.
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Introdução
Para muitos/as jovens, viver no território rural ainda pressupõe enfrentar diversas
barreiras referentes à sua inserção social e ao exercício de sua autonomia (Castro, 2016); não
obstante, a condição juvenil rural permanece uma temática pouco estudada e invisibilizada em
uma sociedade “urbanocêntrica” (Weisheimer, 2015; Sposito & Tarábola, 2017).
Assim, são necessários estudos que busquem compreender esses/essas jovens, suas
vidas cotidianas, suas relações com o trabalho, com a comunidade, com a escola etc. (Farias,
2021), inclusive no campo da terapia ocupacional, em que, igualmente e mesmo
relativamente, são incipientes estudos voltados especificamente para as juventudes rurais
(Farias & Lopes, 2018; Borba et al., 2020).
Nesse sentido, relatar intervenções terapêutico-ocupacionais desenvolvidas com esse
recorte é o nosso objetivo com este texto, pontuando-se alguns fenômenos que cercam as
juventudes, sobretudo pobres, que se constroem materialmente e subjetivamente do/no
território rural, bem como possibilidades da ação profissional nesse contexto, a partir da
terapia ocupacional social e do que vem desenvolvendo em sua interface de trabalho com/na
escola pública.
Terapia ocupacional social na escola e jovens pobres rurais
A terapia ocupacional social atua no desenvolvimento de ações que buscam a
emancipação, a autonomia e a ampliação da inserção social de sujeitos que vivenciam
cotidianos marcados por conflitos socioeconômicos, dificuldades de negociação cultural e
limitações de acesso aos bens sociais (Barros, Ghirardi & Lopes, 2002; Malfitano, 2016;
Lopes, 2016).
Em interface com a educação, uma das possibilidades dessa atuação passa pela
mediação da relação entre as juventudes1, o espaço escolar e seus agentes e as demais
dinâmicas da vida cotidiana. Ao posicionar as juventudes no centro das preocupações,
carrega-se para esse âmbito a escola pública e a sua importância como lócus que pode
proporcionar aos/as jovens pobres distintos repertórios, pois trata-se de um equipamento
social fundamental na composição de uma rede social de suporte (Castel, 1998), para que
possam acessar e reunir ferramentas para melhores condições de vida e para se lidar com
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vulnerabilidades que interferem na condição juvenil (Arroyo, 2011; Pereira & Lopes, 2016;
Pan & Lopes, 2022).
A escola permanece atravessada por diversos desafios, sobretudo no ensino médio,
marcado por embates em torno do objetivo e de suas condições concretas para contribuir para
a projeção da vida (Lopes et al., 2011; Pereira & Lopes, 2016). Apesar desse nível de ensino
ter passado por um processo recente de expansão do seu acesso à população pobre, no Brasil,
continua deixando de fora um grande contingente de jovens, persistindo o desafio de se
consolidar um sistema escolar público e de qualidade que propicie as mesmas oportunidades a
todas as crianças e jovens no mundo (United Nations Educational, Scientific and Cultura
Organization [UNESCO], 2018), que consiga levar a aprendizagem efetiva e a formação
crítica indispensáveis para a participação na vida social (Bittar & Bittar, 2012).
Nesse contexto, a intervenção da terapia ocupacional social almeja contribuir para
efetivar a plena democratização da educação básica e suas escolas, formulando estratégias
para que os/as jovens tenham nesse espaço oportunidades de vivências para produção de
autonomia e formulação de projetos próprios, considerando esses sujeitos em suas dimensões
individuais e coletivas, favorecendo e fortalecendo vínculos positivos, garantindo mais
oportunidades que coloquem as juventudes como interlocutoras/protagonistas (Pan & Lopes,
2022; Dayrell, 2012). Pretende-se assim, colaborar para que o ambiente escolar forme os/as
jovens para serem eles mesmos (estimulando suas capacidades e qualidades pessoais) e, ao
mesmo tempo, para uma participação e convivência social em que possam enfrentar
dificuldades postas por uma estrutura extremamente desigual mais preparados, sendo agentes
capazes de produzir e de usufruir de bens sociais e culturais (Manacorda, 2007).
Todavia, há aspectos específicos aos/às jovens rurais, tomando-se o caso brasileiro, que,
apesar da fronteira cada vez mais estreita com o urbano, ainda enfrentam importantes
dificuldades de acesso aos bens e serviços, nos setores da educação, do transporte, da saúde,
dos equipamentos de lazer etc., com impactos diretos em suas vidas, no seu direito à
circulação cotidiana pelos territórios, portanto, na sua inserção social (Castro, 2016; Farias,
2021; Farias, Faleiro & Lopes, 2019). Essa dinâmica coloca o marcador
territorialidade/regionalidade como um aspecto importante para compreender a vivência da
condição juvenil rural, tendo em vista o reconhecimento do território como espaço onde a
vida cotidiana acontece, “é o chão e mais a população, isto é, uma identidade, o fato e o
sentimento de pertencer àquilo que nos pertence. O território é a base do trabalho, da
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residência, das trocas materiais e espirituais e da vida, sobre as quais ele influi” (Santos, 2000,
p. 97).
Estudos vêm tentando compreender os/as jovens rurais a partir do que se denomina
como circulação (Castro, 2016; Farias, 2021) e circulação cotidiana (Farias & Lopes, 2021),
que envolveria o ato de ir e vir, transitar pelos territórios, campo e cidade, e que marca os
modos de vida desses/as jovens.
Nesse dinâmica da circulação, dentro dos contextos rurais de vulnerabilidade social,
uma expulsão, ou melhor, uma circulação compulsória, pela falta de estruturas que
oportunizem aos/as jovens vivenciarem sua condição juvenil no rural, limitando o rol de
possibilidades de desenvolvimento desses/as jovens. Isso é evidenciado, por exemplo, no
Plano Nacional de Juventude e Sucessão Rural (Brasil, 2016), que coloca a problemática do
esvaziamento do campo, devido à busca por qualidade de vida no espaço urbano,
reivindicando políticas sociais que viabilizem condições para essa permanência.
Não se trata de estratégias para fixar o sujeito no campo, mas sim para que se fomente
possibilidades às juventudes que nele vivem, ampliando a circulação emancipatória,
vinculada ao desejo, à autonomia, à vontade e à participação social, em contraposição a
circulação compulsória, vinculada à expulsão estrutural (Farias & Lopes, 2021).
Tomando os pressupostos de Freire (2013, 1987), que coloca a emancipação como o ir
além das condições impostas pelos condicionamentos sociais, para nós, o terapeuta
ocupacional social objetiva um trabalho voltado ao território rural que viabilize ao/a jovem ali
viver com acolhimento e autonomia, com experiências socioculturais no continuum campo-
cidade, se colocando como articulador social (Galheigo, 2016; Lopes, 2016), a partir da práxis
em torno da democratização da educação formal, e dos demais bens sociais, para contribuir
para a circulação emancipatória. Tem-se como intenção terapêutico-ocupacional a redução
das desigualdades, da opressão, articulando a distribuição de poder e recursos, no respeito à
diversidade, com produção de cidadania e garantia do acesso aos direitos, objetivando a
justiça social.
Metodologia de trabalho: Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos
As experiências aqui descritas integraram o projeto de extensão universitária Oficinas
de Atividades, Dinâmicas e Projetos: Terapia Ocupacional Social e Jovens Rurais na Escola,
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promovidas por parte da equipe do METUIA/UFSCar2 junto a jovens do ensino médio de
uma escola rural localizada no município de São Carlos/SP/Brasil, durante o ano de 2019.
São Carlos é um município de médio porte localizado no interior do estado de São
Paulo. A escola em questão fica em um distrito rural desse município e, em 2019, contava
com 96 alunos matriculados no ensino médio, sendo a maioria deles moradores do território
rural (chácaras, fazendas, sítios e assentamentos) da região.
As intervenções foram realizadas a partir de metodologias participativas, baseadas em
uma escuta sensível dos sujeitos envolvidos (Galheigo, 2016), tendo como pressupostos
teóricos-metodológicos aqueles que vêm sendo desenvolvidos pela terapia ocupacional social
no Brasil (Barros, Ghirardi & Lopes, 2002) e aqueles tomados das propostas freireanas, tendo
como fundamento processos dialógicos, de problematização, criticidade e conscientização
(Freire, 1987; Farias & Lopes, 2020).
Foram realizadas Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos (Lopes et al., 2014), ou
Oficinas do METUIA, como conhecidas pelos/as jovens, constituindo-se como espaços de
construção e realização de vínculos, de projetos coletivos e individuais, de atividades grupais,
de dinâmicas que fomentassem reflexões e debates, de trocas de informação, de processos
educativos acerca de direitos e deveres, de socialização e experimentação de novas vivências.
Buscou-se desenvolver uma proposta de ação profissional sempre atenta às demandas dos/das
jovens e dos demais sujeitos da comunidade escolar, com o intuito de contribuir para o
equacionamento de dificuldades.
Assim, no início do ano letivo escolar de 2019 foi elaborado, em conjunto com a
coordenação pedagógica da escola, um cronograma de intervenções semanais a serem
realizadas com as turmas do ensino médio. Foram 28 Oficinas, que ocorreram de forma
intercalada nas turmas e horários de aula.
No primeiro semestre, as oficinas foram elaboradas para se conhecer as demandas e
necessidades dos/as jovens mais a fundo, direcionadas para compreender como eles/elas
constituem suas identidades, cotidianos e projetos; e, no segundo semestre, foram trabalhadas
demandas identificadas anteriormente, como os temas desigualdade social, cidadania e
direitos e diferenças e preconceitos.
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Experiências com jovens pobres rurais: as ações na escola
a) Primeiro semestre
Esse período foi direcionado pelos seguintes questionamentos em relação aos/às jovens:
O que gostam e não gostam? Quais são os fatores mais importantes nas suas vidas? Qual é o
lugar da escola, da família e outras instituições e sujeitos nas suas vidas? Onde vivem? Como
é morar e estudar no território rural? Para acessar suas respostas/reflexões foram elaboradas
atividades que propiciaram diálogos e aproximação com suas histórias individuais e coletivas.
Como colocam Lopes et al. (2011, p. 282) as Oficinas são instrumentos importantes
para se conhecer “o universo imediato dos sujeitos e ser conhecido dentro dele, aumentando,
de maneira significativa, a possibilidade de criação de vínculos e, a partir disso, gerar
oportunidades para uma atuação profissional que contribua para a construção conjunta de
planos e projetos de vida”.
Alguns recursos utilizados nas Oficinas, para fomentar e, igualmente, fomentados pelo
diálogo nos encontros, foram, por exemplo: desenho corporal3; confecção de cartazes com
reinvindicações sobre/para o cotidiano; construção de paródias e tirinhas sobre a vida de todo
dia; construção de uma árvore dos desejos para o futuro na escola.
Figura 1 - Oficinas “Confecção de cartazes com reinvindicações sobre/para o cotidiano” e “Desenhos
Corporais”.
Fonte: Arquivos dos autores.
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As atividades (Figura 1) foram essenciais para compreender o que esses/as jovens
fazem nos seus cotidianos, quais eram suas dificuldades, desde barreiras de acesso a serviços
de saúde, educação e lazer no território rural, até dificuldades de locomoção e circulação livre
e autônoma. Apareceram temas diversos como o fato de ter que se acordar muito cedo para
chegar à escola, dado o percurso e o horário do transporte escolar, a ausência de transporte
público, os sentidos do viver no território rural, os desafios nas dinâmicas das relações
familiares, questões sobre as interações com outros/as jovens e integrantes da comunidade
escolar etc.
Frente a essas demandas, as intervenções terapêutico-ocupacionais estiveram
direcionadas para a problematização das questões colocadas, na busca pela promoção de
reflexão-ação, conscientização no sentido freireano (Farias & Lopes, 2020; Freire, 1987) e
caminhos para se superar situações-limites evidenciadas, à exemplo: Como se reivindicar
melhores políticas públicas? Por que o cotidiano que se vive é este? Viver e estar no
território rural é diferente de viver e estar na cidade? Como negociar melhores relações com
colegas de sala ou com outros sujeitos da comunidade escolar? Circular, ir e vir é
importante? Por onde e como se circula? Todos podem ir e vir igualmente? Quais espaços
são vistos como de lazer e diversão? Por que se percebe que as meninas ficam mais em casa
nos seus cotidianos?
Esses momentos foram importantes, principalmente para a equipe do projeto, para se
compreender as dimensões que envolvem o viver no território rural. Ao mesmo tempo em que
os/as jovens traziam as coisas boas que perpassam essa vivência, como a tranquilidade, as
belezas do lugar, o estar perto da família, em contato com a natureza, possibilidade de lazer,
como andar a cavalo, tomar banho no rio, ver filmes, traziam também como se sentiam
isolados e com dificuldade para acessar outros bens sociais, tais como serviços de saúde,
trabalho, praças e espaços públicos para encontros, lugares para comer e lugares para dançar.
Isso revelou um discurso sobre o contraditório desejo de ao mesmo tempo permanecer e
migrar daquele espaço, elementos que foram trabalhados durante todo o processo.
Estudos junto a jovens rurais apontaram para essa relação com o território, entre
potencialidades e desafios para o viver nas comunidades, e que, por vezes, os desafios acabam
por impossibilitar a permanência em seus lugares de origem, dada a dificuldade de uma
circulação com autonomia pelos territórios. Wanderley (2001) destaca que a população rural
em geral é a principal vítima do isolamento, diante da pobreza e da submissão e negligência
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política. Nesse sentido, Silvestro et al. (2001) pontuam que o isolamento frequentemente
associado à vida no meio rural é um fator importante na dinâmica de vida das pessoas que ali
moram, afirmando a relação estreita dessa condição com a pobreza pela ausência de
recursos para mobilidade, que é realidade, sobretudo, para jovens rurais da classe
trabalhadora.
Como exemplo ilustrativo, pode-se citar o desenho corporal de uma jovem que
escreveu: “Onde eu moro no 294: Gosto muito da paz do lugar, da tranquilidade, das árvores,
do ar mais puro. Mas também não gosto da falta de transporte, mas o lugar é bem bacana de
viver e visitar”. Este foi um importante ponto a partir do qual se pôde debater sobre como é
viver nesses territórios, seus pontos bons e ruins, os motivos disso e as formas de se
incrementar outras possibilidades de vivências juvenis.
Outro momento importante foi a confecção de cartazes com reinvindicações sobre e
para o cotidiano, com recados dos/das jovens sobre coisas que compreendem como
necessidades para melhorar suas condições de vida e seus cotidianos: transporte público,
ambulância na Unidade Básica de Saúde do distrito, acesso a farmácias, melhora do sinal de
internet, direitos iguais aos dos adultos, ser mais escutado enquanto jovem etc. Esta atividade,
que teve como disparador um material audiovisual sobre as ocupações das escolas do estado
de São Paulo, ocorridas em 2015, levou a uma visualização reflexiva dos cartazes e de
maneiras da expressão escrita como estratégias para manifestações populares na luta por
determinados interesses coletivos. Foi possível refletir sobre o que são reinvindicações, seus
caminhos e o lugar dos/das jovens nesses modos de participação, gerando questionamentos e
debates entre aqueles estudantes: Nós como jovens podemos ter esse tipo de participação aqui
em nossa realidade? Por que as pessoas sempre acham que os/as jovens são muitos novos
para ter opinião?
Ademais, todas as atividades permitiram reflexões sobre os estigmas que perpassam
os/as jovens que vivem no território rural; foi trazido para o centro do debate os processos de
subalternização que sofrem, via preconceito linguístico, bem como a vivência de situações
que subestimam suas capacidades, corroborando para o não se sentirem pertencentes a certos
espaços. Pontuando-se, também, as marcas materiais e imateriais que anunciam processos de
marginalização. Tomando-se esses elementos, foi-se elaborando coletivamente a
desconstrução desses discursos, com aportes para uma construção no sentido de compreender
que: o espaço rural é essencial para toda a sociedade; todo cidadão, independente do lugar em
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que morar, deve ter os mesmos direitos; ter sotaque não é falar errado; uma determinada
forma de se vestir é um estilo da pessoa, não diz se ela é mais ou menos inteligente.
Ao longo do período, perpassando todas as atividades, foram trabalhados com os/as
jovens suas projeções para a vida, o que culminou, ao final desse primeiro semestre, na
construção do que se nomeou como “Árvore dos Desejos” (Figura 2).
Figura 2 - Oficina “Árvore dos Sonhos” realizada pelos/as jovens na Escola Rural.
Fonte: Arquivos dos autores.
Dayrell (2012) indica duas questões essenciais para a construção dos projetos de vida
por jovens: sua identidade, que diz respeito à consciência de si em relação ao outro, o
autoconhecimento sobre si, seus gostos, as coisas que lhe dão prazer, sendo que isso tornará
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maior sua capacidade de projetar; e o conhecimento da realidade, que se refere à
compreensão da estrutura social que o rodeia, tendo consciência das limitações e
potencialidades, o que possibilita uma maior elaboração para a implementação dos projetos e
diz sobre o campo de possibilidades (Velho, 2003) concreto para os projetos se efetivarem.
Assim, a construção da “Árvore dos Desejos” foi um momento para o debate acerca de
identidade e conhecimento da realidade, em que se pôde conhecer “quereres/desejos”,
segundo aquilo que consideravam como “campo de possibilidades” para si. Foram conversas
conjuntas em torno das razões daqueles projetos e quais eram as possíveis maneiras de
conseguir realizá-los, bem como suas barreiras (financeiras, territoriais, estruturais, de
mobilidade e afetivas).
b) Segundo Semestre
No segundo semestre, dado os debates empreendidos no primeiro, foram identificadas
como demandas as seguintes temáticas a serem trabalhadas com os/as jovens: desigualdade
social, cidadania e direitos e diferenças e preconceitos.
Percebeu-se a dificuldade dos/das jovens em conhecer a dimensão do exercício da
cidadania e de seus direitos correlatos. Como exemplo, pode-se citar uma atividade
desenvolvida no primeiro semestre em que um jovem reivindicou “Unimed5 para todos”, em
diálogo sobre isso ele sinalizou certo desconhecimento e preconceito sobre o Sistema Único
de Saúde (SUS), na ratificação de certo senso comum de que esse sistema seria para os pobres
e, também, ineficiente, bem como outras políticas públicas sociais do país. Além disso,
identificou-se algumas reproduções de preconceitos com o tom de zoeira” na sala de aula,
algo indicado também pela equipe pedagógica da escola como interessante de ser abordado
nas nossas Oficinas, que perpassavam sexismo, racismo, homofobia, não obstante, pari passu,
temas como feminismo e antirracismo eram levantados por jovens mais atentos à luta dos
movimentos sociais.
Algumas atividades e dinâmicas utilizadas como disparadoras dos debates foram: o jogo
“descobrindo a desigualdade social”; dinâmicas de perguntas sobre cidadania e direitos;
dinâmica da caminhada dos privilégios; construção de um fanzine sobre preconceitos.
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Figura 3 - Oficina “dinâmicas de perguntas sobre cidadania e direitos” realizada com Jovens na Escola Rural.
Fonte: Arquivos dos autores.
Como destaque, pontua-se uma atividade na qual, com o uso dos celulares como fonte
de pesquisa, os/as jovens deveriam responder às seguintes perguntas (Figura 3): O que são
direitos e deveres? O que é a Constituição Federal do Brasil de 1988? Por que algumas
pessoas têm acesso a direitos e outras não? Quais são os serviços públicos? Quais os
preconceitos que geram desigualdade na sociedade? Quais desigualdades existem? O que é
racismo, sexismo, homofobia e outras opressões? O que são direitos humanos, civis, políticos
e sociais? A dinâmica foi iniciada em pequenos grupos que, depois da pesquisa empreendida,
compartilhavam e debatiam suas respostas com a turma toda. A mediação realizada esteve
direcionada para a promoção de uma reflexão coletiva, tendo como foco entender e gerar
problematizações de como essas questões perpassavam a vida dos/das jovens. Dentre os
temas que sensibilizaram os/as estudantes e fomentaram debates mais fervorosos estavam: a
falta de ônibus no território rural; a pobreza, a falta de recurso financeiro para fazer coisas; a
falta de lazer e se esse é um direito social ou não; internet como direito de todo cidadão; o
exercício da sexualidade ser direito ou não; conforto como um elemento de cidadania.
Durante esses momentos, apareceram narrativas em que os/as jovens apontavam as suas
dificuldades financeiras, fazendo análises de como ser “pobre” é difícil e como as pessoas
“ricas” possuem mais acesso aos bens sociais - “nós somos pobres, mas o pior é que tem
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gente pior que nós”, frases como essas geraram uma discussão importante sobre a produção
social da pobreza.
Figura 4 - As capas dos três fanzines construídos pelos/as Jovens na Escola Rural.
Fonte: Arquivos dos autores.
Outro momento significativo, na nossa avaliação, foi a construção de fanzines (Figura
4) publicações não profissionais, produzidas de forma livre e sem regularidade, podendo
reunir textos, poemas, músicas etc. (Lopes, Borba & Monzeli, 2013) voltados para o debate
dos preconceitos existentes. Essa Oficina em especial, em consonância com todo o trabalho
na escola, estava pautada em reflexões direcionadas para o respeito à diferença, que, de
acordo com Freire (2014, p.25-26, grifos do autor), é “qualidade básica a ser forjada por nós e
aprendida pela assunção de sua significação ética a qualidade de conviver com o diferente.
Com o diferente, não com o inferior”.
As turmas se dividiram em pequenos grupos, cada um trabalhando com uma temática,
ao final, as produções foram reunidas compondo um fanzine para cada turma do ensino
médio. Como direcionamento para as suas confecções, foi solicitado que os/as jovens
incluíssem o histórico do preconceito a ser abordado e como poderia ser enfrentado. À
exemplo do racismo, foram feitas as seguintes questões: Historicamente com surgiu a questão
da raça como classificação? O que isso impacta na vida de negros e negras hoje? Como é
percebido na escola e nos espaços em que esses/as jovens vivem? Existem meios postos
para combater o racismo? Quais são as estratégias de combate cotidianas? Outros temas
abordados, a escolha dos/das estudantes, foram: LGBTfobia, machismo, classismo,
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preconceito linguístico, preconceito voltados para pessoas que moram no espaço rural e
antissemitismo. Ao final, foram feitas e distribuídas cópias dos fanzines para toda a escola.
A elaboração dos fanzines ocorreu após a caminhada dos privilégios, dinâmica que
consiste na leitura, pelo coordenador da atividade, de situações envolvendo vivências de
preconceitos e/ou de restrição de direitos; quem tiver passado por elas deve dar um passo à
frente, ao final todos/as observam suas posições e, consequentemente, as pessoas que
vivenciaram mais preconceitos estarão à frente daqueles/as que pouco sofreram ou que não
reconheceram essas situações em suas vivências. Este foi um momento importante, pois
alguns/algumas jovens compartilharam experiências individuais de vivências de racismo,
machismo, gordofobia e preconceito linguístico. Com isso, também foi possível refletir sobre
como a “zoeira” era presente no cotidiano escolar, uma forma de deixar “as coisas mais leves
e divertidas”, mas que, ao mesmo tempo, poderia produzir e reproduzir violências contra
colegas.
Pontua-se, igualmente, a reflexão sobre qual o “lugar/significado” da escola para
aqueles/as jovens, sublinhando-se as relações de pertencimento com o espaço, muito
vinculadas ao fato de ser um lugar central de/para circulação, onde se pode brincar, “zoar”,
namorar, encontrar amigos e amigas, ou mesmo se alimentar, dada a vulnerabilidade social de
muitos ali. Assim, destaca-se a escola como espaço para o encontro com o outro, um suporte
para a carência de outros espaços para se “estar/encontrar” no território rural, marcado pela
falta de oportunidades e locais de lazer e convivência e pela precariedade de transporte
público ou de recursos para o deslocamento, como trazido por certos/as jovens, ao referirem
quererem que nos seus cotidianos houvesse “mais pessoas para se relacionar”.
Esse lugar da escola, central para a sociabilidade, reflete a “tensão crescente na
instituição escolar. Submetidas aos processos de socialização contemporâneos, as novas
gerações desenvolvem modos de ser que não correspondem diretamente ao modelo escolar da
modernidade racional, planejada, previsível” (Leão, 2018, p. 13); levando ao
questionamento recorrente entre jovens acerca do lugar dessa escola e à reivindicação de que
ela possa ocupar outros espaços em sua experiência cotidiana.
Nesse sentido, pôde-se lidar com a importância da escola nas suas trajetórias, seja na
produção de possibilidades (como ir para a universidade ou conseguir um emprego melhor;
encontrar amigos; a comida da escola), como também na produção e reprodução de algumas
violências (preconceitos, estigmatização, disciplinarização).
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Foi-se conformando uma escola como “um espaço de produção de ações, de saberes e
relações” (Dayrell, 2012, s/p), onde se aposta na capacidade de escolha entre as juventudes.
No percurso desta experiência, fomentou-se a construção de caminhos para a superação do
isolamento de jovens rurais, onde a escola é tomada como um equipamento social central e
que pode fomentar a formação crítica, a construção de projetos para a vida e para a circulação
emancipatória, mas, que exige da sociedade fazer valer esse propósito, demandando vontade
política para realizá-lo estruturalmente, financeiramente e culturalmente, o que se faz com
políticas públicas sociais.
Considerações finais
diversas questões que atravessam os/as jovens rurais sob a especificidade do
marcador territorialidade/ regionalidade: modos de vida que são caracterizados por estar mais
próximo da natureza, da tranquilidade, de maneiras específicas de diversão, mas também pelo
isolamento, dada a precariedade da circulação, a carência de espaços de encontros, somadas a
problemáticas que envolvem a condição juvenil como um todo, um processo que impõe
descobertas e desafios frente aos seus cotidianos e projetos de futuro, principalmente para
aqueles/as que, sendo pobres, não podem vivê-la como moratória.
Ademais, identifica-se e reafirma-se a contribuição da terapia ocupacional social,
lançando mão das Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos como estratégia, para garantir
espaços em que os/as jovens são interlocutores/as e protagonistas, elaborando com esses
sujeitos caminhos para o alargamento de suas vivências da condição juvenil. Destaca-se como
importante dimensão deste processo o Lidar com Conflitos (Pan, 2019), tanto aqueles que
emergem na dinâmica macrossocial, que produz desigualdade, quanto os que emergem das
relações microssociais, dentro e fora da comunidade escolar, produzindo subordinação,
buscando superar, conforme Freire (1987), situações limites com as quais se defrontam os/as
jovens rurais pobres de forma mais intensa, para deslumbrar inéditos viáveis em suas
trajetórias.
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1. Dada a diversidade de vivências entre os/as jovens, marcadas por distinções de classe social, gênero,
raça/etnia, religião, territórios, entre outras coisas, cabe dizer de juventudes, no plural (Bourdieu, 1983; Margulis
& Urresti, 1996).
2. O termo METUIA/UFSCar refere-se tanto ao núcleo da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar)
da Rede Metuia Terapia Ocupacional Social, quanto ao Programa de Extensão METUIA e ao Laboratório
METUIA do Departamento de Terapia Ocupacional e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em
Terapia Ocupacional da UFSCar.
3. Trata-se de um recurso em que se desenha, em um pedaço de papel, um boneco a partir do contorno do
corpo da pessoa e a proposta é que ela, em seguida, preenchendo esse boneco com informações sobre si, de
acordo com os objetivos colocados. Em nosso caso, adaptamos essa atividade e cada jovem desenhou um boneco
de si em uma folha A3 mão, sem contornar o próprio corpo), e foi colocando elementos sobre sua identidade
dentro e fora desse boneco.
4. Bairro da zona rural de São Carlos - SP.
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5. Confederação Nacional das Cooperativas Médicas (Unimed) é uma operadora privada de planos de
saúde.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 27/06/2022
Aprovado em: 26/08/2023
Publicado em: 21/10/2023
Received on June 27th, 2022
Accepted on August 26th, 2023
Published on October, 21th, 2023
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
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Double review.
Agência de Fomento
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico CNPq.
Funding
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior CAPES; Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico
e Tecnológico CNPq.
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Farias, M. N., Pan, L. C., & Lopes, R. E. (2023). Terapia ocupacional social junto a jovens pobres rurais: ações na escola
pública. Rev. Bras. Educ. Camp., 8, e14582. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14582
ABNT
FARIAS, M. N.; PAN, L. C.; LOPS, R. E. Terapia ocupacional social junto a jovens pobres rurais: ações na escola pública.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 8, e14582, 2023. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14582 .