RBEC
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ISSN: 2525-4863
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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14800
A customização da Extensão Rural e suas implicações para
o ensino
Vivien Diesel1, Marcelo Miná Dias2, Pedro Selvino Neumann3,
1, 3 Universidade Federal de Santa Maria - UFSM. Departamento de Educação Agrícola e Extensão Rural. Avenida Roraima nº
1000, Prédio 44, Campus Universitário. Santa Maria - RS. Brasil. 2 Universidade Federal de Viçosa - UFV.
Autor para correspondência/Author for correspondence: viviendiesel@yahoo.com.br
RESUMO. O estudo parte do reconhecimento de
reconfigurações no campo de atuação extensionista que teriam
potencial de afetar o ensino da extensão rural. Reconhece que
uma das transformações em curso é de natureza institucional e
está relacionada à adoção de um modelo pluralista de extensão
rural. Argumenta-se que a adoção de um modelo pluralista leva
ao reconhecimento de maior diversidade de tipos de
organizações atuantes na extensão rural e potencialização de sua
diferenciação interna, o que favorece a ocorrência de processos
de customização dos referenciais normativos orientadores da
atuação extensionista. Recorre-se a ampla revisão bibliográfica
para caracterização destas dinâmicas no âmbito global e
brasileiro, explorando-se suas implicações para o ensino de
extensão rural. Depreende-se que este movimento implica m
cenário de disputas de perfis profissionais que reflete, em última
instância, disputas de projetos para o desenvolvimento rural os
quais devem ser explicitados no âmbito do ensino,
evidenciando-se suas relações com os referenciais normativos
para a atuação profissional.
Palavras-chave: ensino de extensão rural, extensão rural,
políticas públicas.
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The customization of Rural Extension and its implications
for teaching
ABSTRACT. This study examined the reconfigurations in the
field of extension work and its potential influences in the
academic discipline of rural extension. It recognizes that one of
the ongoing changes has an institutional nature and is related to
the adoption of a pluralist model of rural extension. It is argued
that the adoption of a pluralist model leads to the recognition of
a greater diversity of types of organizations active in the rural
extension system, which favors the occurrence of processes of
customization of normative references that are used to guide the
extension field work. A comprehensive literature review was
performed to characterize these dynamics in the global and
Brazilian scope, exploring their implications for the rural
extension teaching. The results suggest that this movement
implies a scenario of professional profile disputes that reflects,
ultimately, disputes over projects for rural development, which
must be made explicit within the scope of teaching, highlighting
their relationships with the normative references for action
professional.
Keywords: rural extension teaching, rural extension, public
policy.
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La customización de la Extensión Rural y sus
implicaciones para la docencia
RESUMEN. El estudio parte del reconocimiento de
reconfiguraciones en el campo de la extensión que tendrían el
potencial de afectar la enseñanza de la extensión rural.
Reconoce que una de las transformaciones en curso es de
carácter institucional y está relacionada con la adopción de un
modelo pluralista de extensión rural. Se argumenta que la
adopción de un modelo pluralista conduce al reconocimiento de
una mayor diversidad de tipos de organizaciones activas en la
extensión rural y la potenciación de su diferenciación interna, lo
que favorece la ocurrencia de procesos de personalización de los
referentes normativos que orientan el trabajo de extensión. Se
utiliza una amplia revisión bibliográfica para caracterizar estas
dinámicas en el ámbito mundial y brasileño, explorando sus
implicaciones para la enseñanza de la extensión rural. El trabajo
apunta que este movimiento implica un escenario de disputas de
perfil profesional que refleja, en última instancia, disputas por
proyectos de desarrollo rural, que deben explicitarse en el
ámbito de la enseñanza, destacando sus relaciones con los
referentes normativos para la actuación profesional.
Palabras clave: enseñanza de la extensión rural, extensión rural,
política pública.
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Introdução
A extensão rural vem passando por transformações profundas, as quais têm impactos
potenciais sobre o ensino, como procuraremos demonstrar no presente artigo. Uma das
transformações em curso é de natureza institucional e está relacionada à adoção de um
modelo pluralista de extensão rural.
i
Este processo está associado a uma maior diversificação
(em relação ao tipo de organização atuante na extensão rural) e potencialização da
diferenciação interna (em relação aos propósitos e condições da atuação extensionista em
cada tipo de organização). A segunda transformação destacada neste artigo se refere ao tipo
de referencial normativo preconizado para balizamento da atuação extensionista. Neste
sentido, argumentamos que se manifesta uma tendência ao abandono de referenciais
normativos genéricos em favor da utilização de referenciais normativos específicos para cada
tipo de espaço sócio-ocupacional, caracterizando um processo de customização.
Consideramos que estas dinâmicas impactam o ensino de extensão rural na medida em
que, historicamente, têm se verificado que o estabelecimento de novos consensos acerca das
atribuições extensionistas e formas de atendê-las influenciam a emergência de movimentos
em prol de renovação no ensino.
Argumentaremos que a explicitação das transformações e tendências em curso constitui
um subsídio importante para refletir sobre o ensino da extensão rural. Tais supostos levam a
perguntar: as transformações em curso no campo de atuação seriam significativas a ponto de
tensionar o ensino da extensão? Em caso positivo, que direção de mudança apontariam? Quais
seriam os desafios implicados?
Tendo em vista as restrições de estudos disponíveis, conduzidos sob a perspectiva
analítica aqui adotada, a pesquisa realizada adquiriu caráter exploratório. Com base em
revisão bibliográfica, iniciamos o presente artigo contextualizando a trajetória do modelo
pluralista para identificar, genericamente, seu potencial indutor de mudanças na configuração
do campo de atuação da extensão rural, tanto em âmbito global, quanto em relação ao caso
brasileiro. Nas seções seguintes buscamos detalhar a manifestação do pluralismo em âmbito
global e brasileiro, reunindo evidências de diversificação do tipo de organização atuante na
extensão rural e diferenciação nos propósitos e estratégias organizacionais por tipo de
organização. Avançamos, então, na reunião de evidências de construção de referenciais
normativos específicos para balizamento da atuação extensionista de acordo com o tipo de
espaço sócio-ocupacional configurado em cada situação, fato que vinculamos a processos de
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customização da ação extensionista. Por fim, exploramos as implicações para o ensino de
extensão rural no Brasil.
O modelo pluralista como indutor de uma dinâmica de diversificação, diferenciação e
customização na Extensão Rural
Embora se observe que uma grande diversidade de organizações recorre à assistência
técnica, orientação técnica, assessoria, consultoria, educação e/ou facilitação em sua atuação
junto à agricultores ou à população rural em geral, poucas são oficialmente identificadas
como “organizações de extensão rural”. Para entender esse aspecto é necessário recuperar,
mesmo que brevemente, a evolução histórica da discussão sobre modelos institucionais da
extensão rural, destacando a tendência atual à adoção de um modelo pluralista.
Jones e Garforth (1998) se referem às condições necessárias para caracterização da
emergência de um serviço de extensão moderno em dado país. Para os autores, o surgimento
de um serviço de extensão rural requer a existência de conhecimentos sistematizados; a
formação de profissionais capazes de gerir esse conhecimento; a criação de organização que
tenha atribuição relacionada à disseminação de conhecimento (extensão); uma legislação que
preconize e justifique as atividades de extensão; e ocorrência de antecedentes diversos, isto é,
formas prototípicas de extensão.
Circunstâncias históricas específicas contribuíram para certa homogeneidade nos
processos de institucionalização da extensão rural em diferentes países no segundo pós-
guerra. Para entender esta dinâmica deve ser considerado o papel da cooperação internacional
(e o protagonismo dos Estados Unidos nesta) e da criação de expectativas promissoras em
torno ao potencial do modelo tecnológico da Revolução Verde na promoção do
desenvolvimento agrícola. Estes elementos contribuíram para criar um clima de otimismo
quanto à possibilidade de promover o “progresso” e o “desenvolvimento” nos países
considerados subdesenvolvidos, em reconstrução ou “em desenvolvimento” (Trujillo, 1996).
Estas expectativas contribuíram para que se disseminasse globalmente uma mesma
institucionalidade da extensão (agrícola e rural): concebida como serviço público (financiada
com recursos públicos e, predominantemente, executada por organizações governamentais) e
orientada à transferência de informações, conhecimentos e tecnologias (referida,
frequentemente, como “transferência de tecnologia”
ii
), ligando as estações de pesquisa aos
agricultores (Suvedi & Kaplowitz, 2016, p. 20). Feder, Willet e Zijp (1999) apresentam dados
da FAO, relativos a um levantamento realizado em 113 países, evidenciando que, na época,
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86% das organizações eram financiadas por órgãos administrativos como Ministérios da
Agricultura ou assemelhados e que 95% do staff da extensão estava vinculado ao sistema
público.
Essa institucionalidade da extensão rural constituída no pós-guerra foi abalada à medida
que os países encontraram dificuldades econômicas para manter os sistemas governamentais
de extensão rural, sobretudo no contexto de acentuação da crise econômica na década de
1980. Deste modo, ao longo da década de 1990 diversos países realizaram reformas em seus
sistemas governamentais de extensão (Feder, Willet & Zijp, 1999), destacando-se uma
tendência geral de privatização (Kidd et al., 2000) que, no limite, implicou supressão de
serviços governamentais de extensão em alguns países.
Tendo em vista as crescentes demandas pela continuidade da oferta de serviços públicos
e controvérsias teóricas acerca da desejabilidade ou viabilidade da privatização (Umali &
Schwartz, 1994; Diesel et al., 2008), foram realizados estudos para subsidiar decisões
políticas sobre o formato institucional mais adequado para a extensão rural.
Os estudos enfatizaram a identificação da diversidade de tipos de organizações atuantes
em prol do desenvolvimento (organizações não governamentais, de agricultores e privadas,
por exemplo), pois havia expectativa de que a atuação de organizações privadas pudesse
substituir o governo no atendimento a demandas dos agricultores. As evidências da
inviabilidade desta alternativa levaram a refletir sobre a conveniência de recomendar
mudanças na intervenção dos governos, redefinida em termos de sua abrangência e
institucionalidade.
Quanto à institucionalidade, uma das inovações propostas consiste na separação entre a
ação de financiamento e a ação de execução da política pública. Considerando essa
possibilidade, passou-se a preconizar que o Estado financiasse organizações privadas, não
governamentais e organizações de agricultores, por exemplo, para executar a política pública
(Alex et al., 2004). Este tipo de alternativa foi considerado desejável, pois atendia ao requisito
de limitar a intervenção governamental, concedendo-lhe um caráter eventual e de
complementariedade à intervenção dos demais tipos de organizações.
No decurso do avanço das investigações sobre este modelo institucional alternativo,
reconheceu-se a pertinência da inclusão de questões sociais e ambientais na agenda de
intervenção do Estado (complementando iniciativas de promoção do desenvolvimento
agrícola, tradicionalmente abordadas pela extensão rural). Com essa medida, assegurava-se o
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atendimento a crescentes demandas em prol ampliação da agenda de intervenção do Estado no
desenvolvimento rural.
Consideramos que a alternativa pluralista se mostrou particularmente adequada ao
atendimento das demandas por ampliação da agenda pública, na medida em que previa a
possibilidade de mobilização de distintos tipos de organizações, selecionando-as de acordo
com seu potencial para enfrentamento da problemática específica, foco da política pública.
Neste sentido, as organizações governamentais foram consideradas menos apropriadas que as
organizações não-governamentais para tratar de questões relativas à pobreza, por exemplo.
Posteriormente, quando emergiu um movimento em prol da legitimação de uma ação
orientada à demanda dos agricultores, reforçou-se a proposta de incorporação de organizações
privadas e de representação dos agricultores, por exemplo, consideradas como “mais
sensíveis” a este tipo de demanda.
As pesquisas avançaram, então, buscando reconhecer o potencial diferenciado de cada
tipo de organização para atuação na extensão. Estes estudos pressupunham a possibilidade de
caracterizar o “nicho” de atuação de cada tipo de organização quanto ao perfil do público
atendido e tipo de serviço prestado, por exemplo. Partindo destas pesquisas, atores influentes
no campo da cooperação internacional reforçaram a oportunidade de implementar sistemas
pluralistas de extensão (Rivera & Alex, 2004; Heemskerk & Davis, 2012). Neste sentido,
recomendou-se que cada país desenhasse uma institucionalidade singular, considerando sua
agenda de políticas públicas e os tipos de organização atuantes no meio rural. Recomendava-
se, portanto, a adoção de solução do tipo “best fit”, caracterizando uma significativa
reorientação se forem consideradas as posturas históricas a favor da padronização
institucional (Birner et al., 2006; Faure et al.; 2016; Davis; Spielman, 2017).
Consideramos que a adoção de um modelo pluralista de extensão rural traz consigo,
potencialmente, a acentuação da heterogeneidade dos espaços sócio-ocupacionais no campo
de atuação extensionista. Tal suposto parte do reconhecimento de que os distintos tipos de
organizações incorporadas têm diferenças significativas entre si quanto à sua racionalidade e
o tipo de interesse (particular, de coletivos específicos, governamentais ou públicos) que
justificam sua criação e atuação. Além disso, podemos encontrar elevada heterogeneidade
interna dentro de um mesmo tipo de organização, quando considerados os propósitos
específicos que motivaram sua formação e os condicionantes das estratégias organizacionais
preconizadas. Entendemos que tais diferenças se traduzem, potencialmente, na identificação
de atribuições específicas para o extensionista.
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Neste contexto, podemos entender a propensão à “customização”, percebida como uma
tendência à definição de referenciais normativos particulares para a atribuição específica a ser
exercida pelo extensionista em um determinado espaço sócio-ocupacional. Esta alternativa
seria considerada superior à tradicional adoção de um referencial normativo genérico, que
parte de uma generalização das atribuições e condições de atuação do extensionista.
Ao explorar as implicações desta tendência de customização da ação extensionista sobre
o ensino, cabe considerar que a diferenciação das atribuições específicas do extensionista, por
sua vez, pode levar à diferenciação do perfil de profissional requerido para atendê-las. Como
uma das atribuições do ensino de extensão refere-se à formação de competências
extensionistas, deduz-se que este seria, assim, potencialmente afetado pelas transformações
em curso na institucionalidade da extensão rural (relacionadas à adoção de um modelo
pluralista).
As ponderações apresentadas nos parágrafos anteriores levam à necessidade de
explicitar os limites do presente artigo. Neste sentido, nos restringimos a identificar fatores
que contribuem para a crescente heterogeneidade dos espaços sócio-ocupacionais no campo
de atuação extensionista, reunindo evidências sobre processos de diversificação, diferenciação
e customização, tanto em âmbito global quanto no contexto brasileiro sem, entretanto, nos
propormos a apresentar uma caracterização exaustiva dos espaços sócio-ocupacionais
específicos e dos perfis extensionistas correspondentes. Ao final, ponderamos sobre as
implicações destas dinâmicas para o ensino de extensão rural. Ao adotar esta abordagem
pretendemos contribuir para futuras pesquisas sobre o tema.
Dinâmicas relativas ao reconhecimento da diversidade de tipos de organizações com
potencial de atuação na Extensão Rural
Nesta seção vamos abordar as evidências de aumento de diversidade de tipos de
organizações reconhecidas como atuantes na extensão rural, partindo de uma análise do
âmbito global, particularmente o caso europeu, para, na sequência, buscar uma aproximação
ao âmbito brasileiro.
Dinâmicas relativas ao âmbito global
Conforme detalhado na seção anterior, há, em curso, um processo de mudança na
institucionalidade pública da extensão rural, tanto em âmbito global quanto no Brasil. A
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interpretação dos dados relativos ao contexto europeu remete ao reconhecimento da
importância da dependência de trajetória e, simultaneamente, a uma postura política recente
de favorecimento da diversificação dos tipos de organizações atuantes na extensão. Tais
mudanças vêm sendo interpretadas como indicadoras da consolidação de sistemas pluralistas,
caracterizados por maior fragmentação organizacional e privatização, diferenciando tais
sistemas em relação à institucionalidade fomentada no pós-guerra. Para ilustrar esta dinâmica
utilizaremos as contribuições de Knierim et al. (2017) e Labarthe e Beck (2022) sobre a
realidade institucional europeia.
Knierim et al. (2017) descrevem um cenário tendencial de elevada heterogeneidade na
institucionalidade da extensão rural (agricultural advisory services) entre os países europeus.
Esta heterogeneidade é apresentada como resultado da influência de mecanismos de path
dependence e da projeção recente de novos tipos de atores na extensão rural (como
organizações privadas e não governamentais). Os autores observam a presença de todos os
tipos de organizações (públicas, privadas e do terceiro setor) em quase todos os países. Ao
caracterizar a institucionalidade vigente, observam a possibilidade de agrupar países segundo
o tipo de organização dominante, mas identificam que nenhum país se assemelha ao outro
quando considerada a importância relativa dos diferentes tipos de organizações, de modo que
a institucionalidade de cada país pode ser considerada particular. Há, no entanto,
características em comum: em 21 países há dominância de um tipo de organização,
destacando-se as organizações de agricultores (em dez países) e organizações públicas (em
nove países). Os autores comentam, por fim, que poucos países apresentam sistemas
amplamente privatizados e nenhum país tem dominância de organizações não-governamentais
(ONGs).
Labarthe e Beck (2022) consideraram as organizações acreditadas para implementação
da Política Agrícola Comum (PAC) entre 2014 e 2022. Os autores identificaram diferenças
em relação à diversidade de tipos de organizações acreditadas em cada país, como também
distintos tipos dominantes nos casos analisados. Enquanto poucos países autorizam somente
um tipo de organização (privada ou de agricultores), um número significativo de países
credenciou tanto organizações privadas quanto públicas; ou organizações privadas, públicas e
de representação dos agricultores. Entendemos que a acreditação representa o reconhecimento
do potencial de atuação de determinado tipo de organização na extensão rural, revelando a
necessidade de compreensão dos critérios que cada país adota para legitimar a participação de
organizações na implementação de ações extensionistas.
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Dinâmicas relativas ao caso brasileiro
Ao tratar do caso brasileiro é conveniente conceder maior atenção à trajetória histórica
da institucionalidade da extensão rural para destacar as transformações recentes.
O Brasil foi um dos países onde a cooperação técnica norte-americana atuou, a partir do
segundo pós-guerra, para a criação de organizações de extensão rural e de um sistema
nacional (Fonseca, 1985; Oliveira, 1999). Naquele contexto, conformou-se um sistema
estruturado com base em organizações estaduais de extensão rural sujeitas à coordenação
nacional. Este sistema alcançou elevada capilaridade nas décadas seguintes à sua criação,
como demonstram dados apresentados por Peixoto (2008). Assim, de modo semelhante ao
observado em outros países, a extensão rural foi inicialmente institucionalizada como serviço
com financiamento público a ser executado por organizações governamentais relativamente
especializadas e orientadas predominantemente à transferência de tecnologia nos marcos da
proposta de desenvolvimento agrícola da Revolução Verde.
iii
Ao final da década de 1980, em uma conjuntura de crescente hegemonização do ideário
neoliberal, o governo federal optou por desvincular-se da coordenação do sistema nacional
brasileiro e desresponsabilizou-se pelo apoio às organizações estaduais de extensão rural.
Mobilizações diversas buscaram reverter este cenário, destacando-se aquelas que, em meados
da década de 1990, reivindicaram a formulação de políticas públicas de desenvolvimento
rural, reorientando-as para o fortalecimento da agricultura familiar. Essa mobilização trouxe
consigo a necessidade de reconstituir a institucionalidade da extensão rural pública.
A reconstituição teve como marco a instituição da Política Nacional de Assistência
Técnica e Extensão Rural (PNATER) em 2004. Partindo de contribuições acadêmicas
anteriores, que apontavam a conveniência de priorizar a atuação estatal (Caporal & Costa
Beber, 1994), a nova política reconheceu a atuação de diferentes tipos de organizações na
extensão rural. Essa leitura da conjuntura foi reforçada com os resultados de uma pesquisa de
alcance nacional realizada no início dos anos 2000 para identificar a diversidade de
organizações atuantes na extensão rural. Trata-se de uma pesquisa financiada pela
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) (Muchagata, 2003). O
estudo procurou dar visibilidade à diversidade de tipos de organizações de extensão rural
atuantes no Brasil, caracterizando as potencialidades e limites da atuação de cada um dos
tipos identificados. A pesquisa diferenciou os seguintes tipos de organização: governamentais
de ATER, prefeituras, organizações não governamentais (ONGs), representativas, prestadoras
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de serviços, cooperativas de produção, ensino e pesquisa, cooperativas de crédito,
agroindústrias, outras públicas e Sistema S
iv
.
Abordagens mais sistemáticas e recentes sobre a diversidade de tipos de organizações
atuantes na extensão rural brasileira foram obtidas por análises dos Censos Agropecuários
(2006 e 2017). Pereira e Castro (2021) recorreram à análise comparativa dos dados dos
Censos Agropecuários relativos à origem da orientação técnica para descrever, sinteticamente,
o cenário atual.
v
Em termos gerais, os autores chamaram a atenção para a disparidade entre
percentual de estabelecimentos atendidos (20,2%) e a área abrangida (50,8%), interpretando
que este fato se explica pela elevada concentração fundiária, indicando que os
estabelecimentos maiores têm mais acesso à orientação técnica. Quanto à participação dos
diferentes tipos de organizações, na percepção dos autores (2021), os dados confirmaram
expectativas de redução da participação das organizações governamentais (federal, estadual
ou municipal), que se manifestou na redução do percentual de estabelecimentos atendidos (de
9,6% para 7,6%) e, sobretudo, da área abrangida (de 9,3% para 5,6%). Os autores destacaram
ainda o aumento considerável da participação das categorias “própria ou do próprio produtor”
e “cooperativas”. Desta forma, as análises dos dados do Censo de 2006 e de 2017 confirmam
que outros tipos de organizações (além das governamentais) têm participação relevante na
oferta de orientação técnica (extensão rural) aos agricultores brasileiros.
Neste contexto, destaca-se que o desenho da institucionalidade prevista na PNATER
revelava a disposição do governo em incorporar uma maior diversidade de tipos de
organizações na execução da política pública federal. No estabelecimento de relações para a
implementação da política federal, consagrou-se o uso de “chamadas públicas de ATER”,
sobretudo a partir de 2010. Desde então, o governo vem implementando parte significativa de
sua política federal de extensão rural mediante contratação de diferentes tipos de organizações
de extensão. As análises da implementação da PNATER no período 2010-2014 apontam para
a diversidade de organizações mobilizadas pelas chamadas públicas, como evidenciaram
Bergamasco e Borsatto (2016). O mencionado estudo revela que o apoio financeiro do Estado
se dirigiu tanto às organizações públicas quanto privadas (os autores incluem, nesta categoria,
organizações do terceiro setor, como ONGs). O estudo também identificou número
expressivo de organizações “privadas” apoiadas e sua diversidade, revelando especificidades
nas configurações institucionais regionais.
Consideramos que tais aspectos convergem com o observado na União Europeia,
indicando a participação dos governos na definição dos tipos de organização que compõem ou
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assumem predominância na implementação da política pública. Dinâmicas observadas por
Diesel et al. (2021), por sua vez, indicam a tendência a um reenquadramento conservador da
política de extensão rural do governo brasileiro pós-2019, implementada pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), revelando posições desfavoráveis à agenda
socioambiental e, por consequência, restrições na disposição de financiamento público à
atuação de ONGs. Tais evidências reforçam a influência da orientação político-ideológica de
cada gestão governamental no direcionamento da composição do sistema pluralista de
extensão rural em cada país e/ou contexto sócio-histórico.
Por fim, considerando estudos recentes relativos à expansão da agricultura digital, cria-
se uma expectativa de ocorrência de novas transformações na institucionalidade relacionada
ao desenvolvimento agrícola e à extensão rural. Neste sentido, um dos primeiros aspectos a
destacar, segundo Buainain, Cavalcanti e Consoline (2021), se refere às diferenças na
institucionalidade da geração e difusão de tecnologias a medida que acentua-se a perda de
protagonismo da pesquisa pública e que uma plêiade diversa de atores passa a se projetar na
geração e difusão tecnológica na agricultura digital. Segundo os autores (2021, p. 19):
Neste âmbito, emergem as AgTechs, startups, pequenas, flexíveis e suficientemente criativas
para identificar problemas, muitos pontuais, mas nem por isso menos importantes, buscar
possíveis soluções e levantar recursos junto a investidores dispostos a correr riscos para
transformar ideias em produtos e serviços potencialmente rentáveis.
Embora o sistema emergente se apresente como mais descentralizado (destacando-se o
elevado número de AgTechs), se observa que as organizações que promovem a agricultura
digital não estão distribuídas homogeneamente no espaço geográfico, concentrando-se nas
regiões sudeste e sul; e, nestas, no entorno de ecossistemas de inovação (Buainain, Cavalcanti
& Consoline, 2021).
Dinâmicas relativas à diferenciação da atuação extensionista nos distintos tipos de
organizações
A análise procedida na seção anterior remeteu a um processo, em curso, de revisão da
institucionalidade, associada ao reconhecimento de que uma maior diversidade de tipos de
organizações (além das governamentais) apresenta atuação potencialmente relevante na
extensão rural. Compreendemos que uma maior aproximação ao campo de atuação
extensionista (e heterogeneidade dos espaços sócio-ocupacionais neste) requer considerar,
além do tipo de organização, as diferenças internas de cada categoria. Neste sentido,
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entendemos que as organizações pertencentes a um mesmo tipo (governamental, privada, de
representação dos agricultores ou não-governamental) podem ser diferenciadas segundo o
propósito para o qual foram criadas e, complementarmente, com base nas estratégias
organizacionais à que recorrem para alcançar estes propósitos. Tais aspectos se refletem, por
sua vez, nas atribuições extensionistas e, portanto, sua análise merece atenção.
Considerando as restrições de disponibilidade de análises sistemáticas sobre o tema,
buscaremos apenas reunir evidências da acentuação da heterogeneidade interna por tipo de
organização com potencial de atuação na extensão rural.
Dinâmicas relativas à diferenciação interna por tipo de organização: âmbito global
Tendo em vista escassez de estudos orientados à caracterização dos tipos de
organizações atuantes na extensão rural e sua diferenciação interna, procuramos ampliar nossa
revisão incluindo na exposição, além referências relativas à realidade europeia com base em
Knierim et al. (2017) e Labarthe e Beck (2022), as contribuições de Veldhuizen et al. (2020)
relativas à caracterização da extensão rural no setor privado em âmbito global.
Knierim et al. (2017), ao estudar o pluralismo dos provedores de serviços de extensão
rural na Europa, propiciam contribuições importantes para uma primeira aproximação aos
propósitos (direcionamento) e estratégias organizacionais dos diferentes tipos de
organizações. Os autores (2017) inferem que os distintos tipos de organizações inicialmente
diferem entre si quanto ao tamanho (avaliado pelo número de extensionistas), tipo de serviço
ofertado e perfil do público atendido. Embora as governamentais variem de tamanho em cada
país, elas são geralmente maiores do que as organizações de agricultores, que possuem staff
maior do que as ONGs. Estas, por sua vez, são maiores do que as privadas, caracterizadas
como organizações “pequenas ou muito pequenas”.
Os autores (2017) também observam diferenças quanto à natureza do serviço ofertado.
Neste sentido, considerando o número de agricultores por extensionista, proporção de
técnicos administrativos por extensionista e método utilizado (distinguindo-se individuais,
face a face; grupais e massais), observam que as organizações governamentais tendem a
privilegiar o alcance de grande número de agricultores por extensionista e, por isso, recorrem
a serviços menos personalizados e com menor utilização de métodos face a face. No extremo
oposto encontram-se as organizações privadas, caracterizadas por alta personalização dos
serviços e menor alcance (menor número agricultores por extensionista). As organizações de
agricultores e ONGs, por sua vez, apresentam grande diversidade interna. Quanto ao perfil do
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público alcançado, os autores (2017) observam que este é muito diverso, com tendência de
que empregados agrícolas, mulheres, jovens e agricultores de tempo parcial sejam menos
atendidos do que médios e grandes produtores.
O estudo de Knierim et al. (2017) também permite realizar inferências sobre a
influência da política pública europeia na diferenciação de organizações. Neste sentido,
infere-se que a adoção de modelos pluralistas tem reflexos na revisão do papel das
organizações governamentais, que passam a ter uma relação menos direta com os agricultores,
na medida em que deixam de ser executoras para serem coordenadoras, programadoras e
supervisoras da execução de políticas públicas. A análise da implementação de iniciativas da
PAC no período 2014-2022 quanto aos serviços de extensão rural reforça a necessidade de
conceder atenção à influência das políticas públicas na diferenciação das organizações.
Segundo Labarthe e Beck (2022), a política pública europeia transitou de uma
preocupação inicial com o apoio à adequação dos agricultores a normativas do bloco regional
para um quadro atual em que se observa uma maior diversidade de linhas de ação, que
abrangem o fortalecimento da competitividade e estruturação de cadeias produtivas; ações de
manejo de ecossistemas; mitigação e adaptação a mudanças climáticas; bem como inclusão
social e desenvolvimento local. Deste modo, a política atual direciona-se tanto ao atendimento
das demandas dos agricultores (questões técnicas, econômicas e sociais) quanto às
necessidades da sociedade (manejo de carbono, biodiversidade, sustentabilidade e bem-estar
animal).
O exame da implementação da PAC revela as diferenças entre países: enquanto alguns
focam exclusivamente intervenções orientadas ao fortalecimento da competitividade, outros
as combinam com intervenções orientadas à gestão dos ecossistemas. Observa-se, ainda, que
alguns países concedem prioridade a intervenções relativas a manejo de riscos em cadeias
alimentares; ou concedem maior atenção que outros às intervenções orientadas para promover
a eficiência no uso de recursos, considerando questões como mudança climática, promoção da
inclusão social e desenvolvimento local. Neste contexto, supomos que as organizações que
almejam acessar os recursos públicos tendem a rever seu direcionamento e estratégias
organizacionais para contemplar o que é demandado pelas políticas públicas no país em que
atuam, potencializando diferenciações internas por tipo de organização.
A heterogeneidade interna no direcionamento e nas estratégias organizacionais fica bem
ilustrada na pesquisa de Veldhuizen et al. (2020), que buscou caracterizar a atuação do setor
privado na extensão a partir de estudos de caso realizados em diversos países “em
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desenvolvimento”. Os autores partem da distinção entre dois grandes grupos na categoria de
organizações privadas de extensão: aquelas que participam das cadeias produtivas do
agronegócio e incorporam extensão em seu portfólio de serviços (Agribusiness-based
advisory services) e aquelas para quem a extensão é o negócio principal (Independent private
extension providers and ICT).
Ao analisar as características dos Agribusiness-based advisory services, Veldhuizen et
al. (2020) diferenciam as estruturas de organizações que têm seu negócio principal
relacionado à compra e ao processamento de produtos agrícolas daquelas que têm seu negócio
principal relacionado à venda de insumos para agricultura. De acordo com a análise, as
organizações que operam com compra e processamento de produtos agrícolas tendem a
internalizar e estabelecer serviços de extensão relativamente estruturados (embora se verifique
caso de contratação de terceiros para realização dos serviços desejados). Neste grupo, a
prioridade dada à extensão seria maior dentre aqueles que trabalham com produtos que
requerem controle acentuado da qualidade da matéria-prima e/ou que ofertam produtos
certificados e/ou de alto valor agregado. Dentre as organizações que operam com venda de
insumos, as motivações para a atuação na área de extensão estariam relacionadas,
basicamente, a estratégias de marketing e fidelização. Segundo Eastwood et al. (2019), as
organizações provedoras de insumos e maquinarias tendem a demonstrar maior empenho na
capacitação dos agricultores para uso das novas tecnologias na medida em que passam a
operar na produção e comercialização de tecnologias digitais para agricultura.
Outra contribuição de Veldhuizen et al. (2020) se refere à compreensão da diversidade
de atribuições e condições de atuação, considerando-se os vínculos com estratégias
organizacionais. Os autores indicam que a internalização dos custos dos serviços de extensão
constitui um ponto crítico para a maioria das organizações do setor privado, o que as leva a
adotar estratégias diversas para redução de custos. Considerando a diversidade de arranjos
identificada nos estudos de caso, os autores distinguem entre empresas que trabalham com seu
próprio staff; que operam com agricultores líderes; que atuam mediante parceria com pontos
de revenda de insumos (tradicionais, Agrovets; ou inovadores, one-stop-shop networks); que
conciliam produção de insumos, produção agrícola, pesquisa e serviços de extensão; e, por
fim, aquelas que subcontratam equipes para prover extensão.
Quanto a mudanças associadas à expansão da agricultura digital, Veldhuizen et al.
(2020) esclarecem que esta promove uma diferenciação interna no segmento de organizações
denominado Independent private extension providers and ICT. Este segmento abrange tanto
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indivíduos que atuam na prestação (comercial) de serviços de extensão, provedores de
serviços digitais de extensão e centros de treinamento baseados em estabelecimentos agrícolas
privados. Neste contexto, reconhecem que a digitalização abre novas oportunidades de
negócio pela prestação de serviços relacionada à geração e utilização de aplicativos para gerar
informações e serviços úteis, diferenciando um tipo de organização privada envolvida com
comercialização de produtos e serviços de extensão de base digital. Ressaltamos, entretanto, a
seletividade dos territórios e dos públicos, sujeitos à diferentes pressões desta dinâmica de
digitalização da agricultura.
Dinâmicas relativas à heterogeneidade interna por tipo de organização: caso brasileiro
Os estudos de caracterização dos tipos de organizações atuantes na extensão rural no
Brasil e sua diferenciação interna são escassos. Nestas circunstâncias nos limitaremos a reunir
evidências relativas à diferenciação interna de distintos tipos de organizações atuantes na
extensão rural no Brasil.
As governamentais constituem um dos tipos de organização que merece atenção quanto
à heterogeneidade interna da categoria. Neste sentido, inicialmente convém discriminar que o
setor público não abrange somente às organizações estaduais de extensão, percebidas como
“governamentais” ou organizações “oficiais”. A partir das contribuições de Muchagata (2003)
diferenciam-se subtipos de organizações públicas atuantes na extensão: além das organizações
estaduais, “oficiais”, distingue-se a ação de extensão das prefeituras, “outras públicas” e
universidades (muitas das quais públicas). Alves, Santana e Contini (2016), por sua vez,
destacaram a atuação de organizações públicas de pesquisa, como Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA), na transferência de tecnologia.
Tais observações permitem pressupor a existência de significativas diferenças de
direcionamento e estratégias organizacionais dentro da categoria genérica das organizações
governamentais de extensão. Neste sentido, cabe reconhecer que as organizações estaduais
estão sujeitas a um mecanismo complexo de financiamento e à distintos modelos de gestão
pública, o qual condiciona o direcionamento de sua atuação. Tal afirmação se faz com base no
reconhecimento de que, a depender da complementariedade entre múltiplas fontes de
financiamento, estas organizações devem atender, simultaneamente, a demandas de governos
federais, estaduais, municipais e de agricultores (e de suas representações). Ainda, o
direcionamento e estratégias organizacionais deste tipo de organização vêm sendo afetados
por reformas institucionais recentes. Observamos que as entidades que foram criadas como
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organizações relativamente especializadas em extensão e têm sido reformadas para se tornar
de um modo geral, setores em organizações mais complexas (e menos especializadas). Ou
seja, verifica-se tendência de reunir, em uma mesma organização pública, atribuições de
pesquisa e extensão com outros serviços de apoio ao desenvolvimento agrícola e rural.
Do mesmo modo que o observado no caso europeu, inferimos que as políticas públicas
podem também constituir um fator de potencialização da diferenciação interna nos tipos de
organizações contratadas como prestadoras de serviços. O estudo de Thomson, Borsatto e
Bergamaco (2021) permite uma maior aproximação aos condicionamentos instituídos pelo
instrumento “chamadas públicas de ATER”. As chamadas públicas impactam a autonomia
relativa das organizações prestadoras de serviços, com reflexos sobre as atribuições e
condições de trabalho do extensionista. Quanto à autonomia, o estudo aponta que se observam
diferenças associadas à forma como as organizações se posicionam frente aos requisitos
colocados pelas metas previstas nos contratos estabelecidos com o governo. Os autores
constataram que as organizações têm possibilidade de relativizar, em maior ou menor medida,
as restrições estabelecidas nos contratos quanto a eleição do público, a natureza da ação de
intervenção a ser realizada e as metas a serem alcançadas.
Quanto às condições de trabalho, os autores observaram que as organizações podem
também relativizar o poder normativo dos contratos quanto à definição dos encargos e
remuneração de cada extensionista (algumas vezes o alcance das metas foi tratado como
responsabilidade da organização, outras vezes como responsabilidade da equipe; e, em outras
situações como atribuição de cada extensionista, individualmente), observando-se ainda
posições diferenciadas em relação à utilização do valor estabelecido pelo contratante, como
parâmetro para remuneração extensionista. Embora se verifique certo poder discricionário das
organizações, os autores (2021, p. 13) apontam uma tendência geral de precarização dos
direitos associados aos vínculos de trabalho
vi
e, frequentemente, restrições na infraestrutura
colocadas à disposição do extensionista para realização de seu trabalho, observando-se
inclusive situações de dependência de infraestrutura de organizações estaduais
(governamentais) de extensão rural.
No caso brasileiro, uma significativa heterogeneidade interna no direcionamento e nas
estratégias organizacionais é também observada na categoria de organizações privadas. Esta
categoria, no Censo Agropecuário, é representada pelas empresas integradoras e empresas
privadas de planejamento, mas abrange um rol mais diversificado de organizações. Estudo de
Pereira e Castro (2021) permite identificar padrões de atuação tradicionais e inovadores de
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organizações ligadas ao agribusiness, permitindo certa associação com os resultados do
estudo de Veldhuizen et al. (2020).
Neste sentido, os autores observam que as agroindústrias (e outros compradores de
produtos da agricultura) tendem a estabelecer, tradicionalmente, contratos com agricultores.
Nestes casos, a extensão rural teria um direcionamento muito particular: “Neste modelo de
negócio, adotado e difundido por amplas áreas, o serviço de assistência técnica está
subordinado ao investimento específico, determinado pela processadora, que impõe as
condições de produção, demandando um acompanhamento da produção por parte de seus
funcionários” (Pereira & Castro, 2021, p. 39).
Considera-se que a extensão assume um direcionamento singular: “... a assistência
técnica tem um caráter bem distinto da Ater pública, configurando mais um serviço
terceirizado de controle produtivo.” (Pereira & Castro, 2021, p. 39). Entendemos que este tipo
de direcionamento pode ser verificado em situações de certificação de conformidade ou de
origem da produção agropecuária, processo que, por sua vez, vem sendo afetado pela
dinâmica de digitalização. Buainain, Cavalcanti e Consoline (2021) concedem atenção ao
impacto dos processos de digitalização nas dinâmicas de controle da produção. Os autores
destacam a tendência à utilização de sistemas digitais de rastreamento, sobretudo por
empresas que operam na compra de produtos da agricultura.
Pereira e Castro (2021) chamam igualmente a atenção para emergência de formas não
convencionais de “integração” entre atores do agribusiness, especialmente em regiões
dinâmicas. Segundo os autores, nestas regiões verifica-se o estabelecimento de contratos de
curto prazo entre produtores e empresas para aquisição/venda de commodities, mas que
implicam, geralmente, transações relativas à venda/utilização de insumos.
vii
De qualquer
modo, segundo os autores (2021, p. 40), nestas situações a intervenção direciona-se à questão
dos insumos (que constituem parte do negócio das tradings), de modo que “o serviço prestado
por essas empresas integradoras pode ser melhor caracterizado como assistência técnica por
meio de atividades de venda, pós-venda ou compras.”
Quando as estratégias das organizações que vendem insumos são analisadas sob uma
perspectiva tendencial, destaca-se o crescente uso de tecnologias digitais nas relações de
comunicação com agricultores e diferenciação do padrão da assistência técnica na
comercialização de tecnologias da agricultura digital. Segundo Buainain, Cavalcanti e
Consoline (2021, p. 24):
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A maioria das empresas que fornecem máquinas, equipamentos e insumos para a agricultura
incorporou, em suas estratégias mercadológicas, a capacitação do cliente para usar melhor a
tecnologia digital; as informações técnicas sobre o produto estão sendo mais bem trabalhadas
para facilitar a compreensão dos leigos e as redes de distribuição estão se reposicionando
para operar como pontos de informação, orientação e capacitação.
O conjunto de evidências reunidas até aqui remete a um cenário institucional
caracterizado pela diversidade de tipos de organizações atuantes na extensão rural e elevada
diferenciação interna potencial dentro de cada categoria. Assim, pressupõe-se elevada
heterogeneidade no campo de atuação extensionista, quando consideradas as especificidades
dos espaços sócio-ocupacionais.
Dinâmicas relativas à customização das referências normativas por espaço sócio-
ocupacional
Comentamos anteriormente que a história da extensão rural remete à atuação da
cooperação internacional que promoveu a disseminação de uma mesma institucionalidade,
como serviço governamental orientado à transferência de tecnologia. Para balizar a atuação
extensionistas foram elaborados documentos normativos – muitos dos quais no formato de
manuais – que, inspirados na experiência norte-americana, apresentaram os desafios da
atuação extensionista na transferência de tecnologias como relativos à “difusão de inovações”.
Apesar da ampla disseminação e consolidação relativa da “extensão difusionista” em âmbito
global, ela não constitui o único referencial normativo disponível para balizar a atuação
extensionista pois, a partir da constatação dos limites deste, desencadeou-se um processo de
discussão de alternativas, o qual vem se complexificando ao longo do tempo.
Neste sentido, argumentaremos que os movimentos em prol da renovação dos
referenciais normativos têm se diferenciado ao longo do tempo: inicialmente se destacavam
os movimentos orientados à construção de novos consensos abrangentes (como alternativas à
“extensão difusionista”) e, atualmente, têm ganhado maior visibilidade os movimentos que
perseguem a definição de referenciais normativos desenhados sob medida para espaços sócio-
ocupacionais específicos. Como fruto desta diferenciação de movimentos, a identificação dos
referenciais normativos vigentes requer levar em conta a convivência de referenciais
normativos genéricos e específicos.
Tendo em vista a complexidade do processo de elaboração e/ou proposição de
referenciais normativos alternativos para balizamento da atuação extensionista, dedicamos
esta seção a uma contextualização geral desta dinâmica para, na seção seguinte, identificar a
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elaboração/proposição de referenciais normativos específicos em âmbito global e,
posteriormente, caracterizar esta dinâmica no cenário brasileiro.
Em termos da contextualização do processo de renovação de referenciais normativos
genéricos, cabe reconhecer a amplitude teórico-metodológica do referencial da “extensão
difusionista”. Assim, quando tratamos dos referenciais normativos amplamente disseminados
em âmbito global, torna-se necessário chamar atenção para a relevância do referencial teórico-
metodológico da difusão de inovações (Rogers, 2003), que levou a denominação deste
modelo de “extensão difusionista”. Para reconhecer a teoria da difusão de inovações como um
referencial normativo convém destacar que esta fornece aportes teóricos para interpretação de
processos sobre os quais se deseja intervir (difusão e adoção de inovações), mas também
prescreve um padrão específico de atuação para o extensionista (considerado “agente de
mudança”) e indica meios que podem ser utilizados na promoção da difusão e adoção de
inovações.
Partindo da constatação dos limites das intervenções baseadas na “extensão
difusionista” na superação da pobreza rural, em meados da década de 1980 emergiu um
movimento em prol de um novo profissionalismo na extensão. Este movimento reivindicou
uma renovação paradigmática nos referenciais normativos da extensão rural. Queremos
chamar atenção para as contribuições de Robert Chambers na elaboração da crítica e
proposição dos termos da renovação paradigmática, como também na constituição de uma
rede de atores comprometidos com este processo (Musyoki, 2011).
Partindo de uma agenda explicitada em texto publicado ainda na década de 1980,
intitulado Normal Professionalism, New Paradigms and Development, Chambers (1986)
contribuiu sobretudo na problematização do componente ético-político normatizador do
comportamento do profissional do desenvolvimento e para a formulação de referenciais
técnico-instrumentais (com codificação de Rural Rapid Appraisal [RRA], Participatory Rural
Appraisal [PRA], Participatory Learning Appraisal [PLA], por exemplo). Cabe assinalar que
a disseminação deste movimento veio acompanhada da proposição de que ao extensionista
caberia a atribuição de “facilitador” dos processos implicados no desenvolvimento (Pretty et
al., 1995). A abordagem alternativa reivindicada passou a ser identificada como
“participativa” e foi apresentada como “novo consenso” em torno ao balizamento normativo
da atuação extensionista.
Esta abordagem foi promovida (em maior ou menor medida) por organizações de
cooperação internacional, influenciando os referenciais normativos das ONGs e a atuação de
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organizações governamentais em projetos com financiamento internacional em âmbito global.
Entendemos que a disseminação deste novo consenso dependeu, em cada contexto, do poder
de seus propositores e da pertinência social dos argumentos utilizados em sua justificação, ou
seja, maior adequação e sustentabilidade dos projetos quando a população local é envolvida e
maior correspondência com ideários da democratização e descentralização, que constituíam
aspirações relevantes em diversos contextos sociais na época.
Recentemente, este referencial genérico tem sido derivado para a geração de
referenciais temáticos relativos à inovação. Neste sentido, o interesse pela questão da
inovação na promoção do interesse público, quando aplicado a questões relativas à
sustentabilidade, levou ao reconhecimento da necessidade de geração de alternativas
tecnológicas que assegurem um melhor balanceamento de interesses públicos e privados; e
que se configure adequada às condições locais. Sob estes marcos considerou-se que a
participação do Estado no financiamento e promoção de processos interativos de inovação
assegura o alcance destes propósitos, uma vez que a colaboração entre um conjunto diverso de
atores permite o aproveitamento da complementariedade de diferentes tipos de conhecimentos
(científico, prático, organizacional etc.) e encaminhamento de processos colaborativos de
criação e decisão que resultam em soluções/oportunidades prontas para aplicar nos contextos
locais (EU SCAR AKIS, 2019).
A partir destas perspectivas, a União Europeia tem investido em processos interativos
de inovação (EU SCAR AKIS, 2019) e estes vem recebendo ampla atenção, com previsão de
aplicações das mais diversas. Observamos, neste contexto, a emergência de uma nova
proposta de referenciais normativos genéricos para atuação extensionista, que destaca o
potencial de sua atuação como broker (“articulador”). Esta seria uma das bases da proposta do
“novo extensionista” do Global Forum for Rural Advisory Services (GFRAS), conforme
apresentado por Sulaiman e Davis (2012).
Em outro movimento em prol de construção de novos consensos, emergente em meados
da década de 1990, alguns atores da cooperação internacional reposicionaram o foco de suas
atenções, passando a destacar a oportunidade do atendimento às demandas dos agricultores e
o fortalecimento dos vínculos com o mercado. Nestas circunstâncias observamos o
enfraquecimento do movimento em prol da mudança paradigmática nos termos originalmente
propostos por Chambers (1986) e a demanda pelo estabelecimento de referenciais normativos
com orientação distinta (conforme detalhamento apresentado na seguinte seção),
diversificando o conjunto de referências genéricas consensuadas disponíveis.
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A estes movimentos que buscam o estabelecimento de novos consensos amplos para a
renovação dos referenciais normativos genéricos, somam-se aqueles que têm buscado elaborar
e propor referenciais específicos (customização). Neste sentido, entendemos que à adoção de
modelos pluralistas cria um ambiente propicio para este tipo de movimento. Bernet et al.
(2001) entende que o desenvolvimento de referenciais específicos se apresentou como uma
necessidade tendo em vista que as restrições nos recursos públicos constituíram uma forma de
pressão para priorizar intervenções e ajustar abordagens metodológicas e instrumentos de
apoio às condições específicas do contexto de intervenção.
Considerando a especificidade das problemáticas que se tornam foco da intervenção e o
modelo institucional do pluralismo (onde o Estado contrata terceiros para a execução das
ações), a definição de referências normativas específicas por temática mostrou-se
particularmente desejável por seu potencial de qualificar a intervenção em questões
(temáticas) específicas e também por mostrar-se adequada às situações de intervenção via
programas e projetos focalizados, sobretudo quando implementada via contratação de
terceiros. Neste sentido, o financiador pode utilizar estes frameworks para especificar sua
demanda e o provedor de serviços pode utilizá-los para orientar-se quanto à especificidade da
demanda do contratante.
Na extensão rural o emprego do termo customização é ainda relativamente raro, pois
poucos estudos o utilizam explicitamente (Tefera et al., 2021), sendo um pouco mais
frequente o uso do termo “tailorização”, com significado próximo àquele de “customização”,
como observado em Sulaiman e Blum (2016), Bitzer et al. (2016) e Zabko e Tisenkopfs
(2022).
Em nosso estudo, a utilização do termo customização remete a uma dinâmica
caracterizada pelo reconhecimento da necessidade de superação da adoção de uma
caracterização genérica das atribuições e condições de atuação extensionista como base para a
definição de referentes normativos. Parte-se do reconhecimento da necessidade de
especificação dos referenciais normativos nas dimensões ético-políticas, teórico-metodológica
e técnico-instrumental para que a atuação do extensionista corresponda às expectativas e
condições daquele que o contrata. Ou seja, nas seções seguintes trataremos de reunir
evidências em torno das questões: estaria havendo codificação de referências normativas (de
caráter prescritivo) para balizar a atuação extensionista para cada um dos espaços sócio-
ocupacionais em formação? Para que tipo de situações (espaços sócio-ocupacionais) estão se
estabelecendo referências normativas específicas?
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Tendo em vista o caráter incipiente da pesquisa nesta perspectiva, nos limitaremos a
identificar referenciais normativos que alcançam maior publicização (no meio acadêmico e
político), o que tende a constituir um viés em favor da ênfase em propostas alternativas
desenhadas para governos, mais do que para organizações privadas.
Dinâmicas relativas à customização das referências normativas: âmbito global
Na abordagem das proposições de referenciais normativos específicos para a extensão
rural, vamos enfatizar um conjunto de contribuições emergentes no âmbito dos espaços de
discussão da cooperação internacional. Entendemos que a abordagem desta dinâmica é
favorecida quando partimos do pressuposto de que, neste âmbito, há uma tendência à
definição de referenciais normativos por temática. Ao fazer esta delimitação, tendemos a
enfatizar referenciais relacionados à agenda das políticas públicas, caracterizando uma
tendência à customização segundo o conteúdo do programa ou projeto. Iniciamos, assim, com
análise das evidências que sustentam uma tendência de definição de referenciais normativos
específicos relativos à renovação da ampliação temática da agenda pública e, posteriormente,
no tratamento da questão técnico-produtiva.
Observamos que o processo de definição de referenciais por temática ganhou maior
projeção a partir das discussões sobre a intervenção extensionista para superação da pobreza,
por exemplo. Nesta temática encontramos três documentos balizadores da discussão no
âmbito do Grupo Neuchâtel/GFRAS: Extension, Poverty, and Vulnerability (Inception
Report, 2001), Extension, Poverty, and Vulnerability (Final Report, 2002) e Common
Framework for Supporting Pro-Poor Extension (2003), os quais vêm sendo atualizados
(Lacayo, 2011).
No conjunto dos esforços posteriores de diferenciação de referenciais normativos
destacamos a abordagem das temáticas de gênero; mudança climática e segurança alimentar e
nutricional que, por vezes, justificam projetos e programas focalizados e, em outras situações,
são tratados como temas transversais. No conjunto imensurável de documentos e propostas
elaboradas em torno destas temáticas, destacamos algumas que foram marcos relevantes para
discussões posteriores. Neste sentido, além de manifestações formais de distintas
organizações de cooperação sobre o tema de gênero, destacamos uma iniciativa do GFRAS de
identificação de iniciativas de construção de consensos e proposição de agenda sobre o tema e
publicação de documentos orientadores de boas práticas (Colverson, 2015). O tema das
mudanças climáticas, por sua vez, tem recebido atenção de diversas agências de cooperação,
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explorando-se as eventuais consequências desta agenda para a extensão. Kamruzzaman et al.
(2020) realizaram uma revisão das discussões em torno das implicações da inclusão da
mudança climática para as organizações de extensão, concluindo que tal agenda coloca a
necessidade de assumir novos mandatos organizacionais, agendas, papeis e estratégias. A
vinculação da extensão rural com agenda da nutrição vem sendo estudada por diversas
organizações e motivou a publicação de um documento sobre boas práticas pelo GFRAS
(Fanzo, 2015, Kachelriess-Matthess et al., 2016).
Ao tratar das tendências de customização em relação à questão técnico-produtiva, a
centralidade histórica que esta questão assume na agenda pública do desenvolvimento
agrícola/rural faz com que diversos atores procurem atualizar os referenciais normativos para
abordá-la. Observamos que a discussão recente sobre essa questão tem sido conduzida sob
marcos mais atentos ao contexto institucional de intervenção extensionista, caracterizando
uma divisão de papel entre setor público/privado ou entre diferentes tipos de organizações
(Eastwood, Klerkx & Nettle, 2017). Sob estes marcos, o interesse pela questão técnico-
produtiva tem repercutido em “releituras” em torno de três temáticas específicas: do
assessoramento técnico para tomada de decisões; da adaptação tecnológica para a agricultura
familiar e o tema do aprendizado/inovação, apresentado na introdução desta seção.
Consideramos que a questão do assessoramento técnico para a tomada de decisão
ganhou destaque de modo consoante aos processos de privatização e valorização da
orientação à demanda. Em termos gerais, muitos autores referem a extensão orientada à
demanda como inversão do modelo de transferência de tecnologia, caracterizado como
extensão orientada pela oferta. À medida que cresceu o interesse das organizações de
cooperação pelo tema, foram elaborados referenciais normativos como o documento
intitulado Demand Driven Agricultural Advisory Services (Chipeta, 2007), consensuado no
âmbito do Neuchâtel Group. Neste, procura-se definir parâmetros para balizar a atuação de
diferentes atores em atendimento às demandas, especialmente de pequenos e médios
agricultores. Define-se “demanda” como aquilo que os agricultores solicitam, necessitam e
valorizam, de tal modo que se veem dispostos a investir seu tempo e seus recursos em seu
atendimento (Chipeta, 2007). Assim, observamos um reconhecimento de que o
assessoramento técnico é um componente dos processos de mudança tecnológica (e
gerenciais), que deve ser preferencialmente orientado à demanda; e quando este resulta
predominantemente em benefícios privados (ao agricultor) pode ser considerado atividade
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preferencialmente exercida por agentes privados (de modo que o agricultor passa a ser visto
como cliente e não mais beneficiário do serviço).
Por outro lado, um conjunto de estudos relativos à questão tecnológica tem mostrado
que restrições de adequação das tecnologias aos contextos e ao perfil dos agricultores vem
limitando sua adoção. Então, a questão da diferenciação das condições dos agricultores
passou a receber maior atenção e vem sendo acompanhada de uma discussão sobre a
necessidade de “tailorização” da extensão para a agricultura familiar, considerando-se sua
diferenciação interna (Sulaiman & Blum, 2016, Bitzer et al., 2016). Neste contexto preconiza-
se a adequação dos conteúdos da recomendação técnica e dos serviços ofertados às
necessidades e condições dos agricultores e ressalta-se, consequentemente, a importância de
realizar esforços em prol da adaptação tecnológica.
Identificamos que esta discussão tem avançado mediante estabelecimento de uma
interface com debates relativos à construção de referenciais normativos para potencializar
relações de pequenos e médios agricultores com o mercado, como abordado no documento
intitulado Common Framework on Market Oriented Agricultural Advisory Services (Chipeta,
Christoplos & Katz, 2008) – referente normativo desenvolvido para o Neuchâtel Group, que
vem sendo aprimorado por outros pesquisadores. Considerando que este público tem
dificuldades para arcar com custos de serviços privados para adaptação tecnológica,
considera-se a oportunidade de que estes serviços sejam prestados por organizações de
produtores ou pelo Estado, utilizando-se este referencial para interpretação dos desafios da
questão tecnológica especialmente em países pobres.
Por fim, o exame das reconfigurações da atuação extensionista no contexto da
digitalização da agricultura tem revelado que este processo se mostra complexo, pois implica
o exercício de novos e diferenciados papeis em condições particulares, que podem derivar na
proposição de referenciais normativos específicos. Observa-se que o extensionista pode
prestar serviços especializados demandados pelos agricultores, relativos à utilização de
determinados instrumentos e aplicativos. Tais instrumentos e aplicativos geralmente requerem
habilidades específicas oriundas de conhecimento de hardwares, softwares e, sobretudo,
capacidade de interpretação de dados complexos; de identificação dos riscos, de suas
contribuições potenciais para a tomada de decisão em contextos locais e a tradução destas
questões para o agricultor (Fielke, Taylor & Jakku, 2020, Eastwood et al., 2019).
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Dinâmicas relativas à customização das referências normativas: caso brasileiro
A abordagem dos processos de customização de referenciais normativos para balizar a
atuação extensionista no contexto brasileiro requer que se identifiquem os referenciais que,
historicamente, foram disseminados e os movimentos que buscam renová-los.
Neste sentido, no Brasil a cooperação técnica norte-americana teve influência tanto na
definição da institucionalidade (conforme abordado em seções anteriores) quanto do
referencial normativo balizador da atuação extensionista. Assim, de modo semelhante ao
observado em âmbito global, o referencial normativo da difusão de inovações assumiu
particular relevância no contexto brasileiro, mostrando-se funcional para a política pública de
desenvolvimento agrícola do governo brasileiro de modernização da agricultura no pós-
guerra.
Seguindo a dinâmica observada em âmbito global, em meados da década de 1980 já se
reconheciam os limites deste referencial e se reivindicava a proposição de alternativas a ele.
Ao resgatar brevemente os processos de elaboração e proposição de referenciais normativos
alternativos para a extensão rural no Brasil, evidenciam-se as contribuições da sociedade civil
organizada (movimentos sociais e ONGs), dos governos e, mais recentemente, de
organizações vinculadas ao setor privado.
O exame das contribuições da sociedade civil organizada na proposição de referenciais
normativos alternativos mostra-se extremamente relevante para o caso brasileiro. Tal
afirmação é feita, tendo em vista que, partindo de uma visão crítica sobre a atuação do Estado
na promoção da modernização da agricultura, estes atores buscaram incorporar referenciais
alternativos autóctones e/ou gerados no âmbito da cooperação internacional e os traduziram e
aperfeiçoaram tendo em vista seu projeto político e a realidade local – definindo um consenso
relativo em torno à oportunidade da educação popular. Dentre os atores da sociedade civil
organizada identificados com a educação popular e que contribuíram para sua construção,
destacamos a atuação de movimentos sociais relacionados à questão agrária e de ONGs de
desenvolvimento rural.
Autores que tratam da origem da educação popular indicam a possibilidade de
identificar o protagonismo de um grupo de atores que, ao longo de sua trajetória, buscou
superar posturas assistencialistas em favor de perspectivas de transformação social e
contribuiu para as formulações iniciais de propostas de educação crítica e organização
popular. Consideram que, ao se integrar a um movimento maior, de abrangência latino-
americana, esse grupo de atores contribuiu para o estabelecimento de propostas que vieram a
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ser disseminadas e reconhecidos como “educação popular” (Jara Holliday, 2020; Brandão &
Vasconcelos, 2020; Carrillo, 2011).
Posteriormente, movimentos sociais reconheceram a oportunidade destas propostas,
aprimorando-as, de modo que se constituiu um corpus (ético-político, teórico-metodológico e
instrumental) de referência, e sempre em evolução. Assim, conforme indicam Brandão e
Vasconcelos (2020, p. 18), a educação popular não se apresenta como um corpus homogêneo,
pois: “... tendo em Paulo Freire e em Pedagogia do Oprimido um sujeito autoral e um
repertório propositivo claro e convincente de princípios, preceitos e práticas pedagógicas, a
Educação Popular emergiu a partir de uma interação aberta e dialógica de pessoas e de seus
coletivos sociais e políticos”.
Movimentos sociais, com destaque ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), tiveram relativo protagonismo na criação de espaços e condições para a prática da
educação popular no rural brasileiro. Do mesmo modo, o MST é frequentemente associado à
proposição e institucionalização, no âmbito governamental, de políticas públicas de
“educação do campo”. Conforme argumentam Kominkiewicz e D’Agostini (2018), o
processo de institucionalização implicou em uma diferenciação da proposta educativa original
do MST, destacando-se a perda do caráter de classe da educação, presente na formulação
original.
As ONGs de desenvolvimento rural constituem um outro ator que tem exercido um
papel importante na disseminação e renovação da educação popular no Brasil. Como fruto de
sua institucionalidade (com destaque à influência da cooperação internacional no
financiamento de sua atuação), os referenciais normativos das ONGs tendem a conjugar
influências diversas. Ao mesmo tempo em que há uma identificação com os aportes teórico-
metodológicos da tradição da educação popular (Silva, 2022); há evidências de incorporação
de aportes gerados no âmbito das agências de cooperação internacional com as quais estas
organizações se relacionam. Quanto a estes, destaca-se que as ONGs de desenvolvimento
rural se mostraram particularmente sensíveis à reflexão em torno ao “novo profissionalismo”
(anteriormente caracterizado) e às “metodologias participativas”, por exemplo.
Ainda, a articulação das ONGs em torno do movimento agroecológico, a disposição à
sistematização e troca de experiências tem subsidiado uma dinâmica de aprendizado em rede,
que tem potencial de possibilitar a diferenciação e “enraizamento” dos referenciais
normativos nos contextos, culturas, projetos locais/territoriais ou regionais. Ao mesmo tempo,
a disposição ao aprendizado a partir de experiências internacionais leva à aproximação de
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codificações metodológicas como a metodologia “Campesino a campesino” (Val & Rosset,
2020). Para compreender a trajetória das ONGs, entretanto, julgamos importante reconhecer o
destaque que, historicamente, conferiram à questão tecnológica na agricultura (tecnologias
alternativas), que explica a afinidade à Agroecologia. Ou seja, o engajamento das ONGs de
desenvolvimento rural na luta socioambientalista as aproximou da Agroecologia que passou a
constituir um alicerce para a construção de sua identidade e aperfeiçoamento de suas
propostas de intervenção (Brandemburg, 1999; Dias, 2004).
Segundo apontam Ferrari e Oliveira (2019, p. 1), embora os dois movimentos (MST e
movimento agroecológico) “se vinculem à mesma base social e comunguem princípios
comuns”, apresentam trajetórias históricas de construção de propostas que transcorrem em
paralelo, com pouca interação entre as organizações que as promovem. A disposição recente
das organizações a uma maior aproximação manifesta-se, por exemplo, na publicação da obra
Dicionário de Agroecologia e Educação (Dias et al., 2021, p. 13) que:
... vem ao encontro das necessidades e expectativas dos educadores e educadoras das escolas
do campo, inseridos(as) em processos de lutas junto aos movimentos populares, de articular
a Agroecologia com o projeto político pedagógico das escolas e desenvolver seus
fundamentos junto aos conteúdos escolares.
Ao tratar da construção de referenciais normativos específicos, convém chamar atenção
para um movimento internacional de valorização das contribuições destes atores. Ao tratar da
formalização de referenciais normativos na interface entre educação popular e agroecologia,
cabe observar que as experiências de educação do campo popular realizadas no Brasil têm
recebido atenção por serem consideradas possível base para uma proposta de “educação dos
sistemas agroalimentares” (Meek & Tarlau, 2016; Anderson et al., 2019; Rivera-Ferre et al.,
2021). Partindo do reconhecimento da relevância das crises no sistema agroalimentar e de que
os movimentos sociais têm investido, cada vez mais, na educação como estratégia de
transformação social, Meek e Tarlau (2016), por exemplo, propõem um framework para
identificar a proposta de Critical Food Systems Education (CFSE). Segundo os autores (2016,
p. 241) trabalha-se com uma expectativa de que o desenvolvimento de “subjetividades
transgressivas”, que pode contribuir para promoção de movimentos de base em torno à
agricultura alternativa e, por esta via, transformar o sistema alimentar.
Como comentado anteriormente, algumas das propostas construídas por atores da
sociedade civil são, eventualmente, incorporadas pelos governos, mas é necessário reconhecer
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que a especificidade da demanda governamental pode colocar o governo como protagonista
no desenvolvimento de referenciais normativos alternativos.
Quando buscamos identificar as contribuições do governo brasileiro na geração de
referenciais normativos alternativos para a extensão rural, é necessário iniciar a análise
destacando a importância assumida pelo processo de “repensar” da extensão rural no início da
década de 1980. Neste sentido, a crise da política de modernização da agricultura, em um
contexto de democratização política, repercutiu no reconhecimento da oportunidade de
promoção de novos referenciais normativos por parte da coordenação do sistema nacional de
extensão. Conforme descrição de Caporal (2009, p. 7) com o “repensar da extensão rural”
buscou-se romper com o “... modelo meramente difusionista e mecanicista das práticas de
transmissão do conhecimento ...”. Neste contexto:
... a entidade maior da Extensão Rural Brasileira, deu um giro de 180 graus no seu enfoque
de atuação na área, incorporando algo que – reconheça-se – nunca mais deixou de estar
presente nos debates sobre ATER – a noção de ‘educação libertadora’ de Paulo Freire, João
Bosco Pinto, Diáz Bordenave e tantos outros seguidores.
Outro momento histórico a ser destacado quando se recupera a contribuição do governo
para a definição de referenciais normativos alternativos para a extensão, remete a proposição
da “extensão rural agroecológica”, vinculada à PNATER. Este movimento retomou a
identificação com aportes da educação popular manifestada durante o “repensar” e indicou a
oportunidade da perspectiva da transição agroecológica enquanto estratégia de
desenvolvimento rural. Ao redigir um documento intitulado Bases para uma Política
Nacional de Formação Extensionista, Caporal (2009, p. 8) explica a orientação geral
perseguida, que seria a de promover o fortalecimento da agricultura familiar mediante:
“...uma ação tecnicamente qualificada, mas com uma intervenção dialógica e construtivista.
Mais do que tudo, uma práxis democrática e de orientação libertadora, com foco no conceito
de uma “Extensão Rural Agroecológica”. Assim, com a PNATER, concedeu-se atenção
especial à questão do modelo tecnológico a ser promovido, o que aproximou a política
pública ao acúmulo oriundo da diversidade de experiências das ONGs de desenvolvimento
rural na construção de agriculturas alternativas. Complementarmente, neste processo, houve
um esforço para qualificar a “pedagogia de ATER”, que resultou no reforço à uma perspectiva
freiriana, manifesta no documento “Fundamentos teóricos, orientações e procedimentos
metodológicos para a construção de uma pedagogia de ATER” (MDA, 2010).
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Apesar das contribuições relacionadas à construção de um referencial normativo para a
PNATER, devemos inseri-las em um movimento mais amplo de especificação de referenciais
normativos por temática, para possibilitar uma atuação extensionista focalizada em
atendimento a uma agenda pública de desenvolvimento bastante ampliada. Para compreender
tal dinâmica convém recuperar que a extensão rural é considerada um dos instrumentos da
política de desenvolvimento rural e esta, por sua vez, componente da política de
desenvolvimento nacional. Assim, a proposição de promoção do “desenvolvimento rural
sustentável e solidário” se refletiu em uma agenda ampliada que se traduziu em elevada
diversidade temática das chamadas públicas de extensão rural (Diesel & Dias, 2016). Ao
definir referenciais normativos específicos para estas chamadas públicas conforme seu
conteúdo (temáticas) ou para públicos específicos (Dias, 2004a), consideramos que o governo
também contribuiu para os processos de customização na extensão rural, em diálogo com os
processos de customização em curso no âmbito global.
Embora o formato de implementação da PNATER por meio de chamadas públicas
continue em vigência, mudanças de governo em 2019 relativizaram os referenciais
normativos elaborados nos governos anteriores e favoreceram a internalização de referenciais
normativos de atores mais alinhados com orientação político-ideológica do novo governo,
como assinalam Diesel et al (2021). Tais dinâmicas levaram a conceder maior projeção
política a propostas como a da ATEG (Assistência Técnica e Gerencial). O resgate da
trajetória de tal proposta remete à perspectiva de atores vinculados ao setor privado. Sob estes
marcos, além de uma atuação de assistência técnica própria por parte de agroindústrias
integradoras e daquela vinculada à comercialização de insumos, identificamos uma atuação
do Sistema S no treinamento de trabalhadores rurais, que se expande recentemente mediante
investimento em desenvolvimento de referências normativas específicas para a extensão rural,
dando origem à proposta de ATEG (SENAR, 2021). Neste sentido, se os atores relacionados
aos movimentos sociais e ONGs tenderam historicamente a considerar a atuação extensionista
do sistema governamental como excessivamente conservadora (em termos políticos), outros
atores a consideraram inadequada para atender as demandas dos segmentos mais dinâmicos
do agronegócio, por subestimar o potencial das estratégias de desenvolvimento baseadas em
aperfeiçoamento, inovação tecnológica e/ou vinculação ao mercado.
A conjuntura específica da pandemia da COVID-19 contribuiu para a maior atenção ao
potencial da mediação digital, repercutindo no fomento à geração de referenciais específicos
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para ATER digital, o que se traduz em propostas formuladas por organizações estaduais de
ATER (EMATER/MG, 2020) e por acadêmicos (Lopes et al., 2022).
Uma retrospectiva dos processos de proposição de referenciais normativos para o
sistema governamental de extensão, nos remete às coalisões políticas de sustentação dos
governos e, por esta via, à predisposição para incorporação de propostas desenvolvidas fora
da institucionalidade estatal, pelos atores que, em cada momento histórico, passam a
constituir a base política de apoio do governo. Por outro lado, agendas e projetos políticos
governamentais, ampliados e inovadores, resultam na constituição de demandas específicas
pela identificação, formulação e disseminação de referenciais normativos para contemplá-las.
A Figura 1 apresenta uma síntese didática desta dinâmica de geração de referenciais
normativos específicos e relevantes para a política pública nacional no Brasil, salientando as
interações entre atores com vistas ao compartilhamento de referenciais. Ou seja, a Figura 1
procura situar, de modo sintético e didático, o contexto de emergência e trajetória histórica de
algumas das principais propostas de atores do terceiro setor (ONGs e movimentos sociais), do
governo (sistema público) e de entidades vinculadas ao setor privado (como as componentes
do Sistema S), bem como identificar movimentos de aproximação e convergência de atores
(em torno de determinadas propostas).
Figura 1 - Organizações, suas agendas e propostas de intervenção (1960/2022).
Fonte: elaboração própria.
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A abordagem da dinâmica de customização no caso brasileiro concedeu ênfase especial
à identificação de referenciais normativos relativos à política pública de extensão rural. A
partir desta delimitação, reconhecemos a seletividade dos referenciais mencionados em nossa
análise. Para entender a pluralidade de referenciais normativos emergentes haveria de ser
considerada a contribuição da diversidade de atores potencialmente atuantes na extensão
rural. Reconhecemos que este resgate não remete às contribuições de organizações públicas
de pesquisa agropecuária (sobretudo reconhecendo o maior investimento destas na pesquisa
aplicada, inovação e transferência de tecnologia para pequenos agricultores) e de atores do
agronegócio.
De qualquer modo, a análise conduzida nesta seção evidencia que o desenvolvimento de
referenciais normativos alternativos não decorre de um evento específico, apresentando-se,
via de regra, como um processo no qual participam incontáveis atores, se renovando no
tempo. Ainda, evidencia-se que, para entender os processos orientados à renovação dos
referenciais normativos balizadores da atuação extensionista é necessário considerar, de modo
semelhante ao realizado nas seções anteriores, a complementariedade entre movimentos
orientados à construção de consensos genéricos e aqueles orientados ao desenho de
referenciais apropriados para espaços sócio-ocupacionais específicos. A análise desta
dinâmica evidencia que, enquanto em alguns casos observa-se um esforço de construção de
um referencial normativo genérico, para derivar referenciais específicos a partir dele, noutros
casos observa-se iniciativa orientada à generalização de referenciais normativos gerados para
atores e condições específicas. Tais observações ressaltam a complexidade da dinâmica de
proposição de referenciais normativos para balizamento da atuação extensionista e as
limitações do esforço realizado no presente estudo, indicando a oportunidade de investigações
mais aprofundadas sobre a questão.
Diversificação, diferenciação, customização e o ensino da Extensão Rural
Nesta seção buscaremos explorar as possíveis interfaces entre as dinâmicas observadas
no campo de atuação extensionista e no ensino de extensão rural no Brasil. Ao iniciar a
abordagem destas interfaces convém reconhecer que estamos tratando de institucionalidades
distintas: os espaços sócio-ocupacionais extensionistas e a educação superior. Por estarem
sujeitas a lógicas próprias, estas institucionalidades podem ter interfaces débeis. Por outro
lado, cabe reconhecer que, tradicionalmente, as organizações de pesquisa agropecuária, de
extensão rural e de ensino (universidades, majoritariamente públicas) foram consideradas
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como parte de um sistema nacional (e público) de inovação, cujos componentes deveriam
operar sob mesmo direcionamento. Explica-se, assim, a ocorrência de reiterados esforços para
articular o ensino da extensão rural com as demandas das organizações públicas de extensão
rural.
Ao observarmos o caráter público da institucionalidade constituída, percebemos os
vínculos potenciais das organizações de extensão e, por essa via do ensino, com as políticas
de desenvolvimento rural e de desenvolvimento econômico nacional. É possível elucidar,
assim, as manifestações históricas dos vínculos entre ensino e as políticas públicas, agendas
governamentais e modelos institucionais. Isso nos leva a questionar qual seria o alcance das
reformas que preconizam a adoção de uma institucionalidade pluralista para a extensão rural e
problematizar suas possíveis repercussões para o ensino.
Iniciamos resgatando como se manifestaram, historicamente, as interfaces entre as
dinâmicas institucionais na extensão rural e o ensino. Em um segundo momento exploramos e
problematizamos as possíveis implicações das mudanças na institucionalidade da extensão em
favor da adoção de modelos pluralistas. Por fim, ponderamos sobre possíveis
interdependências entre ensino e atuação extensionista nos espaços sócio-ocupacionais
identificados.
As interfaces entre modelos institucionais e o ensino de extensão
Em termos gerais, a história das organizações de extensão no Brasil, no pós-guerra,
remete ao papel estruturante de um projeto nacional de desenvolvimento econômico que
previa uma contrapartida de “modernização da agricultura”. Para sua efetiva viabilização, foi
consolidada uma institucionalidade pública governamental, preconizando-se a adoção de um
enfoque teórico-metodológico difusionista como base para definição de um referencial
normativo balizador da atuação extensionista nas organizações governamentais. Sob este
desenho, o ensino de extensão rural adquiriu caráter instrumental na viabilização deste
projeto, tendo sido orientado para a formação de um perfil profissional de extensionista
compatível com o enfoque difusionista.
O movimento crítico emergente na década de 1980 (“repensar da extensão rural”),
colocou em questão o projeto nacional de desenvolvimento econômico, de modernização da
agricultura e a atuação das organizações governamentais de extensão. Conforme caracterizado
na seção sobre customização, ao destacar a prioridade da democratização na constituição da
agenda do projeto nacional, esse movimento promoveu o reconhecimento da oportunidade de
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promover perspectivas emancipatórias e referenciais teórico-metodológicos freirianos para
balizar a atuação extensionista das organizações públicas governamentais de extensão rural.
Ao explorar as implicações deste movimento para o ensino, cabe observar que ele
trouxe consigo a proposição de uma nova orientação para a disciplina de extensão rural.
Considerou-se oportuno que a disciplina revisitasse criticamente a experiência histórica de
modernização da agricultura e o referencial teórico-metodológico da difusão de inovações,
enfatizando potencialidades e requisitos da opção por orientações emancipatórias na atuação
extensionista, o que a aproximou da perspectiva e dos aportes da educação popular.
Mais adiante, no início dos 2000, sob agenda progressista, que preconizava avanços em
termos de desenvolvimento rural sustentável e solidário, com base na agricultura familiar,
constituiu-se a PNATER como novo marco normativo para as políticas públicas de extensão
rural e, consequentemente, para atuação das organizações públicas. Essas dinâmicas
implicaram a renovação dos esforços para revisão do ensino de extensão rural, o que está na
origem da constituição do Fórum Nacional de Professores de Extensão Rural (Camargo, Thies
& Vargas, 2022).
Naquele contexto político, o Fórum promoveu o I Seminário “O estado da arte do
ensino de extensão rural”, realizado em Itamaracá-PE em 2008 (Camargo et al., 2008). O
documento político do evento, ao sintetizar os debates realizados, reconhece que:
... faz-se necessário que surjam novos projetos político pedagógicos para os diversos cursos
comprometidos com questões contemporâneas da ecologia, da complexidade, da produção
sustentável, da inserção social e do diálogo com o conhecimento tradicional. Que estes
projetos reorientem a formação profissional de modo que estes venham a se comprometer
com as diversidades étnicas, sociais e dos agroecossistemas, fortalecendo as estratégias da
agricultura familiar e a transição para produção em bases agroecológicas (Carta de
Itamaracá, 2008).
Este posicionamento político propôs um aprofundamento e “atualização” da perspectiva
freiriana, em sintonia com a agenda da promoção da transição agroecológica prevista na
PNATER. Estudos realizados evidenciaram que os docentes e o ensino de extensão rural, de
um modo geral, se mostravam relativamente permeáveis à nova conjuntura do
desenvolvimento rural (incorporando temas relativos ao reconhecimento da heterogeneidade
social no meio rural, da relevância da problemática ambiental, como também a agenda de
promoção da transição agroecológica), mas que isso não vinha ocorrendo de modo
sistemático (Callou et al., 2008).
Convém reconhecer, por fim, a especificidade da atual conjuntura, na qual o modelo
pluralista apresenta-se como uma opção e uma tendência. Essa conjuntura, na extensão rural
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brasileira, é caracterizada pela retração da ação estatal com consequente fragilização da
política federal. A PNATER também é fragilizada em decorrência da institucionalidade
descentralizada, financiada e gerenciada por governos estaduais. Ou seja, identificamos
adoção de algumas estratégias administrativas e gerenciais que vêm transformando o
ambiente institucional-normativo da extensão rural pública, constituindo um cenário em que
estratégias diversas de descentralização, focalização, territorialização de ações, intervenção
por projetos e atuação especializada por temas estão presentes. Cabe, então, analisar em que
medida essa tendência pode ser considerada desejável, quais as alternativas colocadas em
cena e as prováveis implicações para o ensino de extensão rural.
As traduções e implicações do modelo pluralista para o ensino da extensão rural
Para avaliar as traduções e implicações do modelo pluralista para o contexto do ensino
da extensão rural, adotamos uma perspectiva normativa para a análise, ou seja, optamos por
partir do reconhecimento dos vínculos históricos da extensão rural com a institucionalidade
pública e, por esta via, com os interesses públicos no âmbito do desenvolvimento rural. Isto
significa reconhecer e pontuar que as tendências analisadas são portadoras de uma questão
radical: o “dever-ser” da ação extensionista. O ethos profissional deveria ser orientado a
oferecer que tipo de resposta à questão agrária contemporânea? A questão agrária é aqui
compreendida como a luta pela hegemonia do projeto de mudança ou desenvolvimento das
realidades agrícola e rural.
Neste contexto, o pluralismo poderia ser interpretado como correspondente a uma opção
de orientação política e por um modelo de Estado (gerencialista), sustentados numa
determinada representação da sociedade (inerentemente plural). Podemos partir das
contribuições de Rocha (2005, p. 13) para entender as implicações do pluralismo, como teoria
política sobre as políticas públicas:
Tomando a terminologia da abordagem sistêmica, são as demandas e apoios (inputs) dos
grupos de pressão que vão delinear as políticas públicas (outputs). O governo e suas políticas
são vistos como resultado dos inputs vindos da sociedade. O Estado é considerado como algo
neutro, cuja função é promover a conciliação dos interesses que interagem na sociedade,
segundo a lógica do mercado.
Ao Estado atribui-se, pelo viés do gerencialismo administrativo (Paula, 2005), e em um
cenário de privatização dos serviços públicos, um papel subsidiário e a função de coordenar a
execução terceirizada de prestação de serviços. Para os defensores do pluralismo na extensão
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rural, ele é considerado desejável, pois permite contemplar a diversidade das necessidades e
da vida rural a partir de uma multiplicidade de serviços, abordagens e provedores –
implicando seleção das organizações e dos “métodos” considerados mais adequados para cada
situação (Heemskerk & Davis, 2012, p. 194). Neste caso, promove-se significativa
diversificação de referenciais normativos à ação extensionista ao preconizar-se orientação
best fit, ao mesmo tempo em que se precarizaram as condições de trabalho. Entendemos que
tais observações remetem à amplitude da noção de pluralismo institucional, que não se limita
à pluralidade de organizações (e as condições de trabalho que possibilitam), mas abrange a
legitimação da diversidade de posições em relação às dinâmicas ambientais, sociais, políticas
e econômicas; e consequentemente de direcionamento e de abordagem da ação de extensão.
Podemos explorar as implicações da adoção de um modelo pluralista ao considerar a
dinâmica da execução de contratos por meio de chamadas públicas. Esta configura espaços
sócio-ocupacionais para lidar com intervenções focadas em temas específicos e
operacionalizadas via projetos. Tais dinâmicas tem consequências políticas, como alerta
Iamamoto (2009, p. 4) ao tratar do profissionalismo no Serviço Social, que afirma que os
espaços sócio-ocupacionais:
... contêm elementos simultaneamente reprodutores e superadores da ordem, abrangendo
tanto os espaços ocupacionais resultantes da ação do empresariado e de segmentos
específicos da sociedade civil, quanto os derivados da implementação das políticas sociais de
Estado e os acionados pela direção das organizações das classes trabalhadoras, todos eles
sujeitos ao impacto das tensões de classe, através de mediações específicas.
Sob estes marcos, ao se eximir de assumir agendas progressistas orientadas ao
desenvolvimento rural sustentável, o Estado gerencialista não prioriza agentes e não
problematiza demandas, o que pode ser considerada uma postura questionável em sociedades
caracterizadas por grandes desigualdades sociais, nas quais os agentes com maior poder
orientam-se à reprodução ampliada em um sistema capitalista que não internaliza impactos
ambientais e sociais nas tomadas de decisão. Do exposto, considerando-se a realidade
brasileira, deriva-se que no atual contexto seria desejável que o Estado se posicionasse
politicamente, apoiando projetos de desenvolvimento e de extensão compatíveis com
interesses públicos ao longo prazo, analisando criticamente as contribuições potenciais dos
diferentes agentes e a legitimidade de suas demandas.
No caso do desenvolvimento e extensão rural, de um modo geral, o contexto atual pode
ser caracterizado pelas lutas políticas em torno das dinâmicas de desenvolvimento agrícola e
rural (Wilkinson, 2022), que se refletem na agência de organizações e profissionais que
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propõe políticas e/ou enfrentam o cotidiano da atuação profissional nos mais diversos
contextos e condições de trabalho (Landini, 2021).
Embora os projetos e propostas dos distintos atores traduzam, em parte, a perspectiva e
os desafios relacionados à posição específica que ocupam na sociedade, é possível (e
conveniente para nossa análise) agrupá-los, para os fins de nossa análise, segundo o caráter
conservador ou progressista de suas propostas. Entendemos que tal demarcação torna-se
necessária para evidenciar que uma postura predominantemente gerencialista do Estado
implicaria favorecimento da dinâmica econômica e social de desenvolvimento rural apoiada
pelos grupos mais poderosos.
No limite, observa-se posturas conservadoras podem ser associadas à defesa da
estandardização customizada do modelo difusionista de transferência de tecnologia,
advogando a necessidade de integração de segmentos das agriculturas familiares e tradicionais
ao Consenso das Commodities (Svampa, 2020). Apesar da diversidade de manifestações,
estas posturas embasam ações extensionistas que têm em comum o fato de valorizar a
prescrição das intervenções, abrindo espaço para elementos de adaptação à demanda (do
público, dos contextos, dos temas), preservando, no entanto, a essência do difusionismo – ao
tratar a tecnologia como mercadoria e mediadora da integração de agricultores a mercados de
consumo de bens e serviços agropecuários. Do mesmo modo, abordam os processos de
mudança social para fins de manutenção das relações de dependência, de modo a favorecer a
acumulação de capital pelas corporações do agronegócio. Neste caso opera-se a diversificação
de espaços sócio-ocupacionais privados, ampliando “mercados de trabalho” aos extensionistas
que passam a prestar assessoramento técnico a agroindústrias e empresas agropecuárias. Neste
cenário podem ser identificadas posturas favoráveis à customização como observado na
atuação do SENAR, com a criação, em 2013, do Programa de Assistência Técnica e Gerencial
(ATEG) que, ao reforçar os fundamentos do gerencialismo, agrega ao componente
difusionista o referente “empreendedorismo” ao projeto de modernização das agriculturas
familiares.
Neste sentido, o ensino de extensão rural informado por este referente projeta ao
exercício profissional uma dimensão ético-política que posiciona, de modo geral, o
profissional no reforço às estratégias de expansão do agronegócio, apoiando produtores e
agricultores para a inclusão produtiva. Os espaços sócio-ocupacionais dos extensionistas,
nesta perspectiva, são diversos, mas caracterizados em geral pela noção de mercantilização da
prestação de serviços de assistência técnica e extensão rural, secundarizando, dentre outros
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aspectos, perspectivas críticas relativas aos direitos. Neste caso, o ensino se aproxima da
educação corporativa (Castro & Eboli, 2013), sendo a ele atribuída a responsabilidade de
gerar competências para o fortalecimento de capacidades para modernização técnica e
gerencial dos agricultores. Presume-se que, neste caso, a abordagem de referenciais
normativos desenhados para espaços sócio-ocupacionais específicos seja um indicador de
efetivação da desejável vinculação do ensino ao mercado de trabalho.
Em contraposição às posturas conservadoras, identificam-se aquelas de caráter
transformador, que são adotadas por atores que perseguem projetos de desenvolvimento rural
capazes de promover avanços em termos de equidade social e sustentabilidade e empreendem
processos de diferenciação e customização da ação extensionista que se fundamentam em
ideários emancipatórios ou solidários (Sachs, 2020).
Este segundo tipo de postura, com enorme diversidade interna, parte da renovação
paradigmática que, a partir dos 1980, reivindicou a necessidade de um “novo
profissionalismo” e é aqui caracterizada como um movimento com potencial transformador.
Ele trouxe à cena, dentre outros elementos, a necessidade de os extensionistas desenvolverem
capacidades e competências críticas para compreender as intencionalidades políticas que
fundamentam suas intervenções sociais, principalmente ao elaborar a crítica sobre questão
tecnológica orientada pelo referente da transferência de tecnologias.
Neste sentido, as experiências com educação popular (Carrillo, 2017) e agroecologia
(Souza, 2017), embora diversas e plurais, representam referências importantes à renovação
transformadora da ação extensionista, trazendo ao componente formativo (intra e extra-
acadêmico) um conjunto de referenciais ético-políticos que tencionam o ensino de extensão
ao politizar a ação extensionista. Isto é, trata-se de uma vertente que propõe anúncios e
denúncias do projeto político conservador para a transformação do agro brasileiro, que se
instituiu por meio de reiterados ciclos de modernização agrícola, degradação ambiental e
reprodução de desigualdades sociais – projeto de sociedade e desenvolvimento que opera
historicamente como legitimador dos interesses das classes dominantes (Mendonça, 2012).
Para alcançar a crítica pretendida:
Os movimentos sociais reivindicam que nos programas de formação de educadoras e
educadores do campo sejam incluídos o conhecimento do campo, as questões relativas ao
equacionamento da terra ao longo de nossa história, as tensões no campo entre o latifúndio, a
monocultura, o agronegócio e a agricultura familiar; conhecer os problemas da reforma
agrária, a expulsão da terra, os movimentos de luta pela terra e pela agricultura camponesa,
pelos territórios dos quilombos e dos povos indígenas. Conhecer a centralidade da terra e do
território na produção da vida, da cultura, das identidades, da tradição, dos conhecimentos...
Um projeto educativo, curricular, descolado desses processos de produção da vida, da cultura
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e do conhecimento estará fora do lugar. Daí a centralidade desses saberes para a formação
específica de educadoras e educadores do campo. (Arroyo, 2007, p. 167).
Neste sentido, o ensino de extensão rural informado por este tipo de postura projeta ao
exercício profissional uma dimensão ético-política que o aproxima da população rural
historicamente marginalizada e reivindica o compromisso do Estado com os direitos sociais e
os patrimônios socioambientais. O espaço sócio-ocupacional dos extensionistas, nesta
perspectiva, é o das políticas públicas, seja em organizações governamentais ou em outros
tipos de organizações que implementam ações públicas com este tipo de compromisso. Neste
caso, ao ensino atribui-se a responsabilidade da criação de competências para o conhecimento
das realidades sociais de intervenção, configurando uma dimensão teórico-metodológica que
permita um exercício profissional comprometido com projetos emancipatórios e solidários.
De modo coerente, este referente à formação implica definição dos componentes da dimensão
técnico-operativa que permitam uma ação extensionista educativa e dialógica. Partindo deste
tipo de postura, tende-se a manifestar uma avaliação crítica à customização, ao interpretar que
está se associa à intervenção via projetos focalizados, pouco democráticos. Por outro lado,
entendemos que é possível que no futuro a customização seja percebida de forma distinta,
sobretudo se for considerada em sua dimensão epistemológica – enquanto um processo que
traz à tona a complexidade da intervenção social em temáticas e contextos específicos.
Consideramos, assim, que os referenciais normativos para ação extensionista são
múltiplos, concorrentes e enraizados em princípios ético-políticos, balizadores do exercício
profissional. Ensinar extensão rural na academia, nesta conjuntura, requer, como fundamento
básico, a interpretação crítica das diferentes propostas institucionais em cena para que
docentes e discentes consigam compreender as consequências e os desdobramentos de
modelos e referenciais normativos forjados, mobilizados e acionados pelos distintos atores
que configuram institucionalidades e espaços sócio-ocupacionais em que a extensão rural é
exercida. Partindo do suposto de que as disputas políticas se manifestam de formas
particulares em cada contexto, o ensino poderia diferenciar-se segundo os agentes e
estratégias abordadas, mas perseguindo sempre a coerência com a postura em favor dos
interesses públicos em longo prazo.
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O que esperar das contribuições do ensino de extensão rural para o exercício
profissional nos diferentes espaços sócio-ocupacionais?
Argumentamos sobre a possibilidade de que a ocorrência de processos de customização
(Lampel & Mintzberg, 1996) possa ser percebida como estratégia geral em direção à recriação
do profissionalismo, sob influência da diversidade de demandas institucionais – manifestas
nas políticas públicas e nas políticas corporativas – e das demandas sociais, veiculadas em
temas, questões e reinvindicações de organizações de movimentos sociais, segmentos e
setores que representam interesses corporativos. Ao analisar a “formação extensionista”, por
sua vez, é importante pontuar que as experiências formativas não se restringem ao âmbito
acadêmico. Não há, no Brasil, uma formação profissional que forneça titulação ao
extensionista.
O “aprender-fazendo” e o aprendizado informal são destacados por Brodeur et al.,
(2011) como uma evidência da insuficiente formação acadêmica. Esta é geralmente referida
como excessivamente “teórica” e, por isso, em muitas situações, “desconectada da realidade”
de intervenção (Kuehne & Lewellyn, 2017). Há um reconhecimento da importância do
aprendizado informal e vivencial para a prática profissional (Landini, 2021). O aprendizado
pela prática ocorre em diálogo com as demandas laborais cotidianas, com os conhecimentos
de extensionistas mais experientes (Thorton et al., 2003) e com os referenciais normativos e a
cultura organizativa dominante no espaço sócio-ocupacional em que o profissional exerce
suas atividades. Ao analisar a ação extensionista, este fato confere importância à necessidade
de compreensão dos processos de “formação em serviço” e “capacitação” como ambientes
privilegiados para o aprendizado do “fazer extensionista”. Estas experiências extra-
acadêmicas enunciam a enorme diversidade de propostas pedagógicas e o envolvimento de
inúmeros sujeitos que são chamados à participação destes esforços de capacitação para o
desenvolvimento de competências necessárias ao exercício profissional nos diferentes espaços
sócio-ocupacionais (Gollo & Oliveira, 2021).
Partindo desta perspectiva, tende-se a observar limites evidentes no potencial de
formação profissional a partir de disciplinas especificas inseridas na matriz curricular. No
caso da disciplina extensão rural, ela é apenas um dos conteúdos curriculares de cursos das
Ciências Agrárias, não havendo obrigatoriedade de sua existência com esta nomenclatura,
embora o conteúdo “extensão rural” deva estar obrigatoriamente presente nos currículos. O
diagnóstico sobre a limitação da formação é confirmado pelo fato de a disciplina ter uma
reduzida carga horária, apresentar desconexão com as demais áreas de formação das ciências
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agrárias e geralmente não se articular teórica e de modo prático com outras disciplinas da área
socioeconômica (Callou et al., 2008). Este fato evidencia o cenário de uma formação
acadêmica em que ocorre o encadeamento, em uma sequência curricular, de disciplinas com
temáticas diversas com ausência de eixos articuladores que permitam superar a fragmentação
de conteúdos, fato que permitiria que a extensão rural alcance organicidade na totalidade da
formação. Estas características explicam as manifestações recorrentes sobre o isolamento da
disciplina, a formação compartimentalizada e a sobrecarga de conteúdo como resposta à
deficiência no tratamento, ao longo da formação acadêmica, de temas pertinentes às ciências
sociais (Gorman, 2019).
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A partir do reconhecimento destas diferentes limitações, reforça-se a noção de que não
cabe atribuir ao ensino de extensão (enquanto disciplina específica) responsabilidades na
formação das competências necessárias para o desempenho profissional “customizado” aos
diferentes espaços sócio-ocupacionais identificados. Neste sentido, parece mais plausível
pressupor que a disciplina pode ter um importante papel na elucidação de como processos
educativos (envolvendo agricultores) são acessados por diferentes agentes com vistas a
realização de seus interesses nos processos de desenvolvimento relacionados ao agro (Deponti
e Almeida, 2012).
Do mesmo modo, a partir das problematizações realizadas, justifica-se ênfase na
identificação crítica de propostas que atendam interesses públicos de longo prazo – com
elucidação de seus referenciais normativos em diálogo com a realidade regional. Mesmo
assim, há de se ter clareza dos limites da formação propiciada no âmbito de uma disciplina em
relação a competências específicas requeridas para exercício profissional sob os diferentes
perfis.
Avaliamos que o cenário atual é sobremodo complexo para o docente. A reação ao
padrão tradicional é multifacetada. As identidades profissionais se tornaram mais fluidas e as
práticas ainda mais diversificadas. Esta dinâmica também remete à diversidade de propostas
de mudança e intervenção em cena, assim como a variedade de espaços sócio-ocupacionais
em que os extensionistas podem atuar. Sob estas circunstâncias, embora a incorporação da
pluralidade de referenciais normativos possa parecer a opção mais fácil e “democrática”,
possivelmente não favorecerá avanços almejados em termos de equidade social e
sustentabilidade.
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i
No corpo do artigo optamos pelo emprego preferencial do termo extensão rural para nos referir ao nosso objeto
de estudo. Estamos optando, portanto, por uma abordagem genérica ao englobar sob esta denominação a
assistência técnica, assistência técnica e extensão rural (ATER) e os equivalentes anglófonos agricultural
extension and advisory services, agricultural advisory services ou advisory services, entre outros. Entretanto, em
casos de citação bibliográfica, buscamos apresentar o termo específico utilizado pelo autor consultado.
ii
Ao longo do texto utilizamos o termo “transferência de tecnologia” em seu sentido genérico que remete as
ações de viabilização da aplicação (pelo agricultor), de informações/ conhecimentos/ tecnologias/inovações
geradas pelas organizações de pesquisa. Não nos referimos, portanto, à complexidade das significações recentes
assumidas num contexto de negócios tecnológicos, conforme abordado por Dereti (2009).
iii
Embora possamos apresentar esta caracterização genérica, é necessário reconhecer a adoção de orientações
especificas em alguns contextos e a variação destas ao longo do tempo. Historicamente, na agricultura paulista
distinguiu-se “fomento”, “assistência técnica” e “extensão rural”, remetendo à diversidade de orientações
(Reydon, 1989). Rodrigues (1997), por sua vez, apresenta uma distinção de fases na orientação da política
pública que tem sido amplamente referendada. De todo modo, o engajamento destas organizações na
implementação da política nacional de modernização da agricultura é destacado como central na construção da
representação social hegemonica da atuação da extensão rural no Brasil.
iv
O “Sistema S” é um conjunto de organizações corporativas, vinculadas a entidades de representação patronal,
financiadas com recursos oriundos de uma contribuição compulsória de 2,5% sobre a folha de pagamento das
empresas brasileiras. Compõem o Sistema S: Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai); Serviço
Social do Comércio (Sesc); Serviço Social da Indústria (Sesi); e Serviço Nacional de Aprendizagem do
Comércio (Senac). Existem ainda os seguintes: Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar); Serviço
Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo (Sescoop); e Serviço Social de Transporte (Sest).
v
Cabe ponderar que o instrumento de levantamento de dados permitia que o entrevistado indicasse a
possibilidade de uso de mais de uma fonte de orientação técnica, razão pela qual estes percentuais devem ser
relativizados.
vi
Segundo Thomsom et al (2021, p.13): “Em todos os casos analisados, os extensionistas foram contratados
como prestadores de serviço autônomos pelas entidades executoras dos serviços de Ater, comumente como
Pessoa Jurídica. Os extensionistas não usufruíam de direitos a contribuições previdenciárias, décimo terceiro e
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férias. Também não trabalhavam com qualquer garantia de estabilidade, podendo o contrato de trabalho ser
rompido a qualquer momento pela contratante, sem multa rescisória.”
vii
Pereira e Castro (2021) diferenciam os contratos denominados “barter” daqueles denominados “soja verde”.
Ambos implicam determinada participação das tradings (ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus, por exemplo) na
oferta de insumos (responsabilizando-se pelo pagamento do insumo usado pelo agricultor – caso do barter – ou
pelo fornecimento do mesmo (caso “soja verde”).
viii
Tendo em vista a constatação destes limites, para além do ensino de extensão rural, em uma perspectiva
histórica, observa-se que houve uma tendência de diferenciação de propostas de intervenção para atender
projetos (políticos) diferenciados, o que repercutiu na definição de referenciais e idealização de processos de
formação diferenciados. A expansão do ensino tecnológico e superior (presencial e à distância) nas últimas
décadas resultou na incorporação destas propostas no ensino formal realizado com financiamento público. Assim
atribuições que podem ser identificadas genericamente como de extensão, podem estar compondo o campo de
atuação de um conjunto diverso de profissionais. Em nosso entender se trata, de certo modo, parte de um
processo de customização.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 28/08/2022
Aprovado em: 10/11/2022
Publicado em: 19/12/2022
Received on August 28th, 2022
Accepted on November 10th, 2022
Published on December, 19th, 2022
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
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Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Diesel, V., Dias, M. M., & Neumann, P. S. (2022). A customização da Extensão Rural e suas implicações para o ensino. Rev.
Bras. Educ. Camp., 7, e14800. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14800
ABNT
DIESEL, V.; DIAS, M. M.; NEUMANN, P. S. A customização da Extensão Rural e suas implicações para o ensino. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 7, e14800, 2022. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14800
