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ecossistêmica, a fim de convertê-la em recurso natural, em matéria-prima para a apropriação
produtiva (e destrutiva) da natureza.
No sul do Piauí, esse padrão de poder tem sido exercido pelo agronegócio, com a
inserção dos pacotes tecnológicos e de novas formas de produzir, consumir e pensar o
trabalho agrícola (Souza & Freitas, 2021), práticas de grilagem de terras públicas (Alves,
2000) e financeirização e estrangeirização da terra (Vicente; Barros & Dulci, 2021).
A lógica colonial-capitalista do agronegócio entra em confronto direto com a
racionalidade dos povos do Cerrado, visto que não leva em conta o conhecimento patrimonial,
coletivo e comunitário característico das populações locais e seus sistemas de uso da terra, os
quais, historicamente, combinavam diferentes modos de agricultura com a pecuária e com o
extrativismo, assim como “... ignora outros saberes, outras epistemes, outras culturas, outros
povos, outros grupos/classes sociais. (Porto-Gonçalves et al., 2016, pp. 78-79).
Conforme Arroyo (2017), o padrão dominante não apenas ignora: ele usa pedagogias
desumanizantes (brutais), para destruir a cultura, a memória, os valores e as identidades
coletivas e, consequentemente, convencer os sujeitos de que são inferiores em relação ao
padrão dominante, o qual leva em conta o masculino, o branco e o proprietário. Tal
convencimento vem junto com a imposição de um modo único de realização do viver: o modo
baseado na competição, na meritocracia, no individualismo e no desejo de consumo. Esse
processo procura não somente hegemonizar os aspectos produtivos, mas também cooptar
mentes e corações, o que Shiva (2003) vai chamar de monoculturas da mente.
A despeito dessa tentativa, e em tensão dialética com ela, devemos observar as
resistências populares, conforme aponta Porto-Gonçalves, ao sublinhar:
Os povos que vivem pelos cerrados desenvolvem sistemas de uso da terra que combinam a
agricultura, geralmente nos fundos dos vales, nos brejos, nos brejões, nos pântanos, nos
varjões; nas encostas e nas chapadas, áreas onde a água é mais difícil de ser captada sem
tecnologias de captação em profundidade, deixam o gado à solta, fazem a coleta do pequi, da
fava d’anta, do baru e outros frutos e resinas, recolhem madeira e lenha, geralmente fazendo
uso compartilhado, sobretudo dessas terras das chapadas (Porto-Gonçalves, 2004, pp. 17-18).
De acordo com o autor, embora o Cerrado seja repleto de riqueza biológica e cultural, as
visões coloniais-capitalistas das elites econômicas e políticas o conceberam como um espaço
vazio (economicamente e culturalmente), até meados do século XX. Desde então, as ações
governamentais materializaram um processo de ocupação e produção do espaço alicerçado no
agronegócio e voltado para os investidores do capital agrário, que, autorizados pelo Estado,