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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14924
Educação Ambiental em Comunidades Tradicionais
Rurais da Região Sul do Rio Grande do Sul
Ottoni Marques Moura de Leon1, Karine Ferreira Sanchez2,Maiara Moraes Costa3, Diuliana Leandro4,
Larissa Medianeira Bolzan5, Fábio Andre Mayer6
1 Universidade Federal de Pelotas UFPEL. Centro de Desenvolvimento e Tecnologia, Programa de Pós-Graduação em
Recursos Hídricos. Rua Gomes Carneiro, 01 Andar térreo, bloco B, Sala 122, Bairro Centro. Pelotas - RS, Brasil. 2 Rede
Municipal de Ensino do Rio Grande. 3, 4, 5 Universidade Federal de Pelotas UFPEL. Centro de Engenharias, Programa de
Pós-Graduação em Ciências Ambientais. 6 Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia CAPA.
Autor para correspondência/Author for correspondence: ottonibaixo@gmail.com
RESUMO. O presente estudo trata de averiguar se o projeto
“Morando Bem no Quilombo”, financiado pela Caixa Federal,
executado pelo Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia
(CAPA), que ocorreu nos anos de 2018 e 2019, possui os
preceitos da educação ambiental e promoveu soluções
sustentáveis. O trabalho teve como objetivo identificar a
existência da educação ambiental no âmago do projeto
“Morando Bem no Quilombo”. Para atingir os objetivos do
presente trabalho a metodologia utilizada se deu através da
realização de reuniões e rodas de conversa com a comunidade, o
que permitiu informar sobre o processo de execução do projeto
“Morando Bem no Quilombo”. A pesquisa teve como resultado
que o projeto em questão promoveu discussão sobre a sua
proximidade com o campo da educação ambiental. Foi possível
chegar à conclusão de que o projeto contemplou os princípios de
uma educação ambiental libertadora, pois buscou gerar
conhecimento, sustentabilidade, autonomia e empoderamento.
Palavras-chave: agroecologia, sustentabilidade, comunidades
quilombolas, segurança alimentar, segurança hídrica.
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Environmental Education in Rural Quilombos in the
Southern Region of Rio Grande do Sul
ABSTRACT. The present study aims to ascertain whether the
"Morando Bem no Quilombo" project, funded by Caixa Federal
and implemented by the Center for Support and Promotion of
Agroecology (CAPA) in 2018 and 2019, aligns with the
precepts of environmental education and fosters sustainable
solutions. The objective of this research was to identify the
presence of environmental education within the "Morando Bem
no Quilombo" project. To achieve this goal, the methodology
involved conducting meetings and organizing conversation
circles with the community, providing insights into the
execution process of the Morando Bem no Quilombo project.
The research results indicate that the project sparked discussions
regarding its alignment with the field of environmental
education. It can be concluded that the project embraced the
principles of liberating environmental education by aiming to
generate knowledge, sustainability, autonomy, and
empowerment.
Keywords: agroecology, sustainability, traditional rural
communities, food security, water security.
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Educación Ambiental en Quilombos Rurales de la Región
Sur de Rio Grande do Sul
RESUMEN. El presente estudio tiene como objetivo determinar
si el proyecto "Morando Bem no Quilombo", financiado por
Caixa Federal y ejecutado por el Centro de Apoyo y Promoción
de la Agroecología (CAPA) en 2018 y 2019, cumple con los
preceptos de la educación ambiental y promueve soluciones
sostenibles. El propósito de este trabajo fue identificar la
existencia de educación ambiental en el corazón del proyecto
"Morando Bem no Quilombo". Para lograr los objetivos de este
trabajo, la metodología utilizada consistió en llevar a cabo
reuniones y círculos de conversación con la comunidad, lo que
permitió informar sobre el proceso de ejecución del proyecto.
Los resultados de la investigación indican que el proyecto
estimuló discusiones sobre su alineación con el campo de la
educación ambiental. Se pudo concluir que el proyecto abrazó
los principios de una educación ambiental liberadora, ya que
buscó generar conocimiento, sostenibilidad, autonomía y
empoderamiento.
Palabras clave: agroecología, sostenibilidad, comunidades
quilombolas, seguridad alimentaria, seguridad hídrica.
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Introdução
A promoção da educação ambiental está diretamente ligada à melhoria da qualidade de
vida. Não existe qualidade de vida sem ambiente saudável, visto que a qualidade ambiental
pode afetar diretamente a saúde humana em vários níveis. Essa necessidade da ampla difusão
da educação ambiental em vários espaços está diretamente ligada a alguns fatores históricos
da humanidade, que buscaram a tomada de consciência ambiental para manutenção da espécie
humana com qualidade de vida com o equilíbrio do meio ambiente.
Na década de 1940 houve, por parte da comunidade científica, a constatação da
existência de uma crise ambiental, e nas décadas de 1960 e 1970 ocorreram alguns eventos de
importância global que coloram em pauta a crise ambiental (Ventura & Sousa, 2010). Essa
agenda política mundial fez com que as questões ambientais passassem a ser uma
preocupação não apenas de um pequeno número de militantes, mas sim da população de
maneira geral (Reigota, 2017).
Para Trein (2012), estão intimamente ligados à ascensão do capitalismo a
mercantilização do trabalho humano e dos recursos naturais. A mercantilização dos recursos
naturais e do trabalho humano atinge as comunidades tradicionais rurais principalmente
colocando-os às margens do agronegócio tradicional, logo, existe a necessidade de gerar
condições para essas comunidades exercerem suas atividades com qualidade de vida e
responsabilidade ambiental. Para atingir tal objetivo a promoção da educação ambiental é
imprescindível. A educação ambiental é efetivada através de um processo contínuo que
envolve a busca por soluções sustentáveis (Dias & De Oliveira Dias, 2003).
No Brasil, conforme o Programa Nacional de Educação Ambiental - PNEA (Brasil,
2005), a educação ambiental deve ser promovida de maneira transdisciplinar. A
transdisciplinaridade faz com que a educação ambiental seja promovida de forma complexa,
abrangente e inclusiva, tais características acabam contribuindo para que projetos que não
possuem como escopo a educação ambiental possam também promover a educação
ambiental.
Nessa pesquisa buscou-se analisar a existência e a eficiência de projetos que atendessem
comunidades tradicionais na região Sul do Rio Grande Sul para promoção da educação
ambiental. Nesse sentido encontrou-se o projeto “Morando Bem no Quilombo”, idealizado e
executado entre os anos de 2018 e 2019 pelo núcleo de Pelotas da fundação Centro de Apoio
e Promoção da Agroecologia (CAPA) e financiado pela Caixa Econômica Federal. A
fundação CAPA iniciou suas atividades no ano de 1979 possuindo como principal objetivo
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promover a agricultura orgânica e familiar (CAPA, 2020); de forma a desenvolver ações
socioambientais. Loch, Salzer e Nardi (2018) fazem uma relação entre o início da instituição
com os movimentos mundiais, em direção da busca de um ambiente mais sustentável,
ocorridos na década de 1970.
A fundação CAPA é uma fundação filiada à Igreja Evangélica de Confissão Luterana, e
possui por missão promover a agroecologia em conjunto com a agricultura familiar, e por
consequência, promover a saúde humana, social e ambiental (CAPA, 2020). O CAPA está
presente nos estados de Santa Catarina, Rio Grande do Sul e Paraná, e os núcleos atendem
suas cidades sedes e cidades vizinhas. E possui um importante papel na promoção da
agroecologia, sustentabilidade e do acesso às políticas públicas entre as comunidades
tradicionais rurais e as comunidades de produtores rurais familiares da região sul do Rio
Grande do Sul.
Enfatiza-se que no sul do estado do Rio Grande do Sul existem muitos Quilombos que
trabalham com produção rural de alimentos, destinada à subsistência e também para
comercialização. Nos últimos anos alguns projetos de cunho agrícola e social foram
executados junto a essas comunidades pelo CAPA, entre eles o projeto “Morando Bem no
Quilombo”. Esse projeto teve como objetivo promover a segurança alimentar, hídrica,
reforçar vivências culturais e o protagonismo feminino em quatro Quilombos da região sul do
estado do Rio Grande do Sul. Intentando promover essas pautas que promovem educação
ambiental multidisciplinar. Visto que a educação, de qualquer natureza, é completa quando
gera autonomia, quando possibilita ao indivíduo tomar decisões importantes tendo por base
seus próprios critérios, gerando capacidade crítica (Reigota, 1995). Neste contexto, a
educação ambiental crítica não deve separar cultura e natureza, ciência e filosofia dominante,
ela deve possuir a capacidade de autocrítica, reconhecer erros, inseguranças e incertezas são
características de um processo de transformação da realidade e constituição do sujeito
(Loureiro, 2007).
Ainda nesse contexto, deve lembrar que a educação ambiental crítica deve fomentar a
autocrítica, fazendo com que as pessoas não sejam problematizadoras, mas sim uma fonte de
solução, que se inicia analisando os próprios atos (Loureiro, 2007). É muito importante que a
vida humana seja sustentável de maneira complexa, envolvendo todas as suas partes, pois
como citado por Loureiro (2007) não deve existir separação entre natureza e cultura; e a
educação ambiental crítica exige um trânsito transdisciplinar e a compreensão de elementos
micro e macro, em que seu trabalho pedagógico orientado pela sustentabilidade. Sato e
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Carvalho (2009) apresentam sustentabilidade como um conceito que prioriza a vida, não a
vida humana, mas a vida em sua totalidade, através da promoção do equilíbrio.
O presente estudo levanta a hipótese de que o projeto “Morando Bem no Quilombo”,
cujos principais objetivos foram gerar segurança hídrica, alimentar e promover o
protagonismo feminino nos Quilombos da região sul do Rio Grande do Sul, possua as
características fundamentais inerentes à promoção da educação ambiental e que essas ações
de educação promovem melhoria de qualidade de vida dessas comunidades. O projeto foi
financiado pelo Fundo Social da Caixa e realizado pelo núcleo do sul da fundação CAPA, e
ocorreu em quatro Quilombos da região sul do estado do Rio Grande do Sul nos anos de 2018
e 2019.
A pesquisa teve por objetivo principal identificar a existência da educação ambiental no
âmago do Projeto “Morando Bem no Quilombo”. A justificativa do estudo diz respeito à
importância da multidisciplinaridade da educação ambiental, visto que esta pode estar contida
em projetos que não a possuem como escopo principal. Neste contexto, está inserido o projeto
“Morando Bem no Quilombo”, que possui como foco principal a promoção da segurança
alimentar e hídrica para comunidades tradicionais rurais, onde a educação ambiental está
atrelada ao projeto de maneira indireta. Este é um tema relevante por ressaltar a característica
multidisciplinar da educação ambiental, e de como nela estão contidas diversos saberes, ações
e disciplinas diferentes.
Metodologia
Para o desenvolvimento do presente estudo foi realizada uma análise exploratória
qualitativa, com dados coletados por meio de uma revisão bibliográfica e documental. A
pesquisa exploratória visa proporcionar maior conhecimento do problema a ser estudado,
torná-lo mais explícito ou favorecer a construção de hipóteses. As pesquisas exploratórias são
bastante abrangentes, mas geralmente consiste em pesquisa bibliográfica ou estudo de caso
(Gil, 2002).
O estudo utilizou a revisão bibliográfica e documental como forma de coleta de dados.
A obtenção dos dados permitiu caracterização das comunidades estudadas do projeto
“Morando Bem no Quilombo”. Por meio desses dados coletados, foi possível acessar a
metodologia e os resultados do projeto “Morando Bem no Quilombo”, compreender e discutir
os resultados.
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O estudo apresenta entre os seus tópicos: 1) Caracterização das áreas e das comunidades
integrantes do projeto, onde é realizada a descrição das áreas nas quais o projeto foi
executado, trazendo um breve relato sobre as comunidades. 2) Metodologia do Projeto
Morando Bem no Quilombo, apresenta a estrutura de execução do projeto “Morando Bem no
Quilombo”, etapa na qual são descritas brevemente as ações contidas no projeto. 3)
Resultados e discussões onde são desenvolvidas as discussões acerca dos dados bem como
colocadas as conexões das ações com a bibliografia pertinente. 4) Considerações sobre o
Projeto Morando Bem no Quilombo, onde são desenvolvidas relações aprofundadas sobre o
projeto e a educação ambiental. 5) considerações finais.
Caracterização das áreas e das comunidades integrantes do projeto
O projeto foi realizado em uma ação em conjunto que uniu a equipe do CAPA do
núcleo da cidade de Pelotas e as comunidades quilombolas da região, e buscou respeitar todas
as características culturais inerentes a essas comunidades. Os Quilombos possuem uma
história de luta, entre essas lutas está também à luta pelo reconhecimento da sua existência.
Miranda e Da Silva (2020), relatam que na Constituição Federal de 1988 os territórios dos
Quilombos, rurais e urbanos, foram reconhecidos legalmente pela primeira vez. O Artigo 2 do
decreto 4.887, do ano de 2003, traz a definição da identidade quilombola:
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto,
os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica
própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra
relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida. Art. 2, Decreto 4.887, do ano de
2003 (Brasil, 2003).
Os Quilombos são muito numerosos no Brasil, a Fundação Cultural Palmares (2021),
afirma que existem 3.471 comunidades quilombolas distribuídas nas mais diversas regiões do
Brasil, na somatória total das comunidades o mero de habitantes ultrapassa a quantia de
dois milhões. No estado Rio Grande do Sul, segundo os dados expostos pelo Atlas
Socioeconômico do Rio Grande do Sul (2020), as comunidades quilombolas totalizam o
número de 146, cerca de 90% dessas são reconhecidas pela Fundação Cultural Palmares.
O projeto “Morando Bem no Quilombo” foi realizado em quatro quilombos da região
sul do estado do Rio Grande do Sul e sua ocorrência se deu nos dois semestres do ano de
2018 e de 2019. Os Quilombos que integraram o projeto foram: 1) O Quilombo do Algodão,
que no ano de 2010 foi reconhecido pela Fundação Cultural Palmares e é atualmente
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composto por mais de duzentas famílias (Schneider, 2016); 2) O Quilombo do Cerro das
Velhas, localizado no município de Canguçu, com cerca de 45 famílias que integram a
comunidade (Hearter, 2012); 3) O Quilombo do Monjolo, localizado no município de São
Lourenço do Sul que é integrado por cerca de 25 famílias (CAPA, 2010); 4) O Quilombo do
Tio que fica localizado no município de Santana da Boa Vista e possui cerca de 40
famílias (CAPA, 2010).
Os quatro Quilombos que integraram o projeto são localizados em áreas de difícil
acesso, as famílias relatam que algumas crianças precisam caminhar cerca de dez quilômetros
até chegar à parada de ônibus para esperar a condução escolar. São localidades distantes de
centros urbanos e para acessá-los é necessário percorrer um caminho extenso de estrada de
chão, fato que dificulta o deslocamento em dias ou períodos de chuva.
As famílias quilombolas que integraram o projeto possuem pequenas propriedades e
vivem da produção local de alimentos, produzidos, basicamente, para subsistência sendo,
sempre que possível comercializado o excedente. São comunidades marcadas pela agricultura
familiar, porém existem integrantes das comunidades que para completarem a renda básica
exercem outras atividades econômicas, como trabalhar em outras propriedades rurais ou em
atividades ligadas à construção civil.
Metodologia do Projeto Morando Bem no Quilombo
O projeto “Morando Bem no Quilombo” foi idealizado pela Fundação Centro de Apoio
e Promoção da Agroecologia (CAPA), núcleo de Pelotas, e na sua execução houve a
participação ativa dos integrantes das comunidades quilombolas. O projeto “Morando Bem no
Quilombo” enfatizou a promoção da segurança hídrica, alimentar e o protagonismo feminino
nos quilombos do Sul do Rio Grande do Sul com a participação ativa dos moradores e esses
possuindo poder de decisão em todas as esferas do projeto. Durante a sua execução, na etapa
das reuniões, foram promovidas atividades de educação ambiental não formal. Outra
importante promoção proveniente do projeto, foi a segurança hídrica, propiciada através de
construções de proteção de nascentes, o que possibilitou a canalização de água potável até as
residências.
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Figura 1 - Fluxograma das etapas das atividades desenvolvidas com a comunidade.
Fonte: Desenvolvido pelos autores, 2021.
O primeiro contato da equipe do CAPA com as comunidades quilombolas foi através de
reuniões, nas quais houve: roda de conversa; apresentação das etapas do projeto; explicação
sobre o protagonismo das mulheres frente ao projeto; apresentação das melhorias em relação à
segurança hídrica e alimentar a serem implantadas. Esses contatos se estenderam ao longo dos
dois anos de projeto. Nos primeiros meses de execução do projeto as reuniões eram mensais,
nos meses seguintes elas se tornaram mais espaçadas, pois houve a necessidade de realizar
visitas individuais.
Nesse primeiro contato foi reforçada a importância da sustentabilidade, durante as
reuniões os técnicos abordaram essa temática, trazendo à superfície a relevância da agricultura
orgânica. Também foram desenvolvidas atividades de educação ambiental não formal com a
comunidade. Entre elas, a promoção de uma gincana com as crianças da comunidade, com
atividades como: coletar o resíduo sólido, descartado de maneira indevida na área do
Quilombo; roda de capoeira e brincadeiras, e roda de conversa onde foi posto em pauta as
questões ambientais.
No segundo contato da equipe do CAPA com as comunidades, as reuniões, realizadas
no formato de roda de conversa, tiveram o objetivo de iniciar a tomada de decisão; nas quais
as comunidades puderam definir os locais onde os benefícios seriam implantados: as hortas,
quintas, sistema de proteção de fontes e a agrofloresta.
Durante essas reuniões houve espaço para a comunidade, principalmente os anciões,
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explicarem quais espécies de árvore ou arbustos eram mais importantes para a comunidade.
Essa explicação era baseada na sabedoria local sobre segurança alimentar e medicina não
convencional.
A equipe do CAPA realizou reuniões para entrega de mudas e sementes de árvores
frutíferas para todas as famílias integrantes do projeto. Todos os benefícios recebidos de
forma individual pelas famílias foram assinados pelas mulheres que as representavam. Houve
também reuniões direcionadas para jovens e crianças, nas quais foram promovidas aulas de
música, capoeira e gincanas ecológicas, nas quais as crianças tinham por propósito juntar os
resíduos espalhados no entorno das sedes das comunidades.
Em relação ao Sistema de Proteção de Nascente Caxambu, foram construídas oito
proteções de nascentes pelo projeto, sendo distribuídas duas em cada Quilombo. O Sistema de
Proteção de Nascente Caxambu é de construção simples e necessita de insumos de baixo
custo para a sua construção. Traz como benefício aumentar a segurança hídrica, fator de
extrema importância para as comunidades rurais participantes do projeto, pois grande parte
das famílias das comunidades em questão utilizavam águas oriundas de nascentes
descobertas, estando expostas a diversas formas de contaminações diferentes, causando
enfermidades aos que consomem a água contaminada. O Sistema de Proteção de Nascente
Caxambu consiste no fechamento do local da nascente, onde o acesso à água seja feito através
dos canos instalados no sistema de proteção, tal característica evita fontes de contaminações,
principalmente as contaminações oriundas de dejeto animal.
Os integrantes da comunidade foram convocados pela equipe do CAPA para ajudar na
implantação de todos os Sistemas de Proteção de Nascente Caxambu. Dessa forma, o
conhecimento da construção e instalação ficou nas comunidades, passado através da
explicação dos técnicos e da prática, na qual todos puderam participar na etapa de instalação
do sistema.
Além da instalação, os técnicos responsáveis tiraram dúvidas das pessoas das
comunidades e davam consultoria sobre outras situações relacionadas à segurança hídrica.
Nesse momento, também houve a promoção da importância das espécies arbóreas nativas
para a conservação das nascentes.
Durante todo o período da ocorrência do projeto foram realizadas visitas técnicas dos
agrônomos que integram a equipe do CAPA às comunidades, que além de implantar a
agrofloresta, horta e quintal, auxiliaram tecnicamente na produção agrícola de maneira geral.
Fato que contribuiu com o sucesso do objetivo de promover a segurança alimentar nos
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quilombos.
O projeto buscou, para além dos benefícios diretos, gerar conhecimento sobre segurança
hídrica e alimentar para promover a sustentabilidade nas comunidades, buscando sempre
melhorar a qualidade de vida. Outra abordagem presente no projeto “Morando Bem no
Quilombo” foi a averiguação do acesso a políticas públicas que são de direito das
comunidades.
Para marcar o término do projeto foi promovido um evento que reuniu as comunidades
Quilombola da região em formato de “dia de campo”. No dia de campo houveram atividades
divididas em três momentos: implantação e manejo de sistemas agroflorestais,
desenvolvimento e importância da verme-compostagem (minhocário) e implantação e
benefícios do Sistema de Proteção de Nascente Caxambu.
Resultados e Discussão
Kuhn (2022), verificou que a história do CAPA com as comunidades quilombolas da
região sul do estado do Rio Grande do Sul possui um tempo considerável e o projeto
“Morando Bem no Quilombo” foi uma continuação de projetos anteriores. Sendo que o
projeto analisado atendeu ao todo 103 famílias quilombolas integrantes de quatro quilombos
diferentes (CAPA, 2020).
Constatou-se que durante as realizações das reuniões as mulheres tiveram papel de
protagonistas no projeto, dado que todo o benefício recebido pelas famílias era de
responsabilidade da mulher da casa, fato que colocou as mulheres da comunidade em
evidência (Kuhn, 2022). Outro importante fato, foi a promoção de atividade de educação
ambiental não formal no formato de gincana e roda de conversa, junto as crianças da
comunidade, buscando promover o pensamento crítico frente as temáticas ambientais. A roda
de conversa é uma metodologia utilizada onde o pesquisador é o sujeito da pesquisa e ao
mesmo tempo produz dados para a discussão. Nesse contexto, a roda de conversa permite que
o pesquisador compartilhe as experiências e reflexões sobre as práticas educativas realizadas
entre os participantes do projeto (Moura & Lima, 2014). É uma forma dinâmica e integradora
de promover a educação ambiental, Sousa e Machado (2018) fazem a observação de que a
educação no campo é dependente de uma dinâmica em constante movimento e não de
fórmulas teóricas estáticas.
Percebeu-se que a equipe desenvolvedora do projeto buscou em todas as reuniões
ocorridas ressaltar o protagonismo feminino, tendo em vista o destaque das mulheres nas
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reuniões. A construção coletiva do empoderamento feminino soma para o coletivo e para o
individual:
O recurso a essas estratégias coletivas, o respeito à diversidade das mulheres e o sucesso
alcançado pelas estratégias construídas com base no cotidiano das mulheres são dimensões
alinhadas à noção de suporte e de constituição de um processo de empoderamento solidário,
ao mesmo tempo que singular (Marinho & Gonçalves, 2016).
Nas reuniões ocorridas nos Quilombos sempre houve o intuito de troca de informação,
para que as demandas existentes nas comunidades fossem escutadas e também para que os
saberes contidos nelas se propagassem. As reuniões buscaram privilegiar a troca de
conhecimento, que para Freire (2007), pode libertar e gerar o pensamento crítico. Essa troca é
de extrema importância, pois as comunidades rurais atendidas costumam ser desprivilegiadas
em relação ao acesso a políticas públicas por falta de interesse do estado e, muitas vezes, por
falta de conhecimento dos próprios integrantes que deixam de lutar pelos seus direitos por
desconhecê-los.
Entre as demandas levantadas pelos técnicos do CAPA nas reuniões do projeto estão as
políticas públicas. Alguns temas foram trazidos à tona para fomentar a discussão sobre
políticas públicas, pois existem muitas políticas públicas direcionadas para as comunidades
tradicionais. Vanderlinde (2014) relata que o conhecimento e o acesso a políticas públicas
fazem com que as comunidades passem a ter mais consciência política e busquem, através do
voto, zelar por seus interesses. Frente a essa questão, foram levantadas questões referentes a
políticas de acesso a vagas em universidades, isenção de luz, auxílios oriundos do Governo
Federal, entre outras políticas.
Entre os benefícios identificados com a concretização do projeto estão: a implantação
de sistemas agroflorestais; a promoção da segurança hídrica, através da implantação do
Sistema de Proteção de Nascentes Caxambu; a implantação de hortas e quintais; a distribuição
de ferramentas agrícolas manuais, como carrinho de mão, e enxada; e a visita técnica de
agrônomos com regularidade para auxiliar nas atividades agrícolas.
Ressalta-se que identificou o cuidado de oferecer apoio técnico para implantação das
hortas e quintas, da agrofloresta e a visita mensal dos agrônomos do CAPA para a realização
de consultorias agrícolas gerais. Na implantação das hortas algumas espécies foram focadas.
Kuhn (2022) relata que as principais hortaliças produzidas foram: cebolinha, salsa, couve,
chuchu, beterraba, alface, pepino, cenoura, batata-doce e abóbora. Além de promover a
segurança alimentar direta da comunidade, a implantação das hortas possibilitou que estas
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comunidades pudessem vender o excedente.
Vanderlinde (2014) afirma que a função exercida pela fundação CAPA transcende o
apoio à agroecologia, pois a instituição leva conhecimento a comunidades rurais afastadas de
regiões urbanas e isso faz com que estas comunidades se tornem mais sustentáveis na sua
autossuficiência. Esse conhecimento levado pela instituição a comunidades afastadas de
centros urbanos também gera acesso a políticas públicas, proporcionando benefícios
individuais e coletivos, quando passam a ser de conhecimento das pessoas que compõem as
comunidades. O acesso à educação, formal ou não formal, independente da faixa etária, como
ressaltado por Moura Negromonte e Silva (2023) é um instrumento de extrema relevância,
pois fortalece a comunidade para o enfrentamento das lutas sociais e é uma peça-chave para o
acesso aos direitos fundamentais.
A transmissão e capacitação da comunidade em relação a políticas públicas e direitos,
colabora no desenvolvimento de criticidade dos sujeitos envolvidos, fomentando que eles
conheçam seus direitos e os meios pelos quais seriam acessíveis. Dessa forma a
sustentabilidade desenvolvida aponta ambos os caminhos: o pragmático e o crítico.
A promoção da agroecologia, fato que por si dialoga com os princípios de uma
educação ambiental libertadora e proporciona uma quebra de paradigmas, fornece alternativas
às possibilidades tradicionais do mercado vinculadas à agricultura convencional. Em muitas
localidades atendidas pelo CAPA, onde hoje se trabalha com agricultura livre de agrotóxicos,
predominava anteriormente a agricultura convencional, como a produção de fumo.
Nesse contexto, de maneira indireta, o projeto analisado promoveu a educação
ambiental multidisciplinar para todos os envolvidos no projeto, dado que estes tiveram acesso
à informação de como produzir o próprio alimento, demonstrando como as comunidades
tradicionais rurais podem ser autossuficientes e sustentáveis. Além disso, a instalação do
Sistema de Proteção de Nascentes Caxambu também contribuiu para a educação ambiental
libertadora, tendo em vista que os participantes da etapa de instalação do sistema tiveram
acesso ao conhecimento de como preservar as nascentes que estão inseridas próximas das
suas residências, bem como a garantia do acesso à água estabelecido em lei. Além de permitir
o compartilhamento do saber, o que também os habilitou a comunidade para possíveis
manutenções, dando-lhes autonomia e independência para gerir aquele ambiente após o
Projeto.
Correntes acadêmicas sugerem que a educação ambiental deve ser trabalhada de forma
multidisciplinar, contínua e integrada (Soares Neto, Feitosa & Cerqueira, 2019). O projeto
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“Morando Bem no Quilombo” trabalhou de forma contínua promovendo a sustentabilidade
por um período de 2 anos, e utilizou sempre rodas de conversa, nas quais todos os integrantes
do projeto possuíam voz ativa sobre qualquer tema levantado. Tal fato, vai de acordo com o
que Reigota (2002) estima como educação ambiental, onde afirma que a educação ambiental,
e a educação de maneira geral, na atualidade devem trabalhar no sentido de instigar
questionamentos com o meio ao qual estão inseridos e com os acontecimentos presentes e
futuros e não dar respostas e conceitos prontos.
Esse processo gera mudanças na subjetividade dos indivíduos, fazendo com que eles
rompam barreiras e busquem novos caminhos. O atual não é o que as pessoas são, mas sim no
que elas vão se tornar (Deleuze, 1990).
O conhecimento levado para as comunidades tradicionais rurais através do projeto
analisado não se extinguiu quando o projeto terminou e nem se manteve somente nas
comunidades Quilombolas. Tal fato pode ser afirmado considerando que em momento
posterior à execução do projeto “Morando Bem no Quilombo”, iniciou-se uma feira
agroecológica, que possibilita a venda do excedente produzido nos Quilombos. Dessa forma,
é evidente a perpetuação da educação ambiental, onde os moradores dos Quilombos
aproveitam os recursos naturais disponíveis na região produzindo alimentos para a
subsistência e comercializando o excedente, contribuindo com uma vida mais orgânica para
os moradores da cidade de Pelotas/RS. Fato ressaltado na mídia da gestão pública regional
através do Site do Governo do Estado do Rio Grande do Sul:
Através da organização do Quilombo do Algodão e com o apoio do CAPA e da Prefeitura de
Pelotas, a comunidade do Quilombo do Algodão, localizado no interior de Pelotas, organizou
uma feira agroecológica, que ocorre desde junho do ano de 2021, na Praça Coronel Pedro
Osório no centro de Pelotas (Governo do Estado do Rio Grande do Sul, 2021).
O projeto “Morando Bem no Quilombo” enfatizou a sustentabilidade por meio da
promoção da segurança hídrica, alimentar e o protagonismo feminino nos quilombos do Sul
do Rio Grande do Sul, do ponto de vista pragmático, tanto em autossuficiência de recursos
hídricos e alimentares quanto em gerar fontes de renda sustentáveis, visando promover o
sustento das comunidades gerando o mínimo de impacto ambiental, este objetivo propôs uma
maior qualidade de vida para centenas de famílias. Outro fator importante é que o projeto
buscou respeitar as escolhas da comunidade, ressaltando a importância do conhecimento
tradicional.
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Considerações sobre o Projeto Morando Bem no Quilombo
Através da análise realizada sobre o projeto “Morando Bem no Quilombo”, é possível
afirmar que esse transcendeu seu objetivo principal, configurando-se também como um
projeto de educação ambiental, que quebrou paradigmas e promoveu a sustentabilidade. A
promoção da agroecologia associada à agricultura familiar é uma ação análoga à educação
ambiental, pois promove a sustentabilidade através do uso saudável da terra e da promoção do
alimento saudável. Nesse sentido, a sustentabilidade como conceito e ação, também foi um
pilar para a realização do projeto.
O fato de ser um projeto dinâmico repleto de atividades voltadas ´para áreas de interesse
das comunidades rurais tradicionais acabou gerando resultados extremamente positivos em
diversos aspectos. A dinâmica e a diversidade contida no projeto geraram interesse por parte
das comunidades, as comunidades participaram de forma massiva e intensa em todas as etapas
do projeto, expondo grande interesse. Tal fato traz à tona o quanto as comunidades
campesinas são sedentas pela educação não formal.
A possibilidade de comunidades Quilombolas possuírem segurança hídrica e segurança
alimentar causou mudanças positivas e significativas na vida das pessoas beneficiadas.
Considerando que estas são comunidades tradicionais rurais, em regiões afastadas de centros
urbanos, e que não possuem coleta de resíduos lidos, água encanada e outros atendimentos
sanitários providos pelo estado são enquadradas como populações que necessitam integrarem
projetos que promovam uma melhoria na qualidade de vida. Sendo assim, possuir horta,
quintal e agrofloresta com produção suficiente para alimentação e ainda um excedente
destinado para venda em feira é uma mudança significativa no cotidiano, levando maior
qualidade para a vida dessas pessoas.
Outro importante ponto do projeto, que vai de acordo com a educação crítica e
libertadora, foi a promoção do empoderamento feminino. O Brasil é um país com um grave
problema em relação à violência contra a mulher, e nas comunidades tradicionais rurais, por
vezes, tal problema se faz presente e não existe espécie alguma de auxílio ou assistência.
Logo, é de extrema importância apoiar a geração de poder para essas mulheres, fomentando
nos grupos e famílias que as mulheres têm voz e potência de ação e decisão, e que delas
depende toda a família.
A internalização dessa “nova”
cultura serve aos homens que devem intimidar-se em relação ao seu impulso agressivo e a um
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hábito violento antiquado e machista, e também às mulheres que, culturalmente, aceitavam
essa condição de vida, tanto por não saber de seus direitos, como se defender, como pedir
ajuda, quanto por costume, numa tradição cruel, discriminatória e injusta que se perpetua por
séculos, e que cada vez mais, não cabe na atualidade. Fato é que o papel funcional da mulher
no contexto familiar sempre foi fundamental, ao medir as tarefas atribuídas ao feminino e à
maternidade ao longo da história, é possível observar que é o cumprimento dessas demandas
que realmente faz a manutenção da vida, e da civilização humana, desde o menor contexto
doméstico até a continuidade das gerações. Portanto, o protagonismo feminino é uma
“novidade” na consideração social, pois na práxis do dia a dia, independente das conquistas
femininas no mundo do trabalho e dos direitos, e agora, felizmente, somando-se a isso, as
mulheres sempre foram essenciais à manutenção das famílias e da sociedade. Fato que
confirma, ainda mais, a cegueira moral em que a sociedade global esteve inserida na cultura
sexista em que sempre se viveu.
A criação de uma feira de produtos orgânicos de origem das comunidades quilombolas,
organizada pela própria comunidade, com auxílio do poder público e fundação CAPA é um
resultado positivo. Esse resultado mostra que a capacidade de tomar decisões importantes de
forma crítica buscando mudar o futuro é presente nas comunidades.
Por consequência, conclui-se que o projeto promoveu a sustentabilidade, do ponto de
vista pragmático, tanto em autossuficiência de recursos hídricos e alimentares quanto em
gerar fontes de renda sustentáveis, visando promover o sustento das comunidades gerando o
mínimo de impacto ambiental, este objetivo propôs uma maior qualidade de vida para
centenas de famílias. Inferimos que os principais vínculos do projeto com a Educação
Ambiental são os seguintes: Descentralização do patriarcado; Participação ativa de toda a
comunidade, incluindo as crianças com ações e reflexões; Promoção de segurança hídrica e,
por consequência alimentar de comunidades tradicionais; Ações efetivas de acesso a políticas
públicas e direitos básicos de comunidades rurais; Promoção e fomento da agroecologia;
Construção dos planejamentos e efetivação das ações levando em conta o diálogo entre os
saberes locais tradicionais e o conhecimento científico acadêmico.
Considerações finais
Analisando através dos conceitos cunhados pelos autores Reigota, Sato e Loureiro, o
projeto “Morando Bem no Quilombo” possuiu na sua execução e nos seus resultados
características inerentes à educação ambiental. Os principais pontos atingidos pelo projeto
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foram a promoção da sustentabilidade e a melhoria da qualidade de vida nos Quilombos.
Além dos resultados práticos concretos atingidos através do projeto, a fundação CAPA
fomenta a criticidade das pessoas inseridas em seus processos, fazendo com que essas
comunidades rurais tradicionais afirmem a sua identidade e independência.
O projeto Morando Bem no Quilombo é um exemplo de modelo que pode ser replicado
em outras regiões rurais, contribuindo para a promoção da educação ambiental, contida no
âmago dos seus fundamentos. Por se tratar de um projeto com diversas dinâmicas e acesso
diferentes âmbitos do conhecimento, foi um projeto com ampla adesão por parte das
comunidades.
As questões ambientais são emergenciais, nas últimas décadas assistimos a mudanças
globais ambientais de origem antrópica que sinalizam uma modificação da estabilidade da
vida no planeta como a conhecemos. Como enfatizado por Chomsky (2020) as questões
ambientais podem colocar em jogo a relativa estabilidade atingida pela humanidade e a
sustentabilidade deve ser algo almejado em todo âmbito do viver humano.
A revisão sobre o projeto reforça que a educação no campo deve transcender a
formalidade e deve, principalmente, exaltar os saberes tradicionais, para que essas
comunidades tenham as suas culturas respeitadas e preservadas. As comunidades tradicionais
possuem culturalmente um apreço mais evidente pelo meio ambiente que as comunidades
pertencentes à cultura hegemônica global, essa característica faz com que as atividades de
educação ambiental e a promoção da sustentabilidade, de maneira geral, nestes locais sejam
ainda mais diretas e evidentes.
Agradecimento
O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior Brasil (CAPES) Código de Financiamento 001.
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Nota ao Editor
O presente estudo foi apresentado, em uma versão simplificada em todas as seções do texto e com um título
diferente em relação à atual versão apresentada à revista, como trabalho completo no evento 14º Encontros e
Diálogos com a Educação Ambiental (EDEA) da FURG.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 28/09/2022
Aprovado em: 26/08/2023
Publicado em: 16/12/2023
Received on September 28th, 2022
Accepted on August 26th, 2023
Published on December, 16th, 2023
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
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Artigo avaliado por pares.
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Leon, O. M. M., Sanchez, K. F., Costa, M. M., Leandro, D., Bolzan, L. M., & Mayer, F. A. (2023). Educação Ambiental em
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ABNT
LEON, O. M. M.; SANCHEZ, K. F.; COSTA, M. M.; LEANDRO, D.; BOLZAN, L. M.; MAYER, F. A. Educação Ambiental nos
Quilombos Rurais da Região Sul do Rio Grande do Sul. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 8, e14924, 2023.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e14924