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Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15625
BNCC, Educação Infantil e as intervenções do mercado:
alguns apontamentos
Anna Thércia José Carvalho de Amorim1, Marco Aurélio Gomes de Oliveira2
1 Universidade Federal de Viçosa - UFV. Departamento de Educação. Avenida P H Rolfs, s/n. Viçosa - MG. Brasil.
2Universidade Federal do Norte do Tocantins - UFNT.
Autor para correspondência/Author for correspondence: anna.amorim@ufv.br
RESUMO. O presente artigo tem como objetivo abordar e
analisar as competências na Educação Infantil direitos de
aprendizagem ainda que de forma incipiente e como elas estão
descritas nos documentos pedagógicos. A metodologia utilizada
para este fim permeou-se pela abordagem qualitativa subsidiada
em Bardin (1977) com recorte para revisão bibliográfica e
análise documental. O trabalho encontra-se subdividido em
quatro tópicos, são eles: o primeiro, em que apresentamos os
documentos que serão analisados e o processo de construção da
Base Nacional Comum Curricular (BNCC), o segundo tópico,
na qual deixamos em evidência os seguintes termos: as
competências, habilidades, atitude e experiência, estes constam
nos documentos que subsidiam a educação básica, como as
Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação e a BNCC,
no terceiro momento problematizamos a intervenção do
mercado na educação pública. Por último, evidenciamos as
fragilidades da educação causadas pelas intervenções do
mercado por meio das políticas públicas educacionais.
Palavras-chave: BNCC, educação infantil, direitos de
aprendizagem, competências.
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BNCC, Early Childhood Education and market
interventions: some notes
ABSTRACT. This article aims to address and analyze the
competencies in Early Childhood Education - learning rights -
even if incipiently and how they are described in pedagogical
documents. The methodology used to this end was permeated by
the qualitative approach subsidized by Bardin (1977) with a cut
to literature review and document analysis. The work is divided
into four topics, they are: the first, in which we present the
documents that will be analyzed and the process of construction
of the Common National Curricular Base (BNCC), the second
topic, in which we highlight the following terms: skills, abilities,
attitude and experience, these are contained in the documents
that subsidize basic education, as the National Curriculum
Guidelines for Education and the BNCC, already in the third
moment we problematize the market intervention in public
education. Finally, we highlight the weaknesses of education
caused by market interventions through public educational
policies.
Keywords: BNCC, child education, learning rights, skills.
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BNCC, Educación Infantil e intervenciones de mercado:
algunas notas
RESUMEN. Este artículo pretende abordar y analizar las
competencias en Educación Infantil -derechos de aprendizaje-
aunque sea de forma incipiente y cómo se describen en los
documentos pedagógicos. La metodología utilizada para este fin
fue permeada por el abordaje cualitativo subsidiado en Bardin
(1977) con corte de revisión de literatura y análisis de
documentos. El trabajo se subdivide en cuatro temas, ellos son:
el primero, en el cual presentamos los documentos que serán
analizados y el proceso de construcción de la Base Curricular
Nacional Común (BNCC), el segundo tema, en el cual dejamos
en evidencia los siguientes términos: habilidades, destrezas,
actitud y experiencia, estos están contenidos en los documentos
que subsidian la educación básica, como los Lineamientos
Curriculares Nacionales para la Educación y las BNCC, ya en el
tercer momento problematizamos la intervención del mercado
en la educación pública. Por último, destacamos las debilidades
de la educación causadas por las intervenciones del mercado a
través de las políticas públicas educativas.
Palabras clave: BNCC, educación infantil, derechos de
aprendizaje, competencias.
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Introdução
Neste trabalho iremos abordar e analisar as competências/direitos de aprendizagem na
Educação Infantil e como estão descritas nos documentos oficiais, para então, partirmos para
uma análise mais aprofundada. Na busca pela compreensão do assunto exposto neste texto
utilizaremos os documentos seguintes: Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação
Infantil (DCNEI’s) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).
A Base Nacional Comum Curricular não é um documento que foi gestado recentemente,
na Constituição Federal de 1988 já se pensava em uma base nacional. No Art. 210 da CF/88,
afirma que “serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a
assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e
regionais” (Brasil, 1988, grifo nosso), sendo este um dos objetivos da BNCC. Na Lei de
Diretrizes e Bases 9.394 de 1996 em seu Art. 26 também reforça a necessidade de uma
base nacional comum afirmando que a educação básica deve ter uma base nacional comum a
ser complementada em cada estabelecimento escolar por uma parte diversificada. (Brasil,
1996).
em 2014 com o novo Plano Nacional de Educação (PNE) é reafirmado a necessidade
de implementar uma BNCC por meio da meta 7 do PNE e estratégia 7.1, que estabelece uma
pactuação destinada ao ensino fundamental e médio que, posteriormente, se estendeu para
toda a educação básica:
7.1 estabelecer e implantar, mediante pactuação interfederativa, diretrizes pedagógicas para a
educação básica e a base nacional comum dos currículos, com direitos e objetivos de
aprendizagem e desenvolvimento dos(as) alunos(as) para cada ano do ensino fundamental e
médio, respeitada a diversidade regional, estadual e local (Brasil, 2014 p. 61, grifo nosso).
Posteriormente, com a aprovação do PNE em 2014, o Ministério de Educação e Cultura
(MEC) instituiu por meio da Portaria 592, de 17 de junho de 2015, uma comissão de
especialistas, composta por 116 membros, incluindo professores de 34 universidades e
também das redes estaduais de todo o país com a finalidade de construir a BNCC.
Não se pode deixar de mencionar que no ano de 2016 ocorreu uma mobilização de
vários estudantes e professores de todo o país a fim de contribuir com a primeira versão da
BNCC, contabilizando um total de 12 milhões de subsídios. Em agosto desse mesmo ano
começa a redação da segunda versão, para finalizar esse processo, em abril de 2017, o MEC
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entregou a terceira versão da BNCC ao Conselho Nacional de Educação (CNE) que, com a
Resolução CNE/CP nº 2, de 22 de dezembro de 2017 instituiu e implementou a atual BNCC.
Assim, os documentos citados serão analisados de acordo com o segmento que compete
a esse trabalho, que é a Educação infantil. Cabe aqui ressaltar que as competências descritas
como direitos de aprendizagem na Base Nacional Comum Curricular para a Educação Infantil
(BNCCEI) conviver; brincar; participar; explorar; expressar; conhecer-se estão inseridas
nos campos de experiências o eu, o outro e o nós; corpo, gestos e movimentos; traços, sons,
cores e formas; escuta, fala, pensamento e imaginação; espaços, tempos, quantidades, relações
e transformações. De acordo com a BNCCEI é por meio desses campos de experiências que a
criança se desenvolve afirmando que:
Os campos de experiências constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as
experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural. A definição e a denominação dos
campos de experiências também se baseiam no que dispõem as DCNEI em relação aos
saberes e conhecimentos fundamentais a ser propiciados às crianças e associados às suas
experiências (Brasil, 2017, p. 40, grifo nosso).
Quanto aos direitos de aprendizagem e desenvolvimento a BNCCEI que:
Tendo em vista os eixos estruturantes das práticas pedagógicas e as competências gerais da
Educação Básica propostas pela BNCC, seis direitos de aprendizagem e desenvolvimento
asseguram, na Educação Infantil, as condições para que as crianças aprendam em situações
nas quais possam desempenhar um papel ativo em ambientes que as convidem a vivenciar
desafios e a sentirem-se provocadas a resolvê-los, nas quais possam construir significados
sobre si, os outros e o mundo social e natural (Brasil, 2017, p. 38, grifo do autor).
Se observarmos o que a BNCC propõe quanto aos direitos de aprendizagem e
desenvolvimento fica perceptível uma finalidade mais prática e com um objetivo mais
direcionado a instigar a criança a resolver problemas que surjam no seu dia a dia.
Para a elaboração deste trabalho utilizamos uma abordagem qualitativa com recorte
metodológico para pesquisa bibliográfica e análise documental, sendo esta “uma operação ou
um conjunto de operações visando representar o conteúdo de um documento sob uma forma
diferente do original, a fim de facilitar num estado ulterior, a sua consulta e referenciação”
(Bardin, 1977, p. 45). Para tanto, este trabalho está subdivido em quatro momentos, a começar
por esta introdução.
No segundo tópico que sucede esta introdução, intitulado “Educação Infantil e a
proposta dos documentos legais” apresentamos o conceito de competência e de outros termos
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imbricados a este que reforçam um ensino voltado para a prática. No terceiro tópico intitulado
“Educação Infantil e os (des)prazeres do mercado” propõe-se evidenciar como o termo
competência e seus parceiros (sic) presentes nos documentos direcionados à educação estão a
serviço do mercado capitalista. O quarto tópico são as “Considerações finais”, onde
evidenciamos as fragilidades da educação causadas pelas intervenções do mercado por meio
das políticas públicas educacionais.
Educação infantil e a proposta dos documentos legais
A educação infantil como etapa obrigatória da educação básica foi uma conquista obtida
por meio da sociedade civil organizada em fóruns, por meio das lutas das mulheres, dos
partidos populares, tendo contribuição da crescente urbanização e também da participação das
mulheres no mercado de trabalho. Assim, a LDB 9.393/96, ratifica a Educação Infantil
como dever do Estado e direito de todos. Porém, além de não termos uma universalização do
acesso a essa etapa, ainda temos dois perfis de instituições: creches para classes populares e
pré-escolas designadas às crianças de classe social com mais possibilidades econômicas.
(Abramowicz, 2003).
Atualmente, a Educação Infantil é regida, basicamente, no tocante ao currículo escolar,
por três legislações, sendo estas, as DCNEI’s (2010), BNCCEI (2017). Com as DCNEI’s que
são utilizadas para nortearem as escolas na elaboração de suas propostas pedagógicas, sendo
esta “[...] o plano orientador das ações da instituição e define as metas que se pretende para a
aprendizagem e o desenvolvimento das crianças que nela são educados e cuidados” (Brasil,
2010, p. 13). Deste modo, as propostas pedagógicas devem garantir que as escolas cumpram
sua função sociopolítica e pedagógica da seguinte forma:
Oferecendo condições e recursos para que as crianças usufruam seus direitos civis,
humanos e sociais;
Assumindo a responsabilidade de compartilhar e complementar a educação e cuidado
das crianças com as famílias;
Possibilitando tanto a convivência entre crianças e entre adultos e crianças quanto à
ampliação de saberes e conhecimentos de diferentes naturezas;
Promovendo a igualdade de oportunidades educacionais entre as crianças de
diferentes classes sociais no que se refere ao acesso a bens culturais e às possibilidades de
vivência da infância;
Construindo novas formas de sociabilidade e de subjetividade comprometidas com a
ludicidade, a democracia, a sustentabilidade do planeta e com o rompimento de relações
de dominação etária, socioeconômica, étnico-racial, de gênero, regional, linguística e
religiosa (Brasil, 2010, p. 17, grifo nosso).
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De acordo com o excerto acima, pode-se perceber que as propostas pedagógicas devem
ter como objetivo uma educação em que as crianças possam usufruir de seus direitos, ampliar
seus saberes e também promover a igualdade de oportunidades para todos. Neste sentido, o
documento supracitado também aborda que as práticas pedagógicas devam garantir
experiências que:
Promovam o conhecimento de si e do mundo por meio da ampliação de experiências
sensoriais, expressivas, corporais que possibilitem movimentação ampla, expressão da
individualidade e respeito pelos ritmos e desejos da criança;
Possibilitem às crianças experiências de narrativas, de apreciação e interação com a
linguagem oral e escrita, e convívio com diferentes suportes e gêneros textuais orais e
escritos;
Recriem, em contextos significativos para as crianças, relações quantitativas,
medidas, formas e orientações espaço temporais;
Possibilitem situações de aprendizagem mediadas para a elaboração da autonomia das
crianças nas ações de cuidado pessoal, auto-organização, saúde e bem-estar;
Possibilitem vivências éticas e estéticas com outras crianças e grupos culturais, que
alarguem seus padrões de referência e de identidades no diálogo e conhecimento da
diversidade;
Promovam o relacionamento e a interação das crianças com diversificadas
manifestações de música, artes plásticas e gráficas, cinema, fotografia, dança, teatro, poesia e
literatura;
Propiciem a interação e o conhecimento pelas crianças das manifestações e tradições
culturais brasileiras. (Brasil, 2010, p. 25).
Ao observarmos as experiências acima percebe-se que elas são muito descritivas e
objetivas, explanam muito bem o que querem alcançar, pode-se refletir que algumas delas
possam estar além da realidade de algumas escolas. Mesmo apresentando experiências a
serem alcançadas, nem as DCN’s e muito menos a BNCC trazem o significado do termo.
Atinente a isso no glossário da UNESCO, experiência de aprendizagem significa:
Ampla variedade de experiências que perpassam diferentes contextos e ambientes e
transformam as percepções do aluno, facilitam a compreensão conceitual, produzem
qualidades emocionais e nutrem a aquisição de conhecimentos, habilidades e atitudes.
Em contextos educacionais, experiências de aprendizagem idealmente são desafiadoras,
interessantes, ricas, atraentes, significativas e apropriadas às necessidades do aluno.
(Unesco, 2016, p. 49, grifo nosso).
No que concerne à experiência, no dicionário on-line Aurélio
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é o conhecimento ou
aprendizado obtido através da prática ou da vivência: experiência de vida; experiência de
trabalho”. Mesmo o glossário da UNESCO abordando experiência de aprendizagem
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percebemos que é evidenciada a necessidade do aluno, suas habilidades e atitudes, assim,
fortalecendo um conhecimento tácito. Na BNCC competência é apontada como a
mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas
e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida
cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho (Brasil, 2017, p. 8,
grifo nosso), corroborando com o conceito de experiência apresentado anteriormente. Quanto
às competências o glossário da UNESCO evidencia que:
Competências podem ser específicas por domínio, isto é, relacionadas a conhecimentos,
habilidades e atitudes em uma matéria ou uma disciplina específica, ou gerais/transversais
quando são relevantes para todos os domínios. Em alguns contextos, o termo habilidades
(em sentido mais amplo) é às vezes usado como equivalente de competências (Unesco,
2016, p. 27, grifo do autor).
O excerto acima associa competência à habilidade, sendo habilidade a qualidade de uma
pessoa em ser hábil em alguma coisa, que se assemelha em saber fazer bem, ser capaz de
realizar alguma tarefa com eficácia. Para o glossário da UNESCO habilidade significa que:
É a capacidade, a proficiência ou a destreza para desempenhar tarefas, derivada da educação,
da formação, da prática ou da experiência. Pode possibilitar a aplicação prática de
conhecimentos teóricos a tarefas ou situações particulares. Mais amplamente, inclui
comportamentos, atitudes e atributos pessoais que tornam indivíduos mais efetivos em
determinados contextos, como educação e formação, emprego e engajamento social
(Unesco, 2016, p. 52 grifo nosso).
O conceito de habilidade apresentado no glossário da UNESCO ratifica uma
aprendizagem por aprender a fazer, visto que as crianças deverão aprender a desempenhar
tarefas, aplicar os conhecimentos na prática e aprender a lidar com sua subjetividade devido a
“aprendizagem” de comportamentos, atitudes e atributos.
Pensa-se que, falar de competência na Educação Infantil é um equívoco, mas, neste
trabalho tentaremos evidenciar que o termo competência perpassa por toda a Educação
Básica, a iniciar pela Educação Infantil, na qual a própria BNCCEI faz referência ao uso de
sinônimos, por isso:
Ao longo da Educação Básica, as aprendizagens essenciais definidas na BNCC devem
concorrer para assegurar aos estudantes o desenvolvimento de dez competências gerais, que
consubstanciam, no âmbito pedagógico, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento
(Brasil, 2017, p. 8, grifo nosso).
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Imiscuídos às competências, os direitos de aprendizagem e desenvolvimento também
estão intimamente ligados ao saber fazer, deste modo, a Educação Infantil segue um roteiro
permeado pelas habilidades renomeadas para campos de experiências nessa etapa do ensino.
Diante disso, a BNCCEI aborda que a Educação infantil está estruturada em cinco campos de
experiências os quais “constituem um arranjo curricular que acolhe as situações e as
experiências concretas da vida cotidiana das crianças e seus saberes, entrelaçando-os aos
conhecimentos que fazem parte do patrimônio cultural” (Brasil, 2017, p. 40), afirmações
baseadas no que está proposto nas DCNEI’s.
Com base no que foi proposto neste tópico percebe-se a interligação dos termos
apresentados e como seus significados estão direcionados a aprendizagens práticas,
permeados pelo desenvolvimento de habilidades subsidiadas nas experiências dos alunos,
procurando torná-los competentes para desenvolverem tarefas no seu dia-a-dia e no mundo do
trabalho, não abordando uma formação social e política.
Diante do que foi apresentado até aqui trazemos, então, a crítica levantada por Gramsci
ao afirmar que na sociedade capitalista “a divisão da escola em clássica e profissional era um
esquema racional: a escola profissional destinava-se às classes instrumentais, ao passo que a
clássica destinava-se aos dominantes e aos intelectuais” (Gramsci, 1991, p. 118),
evidenciando também que a escola deve, de maneira justa, equilibrar “o desenvolvimento da
capacidade de trabalhar manualmente (tecnicamente, industrialmente) e o desenvolvimento
das capacidades de trabalho intelectual” (Gramsci, 2000, p. 33), para que possa haver uma
formação omnilateral do indivíduo.
O autor, neste sentido, não propõe uma educação subordinada ao capitalismo, mas sim,
uma educação que possibilidade ao educando de ter uma visão crítica das relações que o
envolvem. Para Machado (1991):
Gramsci não cogita da inserção dos alunos no sistema produtivo, como condição para que
esta relação aconteça e nem tampouco procura subordinar o ensino à produção. A
atividade escolar teria seu espaço próprio e sua dinâmica peculiar, o que não implica
necessariamente o seu distanciamento da vida. Haveria, no entanto, uma trajetória específica
do processo de aprendizagem, intencionalmente planejada de forma a possibilitar a passagem
da fase da escola ativa, onde fundamentalmente o aluno é colocado em contato com a
herança cultural, para o momento da escola criadora, capaz de desenvolver sua personalidade
e autonomia (Machado, 1991, p. 160, grifo nosso).
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Nesta perspectiva, Gramsci propõe uma escola que possa oferecer uma educação que,
de forma concomitante, propicie uma união entre trabalho intelectual e trabalho industrial,
diferentemente do que acontece hoje.
Percebemos então, que a educação não é um treino para desenvolvimento de habilidades
e/ou competências para o mercado de trabalho, mas, uma construção de saberes que, o
indivíduo como sujeito histórico, por meio do trabalho, produz suas condições objetivas de
vida.
Educação infantil e os (des)prazeres do mercado
Neste tópico observaremos qual é o papel das competências dentro da Educação Infantil
e as intervenções do mercado que afetam na construção do ensino-aprendizado. A princípio,
realizaremos uma breve contextualização sobre a transição das competências do meio
profissional para o âmbito educacional, depois refletiremos sobre a gica da “pedagogia das
competências”.
Na década de 1970 ocorreu uma reestruturação nos meios de produção que afetou toda a
classe trabalhadora. O processo de automação e introdução de tecnologias nas fábricas foram
os principais fatores para um desemprego estrutural que levou os trabalhadores a procurarem
incessantemente uma qualificação para ocuparem os novos postos de trabalho, onde, “... não
basta[va] ser qualificado, [era] preciso ser competente” (Tomasi, 2004, p. 9). O mercado de
trabalho procura trabalhadores com um novo perfil, devendo o indivíduo ser polivalente,
adaptando-se rápido em diversos postos de trabalho para não atrapalhar a produção, conviver
no coletivo e que “vista a camisa da empresa”.
O novo perfil de trabalhadores exigidos pelo mercado demanda novos desafios aos
sistemas de ensino que, por meio das políticas públicas educacionais implementadas por
organismos internacionais como o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e Banco
Mundial (BM) buscam controlar os currículos e desenvolver nas escolas o aprender a fazer, “a
fim de adquirir, não somente uma qualificação profissional, mas, de uma maneira mais ampla,
competências que tornem a pessoa apta a enfrentar numerosas situações e a trabalhar em
equipe” (Delors, 1998, p. 101). Por conta desta intervenção do mercado na educação temos
várias reformas educacionais acontecendo como, por exemplo, o Novo Ensino Médio, Lei
13.415/2017 e a Base Nacional Comum Curricular que tem como finalidade desenvolver
competências que:
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... inter-relacionam-se e desdobram-se no tratamento didático proposto para as três etapas da
Educação Básica (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio), articulando-se
na construção de conhecimentos, no desenvolvimento de habilidades e na formação de
atitudes e valores, nos termos da LDB (Brasil, 2017, p. 8).
Como o excerto acima ratifica, o desenvolvimento das competências irá perpassar por
toda a educação básica, a fim de que os alunos aprendam a usar técnicas que possam ser
adaptadas às imprevisibilidades típicas de um ambiente de trabalho, assim a noção de
competência aparece de forma inseparável da ação (Costa, 2007). Segundo Isamber-Jamati:
As competências dizem respeito ao uso de técnicas definidas que, embora não tenham sido
criadas pelo indivíduo, são por eles usadas e podem ser adaptadas às situações. A noção de
competência está associada à execução de tarefas complexas, organizadas e que exigem uma
atividade intelectual importante. Tarefas são realizadas por especialistas. O incompetente
não possui o saber e o saber fazer, ou possui incompletamente (Isamber-Jamati, 1994, p.
105).
O ensino por competência é estritamente instrumental reduzindo, então, a formação
humana e política da criança ao mero desenvolvimento de habilidades e competências que
têm a finalidade de executar tarefas complexas no dia a dia. Nesta perspectiva, Delors (1998)
apresenta os quatro pilares da educação que “devem transmitir, de fato, de forma maciça e
eficaz, cada vez mais saberes e saber-fazer evolutivos, adaptados à civilização cognitiva, pois
são as bases das competências do futuro” (Delors, 1998, p. 89) sendo: aprender a conhecer;
aprender a fazer; aprender a viver juntos; aprender a ser. Se compararmos o pilar aprender a
viver junto, o direito de aprendizagem conviver e a competência geral 9, respectivamente,
fica evidente que se assemelham:
Aprender a viver juntos desenvolvendo a compreensão do outro e a percepção das
interdependências realizar projetos comuns e preparar-se para gerir conflitos no
respeito pelos valores do pluralismo, da compreensão mútua e da paz (Delors, 1998, p. 102,
grifo do autor).
Conviver com outras crianças e adultos, em pequenos e grandes grupos, utilizando diferentes
linguagens, ampliando o conhecimento de si e do outro, o respeito em relação à cultura e
às diferenças entre as pessoas (Brasil, 2017, p. 38, grifo nosso).
Exercitar a empatia, o diálogo, a resolução de conflitos e a cooperação, fazendo-se respeitar
e promovendo o respeito ao outro e aos direitos humanos, com acolhimento e valorização
da diversidade de indivíduos e de grupos sociais, seus saberes, identidades, culturas e
potencialidades, sem preconceitos de qualquer natureza (Brasil, 2017, p. 10, grifo nosso).
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Percebe-se, então, que todos têm a mesma finalidade que é desenvolver na
criança/adolescente a capacidade de conviver no coletivo, de se relacionar e compreender o
outro, de conhecer a si próprio e ao outro sempre respeitando as diferenças. No entanto, para
Ramos (2002, p. 407) “a noção de competência é, então, apropriada ao processo de
despolitização das relações sociais e de individualização das reivindicações e das
negociações”.
Mesmo a educação infantil não estando diretamente ligada ao mercado como o ensino
médio, por exemplo, sofre com suas intervenções. A criança que está na educação infantil
não jaz ali para somente desenvolver competências e habilidades, mas para se desenvolver
como cidadão de direitos e deveres, com o intuito de aprender a ocupar o espaço social, ser
crítico, conhecer diversas culturas, inclusive a sua e valorizar-se como ser humano, portanto a
criança deve ter uma formação humana e política, um desenvolvimento omnilateral, mas a
educação por competências é “descrita em termos comportamentais como aquilo que é
esperado do aluno, não uma base de onde se parte, mas uma descrição de onde chegar”
(Macedo, 2018, p. 32), dessa forma, retirando do aluno a oportunidade de fazer uma leitura
crítica da realidade a qual pertence.
Neste sentido Freire (1996) afirma que “formar é muito mais do que puramente treinar
o educando no desempenho de destrezas” (Freire, 1996, p. 9). Para os reformadores
empresariais “a formação humana está limitada à ideia de desenvolvimento cognitivo, sem
levar em conta as demais dimensões do crescimento da criança” (Freitas, 2016, p. 144).
Pensando em uma educação que ajude o estudante a construir uma visão crítica e a se portar
na sociedade como ser de direitos e deveres Freire (1987) afirma que:
A educação libertadora é incompatível com uma pedagogia que, de maneira consciente ou
mistificada, tem sido prática de dominação. A prática da liberdade encontrará adequada
expressão numa pedagogia em que o oprimido tenha condições de, reflexivamente,
descobrir-se e conquistar-se como sujeito de sua própria destinação histórica (Freire, 1987, p.
6).
A educação deve oferecer às crianças condições para que façam suas escolhas com
consciência, que descubram-se enquanto sujeitos históricos para que não sejam oprimidos e
vivam na alienação. Desta forma, compreende-se que a pedagogia das competências por ter a
finalidade objetiva de desenvolver habilidades e competências para o dia a dia, não terá seu
foco voltado para trabalhar a emancipação humana a qual possibilita o homem exercer sua
humanidade.
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Outro fator que merece ser destacado no que diz respeito a esse fortalecimento da
individualidade é a conquista por mérito, se uma criança desenvolve/alcança uma
competência é porque ela mereceu, foi por mérito dela, mas as crianças são heterogêneas e o
percurso por elas realizado deve ser levado em consideração, suas dificuldades, suas
realidades e não somente o fim no qual ela chegou. Concernente a essa ideologia
meritocrática Cavalcante (2018) ratifica que:
... costuma-se operar com a ideia de que existe uma noção geral de desempenho em
sociedades capitalistas ou na “ordem social competitiva”, a partir da qual os indivíduos em
sociedades formam suas ações e baseiam suas avaliações morais. O efeito dessa ideologia
em geral seria o de construir uma base valorativa que justifica e naturaliza a posição social
desigual de cada um em razão de uma desigualdade anterior, qual seja, a diferença de
esforços e competências que cada indivíduo “investiu” em sua formação, o que explicaria,
para dominantes e dominados, as razões que colocam uns, e não outros, em posições
superiores na escala social (Cavalcante, 2018, p. 109, grifo do autor).
De acordo com o texto citado acima o que não é levado em consideração é o ponto de
partida de cada criança e os percalços que cada uma passa. Uma criança que está inserida em
um contexto de desfavorecimento econômico e/ou desestruturação familiar, por exemplo,
pode se esforçar muito mais para atingir uma competência, enquanto outra criança “iniciando
de um ponto de partida se valendo de conhecimentos e hábitos incorporados no âmbito
familiar e não apenas na escola, pode ter despendido um esforço muito menor e, mesmo
assim, ter atingido uma marca mais alta” (Cavalcante, 2018, p. 11).
Desta forma, percebe-se que as políticas educacionais não levam em consideração as
variadas realidades existentes fora dos muros da escola, passando a responsabilidade do
sucesso ou fracasso única e exclusivamente ao estudante dando espaço para uma justificação
pela tamanha desigualdade que assola o país.
A BNCC que diz buscar uma educação igual para todos, não se atentou para os
inúmeros jovens e crianças que ocupam as escolas e vivenciam diversas realidades que uma
base nacional comum curricular, infelizmente, não irá abarcar tamanha diversidade, muito
menos formar cidadãos críticos, assim, reforçando a “falsa igualdade”. Neste sentido Farias
(1990, p. 111, grifo nosso) afirma que “na lógica dos liberais, os indivíduos se tornariam
iguais por convenção e direito legal, apesar de serem diferentes uns dos outros pela própria lei
natural, quer dizer, pelas diferenças físicas e biológicas, possuindo, por consequência,
atributos diversos”. Vale questionarmos essa seara de igualdade, equidade e qualidade a qual
a BNCC faz tanta referência, questionarmos o porquê muitos alunos poderão usufruir de todas
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as competências postas no documento e outras não, arguirmos o porquê de trabalhar
competências desde a educação infantil se estas são para desenvolverem habilidades para o
mercado de trabalho. Quais crianças serão “apagadas” em tempos de BNCC? Neste sentido,
para Abramowicz, Cruz e Moruzzi (2016):
Desde o início que se afirmar que a multiplicidade é sempre heterogênea e o que se fere
imediatamente na tentativa de homogeneização é a diferença. A presunção do comum
esbarra naquilo que não é suportável e que não pertencente a todos, isto é, o que é colocado
no lugar da diferença. A questão que se coloca é que uma base unificada instaura um
modelo e faz tudo caminhar para uma determinada finalidade, subordinada a
determinados processos. É preciso enfatizar que a perspectiva universal não é dada a priori,
ela foi produzida como verdade e como valor que se supõe e se arroga como universal. A
questão que se coloca é: por que a diferença necessita ser expurgada da educação? E por
que a Educação Infantil necessita de uma base comum? (Abramowicz, Cruz & Moruzzi,
2016, p. 49, grifo nosso).
Levando em consideração as particularidades de cada criança e suas limitações,
podemos refletir sobre como é complicado para um professor acompanhar uma turma de
estudantes na educação infantil, perceber as dificuldades de cada uma e se todos alcançaram
as competências exigidas ou não, quais foram suas maiores dificuldades no percurso trilhado,
quais estratégias utilizaram e se ao partir, alguma criança estava em situação de privilégio, ou
seja, se estava mais preparada que as outras para alcançar o que lhes foi proposto.
Perrenoud (2000, p. 42, grifo nosso) afirma que “a progressão da classe não é mais a
única preocupação. O movimento rumo à individualização dos percursos de formação e à
pedagogia diferenciada levam a que se pense a progressão de cada aluno”, ratificando a
ideia de individualização do ensino que é uma proposta da pedagogia das competências.
A pedagogia das competências também procura preparar o estudante para o novo
mercado de trabalho completamente instável. Deste modo, com a desvalorização da
qualificação o ensino por competências tomou uma proporção maior devido à sua valorização
ao mercado de trabalho, podendo ser definidas como “saberes em ação”, que são um conjunto
de saberes utilizados em dada situação, portanto, sendo uma mistura de saber e de
comportamento. Assim, pensando em um dos pontos questionáveis da BNCC que é o
acúmulo de conteúdos que não fazem sentido para as crianças e jovens e que, portanto, com
um ensino mais objetivo esses estudantes teriam mais subsídios para vida e para o mercado de
trabalho, sendo uma das finalidades das competências, ou seja, que os saberes fossem
acompanhados de tarefas para que os alunos o concretizassem.
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Uma preocupação válida sobre ensino por competências é que estas possam ser “a ante
sala dos conteúdos clássicos sistematizados em disciplinas” (Abramowicz, Cruz & Moruzzi,
2016, p. 51), que na educação infantil não se trabalha com disciplinas, mas, os campos de
experiência podem somar positivamente para isso. Nesta mesma esteira de ensino por
competências Zabala e Arnau (2014) afirmam que:
A competência, no âmbito da educação escolar, deve identificar o que qualquer pessoa
necessita para responder aos problemas aos quais será exposta ao longo da vida. Portanto, a
competência consistirá na intervenção eficaz nos diferentes âmbitos da vida, mediante ações
nas quais se mobilizam, ao mesmo tempo e de maneira inter-relacionada, componentes
atitudinais, procedimentais e conceituais (Zabala & Arnau, 2014, p. 11).
Digamos, então que, não é o ensino por competências que diminui a importância dos
conteúdos curriculares e/ou sua inserção no âmbito educacional, mas o por quê de sua
inserção ser inserida como único e principal meio de aprendizagem. Lembrando que a
formação da criança não se somente por atitudes e procedimentos que serão aprimorados
para o mercado de trabalho, mas por sua participação ativa no processo de sua formação, com
idas e vindas, erros e acertos e principalmente, respeitando o modo de como essas crianças e
jovens aprendem. Nessa mesma lógica Pereira (2007) informa que:
... as instituições educativas, nas suas diversas modalidades, exercem o papel de formar o
indivíduo para construir o seu engajamento identitário no sentido de fortalecer as suas
relações sociais com os outros e com a sociedade em geral, pela lógica da competitividade e
do individualismo. Isto é, cada um passa a agir de acordo com os seus interesses, que inclui
não somente os bens materiais, mas também o prestígio, o poder e o prazer. Nessa
perspectiva, o conhecimento pautado nos valores humanos, tão necessários à sociedade,
para orientar o cidadão a esclarecer seu pensamento e suas ações sobre as questões
fundamentais da vida, infelizmente, passa a ter um valor de uso como produto utilitarista
e fragmentado e pouco valorizado (Pereira, 2007, p. 5, grifo nosso).
Percebemos então, que a escola perde sua função de formar cidadãos para a vida e passa
a formar exclusivamente pessoas para o mercado de trabalho e, como o excerto acima frisa,
essa preparação ocorre nas diversas etapas do ensino. Com isso fica evidente que o
conhecimento válido é aquele que pode/deve ser aplicado na vida, pode-se então, pensar na
invalidação dos conteúdos que não serão “utilizados” na prática/tarefas do dia a dia, como os
que nos ajudam a construir nossa personalidade, nossas ideias, posicionamentos e nossas
crenças porque é algo subjetivo, é algo que nos constitui como ser humano, logo, não é
palpável.
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Perrenoud (1999, p. 2) levanta o seguinte questionamento: “de que adianta escolarizar
um indivíduo durante 10 a 15 anos da sua vida se ele não é capaz de ‘resolver’ um contrato de
seguro ou uma bula farmacêutica?” Para o autor, o desenvolvimento de habilidades e
competências são indispensáveis durante o processo escolar da criança afirmando que é
importante para a sua vida cotidiana. Em contrapartida a essas afirmativas do autor
supracitado, Laval (2019) afirma que “o problema não é a supressão dos saberes, mas a
tendência a vê-los somente como ferramentas ou estoques de conhecimentos operatórios
utilizáveis para resolver problemas, tratar informações ou implementar projetos” (Laval,
2019, p. 81) deixando claro que os conteúdos escolares serão secundarizados e a escola será
“obrigada a adaptar os alunos aos comportamentos profissionais que serão exigidos deles
mais tarde” (Laval, 2019, p. 81). Percebe-se, a “preocupação” em formar cidadãos que
possam usufruir dessas competências que serão desenvolvidas ainda na escola. Deste modo, o
ensino é esfacelado e racionalizado, desenvolvendo elementos isoláveis e “fatiando” o
estudante.
Um ponto que merece destaque mesmo não sendo o foco deste trabalho é sobre qual
educação vai para qual criança e Perrenoud afirma que “a relação entre o fracasso escolar e a
origem social ainda continua forte” (Perrenoud, 1999, p. 71). O mesmo autor afirma que:
Os alunos melhor dotados em capital cultural e melhor acompanhados por suas famílias
seguirão, de qualquer maneira, seu caminho, seja qual for o sistema educacional. Os alunos
“médios” acabarão encontrando uma saída, ao preço de eventuais repetências ou mudanças
de orientação. À sorte dos alunos em reais dificuldades é que se pode medir a eficácia
das reformas. Eles terão alguma coisa a ganhar com uma redefinição dos programas em
termos de competência? (Perrenoud, 1999, p. 71).
Com a afirmativa acima fica mais que comprovado que os alunos de classe
socioeconômica desfavorecida estão à mercê das reformas educacionais, visto que eles não
são dotados de capital cultural
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, dificilmente são acompanhados pelos pais e não terão uma
saída. Diante disso, o que esses alunos têm a perder com as reformas educacionais? O que
eles têm a perder com o ensino por competências que estão propensos a fracassar? Para
Perrenoud (1999):
Desde que o sistema educacional está integrado e considera-se a educação como um
investimento, o fracasso escolar maciço tornou-se um problema de sociedade. As reformas
escolares pretendem, periodicamente, atacar as desigualdades existentes na escola para
melhor “democratizar o ensino” (Perrenoud, 1999, p. 71, grifo do autor).
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Como forma de “democratizar o ensino", o autor também faz referência às reformas que
estão tão presentes no atual contexto educacional. Segundo o autor, o fracasso escolar leva à
evasão que, possivelmente, leva esses estudantes para carreiras menos exigentes e com uma
bagagem mínima já que os conteúdos escolares não lhe proporcionam o básico.
Considerações finais
Para finalizarmos, é necessário retomarmos nosso objetivo que era abordar e analisar as
competências na educação infantil direitos de aprendizagem nos documentos oficiais. Para
tanto, concluímos que as competências que percorrem por toda a educação básica estão
presentes na BNCC, mas são subsidiadas pelos termos experiências, habilidades e atitudes
presentes em outros documentos que também regem a educação básica. As competências,
atualmente, dão um novo foco ao processo educativo como ficou explícito no decorrer deste
trabalho, desta maneira, a educação perde sua essência e vira uma mercadoria, onde quem tem
capital paga por uma educação de qualidade e quem não tem fica a mercê do Estado que
oferece a educação que convém ao mercado.
Uma preocupação com esse novo perfil de ensino por competências se pela
facilidade encontrada pelo mercado de comercializar planos de aulas, apostilas e até cursos
ensinando os professores a lidarem com os códigos alfanuméricos presente na BNCC, sendo a
maioria desses materiais oferecidos nas plataformas digitais, como o instagram e anúncios em
sites de vendas. Pensa-se, em como a educação chegou a esse ponto de mercadoria tão rápido
e como esse viés de privatização se propaga cada vez mais. Reflitamos então, como que os
“especialistas” nomeados pela mídia empresarial sabem dos (des) prazeres que ocorrem nas
escolas para acharem que uma base nacional resolverá todos os problemas da educação,
enquanto, o maior problema não está na escola e sim na falta de material didático, de merenda
escolar, de escolas estruturadas, de condições dignas de trabalho para o professor e na
tamanha desigualdade socioeconômica presente na sociedade. A educação está passando por
um desmanche, onde inúmeras políticas públicas vigentes, mas nenhuma foi pensada por
educadores, mas por empresas. E por que? Porque “para os reformadores empresariais, é
exatamente o fato de ser estatal que impede a escola pública de ter qualidade, pois para eles a
gestão pública é, em si, ineficaz ...”. (Freitas, 2016, p. 141). Nesta mesma perspectiva,
Frigotto (2016) afirma que:
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Tão preocupante ou mais, tem sido o processo de desqualificar a educação pública, único
espaço que pode atender ao direito universal da educação básica, pois o mundo privado é o
mundo do negócio. Esta desqualificação não foi inocente, pelo contrário, abriu o caminho
para a gestão privada ou com critérios privados da escola pública mediante institutos
privados, organizações sociais, etc. E, mais recentemente, para se apropriar por dentro, com
a anuência de grande parte dos governantes, da definição do conteúdo, do método e da forma
da escola pública (Frigotto, 2016, p. 11).
As novas políticas públicas esvaziam os currículos alegando que conteúdos
desnecessários para a vida dos estudantes, mas acham necessário inserir competências na
educação infantil, abrindo portas para a disciplinarização, visto que, nessa etapa não essa
divisão, porém algo bem parecido está acontecendo, atualmente, quando os professores
dividem seus planejamentos por competências e habilidades fragmentando o ensino e o
desenvolvimento da criança.
Antes da BNCC percebíamos que essas políticas impostas por esses organismos
internacionais eram mais frequentes no Ensino Médio, porém com a BNCC, percebe-se que o
mercado abocanhou (sic) toda a educação básica, a fim, de recrutar esses estudantes para o
mercado de trabalho, sendo um dos motivos do esvaziamento dos currículos, falta de
investimentos na educação pública e nas condições mínimas para que as crianças continuem
na escola. Deixamos então, os seguintes questionamentos: quais crianças estão nas escolas
públicas? Quais irão para o mercado de trabalho e quais adentrarão no ensino superior?
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i
Acessar significado no endereço https://www.dicio.com.br/experiencia/
ii
Segundo Bourdieu (2007) os bens materiais pressupõem capital econômico que, por fim, pressupõe capital
cultural. O capital cultural são benefícios específicos investidos pelas famílias às crianças e que, posteriormente,
irão contribuir significativamente para seu sucesso escolar. O autor afirma também que estudos comprovam que
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o “dome a “aptidãosão produtos de um investimento em tempo e em capital cultural. No entanto, nem toda
criança tem acesso e apropriam-se desse capital cultural.
Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 30/01/2023
Aprovado em: 22/03/2023
Publicado em: 30/05/2023
Received on January 30th, 2023
Accepted on March 22th, 2023
Published on May, 30th, 2023
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
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