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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15573
A correlação entre cuidar e educar a partir do olhar de
monitoras e professoras de creche
Mércia Cristina Borges dos Anjos1, Arinalda Silva Locatelli2
1, 2 Universidade Federal do Norte do Tocantins UFNT. Centro de Educação, Humanidades e Saúde/Campus de
Tocantinópolis. Rua 6, s/n, Bairro Vila Santa Rita. Tocantinópolis. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: merciacba@mail.uft.edu.br
RESUMO. O escrito versa sobre a correlação entre o cuidar e o
educar a partir do olhar de monitoras e professoras de creche. A
discussão está fundamentada em documentos curriculares sobre
e para a Educação Infantil, em diálogo com autores que
discorrem acerca da temática. Nosso objetivo principal consiste
em analisar a correlação entre o cuidar e o educar a partir da
relação entre professoras e monitoras das creches municipais de
Tocantinópolis (TO). A metodologia empregada foi a análise
bibliográfica seguida de aplicação de questionário às professoras
e monitoras, com perguntas objetivas e discursivas referentes ao
trabalho que desenvolvem e às relações que envolvem esse
trabalho. A partir da análise realizada, consideramos ser
evidente a necessidade de propostas formativas contínuas para
as profissionais da educação infantil, visto que ainda é
perceptível uma tentativa constante de secção entre as práticas
de educar e cuidar, conforme o entendimento de algumas
docentes presentes nestas instituições educacionais.
Palavras-chave: cuidar, educar, monitoras de creche,
professoras de creche, trabalho docente.
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The correlation between caring and educating from the
point of view of nursery school monitors and teachers
ABSTRACT. The writing deals with the correlation between
caring and educating from the point of view of daycare monitors
and teachers. The discussion is based on curricular documents
about and for Early Childhood Education, in dialogue with
authors who discuss the theme. Our main objective is to analyze
the correlation between caring and educating based on the
relationship between teachers and monitors of municipal
daycare centers in Tocantinópolis (TO). The methodology used
was the bibliographic analysis followed by the application of a
questionnaire to teachers and monitors, with objective and
discursive questions referring to the work they develop and the
relationships that involve this work. From the analysis carried
out, we consider the need for continuous training proposals for
early childhood education professionals to be evident, since a
constant attempt to divide between the practices of educating
and caring is still perceptible, according to the understanding of
some teachers present in these educational institutions.
Keywords: to educate, take care, teaching work, daycare
monitors, kindergarten teachers.
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La correlación entre cuidar y educar desde el punto de
vista de monitoras y docentes de primera infância
RESUMEN. El escrito trata de la correlación entre cuidar y
educar desde el punto de vista de los monitores y docentes de la
escuela infantil. La discusión se basa en documentos
curriculares sobre y para la Educación Infantil, en diálogo con
autores que discuten el tema. Nuestro principal objetivo es
analizar la correlación entre cuidar y educar a partir de la
relación entre docentes y monitores de guarderías municipales
de Tocantinópolis (TO). La metodología utilizada fue el análisis
bibliográfico seguido de la aplicación de un cuestionario a los
docentes y monitores, con preguntas objetivas y discursivas
referentes al trabajo que desarrollan y las relaciones que
envuelven este trabajo. A partir del análisis realizado,
consideramos evidente la necesidad de propuestas de formación
continua para los profesionales de la educación infantil, ya que
aún es perceptible un intento constante de división entre las
prácticas de educar y cuidar, según entienden algunos docentes
presentes. en estas instituciones educativas.
Palabras clave: cuidar, educar, monitoras de educación Infantil,
maestras de educación infantil, labor docente.
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Introdução
A Educação Infantil (EI) tem sido tema de estudos e pesquisas recorrente nos últimos
anos. Essa etapa da Educação Básica desenvolve-se em creches e pré-escolas, e é motivo de
mobilização e estudos por parte de vários profissionais que nela desenvolvem algum trabalho,
os quais corroboram para explicitar sua emergência
1
nas últimas décadas. Nesse contexto, o
cuidar e o educar são duas categorias fortemente instituídas nessa fase educacional. Essas
categorias chamam a atenção quanto às suas especificidades e a compreensão de sua (in)
dissociabilidade no que se refere ao desenvolvimento das práticas educacionais na EI, por
parte das profissionais que atendem diretamente as crianças.
Nas creches municipais tocantinopolinas, o atendimento às crianças em sala de aula e
nos demais espaços institucionais ocorre principalmente, por meio do trabalho de professoras
e monitoras. No entanto, apenas as professoras são consideradas servidoras do setor
pedagógico, enquanto as monitoras são funcionárias do setor administrativo, de acordo com a
estrutura organizacional municipal. O pedagógico refere-se ao trabalho de educar e o
administrativo é entendido como setor do cuidar, sendo estes dois desenvolvidos
“separadamente”. Todavia, por entendermos que ambas as profissionais são docentes, não
corroboramos com essa dissociação, o que nos levou a questionar: Como as categorias cuidar
e educar são compreendidas e se efetivam no cotidiano das creches municipais? Quais seus
desdobramentos para a relação entre professoras e monitoras?
Vale ressaltar que o interesse pela temática em questão, advém do trabalho
desenvolvido como profissional da Educação Infantil municipal durante os últimos cinco
anos, o que nos propiciou observar e vivenciar de perto o cotidiano de uma creche e suscitou
as análises e proposições aqui expostas.
Buscando examinar as questões mencionadas, o objetivo norteador desse escrito é
analisar a correlação entre o cuidar e o educar a partir da relação entre professoras e monitoras
das creches municipais de Tocantinópolis
2
(TO). Para alcance do mesmo, utilizamos como
metodologia uma incursão pela literatura especializada sobre a temática e pelos documentos
curriculares norteadores do trabalho na EI. Em seguida realizamos aplicação de questionário,
feita por meio da plataforma Google forms, com perguntas objetivas e subjetivas às monitoras
e professoras das duas creches municipais.
A partir da metodologia supramencionada, foi possível a aquisição de dados
importantes ao desenvolvimento deste trabalho, os quais estão descritos e analisados, com
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embasamento teórico, e em três seções: a primeira reflete sobre as categorias cuidar e educar
na EI e sua correlação, subsidiadas pelos escritos de Locatelli (2018); Freire (1996);
Guimarães, Hirata e Sugita (2011); Kramer (2006); Locatelli e Vieira (2020); Oliveira (2017),
entre outros. A segunda traz algumas argumentações presentes nos principais documentos
curriculares legais da EI no que concerne à correlação cuidar-educar, quais sejam, as
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil DCNEI (2010); a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN (2016); o Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil RCNEI (1998); e a Base Nacional Comum Curricular BNCC
(2018). E a terceira, apresenta dados obtidos através do questionário, com atenção direcionada
para a relação entre professoras e monitoras de creche e suas respectivas compreensões sobre
o binômio cuidar-educar na EI.
À luz da compreensão sobre a importância desta discussão, concebida através deste e de
outros estudos desenvolvidos na e para a EI, enfatizamos que a relevância do mesmo está
na possibilidade de entendimento/aprofundamento/desenvolvimento do trabalho docente na
EI, bem como da observância de práticas contribuintes do processo de aprendizagem e
desenvolvimento físico, psíquico e social de crianças atendidas nas creches municipais de
Tocantinópolis.
Desenvolvimento
O Cuidar Educar: algumas ponderações a priori
Educação e cuidado são as principais categorias sob as quais se desenvolvem as práticas
pedagógicas nas instituições de Educação Infantil do Brasil. Embora no período assistencial
3
as ações realizadas estivessem direcionadas especificamente aos cuidados com as crianças,
muito se podia constatar em termos de aprendizagem e desenvolvimento destas. Em
observações anteriores relacionadas ao tema, destacamos que fatores como a vulnerabilidade
econômica das famílias; os problemas com higiene das crianças; o trabalho e a mortalidade
infantil, foram norteadores dos atendimentos em instituições infantis no século XIX e em
grande parte do século XX.
Com a Constituição Federal de 1988, o cenário educacional brasileiro passa por
importantes mudanças que corroboram para o desenvolvimento do atendimento educacional
atrelado aos cuidados nas creches e demais instituições infantis. Enquanto etapa educativa, a
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Educação Infantil é citada na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN
como a “Primeira fase da Educação Básica” (Brasil, 2016, p. 14), entretanto, anteriores à
referida lei, muitos estudos apontavam a necessidade de atenção quanto ao atendimento
voltado para a aprendizagem das crianças pequenas. Conforme destacaram Maranhão e Sarti
(2008, p. 2): “A creche, instituição marcada por um histórico assistencialista e organizada de
forma improvisada e precária, está sendo ressignificada como centro de cuidado e educação
infantil, de acordo com a noção do direito universal à educação”.
Observando essa compreensão, reportamo-nos a alguns trabalhos que exerceram
influência sobre os processos de educação e cuidados das crianças, a exemplo: Maria
Montessori (1870-1952), educadora italiana que criou métodos de ensino para crianças
objetivando o desenvolvimento da autonomia, da linguagem e dos conhecimentos
matemáticos. Outra produção significativa nesse sentido foi a de Celestin Freinet (1896-
1966), pedagogo francês que defendia um processo educativo para crianças centrado na
realização de atividades lúdicas e no desenvolvimento de técnicas. Além destas, são
importantes as contribuições de Jean Piaget (1896-1980) e Lev Vygotsky (1896-1934), entre
outros estudiosos, que realizaram pesquisas sobre o desenvolvimento infantil nas esferas
física, psíquica e social. Contemporâneas à essas produções, também são relevantes os
estudos de Kramer (2006) e Angotti (2008), ao trazerem reflexões que tratam da
aprendizagem e desenvolvimento infantis, respeitando as especificidades socioculturais e
cognitivas de cada criança.
Apreendemos, a partir desses e outros trabalhos, que a EI se desenvolve,
principalmente, por meio das ações pautadas nos cuidados e na educação das crianças
pequenas, o que pressupõe a indissociabilidade dessas duas práticas nos ambientes
educacionais, tendo em vista seu caráter conjunto. Nesse sentido consideramos necessária a
discussão sobre os termos educar e cuidar, seus significados e sua correlação.
Conforme ressaltaram Guimarães, Hirata e Sugita (2011, p. 154):
No Brasil e nos países de língua espanhola, a palavra “cuidado” é usada para designar a
atitude; mas é o verbo “cuidar”, designando a ação, que parece traduzir melhor a palavra
care. Assim, se é certo que “cuidado”, ou “atividade do cuidado”, ou mesmo “ocupações
relacionadas ao cuidado”, como substantivos, foram introduzidos mais recentemente na
língua corrente, as noções de “cuidar” ou de “tomar conta” têm vários significados, sendo
expressões de uso cotidiano. Elas designam, no Brasil, um espectro de ações plenas de
significado nativo, longa e amplamente difundidas, muito embora difusas no seu significado
prático.
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O cuidado compreende, nessa perspectiva, as ações que se relacionam à atenção àqueles
ou àquilo que deste necessita. No cotidiano da Educação Infantil, o cuidado e a educação
podem ser expressos em práticas como: observar, alimentar, banhar, vestir, acompanhar a
resolução de atividades, orientar em questões de disciplina e comportamento, planejar e
escolher o que será trabalhado com as crianças. Algumas dessas ações, embora conjuntas em
nosso entendimento, o desenvolvidas por apenas uma profissional, como é o caso do
planejamento e da escolha das atividades a serem desenvolvidas, o que fica subentendido
apenas como ato de educar, e acaba por segregar o grupo de profissionais que não planejam
as monitoras.
É importante observar que as ações de cuidado são tidas, em sua grande maioria, como
práticas que não demandam formação superior específica para tal. Ao analisar os contextos de
Brasil, França e Japão sobre o trabalho de care (cuidado), Guimarães, Hirata e Sugita (2011,
p. 158) destacam: “É um trabalho sem proteção formal”, “É exercido por trabalhadoras com
baixa escolaridade” e “É um trabalho de baixa remuneração”.
Embora no contexto por nós estudado as profissionais que desempenham esse trabalho
tenham vínculo empregatício formal
4
, com carga horária de 30 ou 40 horas semanais,
observamos que em alguns casos, persiste a baixa escolaridade (situação das servidoras que só
possuem formação em nível médio), e em todos os casos é notável a baixa remuneração.
Reiteramos, no entanto, a defesa de que as funções de educar e cuidar são desempenhadas
conjuntamente e defendemos ademais, a necessidade de formação específica em nível de
graduação para tal, a exemplo, o curso de Licenciatura em Pedagogia.
Em estudos recentes sobre “o lugar das professoras auxiliares”, analisando as políticas
de formação continuada para docentes no Tocantins, Locatelli (2022) observou não haver
nitidez quanto à compreensão do trabalho realizado por essas profissionais no âmbito da
Educação Infantil. Essas servidoras, também conhecidas como monitoras, embora exerçam o
ofício de educar e cuidar, são ainda tratadas em esfera de incerteza quanto a sua identidade
profissional. Tal incerteza se reflete, por exemplo, na lotação dessas profissionais no setor
administrativo da gestão municipal, “separando-as” do setor pedagógico. Outrossim, não
participam das formações continuadas e nem do planejamento, mas são sujeitos ativos dentro
do processo educativo das crianças, o que pressupõe estarem cientes das normativas e
compreensão do significado da educação infantil na contemporaneidade.
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Reiterando a perspectiva das incertezas, Oliveira (2017, p. 135), em observância à
legislação educacional infantil, esclarece que:
Ainda existe uma significativa variedade de nomenclaturas para cargos da educação infantil,
muitas vezes classificados em “regência” ou “titular” e “apoio” ou “auxiliar”, cujas funções
se encontram ambas integralmente no campo da docência, mesmo quando apresentam entre
si algumas atribuições distintas.
Entendemos assim, que os cuidados e a educação são ações complementares entre si,
realizadas no cotidiano da EI, principalmente, a partir do trabalho das monitoras e das
professoras, que o desenvolvem conjuntamente. Em reforço a esse entendimento, acreditamos
ser pertinente a observância de alguns dos principais documentos legais para essa etapa
educacional, sobre os quais dissertamos a seguir.
O que dizem os documentos legais sobre Educar e Cuidar?
Para construir uma argumentação congruente às normativas curriculares da e para a EI,
visando o objetivo traçado neste escrito, consideramos os seguintes documentos legais:
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil DCNEI (2010); a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN (2016); o Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil RCNEI (1998); e a Base Nacional Comum Curricular BNCC
(2018). Todos estes analisados a partir da perspectiva de correlação entre o educar e cuidar
nessa etapa educacional.
De acordo com o previsto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional LDBEN
(1996) a Educação Infantil deve abranger o atendimento, acompanhamento e avaliação
referentes aos processos de aprendizagem e desenvolvimento das crianças de até cinco (05)
anos. Conforme dispõe o artigo 61:
Consideram-se profissionais da educação escolar básica os que, nela estando em efetivo
exercício e tendo sido formados em cursos reconhecidos, são: I professores habilitados em
nível médio ou superior para a docência na educação infantil e nos ensinos fundamental e
médio. (Brasil, 1996, p. 19).
Nesse sentido, destaca-se a presença de professoras e monitoras enquanto tais
profissionais. Ainda no referido documento, o artigo 29 destaca ainda que o desenvolvimento
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infantil deve ocorrer: “... em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social ...”. (Brasil,
2016, p. 13).
Em observância ao disposto acima, é possível compreender a relação conjunta entre as
atividades de cuidado e educação, tendo em vista a ideia de integralidade tanto no
atendimento à criança nas instituições educacionais infantis, quanto na promoção de seu
desenvolvimento, que se faz mediante práticas integradas aos aspectos sociais, físicos e
psíquicos.
Consoante à normativa tratada, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação
Infantil DCNEI (2010) também estabelecem um entendimento de correlação entre as
categorias educar e cuidar. Ao abordar a concepção de criança como indivíduo que,
historicamente: “... constrói sua identidade pessoal e coletiva, brinca, imagina, fantasia,
deseja, aprende, observa, experimenta, narra, questiona ...”. (Brasil, 2010, p. 14); o
documento possibilita inferir que a prática pedagógica deve compreender essas ações de
maneira interligada, considerando a sua interdependência.
Sobre os profissionais da educação, assimilamos que as diretrizes e orientações da
normativa em questão, configuram importante subsídio para o desempenho do trabalho de
todos esses profissionais. Assim, o conhecimento e utilização de tais orientações integra o
trabalho de todos os sujeitos docentes operantes na EI.
As DCNEI são estruturadas com centralidade nos eixos interações e brincadeiras. Esses
dois devem ser considerados na organização do planejamento e na condução das atividades a
serem efetuadas na EI e são essenciais ao desenvolvimento infantil. Trabalhados de forma
integrada, eles se situam nas ações educativas e de cuidados que são (e devem ser)
desempenhadas concomitantemente. Ademais, o documento ressalta que a educação deve ser
assegurada “... em sua integralidade, entendendo o cuidado como algo indissociável ao
processo educativo”. (Brasil, 2010, p. 19).
Outro documento que nos auxilia nessa compreensão é o Referencial Curricular
Nacional para a Educação Infantil RCNEI (1998). Utilizado durante muitos anos como
documento norteador do planejamento nas creches conforme relatos das docentes, o RCNEI
salienta que:
Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras e aprendizagens
orientadas de forma integrada e que possam contribuir para o desenvolvimento das
capacidades infantis de relação interpessoal, de ser e estar com os outros em uma atitude
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básica de aceitação, respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos mais
amplos da realidade social e cultural. (Brasil, 1998, p. 23, grifo nosso).
As atividades educacionais são, conforme o referencial, uma junção de educação e
cuidados que devem ser compreendidas tanto na construção do planejamento quanto na
realização do atendimento às crianças. Nesse sentido, entendemos ser importante que todas
5
as profissionais envolvidas no trabalho docente possuam formação adequada e sejam cientes
da estrutura curricular e dos conhecimentos pertinentes à condução do seu trabalho, uma vez
que: “... Contemplar o cuidado na esfera da instituição da educação infantil significa
compreendê-lo como parte integrante da educação, embora possa exigir conhecimentos,
habilidades e instrumentos que extrapolam a dimensão pedagógica”. (Brasil, 1998, p. 24).
Assim, observa-se também a importância do trabalho conjunto entre os sujeitos
docentes dessa etapa educacional, além de sua valorização em âmbito educacional, pois:
... os debates têm indicado a necessidade de uma formação mais abrangente e unificadora
para profissionais tanto de creches como de pré-escolas e de uma restruturação dos quadros
de carreira que leve em consideração os conhecimentos acumulados no exercício
profissional, como possibilite a atualização profissional. (Brasil, 1998, p. 39).
Nesse seguimento, é importante também enfatizar a proposta da Base Nacional Comum
Curricular BNCC (2018), documento recente que “substituiu” o RCNEI no que concerne ao
planejamento das atividades curriculares na EI. A BNCC se caracteriza por orientar o trabalho
na EI a partir de cinco campos de experiência, quais sejam O eu, o outro e o nós; Corpo,
gestos e movimentos; Traços, sons, cores e formas; Escuta, fala, pensamento e imaginação; e
Espaços, tempos, quantidades, relações e transformações. Esses campos configuram,
conforme interpretação da proposta curricular, o caminho para o planejamento e
desenvolvimento do trabalho docente que deve proporcionar os seis direitos de aprendizagem
e desenvolvimento às crianças (conviver, brincar, participar, explorar, expressar e conhecer-
se). As atividades na EI devem estar articuladas de modo a garantir esses direitos, através dos
cinco campos supracitados.
Considerada “... um documento de caráter normativo que define o conjunto orgânico e
progressivo de aprendizagens essenciais que todos os alunos devem desenvolver ...”. (Brasil,
2018, p. 9), a BNCC apresenta orientações baseadas na inter-relação do cuidar e do educar,
concebendo os dois como principais integrantes das atividades desempenhadas na Educação
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Infantil. Embora a BNCC não apresente claramente uma preocupação com os profissionais da
educação, é notória a importância do papel por estes desempenhado na EI.
A incursão nessas normativas e orientações curriculares oportuniza uma sustentação
legal para a compreensão por nós defendida em torno da indissociabilidade pertinente às
categorias cuidar e educar na EI. Fato que reitera nosso objetivo de analisar como essas
prerrogativas se implementam na relação entre professoras e monitoras de creche, sobre a
qual trataremos a seguir.
O Cuidar e Educar na relação entre professoras e monitoras de creche
Ao intentar uma análise sobre o cuidar e o educar na EI, desenvolvida para além das
especificações dessas duas categorias, realizamos uma investigação a partir da relação entre
professoras e monitoras de creche, entendidas aqui como os principais sujeitos docentes
6
da
EI. A coleta de dados ocorreu por meio de questionário on-line auto aplicado, disponibilizado
na plataforma Google Forms, com dezesseis (16) perguntas das quais seis (06) foram
objetivas e dez (10) foram subjetivas. As questões versaram sobre os perfis das docentes, suas
funções e a compreensão sobre as atividades de cuidar e educar na EI; e foram direcionadas às
monitoras e professoras de creche do município de Tocantinópolis (TO). De um quantitativo
de sessenta e três (63) sujeitos docentes que receberam o questionário, vinte e uma (21) o
responderam. Destas servidoras, onze (11) o monitoras e dez (10) são professoras,
distribuídas em turmas de Berçário, Maternal I e Maternal II, nas duas creches municipais.
As referidas profissionais possuem idade entre vinte e dois (22) e cinquenta e seis (56)
anos, e a maioria delas possui vínculo empregatício efetivo. O período de experiência
profissional compreende entre cinco (05) a vinte e um (21) anos de serviço e a carga horária
de trabalho semanal varia de 20 a 40 horas semanais a depender da instituição e do vínculo
empregatício. As monitoras trabalham 30 ou 40 horas semanais
7
, as professoras têm carga
horária de 20, 30 ou 40 horas por semana.
Conforme ressaltamos em caráter introdutório a este escrito, as atividades de educar e
cuidar nas creches municipais que serviram como subsídio à análise desenvolvida, são
organizadas separadamente, sendo o cuidar atribuído às monitoras e o educar às professoras.
É válido mencionar que essas profissionais possuem formação em diferentes áreas de
conhecimento, como: Curso Normal Superior (01 professora), Magistério (02 professoras e 03
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monitoras), Pedagogia (07 professoras e 02 monitoras), Serviço Social (01 monitora), História
(01 monitora), Ciências Sociais (01 monitora), Técnico em Enfermagem (01 monitora), e
algumas possuem apenas o Ensino Médio (02 monitoras).
Também é importante ressaltar que todas são servidoras do sexo feminino, fato que
possui relevância para a nossa análise, haja vista que,
O care remete à questão de gênero, na medida em que essa atividade está profundamente
naturalizada, como se fosse inerente à posição e à disposição (habitus) femininas. Mas, na
medida em que o care se manifesta como ocupação ou profissão exercida em troca de uma
remuneração, o peso e a eficiência crescentes das políticas públicas tornam-se verdadeiras
bombas de efeito retardado, visto que questionam a gratuidade do trabalho doméstico e a sua
circunscrição ao grupo social das mulheres, e desafiam a ideia de “servidão voluntária”
inerente a esse serviço quando realizado no espaço privado do domus. Vale dizer, a
emergência do care como profissão implica o reconhecimento e a valorização do trabalho
doméstico e do trabalho familiar como “trabalho”; em outras palavras, a associação do
trabalho do care com uma profissão feminina deixa de ser natural. (Guimarães, Hirata &
Sugita, 2011, p. 156).
Observamos a predominância da presença feminina quando se trata do trabalho atrelado
a ações de cuidados e educação com as crianças. Embora as instituições de Educação Infantil
não tenham mais caráter unicamente assistencialista, muito do trabalho a ser realizado nesses
espaços é, até os dias atuais, relacionado à figura materna principalmente. Esta, por sua vez, é
tida como alguém que possui o “dom” do cuidado, o que acaba por precarizar questões
como formação, remuneração e valorização das mulheres que exercem essas funções.
Alguns levantamentos de Oliveira (2017) contribuem para reforçar o entendimento
supra no que se refere à formação dessas profissionais:
Dos 391 cargos efetivos da educação infantil com oferta de vagas, publicada em editais
levantados de concursos públicos de 2015 para 340 municípios de diferentes estados da
federação, 110, cerca de 28%, exigiam candidatas com escolaridade inadequada, de
“alfabetizada” ou ensino fundamental incompleto, 6 casos, a ensino médio concluído sem
requisito de formação em magistério, 79 casos: agente, assistente, atendente, auxiliar, babá,
berçarista, cuidadora, monitora e pajem. Por outro lado, todos os 211 cargos de professora e
25 de educadora, cerca de 60%, estavam em conformidade com a LDBEN. (Oliveira, 2017,
p. 136).
Em se tratando do último concurso público municipal, realizado em Tocantinópolis no
ano de 2016, a situação é semelhante à acima exposta, visto que a exigência para a função de
monitora de creche era somente ter o ensino médio concluído, conforme descrito no edital:
CARGO: MONITOR DE CRECHE, CÓDIGO DO CARGO: M207; JORNADA DE
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TRABALHO: 40 horas semanais; REMUNERAÇÃO INICIAL: R$ 1.070,00; FORMAÇÃO
MÍNIMA EXIGIDA: Ensino Médio Completo”. (Tocantinópolis, 2016, p. 22, grifo nosso).
Oliveira (2017) também observou que ampla diferenciação quanto aos fatores que
envolvem o trabalho das auxiliares (monitoras) quando comparado ao trabalho das
professoras, e relata:
Vários estudos acadêmicos, realizados no último decênio, em âmbito estadual (Buss-Simão,
2015; Chamarelli, 2013; Kramer et al., 2013; Siller & Côco, 2008) e municipal (Conceição,
2010; Edir, 2014; Gil, 2013; Martins, 2011), salvo algumas diferenças, especificidades locais
e mudanças mais recentes, apresentam evidências, no que se refere às condições de emprego,
da situação mais desfavorável das auxiliares de creche em comparação com as professoras da
educação infantil: maior carga de trabalho, menor salário, maior frequência de contrato
temporário, inexistência de plano de carreira, ou então não pertencimento funcional ao
quadro do magistério, e menos oportunidades de formação continuada.
Em observância às elucidações acima, notamos a semelhança com relação às situações
trabalhistas das profissionais atuantes nas instituições pesquisadas. Assim, buscando
prosseguir com a apresentação e debate sobre os dados obtidos por meio do questionário
aplicado a estas, destacamos os demais assuntos pertinentes à temática, a partir do olhar das
referidas docentes (monitoras e professoras). Enfatizamos em princípio que, das dezesseis
(16) questões respondidas, seis (06) foram objetivas e tratavam dos perfis das docentes,
descritos anteriormente. A seguir, passaremos às dez (10) subjetivas sobre as quais
desenvolvemos a análise a partir dos sete (07) subtemas que seguem: a) definição dos termos
cuidar e educar na EI; b) documentos legais que norteiam o planejamento curricular na EI; c)
avaliação das práticas desenvolvidas na creche com os documentos curriculares; d) funções
das professoras de creche; e) funções das monitoras de creche; f) a relação entre professoras e
monitoras nas creches; e g) o trabalho administrativo e o trabalho pedagógico.
Definição dos termos cuidar e educar na Educação Infantil
Ao serem questionadas sobre o que entendem por educar e cuidar na educação infantil,
a maioria das profissionais docentes, participantes da pesquisa, observam a correlação entre
os dois termos. Em suas respostas elas utilizam expressões como interligados, inseparáveis,
indissociáveis, sendo as duas primeiras recorrentes em 82% e 65% das respostas,
respectivamente. Como podemos ver em algumas das falas:
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O cuidar e educar o indissociáveis e devem proporcionar às crianças seu
desenvolvimento”. (Monitora A
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).
Cuidar e educar na EI estão relacionadas e andam juntas principalmente na creche ...”.
(Professora M).
As concepções apresentadas por essas docentes associam-se ao entendimento de que a
creche “... se constitui num espaço de socialização por excelência, que cumpre papel de
promover o cuidar e o educar da infância, bem como o favorecimento da inserção da criança
nas relações éticas e morais que permeiam a sociedade”. (Pietrobon & Ujiie, 2007, p. 2).
Assim, a promoção das aprendizagens e do desenvolvimento infantil aparece associada às
ações de educar e cuidar conjuntamente.
No entanto, das vinte e uma (21) docentes que participaram respondendo ao
questionário, quatro (04), definiram educar e cuidar como práticas distintas e separadas no
contexto da EI. Destas, três (03) são professoras e uma (01) é monitora. Uma das professoras
destacou em sua resposta: São duas práticas distintas no sentido de que, o cuidar está
associado aos cuidados do corpo, assim como no aspecto afetivo e o educar é mediar um
processo de aprendizagem para o exercício da cidadania”. (Professora F).
Outra docente descreveu cuidar e educar da seguinte forma:
O cuidar na educação infantil, está relacionado ao assistencialismo, dessa forma qualquer pessoa
poderá desenvolver esses cuidados. o educar poderá ser desenvolvido por um profissional
capacitado onde os educandos deverão desenvolver habilidades e competências que nortearão as suas
vivências. (Professora H).
Ao analisar os fragmentos acima, observamos que, no contexto investigado, não é
unanime a compreensão de indissociabilidade das categorias educar e cuidar na EI, por parte
de ambas as categorias de profissionais. Embora a maioria das docentes ressalte que as duas
são fundamentais e inseparáveis, ainda há aquelas que não partilham do mesmo entendimento,
descrevendo-as separadamente.
Para Cerisara (1999, p. 6-7) isso repercute na compreensão sobre as crianças e seus
direitos na educação infantil, pois:
Essa dicotomização entre as atividades com um perfil mais escolar e as atividades de
cuidado, revelam que ainda não está clara uma concepção de criança como sujeito de
direitos, que necessita ser educada e cuidada, uma vez que ela depende dos adultos para
sobreviver e também pelo fato de permanecer muitas vezes de 10 a 12 horas diárias na
instituição de educação infantil.
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As necessidades das crianças no que concerne à educação e cuidados, defendidas pela
autora, nos auxiliam na interpretação de que as profissionais que trabalham nesse segmento da
educação básica, devem compreender a importância de sua função e da interligação que
configura suas práticas. Ademais, essa compreensão deve se fazer presente no cotidiano
educacional, desde o planejamento até a execução das atividades pedagógicas.
Em observância às respostas dadas pelas profissionais participantes, assimilamos que
ainda não existe total clareza quanto à indissociabilidade das práticas de cuidar e educar na
EI. Nesse sentido, consideramos importante também nos reportamos às orientações
normativas para a EI, e questionar as docentes sobre seu entendimento em torno desses
documentos, haja vista as disposições expressas por esses sobre as atividades de educar e
cuidar em instituições de educação infantil.
Documentos legais que norteiam o planejamento curricular na EI
Na sequência foi solicitado às docentes que indicassem alguns documentos legais que
norteavam o planejamento curricular na Educação Infantil. Nesse sentido, as participantes
citaram principalmente a BNCC, que aparece em quatorze (14) das respostas obtidas,
seguida do RCNEI, mencionado por em nove (09) das referidas docentes. A LDBEN,
também apresentada como normativa curricular, acompanha o RCNEI na quantidade de
vezes em que aparece. Em cinco (05) das respostas apenas um desses documentos aparece.
Nas demais as profissionais apontam três (03) ou quatro (04) dos referidos acima,
conjuntamente.
Outros documentos norteadores do planejamento nas instituições pesquisadas o os
Projetos Políticos Pedagógicos (PPPs), que aparecem três (03) vezes; o livro Cadê achou!
Educar, cuidar e brincar na ação pedagógica da creche, de Aline Pinto (2019), mencionado
duas (02) vezes; e o Documento Curricular do Tocantins (DCT), indicado em uma (01) das
respostas obtidas. É válido mencionar que o DCT é um documento organizado,
considerando as disposições da BNCC, para orientar o planejamento e demais atividades
pedagógicas no que refere aos aspectos da diversidade regional e que devem integrar o
currículo da Educação Infantil.
Em observância às normativas e demais textos mencionados pelas participantes,
consideramos necessário refletir sobre como o conhecimento de tais orientações se efetiva
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no cotidiano da EI, haja vista as diversas percepções sobre as categorias educar e cuidar
nessa etapa educacional. Partindo das respostas obtidas, entende-se que a BNCC é a mais
considerada pelas profissionais, contudo, algumas delas parecem desconhecer, de fato, o
conteúdo do referido documento, sobretudo aquele grupo (03 professoras e 01 monitora),
que entende as categorias educar e cuidar como atividades dissociadas.
Conforme salientamos anteriormente, as propostas curriculares para a Educação
Infantil são orientações nas quais as ações de educação e cuidados se desenvolvem
conjuntamente, ou seja, o se dissociam. Quando profissionais docentes (e demais
servidores da EI) sugerem uma secção entre estas categorias, demonstram fragilidade no
que se refere à interpretação do conteúdo normativo e das obras correlatas, bem como das
suas práticas. Ainda que essa secção não seja unanime entre as respostas das profissionais
participantes, sua existência requer atenção no âmbito da educação infantil, haja vista
nenhum dos documentos orientadores apontar tal separação.
Nesse seguimento, nota-se uma incompatibilidade entre as percepções das
profissionais docentes sobre a interligação das ações de educar e cuidar na EI, e os
documentos que elas apontam como importantes para o desenvolvimento do trabalho nessa
etapa educacional. É válido reiterar que, embora a pergunta tenha sido feita para ambas as
categorias, somente as professoras realizam planejamento. Neste sentido, nosso intuito era
entender também, em que medida as monitoras tinham conhecimento dos documentos
utilizados. Assim, atentamo-nos para a necessidade de uma avaliação, por parte dessas
profissionais, sobre as práticas desempenhadas em relação a esses documentos.
Avaliação das práticas desenvolvidas na creche com os documentos curriculares
Quando perguntadas sobre como avaliavam as práticas desenvolvidas na creche em
relação aos documentos, todas as docentes enfatizaram a importância dos mesmos para a
prática pedagógica. A Professora H apresenta sua compreensão a respeito, da seguinte
forma: Avalio as práticas desenvolvidas com o documento da BNCC positivas, é um
documento com sugestões práticas e voltadas ao trabalho dico, porém em alguns
momentos é necessário fazer adaptação adequadas ao nosso contexto.
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Outra observação que aponta para a relevância dessas orientações curriculares na EI, é
a da Professora I: Muito importante pois nos um norte como trabalhar com crianças
pequenas”.
Contudo, embora seja reconhecida a significância das propostas curriculares pela
totalidade das docentes, a maioria das monitoras de creche (81,82%), não concebem uma
relação de pertinência entre aquilo que os documentos orientam, aquilo que é planejado na
creche e o que é, de fato, desenvolvido com as crianças. De acordo com uma dessas
monitoras:
O estudo dos documentos, se existe, fica restrito aos professores. No que se refere às
práticas em sala de aula pouca coisa mudou-se desde minha entrada na creche até os dias
atuais. Os professores reclamam que não fazem o planejado porque não tem material
disponível. (Monitora S).
Ainda nessa perspectiva, outros fragmentos extraídos das respostas dadas pelas
monitoras, fortalecem a ideia de que discrepância quanto ao planejamento e as práticas
desenvolvidas, a exemplo: “Falta conteúdos para serem desenvolvidos com as crianças”.
(Monitora A); e outra monitora escreveu: “50%, pois acho que fica mais no caderno de
planejamento, do que na prática em sala de aula”. (Monitora E).
Além dessas apresentadas, outras ideias expostas sugerem o distanciamento entre as
práticas de professoras e monitoras nas instituições pesquisadas e refletem a desvalorização
desse segundo grupo. É o caso do trecho seguinte, onde a Monitora J avalia o planejamento
das professoras como “Totalmente fora dos eixos”. Esta afirmação transmite a ideia de que
as atividades desenvolvidas com as crianças fogem ao que preconizam os documentos
curriculares da EI.
Seguindo com a questão sobre avaliação, a Monitora D destacou: “Não avalio.
Somente as professoras”. Este fragmento revela que há uma forte separação quanto às
atribuições dessas profissionais, de tal forma que uma delas entende não poder avaliar as
práticas docentes, ademais as suas, no ambiente onde trabalha. Contudo, trataremos
especificamente da relação entre essas profissionais em tópico posterior.
Apreendemos das respostas supracitadas, que a avaliação das docentes sobre o
planejamento e suas práticas pedagógicas na creche, demonstra uma divergência de
percepção. Enquanto as professoras avaliam como positivas tais ações, as monitoras
ressaltam acentuada carência quanto à efetiva relação entre o planejamento e a sua
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execução. Sugerem, além disso, que o acesso aos documentos curriculares e o estudo destes,
está mais distante das monitoras e em maior proximidade com as professoras. Questão esta
que atribuímos ao fato de as monitoras o planejarem. Todavia, isso não às exime do
compromisso de estudar, conhecer e desenvolver seu trabalho em concordância com as
prerrogativas curriculares da EI, haja vista, em alguns momentos as monitoras contribuírem
com as professoras no desenvolvimento das atividades consideradas de caráter
exclusivamente pedagógico. E justifica ademais, a necessidade de serem realizadas
formações continuadas para todas as profissionais desse campo educacional.
A partir de suas respostas, seguimos com a análise, observando agora as atividades
que as docentes apontam como funções das professoras de creche.
Funções das professoras de creche
Buscando analisar como se efetiva a relação entre professoras e monitoras, foi
perguntado: para você quais atividades são funções das professoras de creche? A maioria das
respostas reuniram aspectos do educar e cuidar indissociadamente, ademais “educar e
cuidar” apareceram, explicitamente, oito (08) vezes como resposta à indagação. sem
utilizar os dois termos, mas ainda assim envolvendo-os na compreensão, outras considerações
relacionadas a essas duas categorias foram observadas nos seguintes trechos: “Planejar e
aplicar as atividades, preencher o diário, estimular as crianças para a vida e auxiliar na higiene
das crianças em sala”. (Professora P); e “Planejamento das aulas; ministrar as aulas; trabalhar
com atividades extraclasse; auxiliar no zelo e bem-estar da criança no que se refere a cuidados
com higiene, segurança e alimentação”. (Monitora S).
Embora as respostas remetam à indissociabilidade do educar e cuidar, observamos a
partir dos trechos supracitados, que as atividades de cuidado, quando relacionadas às
professoras, estão descritas como ações de auxílio, o que figura a ideia de que às professoras
caberia o papel de apenas ajudar no cuidado, mas este não integraria diretamente a sua função.
Assim, sugere o entendimento de que as professoras podem auxiliar as monitoras quando se
trata de cuidado, mas que este não é uma de suas atribuições diretas. Nesse sentido, é
importante observar que:
... o cuidar geralmente é associado às emoções e aos aspectos fisiológicos, enquanto o educar
estabelece um link com a racionalidade e o cognitivo, revelando assim que a compreensão de
sua indissociabilidade ainda não está consolidada no campo profissional. Resultando numa
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dissociação entre cuidar e educar e num status de subsunção do cuidar pelo educar.
(Locatelli, 2020, p. 135).
Assimilamos, a partir dessa análise, que ainda persiste uma visão dissociada sobre as
duas categorias, por parte de algumas docentes, tanto monitoras quanto professoras. Além
disso nota-se que o educar assume, nessa perspectiva, uma posição de maior relevância em
comparação ao cuidar, repercutindo também no status social de quem realiza tais atividades
na EI. As professoras, tratadas como as profissionais do educar, assumem então uma posição
hierárquica de maior prestígio em relação às monitoras.
Nesse sentido, notamos que, mesmo conhecendo os documentos curriculares e
ressaltando a importância da interligação entre as práticas de educação e cuidados, as
profissionais mantém a separação das categorias. Ao entenderem que as atividades de
cuidados não estão diretamente integradas às funções das professoras, elas assumem tal
dissociação. Sob essa ótica, consideramos necessário indagar as docentes também sobre as
atividades descritas como funções das monitoras nessas instituições.
Funções das monitoras de creche
Seguindo a mesma perspectiva do questionamento anterior, interrogamos as
participantes sobre quais seriam as atividades relacionadas às funções das monitoras de
creche. Aqui os termos “cuidar e educar” ou “educar e cuidar”, frequentes na indagação
anterior, aparecem em apenas duas (02) respostas explicitamente, sendo as duas de monitoras.
Não obstante, o que mais nos chamou a atenção nesse momento da pesquisa foi a maioria das
participantes (especificamente 16), tanto professoras quanto monitoras, ter utilizado a frase
“auxiliar a professora” como componente da sua resposta. Para esclarecer essa observação,
destacamos os seguintes trechos:
Auxiliar as professoras na sala no contexto das atividades, higiene, alimentação, cuidados
dentro da sala, limpeza, cuidado com as crianças em suas atividades do dia a dia e seu bem-
estar. (Professora K).
Auxiliar a professora no desenvolver das atividades em sala; colaborar com a segurança,
higiene, saúde e alimentação das crianças; trabalhar a independência e zelar pelo bem-estar.
(Professora R).
Auxilia o professor na sala participando das atividades educacionais de lazer, higiene,
receber e entregar as crianças aos responsáveis, auxiliar nas atividades e higiene da criança.
Asseio e alimentação e controlar repouso. (Monitora G).
Auxiliar os professores no cuidar das crianças. (Professora N).
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São funções do monitor recepcionar as crianças, cuidar da higienização dos objetos e
brinquedos usados pelas mesmas, verificar o bem-estar da criança, alimentação, sono,
higiene, disposição e saúde física e psicológica, e auxiliar o professor no desenvolvimento
das atividades. (Monitora U).
A função das monitoras é para auxiliar os professores no cuidar e educar das crianças.
(Professora P).
Nota-se que a maioria das profissionais que entendem as funções das monitoras como
atividades de auxílio são professoras. Contudo, algumas monitoras partilham da mesma
compreensão. Ademais, consideramos que essa concepção corrobora para desvalorização
dessas profissionais, tendo em vista que as atividades de “auxílio”, interligadas ao cuidado,
em sua maioria, ainda estão associadas ao assistencialismo atrelado à concepção de
maternidade, que por sua vez, “não pressupõe” a necessidade de formação para ser
desempenhada.
Nesse seguimento, observamos novamente a ideia de fragmentação entre as atividades
de educar e cuidar, e de hierarquização das práticas docentes nas creches. Sendo as monitoras
as responsáveis por auxiliar as professoras”, como exposto pelas respondentes, fica
subentendida a sua segregação nos ambientes da educação infantil. Enquanto no tópico
anterior, vimos as funções das professoras expostas como ações de educar, neste notamos as
das monitoras relacionadas ao cuidar. Tal compreensão, reforça a dissociação que tentamos
expressamente, combater, e nos direciona para a questão sobre a relação entre essas
profissionais docentes no cotidiano estudado.
A relação entre professoras e monitoras nas creches
Quando indagadas sobre como é a relação que estabelecem no cotidiano das creches,
inferimos que professoras e monitoras se dividem principalmente, em dois grupos: 1 as
que consideram ter uma relação positiva, de parceria e trabalho conjunto, e reconhecem a
importância deste, representando um total de 42,86% das respondentes; e 2 as que
entendem haver muitas divergências e até “diminuição” quanto à figura das monitoras no
contexto educacional, totalizando 57,14% das respostas.
Para fins de melhor explanação da questão, optamos por apresentar as respostas das
docentes através do quadro subsequente:
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Quadro 1 Relação Professoras e Monitoras.
Grupo 1
Grupo 2
Relação de parceria em ambos os
trabalhos. (Monitora A).
Uma relação de colaboração e de parceria
com muito respeito e de um trabalho em
equipe em prol do desenvolvimento das
crianças. (Professora M).
Harmônica. (Monitora T).
É uma parceria muito produtiva.
(Monitora D).
Minhas vivências foram de boas
parcerias, um trabalho conjunto bastante
ativo e profissional. (Monitora G).
Considero de suma importância a
parceria entre professor e monitor, vejo o
trabalho de professores e monitores na
creche como harmonioso e percebo que
existe sintonia entre ambos. (Professora
I).
A relação da monitora e professora é uma
parceria, uma ajudando a outra.
(Professora P).
As vezes parece que os professores tentam nos
desassociar do auxílio pedagógico. Como se s só
cuidássemos. (Monitora O).
Em sala de aula, um profissional complementa o outro,
e apesar do monitor fazer parte do trabalho
pedagógico, ainda exclusões em alguns pontos
(planejamento, grupos de WhatsApp dos pais, festas e
lembrancinhas do dia dos professores, etc. (Professora
F).
A maioria dos professores tentam, tentam desassociar o
trabalho dos monitores como educacional, tentando
mostrar que cuidamos da higiene das crianças.
(Monitora L)
Em todos os anos trabalhados nesta instituição, ficou-
se evidente que a relação entre professor e monitora
não se trata de uma parceria, mas sim de uma relação
de hierarquia e poder. A sala é da professora, a
monitora também é da professora. Então, monitora é
um mais um instrumento do professor. A professora
decide quando e como fazer. (Monitora S).
As vezes as monitoras são tratadas com exclusão.
(Monitora B).
... casos em que professoras não nos respeita, nos
como aquelas que limpam "coco" da criança, que só
banham a criança ... (Monitora E).
A comunicação é fundamental para uma boa relação de
trabalho, e as vezes isso deixa a desejar na creche.
(Professora C).
Não é sempre uma relação de parceria, as professoras
se acham superiores e estão constantemente usando
frases como “minha monitora”, como se a gente fosse
um objeto delas. (Monitora J).
Fonte: Dados da pesquisa.
Além das respostas apresentadas no quadro, um terceiro grupo de profissionais que
não se encaixam nos dois primeiros: as que preferiram o se manifestar sobre a questão
(totalizando três professoras) ou as que ficaram divididas entre os outros dois, e sugerem
como essa relação deveria ser. Uma delas escreveu: “É uma relação boa, mas poderia
melhorar em muitos pontos”. (Professora H). Cabe ressaltar que a palavra “respeito”,
aparece nas respostas como o ponto que precisa melhorar.
Ao analisar o quadro e as demais respostas, consideramos que as interações das
docentes se apresentam, em certa medida, desarmônicas, sobretudo no que se refere ao
tratamento com as monitoras, tidas como responsáveis pelo cuidar. Nesse sentido, ao refletir
sobre as relações sociais, as práticas e os sentidos do cuidar no contexto da Educação
Infantil, Dumont-Pena (2015, p. 137-138) ponderou acerca da necessidade de:
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Levar a sério o ensino do cuidado do outro, talvez pensando em termos de gerações, pode
levar-nos também a um processo de repensar o próprio mérito, de modo que o trabalho de
cuidado, não somente na Educação, seja valorizado, implicando um questionamento dos que
se eximem de cuidar na nossa sociedade, muitas vezes “merecedores” da estima.
Consideramos a relação de pertinência entre o exposto pela autora e as respostas dadas
pelas participantes, uma vez que a maioria das monitoras demonstrou sentir-se diminuída em
relação à professora. Esse fato transmite a ideia de que as professoras (entendidas como as
profissionais do educar), assumem maior grau de estima em relação às monitoras
(consideradas as servidoras do cuidar). Porém, de acordo com as observações de Locatelli
(2018), o desenvolvimento do trabalho na educação infantil pressupõe a presença constante de
coletividade e trocas entre os profissionais desta área. Essa coletividade, necessária
cotidianamente tanto dentro quanto fora do espaço da sala de aula, pode sofrer prejuízos
advindos da separação entre as duas categorias de profissionais.
Sob essa perspectiva, Dumont-Pena (2015) evidenciou a existência de conflitos
concernentes às atribuições de docentes nas creches, principalmente quando estas se associam
aos cuidados.
Todo o debate em torno da formação das (os) profissionais para atuarem no cuidado e
educação das crianças em creches e pré-escolas se fez e ainda se faz de modo a construir
referências sobre os saberes, as habilidades, as disposições etc. necessários para a efetivação
dos direitos de bebês e crianças pequenas. Além disso, a definição da (o) professora
(professor) como a (o) profissional responsável por tais ações, abrangendo cuidados com o
corpo da criança e com o ambiente educativo, trouxe para o campo da educação e para a
própria categoria profissional professor novos elementos que não estão sendo absorvidos
sem conflitos. Atividades claramente entendidas como de cunho pedagógico, ainda que
pouco presentes no Ensino Fundamental, são compreendidas e apropriadas como parte do
trabalho docente na Educação Infantil. as atividades de cuidado encontram resistências
por parte desse grupo profissional, desde os processos de formação até a organização, por
parte de instituições educacionais, de carreira ou de divisão de funções que segmentam o que
se entende por cuidado e o que se entende por educação. (Dumont-Pena, 2015, p. 38-39).
O fragmento acima reforça nossas observações sobre as respostas obtidas neste estudo e
demonstra que as formas de organização institucional e de carreira das profissionais
participantes, acabam por promover a separação das atividades de cuidado e educação na EI.
Além dessa dissociação, é possível observar a depreciação atribuída ao cuidar e a quem
“deve” desempenhar essa função quando se compara com os sujeitos aos quais “cabe” a ação
de educar na EI.
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Nessa perspectiva, percebemos a presença de ambiguidades na relação entre as duas
categorias de profissionais. Tais imprecisões, explícitas principalmente nas alusões ao
trabalho das monitoras, são em nosso entendimento, prejudiciais ao desenvolvimento do
trabalho na EI, e podem repercutir negativamente no atendimento às crianças matriculadas
nessa etapa educacional. Assim, consideramos ainda necessário analisar o entendimento das
profissionais docentes sobre em qual setor se encaixariam, de fato, as atividades das
monitoras.
O trabalho administrativo e o trabalho pedagógico
Como último questionamento destinado às docentes participantes desta investigação,
interrogamo-las sobre se o trabalho realizado pelas monitoras seria administrativo ou
pedagógico. E logo em seguida pedimos que justificassem a resposta. Dezenove (19) das
participantes (entre monitoras e professoras) responderam que o trabalho das monitoras é
pedagógico, ainda que estas estejam lotadas no setor administrativo pela gestão municipal.
E duas (02) professoras consideraram que esse trabalho é administrativo, justificando suas
respostas da seguinte forma:
É administrativo pois o trabalho de monitor é para auxiliar o professor em sala de aula e na
higienização das crianças. Ao professor fica a função de planejar, de administrar aulas e
atividades educativas, de preencher diário, fazer relatórios específicos e diversos e
confeccionar materiais concretos. (Professora P).
O trabalho das monitoras é administrativo pois auxilia o professor em sala e na
higienização das crianças. Ao professor cabe a função pedagógica de planejar, de
preencher diário, fazer relatórios específicos e diversos, administrar aulas, elaborar e
aplicar atividades educativas em sala. (Professora R).
Observando algumas das respostas da Professora R, podemos notar que ela
compreende o trabalho das monitoras de maneira dissociada do seu, haja vista a manutenção
da ideia de auxílio ao professor, por ela expressa mais de uma vez.
Assim, acreditamos ser necessário enfatizar que os servidores do setor administrativo
são aqueles que, nas creches, desempenham suas funções quase que exclusivamente fora das
salas de aula e em menor contato com as crianças (merendeiras, auxiliares de serviços
gerais, porteiro). os servidores do setor pedagógico seriam aqueles que trabalham
diretamente com as crianças, dentro e fora das salas de aula (nesse caso professoras e
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monitoras). Ainda assim, as monitoras são, por vezes, classificadas como pertencentes ao
administrativo.
Contudo, destaca-se que: “... mesmo aquele que esteja numa posição de auxiliar de
professor, por exemplo, compõe a equipe pedagógica e desempenha atividade docente,
devendo ter a formação em magistério”. (Aquino, 2010, como citado em Locatelli, 2022, p.
97). Tão importante quanto a formação específica para esse trabalho, se faz o planejamento
das atividades a serem desenvolvidas na EI, ação realizada somente pelas professoras e que,
nessa perspectiva, contribui tanto para reforçar seu nculo com o setor pedagógico, quanto
para distanciar as monitoras deste.
É válido mencionar que as monitoras, por diversas vezes, assumem a posição de
titular
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da sala e, mesmo sem planejamento, precisam conduzir as atividades de educar e
cuidar das crianças. Nesse sentido, ratificamos nossa compreensão acerca da iminente
necessidade de reconhecimento do trabalho das monitoras que compreende conjuntamente
ações de cuidar e educar na educação infantil.
Considerações finais
Este escrito se desenvolveu a partir de uma investigação pautada no olhar das monitoras
e professoras de creche sobre a correlação entre o cuidar e o educar na Educação Infantil.
Analisamos, em diálogo com teorias e documentos relevantes para esta etapa educacional, as
compreensões e fundamentos que envolvem as percepções e práticas docentes nas creches
municipais de Tocantinópolis (TO). As principais questões que permearam o
desenvolvimento da pesquisa foram: Como as categorias cuidar e educar são compreendidas e
se efetivam no cotidiano das creches municipais? Quais seus desdobramentos para a relação
entre professoras e monitoras?
Através dos dados coletados com essas profissionais docentes e das vivências no
cotidiano das creches municipais, observamos que as categorias cuidar e educar, ainda que
bastante discutidas nas últimas décadas, carecem de maiores aprofundamentos no que se
refere à sua inter-relação, o que corroboraria para a efetivação concreta dessa
indissociabilidade. Em nosso entendimento, tais categorias ainda não se efetivam de maneira
esclarecida para algumas das profissionais docentes do campo investigado. Essa imprecisão,
exposta por professoras e monitoras, influencia diretamente em suas relações dentro das
creches e corrobora, em nossa visão, para os seguintes desdobramentos:
Locatelli, A. S., & Cristina, M. (2023). A correlação entre cuidar e educar a partir do olhar de monitoras e professoras de creche...
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Embora os documentos legais e demais obras/estudos sobre as duas categorias retratem
a indissociabilidade de ambas, algumas profissionais (monitoras e professoras) ainda às
concebem separadamente, seja em decorrência da estrutura organizacional das creches, que se
apresenta fortemente instituída em suas percepções, dividindo o cuidar para um grupo de
sujeitas e o educar para outro; seja pelas interpretações acerca dos dois termos e que
envolvem o seu trabalho. Apesar de não ser uma compreensão majoritária nestas instituições,
ela revela, em certa medida, fragilidade na concepção de correlação entre o binômio educar-
cuidar.
A relação entre monitoras e professoras de creche é permeada por uma dupla
interpretação. De um lado existem aquelas que acreditam ser impossível desempenhar apenas
atividades de cuidado ou de educação separadamente; destacam existir relação de
cumplicidade e parceria em sala de aula e compreendem o seu trabalho “em de igualdade”,
mesmo diante das diferenças salariais e de formação. De outro, há as que ainda defendem uma
separação entre as suas práticas e acreditam que o trabalho das monitoras é apenas auxiliar ou
complementar ao das professoras, não existindo equivalência entre estes. Em alguns casos,
essas ainda enfatizam a segregação dispensada às monitoras com a ideia de que A sala é da
professora, a monitora também é da professora”, conforme a Monitora S expôs.
Sintetizando as respostas das docentes, por uma pequena diferença percentual, prevalece a
segunda interpretação, que se desdobra na evidente hierarquização do trabalho dessas
profissionais, demonstrando que as professoras assumem maior grau de importância, em
detrimento das monitoras. Por isso acreditamos serem fundamentais maiores reflexões e
principalmente, ações de enfrentamento a essa percepção.
uma significativa carência no que diz respeito à associação entre as leis e propostas
curriculares que norteiam o trabalho educacional na EI, principalmente quando se trata da
percepção das monitoras. Embora grande parte dessas profissionais citem a BNCC e o RCNEI
como documentos importantes, elas não conseguem pautar suas práticas a partir destes.
Acreditamos que tal disparidade esteja atrelada ao planejamento pedagógico. O fato de não
planejar pode contribuir, de certa forma, para que as monitoras tenham menor contato com
essas orientações. Outro fator que, em nosso entendimento, reforça essa discrepância é a
ausência de formações continuadas para docentes. Mesmo previstas no calendário letivo, tais
formações ainda não foram realizadas no corrente ano.
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A estrutura organizacional da educação infantil tocantinopolina corrobora para uma
divisão entre o educar e o cuidar nas creches, refletida na separação entre o que é trabalho das
monitoras e o que é trabalho das professoras, fato dissonante das prerrogativas previstas nos
documentos legais que norteiam tais categorias para a educação infantil.
Assim, as análises realizadas nos levam a ressaltar a necessidade de propostas
formativas contínuas para as profissionais da educação infantil contribuintes desta pesquisa,
seja por meio das creches, seja através da secretaria municipal de educação. Consoante à
efetivação de propostas formativas, é iminente o acompanhamento e cumprimento das
legislações educacionais por parte do poder público municipal no que se refere à valorização
de todas as profissionais da Educação Infantil, bem como à garantia dos seus direitos.
Isto posto, reconhecemos o significado do trabalho docente realizado nas instituições
educacionais infantis municipais e a influência que este exerce sobre o desenvolvimento e a
aprendizagem das crianças atendidas. Por essa razão, preocupamo-nos em discutir a referida
temática com urbanidade e congruência, acreditando que a Educação Infantil e seus agentes
necessitam de maior atenção em âmbito municipal.
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1
De acordo com os estudos realizados por Locatelli (2018) a emergência (no sentido de emergir) da Educação
Infantil é notável nos últimos anos, principalmente enquanto política educacional.
2
Município do estado do Tocantins, localizado na microrregião do bico do papagaio, ao norte do estado.
3
As instituições de atendimento infantil caracterizadas pelo assistencialismo, surgiram e se estabeleceram como
forma de atender às necessidades de cuidado e proteção infantis. Ver Paschoal e Machado (2009).
4
São servidoras efetivas/concursadas ou contratadas de forma temporária pela prefeitura municipal.
5
Aqui citamos “as profissionais”, no feminino, por estarmos desenvolvendo uma pesquisa cujas participantes
são todas mulheres, porém compreendemos que os desafios na EI são inerentes a todos os profissionais da
educação, independentemente do gênero ao qual pertençam.
6
Locatelli (2018) utiliza a terminologia “sujeitos docentes” para se referir tanto às professoras quanto às
monitoras de creche, nas instituições de Educação Infantil.
7
Uma das creches tem servidoras apenas de 30h e a outra creche apenas de 40h.
8
As docentes participantes da pesquisa foram nomeadas conforme ordem alfabética, com vistas à preservação de
suas identidades.
9
Na ausência da professora, a monitora fica encarregada de direcionar as práticas pedagógicas e acompanhar as
crianças. Sobre essa questão, ver Locatelli (2018).
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 20/01/2023
Aprovado em: 22/03/2023
Publicado em: 30/05/2023
Received on January 20th, 2023
Accepted on March 22th, 2023
Published on May, 30th, 2023
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
Author Contributions: The author were responsible for the designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content and approval of the final version published.
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Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Avaliação do artigo
Artigo avaliado por pares.
Article Peer Review
Double review.
Agência de Fomento
Não tem.
Funding
No funding.
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Locatelli, A. S., & Cristina, M. (2023). A correlação entre cuidar e educar a partir do olhar de monitoras e professoras de
creche. Rev. Bras. Educ. Camp., 8, e15573. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15573
ABNT
LOCATELLI, A. S.; CRISTINA, M. A correlação entre cuidar e educar a partir do olhar de monitoras e professoras de creche.
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 8, e15573, 2023. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15573