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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15247
Aclimatação cultural na Educação do Campo da FURG:
permanência como direito entre os estudantes indígenas e
quilombolas
Marlon Borges Pestana1
1 Universidade Federal do Rio Grande - FURG. Instituto de Ciências Humanas e da Informação - ICHI. Avenida Marechal
Floriano Peixoto, 2236, Centro. São Lourenço do Sul - RS. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: mbpestana@furg.br
RESUMO. O presente estudo analisa a cultura material
produzida por estudantes indígenas e quilombolas da
Universidade Federal do Rio Grande FURG no âmbito do
Programa de Apoio Pedagógico ao Estudante Indígena e
Quilombola APEIQ, promovido pela Pró-Reitoria de Assuntos
Estudantis PRAE. O objetivo deste estudo é compreender as
relações entre a cultura material e as formas de representação de
ser e estar na universidade, particularmente com relação à
manutenção dos seus modos de vida no espaço acadêmico. O
método é o da educação patrimonial dialógica em que as
reflexões sobre os paradigmas culturais promovem o ensino de
História não-formal e informal, de forma democrática e
participativa. Foram identificadas atividades na FURG que
buscam acolher os modos de vida tradicionais. As oficinas de
stencil, pintura, cerâmica e artesanato produziram significativa
cultura material de matriz etnológica que representam a
permanência dos modos de vida indígenas e quilombola no
espaço acadêmico. Essa cultura material foi classificada,
analisada e entendida como forma das etnias domesticarem o
espaço acadêmico tornando-o culturalmente familiar.
Palavras-chave: educação patrimonial, ensino de história,
acompanhamento pedagógico.
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Cultural acclimatization in Rural Education at FURG:
permanence as a right among indigenous and quilombola
students
ABSTRACT. This study analyzes the material culture produced
by indigenous and quilombola students at the Federal University
of Rio Grande FURG within the scope of the Pedagogical
Support Program for Indigenous and Quilombola Students
APEIQ, promoted by the Pro-Rectory of Student Affairs
PRAE. The objective of this study is to understand the
relationships between material culture and the forms of
representation of being and etnicity at the university, particularly
with regard to the maintenance of their ways of life in the
academic space. The method applied was the dialogical heritage
education in which reflections on cultural paradigms promote
the teaching of non-formal and informal History, in a
democratic and participatory way. Activities were identified at
FURG that seek to embrace traditional ways of life. The stencil,
painting, ceramics and crafts workshops produced significant
material culture of an ethnological matrix that represent the
permanence of indigenous and quilombola ways of life in the
academic space. This cultural material was classified, analyzed
and understood as a way for ethnic groups to domesticate the
academic space, making it culturally familiar.
Keywords: heritage education, history teaching, pedagogical
monitoring.
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Aclimatación cultural en la Educación de Campo de la
FURG: la residencia como derecho entre estudiantes
indígenas y quilombolas
RESUMEN. El presente estudio analiza la cultura material
producida por estudiantes indígenas y quilombolas de la
Universidad Federal de Río Grande FURG en el marco del
Programa de Apoyo Pedagógico a Estudiantes Indígenas y
Quilombolas APEIQ, promovido por el Prorrector de Asuntos
Estudiantiles PRAE. El objetivo de este estudio es comprender
las relaciones entre la cultura material y las formas de
representación del ser y del estar en la universidad,
particularmente en relación con el mantenimiento del modo de
vida en el espacio académico. El método es el de la educación
patrimonial dialógica en la que las reflexiones sobre los
paradigmas culturales promueven la enseñanza de la Historia no
formal e informal de manera democrática y participativa. Se
identifican actividades en la FURG que buscan preservar formas
de vida tradicionales. Como el esténcil, la pintura, la cerámica y
las oficinas artesanales produjeron significativa cultura material
de matriz etnológica que representó permanentemente dos
modos de vida indígenas y quilombolas en el espacio
académico. Esta cultura material fue clasificada, analizada y
comprendida a medida que los grupos étnicos domesticaron el
espacio académico o culturalmente familiar.
Palabras clave: educación patrimonial, enseñanza de la historia,
apoyo pedagógico.
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Introdução
A Educação Patrimonial surge no Brasil como resultado da interação entre
pesquisadores e o blico interessado, principalmente em zonas de extroversão do
conhecimento histórico, como museus, parques históricos, monumentos antigos e sítios
arqueológicos. No entanto, de 1983 para cá, se passaram 39 anos e os mecanismos de contato
entre público leigo e pesquisadores universitários ainda é bem semelhante. Sendo assim, o
objetivo deste estudo foi o de explorar as relações de povos tradicionais indígenas e
quilombolas com os espaços da Universidade, identificando quais as relações de
pertencimento, permanência e evasão, utilizando-se para isso a análise da cultura material
produzida por esses povos nos espaços acadêmicos. Entre os motivos que levaram a
desenvolver esse estudo estão os autos índices de evasão de estudantes indígenas e
quilombolas do ensino superior e os dados de permanência que indicaram que os estudantes
formandos são aqueles que melhor se adaptaram ao ambiente universitário. As palestras de
Educação Patrimonial, com a entrega de panfletos e cartilhas, se mostraram ineficazes para
consolidar alguma forma de conscientização histórica e engajamento entre a população.
Resultados satisfatórios e tangíveis seriam alcançados através da Educação Patrimonial
dialógica como forma de mediação cultural, de acordo com Florêncio (2014):
Atualmente, a CEDUC defende que a Educação Patrimonial constitui-se de todos os
processos educativos formais e não formais que m como foco o Patrimônio Cultural,
apropriado socialmente como recurso para a compreensão sócio-histórica das referências
culturais em todas as suas manifestações, a fim de colaborar para seu reconhecimento, sua
valorização e preservação. Considera ainda que os processos educativos devem primar pela
construção coletiva e democrática do conhecimento, por meio do diálogo permanente entre
os agentes culturais e sociais e pela participação efetiva das comunidades detentoras e
produtoras das referências culturais, onde convivem diversas noções de Patrimônio Cultural
(Florêncio, 2014, p. 19).
Em quase uma década a representação da Universidade Federal do Rio Grande FURG
no Conselho Municipal dos Povos Indígenas CMPI/RG indicaram que o interesse pelas
causas culturais e identitárias passa pela acolhida dos estudantes em ambientes culturalmente
reconhecíveis. Os espaços de mediação cultural seriam, na vida acadêmica, ambientes
culturalmente adaptados e domesticados, para que os estudantes possam se sentir pertencentes
àqueles territórios.
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Sendo assim, este estudo abordou a confecção do tecido da base cultural, promovida
pela Educação do Campo dentro da Universidade Federal do Rio Grande FURG, para
melhor acolher os povos tradicionais numa espécie de “aclimatação” étnica e cultural. As
evidências colhidas fazem parte do acervo de fontes registradas durante a execução dos
projetos de apoio pedagógico para indígenas e quilombolas na referida Universidade. E, como
uma reflexão no campo da Educação do Campo, essa pesquisa focou no território como base
da reprodução dos modos tradicionais de vida. Por território na Educação do campo entende-
se o que Bernardo M. Fernandes e Mônica C. Molina conceituação no texto de José Martí
(2004):
O território é um trunfo dos povos do campo e da floresta. Trabalhar na terra, tirar da terra a
sua existência, exige conhecimentos que são construídos nas experiências cotidianas e na
escola. Ter o seu território implica em um modo de pensar a realidade. Para garantir a
identidade territorial, a autonomia e organização política é preciso pensar a realidade desde
seu território, de sua comunidade, de seu município, de seu país, do mundo. Não se pensa o
próprio território a partir do território do outro. Isso é alienação (Martí, 2004, p. 08).
O território é um espaço político a ser ocupado, é um lugar de se pensar a realidade para
evitar a alienação a partir da memória dos povos tradicionais ingressantes no mundo
acadêmico. Nesse sentido, a aclimatação cultural que se está propondo é uma resistência a
essa alienação, buscando na etnicidade e no pertencimento, os enraizamentos das relações
históricas através das ações afirmativas propostas pela própria universidade. E foi pensando
nesse território que os programas de acompanhamento pedagógico ao estudante Indígena e
Quilombola da FURG, através de ações afirmativas coordenadas, identificaram algumas
fronteiras étnicas, como se verá a seguir.
Fronteiras étnicas dentro da Universidade
Em sentido geral, território pressupõe fronteira, física ou simbólica as fronteiras em
geral indicam contato, atrito e fricção. A experiência com os povos indígenas no espaço
acadêmico de ser definida, mas não limitada, pelo conceito de “vivência”. As vivências
culturais seriam formas de manter a permeabilidade entre as comunidades acadêmicas e
originárias. Segundo Fredrik Barth as fronteiras étnicas são produzidas e reproduzidas pelos
atores no decorrer das interações sociais (Barth, 2010, p. 157). Assim, a espaço de interação
para os grupos estariam divididos em dois territórios: as quatro paredes das faculdades que os
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recebem e os terreiros das aldeias das comunidades que recebem os estudantes Universitários.
Nesses espaços as interações acontecem como via de mão dupla, trazendo para a
Universidade suas impressões do mundo tradicional e recebendo na comunidade estudantes
interessados em conhecer e aprender a cultura indígena e quilombola.
Figura 1 - a) Indígena “xondaro” (guerreiro) da etnia Mbyá Guarani expondo sua arte da FURG; b) Painel
confeccionado pelos indígenas da etnia Kaingang para gerar pertencimento e acolhida na Universidade Federal
do Rio Grande - FURG.
Fonte: Marlon Borges Pestana LEdoC/FURG
Os eventos de acolhida serviram como espaços próprios para a mediação cultural,
espaços de prática dialógica e troca de vivências (como nas imagens acima) e representam um
esforço da Universidade Pública em construir um locus de interação, em que a decoração, as
cores, as pinturas e as oficinas de artes tratam das pautas identitárias a fim de acolher a luta
social de forma cidadã, respeitando as manifestações dos estudantes indígenas e quilombolas
que ingressam no ensino público.
Na perspectiva da etnicidade de Fredrik Barth os diferentes agentes protagonistas dos
povos tradicionais (1997, p. 201) ao se encontrarem no espaço acadêmico promoveriam
fronteiras éticas permeáveis. Enquanto fricção cultural, o espaço acadêmico seria mais suave
se comparado com os espaços urbanos tradicionais. Logo, aproveitando essa permeabilidade
étnica, a política de ações afirmativas promovidas pela PRAE/FURG buscou através dos
docentes e técnicos da educação algumas alianças para proporcionar o que se decidiu chamar
neste artigo de “aclimatação” cultural. Ou seja, um espaço através de místicas e semântica que
abrigou e acolheu as perspectivas simbólicas de cada conjunto social que chegava à sala de
aula.
Ainda, na metodologia, vale mencionar que os dados foram obtidos através do registro
sistemático do material cultural trazido nas reuniões do acompanhamento pedagógico e
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conselho municipal dos povos indígenas, os dados foram gerados pelo registro dos estudantes
que faziam o acompanhamento pedagógico dos estudantes indígenas e quilombolas e
analisados através de projeto de pesquisa intitulado “Educação Patrimonial nos movimentos
sociais do campo de o Lourenço do Sul, RS, Brasil”. A extroversão dos resultados de
pesquisa e se deu através do projeto de extensão intitulado “Bolanta Cultural: etnografando o
mundo rural, ambos aprovados pelo Instituto de Ciências Humanas e da Informação da
Universidade Federal do Rio Grande ICHI/FURG.
Por se tratar de um estudo que analisou a cultura material, os artefatos e o patrimônio
cultural, não houve necessidade de ser aprovado pelo CEP/FURG, por que conforme a
Resolução 510/2016 do Conselho Nacional de Pesquisa, essa área das Ciências Humanas e
Sociais (CHS), não envolve seres humanos, não houveram entrevistas nem dados ou
informações extraídas de pessoas, apenas de objetos e artefatos, por esse motivo decidiu-se
por cobrir a identidade das pessoas nas imagens preservando a identidade e o sigilo das
mesmas. Mesmo assim, o Comitê de Ética em Pesquisa CEP/FURG, mantém-se atento às
pesquisas envolvendo seres humanos, área temática especial Povos Indígenas através da
Resolução 304/2000 do Conselho Nacional de Saúde.
No entanto, essa permeabilidade durante o processo de aclimatação conseguiu ser
percebida pelos estudantes dos povos tradicionais através das oficinas de Educação
Patrimonial. O espaço foi escolhido por causa do aparato histórico, como método de ensino
que foca especificamente nos recursos culturais de cada povo, como por exemplo: pintura
corporal e as ervas de chá, arte, artesanato, vestimentas e indumentária. A seguir serão
exploradas as formas como esses mecanismos despertam sentimentos decoloniais e pertença.
Educação patrimonial dialógica como ensino de História não-formal no
acompanhamento pedagógico ao estudante Indígena e Quilombola (APEIQ) da FURG
A educação patrimonial dialógica é tanto uma metodologia para reduzir o abismo da
desigualdade social (Demarchi, 2016) quanto uma importante ferramenta de mediação
cultural (Florêncio, 2014) para gerar sentimento de pertencimento com o ambiente público e
acadêmico na inserção de direitos e deveres de estudantes em ser e existir no ambiente
Universitário. As oficinas foram e ainda são produzidas com a intenção de criar artefatos,
objetos, roupas, pinturas e adornos (Figura 2b) que representem a chegada destes povos,
assim, essa pesquisa não envolve seres humanos, sua fonte é a análise dos artefatos, objetos e
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desenhos produzidos para “domesticar” o ambiente universitário, adaptando-o étnica e
culturalmente, numa perspectiva humanizada como sugere Homi Babha (Babha, 2005, p. 61).
Figura 2 - a) Estudantes quilombolas promovendo stencil e pintura corporal com painel explicativo de tranças
Afro (ao fundo); b) estudantes indígenas Kaingang promovendo oficinas de adorno para estudantes ingressos.
Fonte: Marlon Borges Pestana LEdoC/FURG.
O diálogo como mediação é, para a educação patrimonial dialógica, um caminho de
humanização de espaços “duros” para as etnias ingressantes na universidade. É com o intuito
de promover a fluidez dos ingressantes indígenas e quilombolas com a comunidade
acadêmica que o Programa de Apoio Pedagógico ao Estudante Indígena e Quilombola/APEIQ
da Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis - PRAE tem calçado suas ações em construir
ambientes conjuntos de sociabilidade, inclusive etnicamente ambientados, como se pode
perceber na figura 1b. Esse gesto é coerente com as recentes propostas de educação
patrimonial, como define João Lorandi Demarchi (2016):
Educação patrimonial muitas vezes tem sido confundida com promoção do patrimônio e
confecção de cartilhas e panfletos. A educação patrimonial aqui defendida ama as pessoas e
o mundo. Por isso, reconhece em todas as pessoas sujeitos históricos que podem mudar a
realidade de desigualdade social. Desigualdade refletida no reconhecimento seletivo dos
bens patrimoniais. A educação patrimonial aqui defendida problematiza essa condição e
trabalha para a valorização de todas referências culturais e patrimônios, sendo eles tombados
e registrados ou não. Cabe à educação patrimonial, portanto, como busca Ecléa Bosi (2003,
p. 18), “interpretar tanto a lembrança quanto o esquecimento”. (Demarchi, 2016, p. 288).
É justamente o gesto, promovido pelo APEIQ/FURG, que promove o ensino de História
como método na Educação Patrimonial dialógica, uma forma de etnopertença cidadã na
academia, ampliando o acesso de estudantes e sua permanência, reduzindo significativamente
a evasão. Contudo, apesar dessa constatação parecer simples, é de uma complexidade singular
na cadeia de significado dos povos tradicionais, principalmente pelo impacto que a educação
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superior tem nas relações sociais das próprias comunidades. Além, evidente, do choque
cultural que os estudantes não indígenas recebem ao perceberem-se frente a frente com
outras culturas, tão diversas quanto dinâmicas. Tanto a abertura dos espaços acadêmicos
quanto a promoção das vivências nas comunidades de origem foram promotoras desse
espelhamento cultural, a princípio comparativo e, com o tempo, passando a uma fase de
convivência prestigiada por ambas as partes.
O trajeto de interação foi percorrido, de certa forma, por um/a mediador/a cultural que
era o/a bolsista de acompanhamento pedagógico ao estudante Indígena e Quilombola
(APEIQ), o referido estudante, ao ser selecionado para ocupar a vaga do benefício da bolsa,
entendeu que serviria como uma espécie de “tradução” entre as demandas das disciplinas e a
próprias referências culturais e linguísticas. Essa mediação foi fundamental para a formação
de uma “aclimatação” cultural que seria o primeiro passo para se estabelecer um conforto na
etnicidade, mesmo que material e simbólico. Portanto, assim como Homi Babha (2005)
entende, o local da cultura é construído socialmente de forma a prover espaços de
permanência e conforto étnico, unindo vocês e resistências contra imposições colonialistas
que insistem de forma estrutural no sistema capitalista.
Educação do Campo e Questão Indígena
A Licenciatura em Educação do Campo LEdoC/FURG está inserida numa região com
forte presença indígena, entre os municípios de São Lourenço do Sul, Camaquã, Rio Grande e
Santa Vitória do Palmar, uma significativa presença ancestral indígena, das quais as
principais delas são: Yvy’ã Poty, Pará Rokê, YyRembé, Goj Tánh, Tánh Vê, que se dividem
em comunidades Mbyá Guarani e Kaingang. A Universidade Federal do Rio Grande FURG
insere-se nessas comunidades através dos conselhos municipais indígenas e do Coletivo de
Estudantes Indígenas da FURG, além da representação na Comissão de Assuntos Indígenas
da Coordenação de Ações Afirmativas, Inclusão e Diversidades CAID. No entanto, a
questão indígena e espaço acadêmico foi foto de outras pesquisas (Kawakami, 2019) na
qual apresentou que há claramente um desafio nos currículos contemporâneos para perceber e
acolher a cultura indígena em sala de aula no ensino superior.
Teoricamente, a Educação do Campo e a Educação Indígena, foram consideradas em
duas cartilhas diferentes na SECADI do Governo Federal, porém, as relações entre Educação
do Campo e Educação Indígena foram melhor exploradas recentemente em 2017 no trabalho
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de conclusão de curso de Márcio Silva (Silva, 2017) do Departamento de Educação do
Campo da Universidade Federal da Paraíba que considerou inadequado a produção de
material didático indígena, sem a participação efetiva dos mesmos. Outro artigo importante
que relaciona questões indígenas à Educação do Campo é a recente pesquisa de Francisca de
Andrade (De Andrade & Nogueira, 2023) que revela considerável questão na formação de
educadores do campo a ausência de decolonialidade ou de metodologias decolonizantes
principalmente no que se refere às questões indígenas.
Ao estudar estes trabalhos, supracitados, ficou claro que os aspectos teóricos da
pesquisa deste artigo deveria problematizar a questão da produção de material didático-
cultural, a tradução dos recursos étnicos dentro dos espaços acadêmico e as formas de
percepção dos gestores universitários em questões de etnicidade, não apenas para resolver o
problema da evasão, mas para oferecer informações que fortaleçam os vínculos de
permanência na Universidade.
Resultado da análise dos dados
A classificação do material etnográfico identificado mostrou uma maior presença de
povos indígenas Kaingang (Jê Meridional) e quilombolas Jejê/Nagô no espaço universitário.
No entanto, a cultura material produzida reflete a amplitude das etnias indígenas brasileiras e
culturas quilombolas, sem regionalizações específicas, para acolher a interculturalidade afro-
brasileira. Através das ambientações e domesticações do território universitário, os estudantes
receberam informações etnicamente codificadas e valoradas permitindo a ressignificação do
espaço universitário, outrora considerado como elitizado e sem a presença de símbolos de
suas etnias de origem.
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Figura 3 - Máscaras com grafismos Kaingang elaboradas pelos estudantes da FURG.
Fonte: Marlon Borges Pestana LEdoC/FURG.
Na figura 3 é possível observar um movimento sui generis no quadro da Educação do
Campo. Durante a pandemia de Sars-Cov-02, os participantes das atividades que envolviam
as oficinas de têxtil manifestaram a sua cultura no novo elemento agregado ao vestuário, a
máscara de proteção. O ato em si teve um efeito replicante, quando uma ou mais
representações culturais gravaram seus símbolos étnicos nas máscaras de tecido na intenção
de se proteger contra o vírus, para ficaram duplamente resguardados”. Essa “aclimatação”
étnica é semelhante ao que Marshall Sahlins (1997, p. 42) chamou de pessimismo sentimental
na relação manifestada com os objetos, imersos na profundidade da representação cultural.
O material analisado também apontou para uma união interessante entre estudantes
indígenas e quilombolas, geralmente entre bolsistas e acompanhados/as APEIQ, através do
interesse mútuo de suas Histórias e origens. Então, foi percebida uma espécie de mecanismo
de reprodução dos valores étnicos através da cultura material, seja através do stencil, faixas de
parede, oficinas de artesanato ou pintura corporal.
Ao juntar esses elementos foi inevitável considerar que os mecanismos étnicos tratam
do ensino de História não-formal ou informal dos povos indígenas e quilombolas, dentro dos
espaços universitários, justamente porque durante cada confecção de artefato, stencil ou
adorno em oficina, sempre acompanhava uma explicação histórica sobre o grafismo ou
objeto, conforme a figura 3a. Inclusive parte destes resultados se encontram publicados
(Pestana & Carvalho, 2018; Fonseca et al., 2020; Pestana et al., 2022).
E, de fato, o ensino de História dentro da Educação do Campo, encontrou representação
na metodologia da Educação Patrimonial, não por seletividade, mas por tendência dos
estudantes a escolherem as oficinas típicas da Educação Patrimonial como a confecção das
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bonecas Abayomi, cerâmica arqueológica/indígena, pinturas e grafismos corporais. Dessa
forma, as oficinas tradicionais de Educação Patrimonial conseguiram estabelecer um sólido
elo entre a Educação do Campo e o ensino de História, que a ampla maioria das oficinas
tratava de temáticas históricas. Como se pode ver na figura a seguir, mesmo as expressões
artísticas permaneciam imbuídas de códices étnicos e históricos.
Como visto anteriormente, a relação da formação do educador do campo, passa por uma
dura crítica nas concepções metodológicas devido a ausência de pensamento decolonial ou
decolonialidade, deficiência que está relativamente esclarecida na educação patrimonial e no
ensino de História (Demarchi, 2016, p. 289). O resultado da análise de dados indicou que,
mesmo de posse do material produzido pelas oficinas culturais, os espaços universitários não
conseguem absorver e gerir a etnicidade dos povos tradicionais ingressantes, devido a
ausência de concepções decoloizantes. O resultado é a vexação do estudante indígena frente a
imposição de currículos com densa erudição e complexidade de referenciais bibliográficos
eurocêntricos. As oficinas serviram, então, para reduzir essa pressão causada nos espaços
acadêmicos e tornar mais suave a permanência, gerando uma identificação étnica do estudante
com o espaço da oficina.
Figura 4 - a) Oficinas de stencil indígena disponível para todos/as que quisessem pintar camisetas com grafismos
indígenas; b) Stencil indígena finalizada com símbolos de diferentes etnias, na ilustração Jê (nos braços) e
Guarani (no abdômen).
Fonte: Marlon Borges Pestana LEdoC/FURG.
Os artefatos artísticos e culturais disponibilizados representaram a cultura material dos
ingressantes na universidade, originários de diversos povos e etnias, incrementaram o
pertencimento dos estudantes ao serem acompanhados por acadêmicos da Educação do
Campo. O resultado dessa ação esteve ligado diretamente à permanência dos estudantes no
quadro acadêmico, evitando a evasão e permitindo a manutenção de suas matrículas. Com
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isso, é possível dizer que a cultura material promovida através das oficinas de Educação
Patrimonial como metodologia de permanência, encontrou na Educação do Campo um
sentido histórico de ser, agregando ainda mais o sentido de pertença das comunidades
tradicionais.
Conclusão
O estudo foi o resultado de uma pesquisa maior que analisa as relações da cultura
material com a Educação Patrimonial e o ensino de História não-formal e informal dentro dos
espaços acadêmicos da Universidade Federal do Rio Grande FURG. Nesse breve relato
foram apontadas as relações entre o Conselho Municipal dos Povos Indígenas CMPI e o
Programa de Apoio Pedagógico ao Estudante Indígena e Quilombola da Universidade Federal
do Rio Grande, promovido pela Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis PRAE/FURG.
O caminho acima percorrido permitiu melhorar a ambientação dos espaços acadêmicos,
promoção de atividades e oficinas que convidaram a/o estudante indígena e quilombola a
praticar o ensino de História não-formal e informal através da Educação Patrimonial
dialógica. O gesto de acolhimento e mediação, promovido pela FURG, vai além da superfície
das relações e adentra no campo do imaterial e cosmológico, ampliando o pertencimento, a
permanência estudantil, reduzindo a evasão e o abandono de matrícula. Ao observar as
relações intrínsecas das áreas temáticas abordadas, ficou evidente que a fronteira étnica
frequentada pelos povos do campo, na sua ancestralidade, reconhece nas ações afirmativas da
Universidade um território com alguma etnicidade. E, nela, se reconhecem e estabelecem
relações de pertença, lugares de memória, cultura e, por fim, permanência.
A resposta ao problema da pesquisa indica que uma melhor adaptação étnica dos
ambientes universitários para a vida cultural acadêmica melhora os índices de permanência
dos povos tradicionais no espaço acadêmico. Os principais resultados encontrados foram: a.
maior interesse e disponibilidade dos estudantes por temas de ensino de História e Cultura na
suas respectivas áreas e temáticas; b. menor evasão universitária quando acolhimento ao
estudante através de bolsas de acompanhamento pedagógico; b. melhor participação popular
quando há oficinas culturais com as temáticas étnicas; c. a pesquisa indicou que quanto maior
o acesso aos recursos culturais da universidade, maior a permanência dos estudantes no
espaço acadêmico.
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A relevância da pesquisa para a área de conhecimento da Educação do Campo é a de
prover informações relevantes sobre os mecanismos que geram a permanência da/os
estudantes do campo na Universidade, principalmente para contribuir com a redução da
evasão escolar universitária.
Ao encontrar um território domesticado e aclimatado culturalmente, os povos
tradicionais se sentem acolhidos e motivados na luta pela decolonialidade, encontrando na
permanência um Direito que é pleno e denso em sua essência. Ao pensar nos processos
históricos agrários que conduziram a efetividade do estudante do campo, das escolas do
campo ao ensino superior é necessário refletir também nas ações afirmativas que mantém
esses estudantes no ensino superior evitando a evasão e a desmotivação na luta, o que poderia
conduzir a uma “re-alienação”. As oficinas de educação patrimonial com enraizamento na
ancestralidade e no ensino de História encontraram ampla aderência dos povos do campo, por
que havia ali um território adequado à reflexão decolonial.
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 29/11/2022
Aprovado em: 13/09/2023
Publicado em: 21/10/2023
Received on November 29th, 2022
Accepted on September 13th, 2023
Published on October, 21th, 2023
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
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Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Pestana, M. B. (2023). Aclimatação cultural na Educação do Campo da FURG: permanência como direito entre os estudantes
indígenas e quilombolas. Rev. Bras. Educ. Camp., 8, e15247. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15247
ABNT
PESTANA, M. B. Aclimatação cultural na Educação do Campo da FURG: permanência como direito entre os estudantes
indígenas e quilombolas. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 8, e15247, 2023.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15247