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Representações de professores homens na Educação
Infantil: Reflexões a partir dos filmes Um Tira no Jardim
de Infância
Denilson Brito dos Santos1, Cássia Ferreira Miranda2
1 Escola Municipal 21 de Abril EM21A. Avenida 10 de Janeiro, s/n, Centro. Nazaré-TO, Brasil. 2 Universidade Federal do
Pampa - UNIPAMPA.
Autor para correspondência/Author for correspondence: denilsonb82@gmail.com
RESUMO. O presente artigo aborda a presença dos homens
enquanto docentes na Educação Infantil. O objetivo é analisar
quais são as representações construídas acerca dos professores
que atuam na Educação Infantil utilizando-se de bibliografia
pertinente ao tema e da análise dos filmes Um Tira no Jardim de
Infância (1990) e Um Tira no Jardim de Infância 2 (2016).
Trata-se de uma pesquisa de cunho qualitativo, utilizando-se da
História Cultural para análise das práticas e representações
presentes nas obras analisadas. Constatou-se com este trabalho
que a literatura aborda o estranhamento que os professores
enfrentam ao assumir a docência de bebês e crianças pequenas.
Essa questão está especialmente ligada à estereótipos de gênero,
sendo as professoras mais aceitas para trabalhar com as crianças
pequenas e bebês. A análise fílmica permite perceber que as
representações construídas na ficção se aproximam em grande
parte das questões reais vivenciadas cotidianamente por
professores brasileiros. Por fim, espera-se que o trabalho possa
contribuir para os debates no sentido de compreender a
Educação Infantil como espaço de docência também dos
homens e desconstruir os preconceitos de gênero vinculados à
profissão.
Palavras-chave: educação básica, docência, relações de gênero,
análise fílmica.
Revista Brasileira de Educação do Campo
Brazilian Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15632
Santos, D. B., & Miranda, C. F. (2023). Representações de professores homens na Educação Infantil: Reflexões a partir dos filmes Um Tira no Jardim de Infância...
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Representations of male teacher in Early Childhood
Education: Reflections from the films Kindergarden Cop
ABSTRACT. This article addresses the presence of men as
teachers in early childhood education. The objective is to
analyze what are the representations built about the teachers
who work in Early Childhood Education using bibliography
pertinent to the theme and the analysis of the films Kindergarten
Cop (1990) and Kindergarten Cop 2 (2016). This is qualitative
research, using the Cultural History to analyze the practices and
representations present in the works analyzed. It was found with
this work that the academic literature addresses the
estrangement that teachers face when assuming the teaching of
babies and young children. This issue is especially linked to
gender stereotypes, being women the most accepted teachers to
work with young children and babies. The film analysis allows
us to realize that the representations built in fiction are close to
the real issues experienced daily by Brazilian teachers. Finally,
it is hoped that the work can contribute to the debates to
understand Early Childhood Education as a teaching space also
of men and deconstruct gender prejudices linked to the
profession.
Keywords: basic education, teaching, gender relations, film
analysis.
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Representaciones de profesores varones en Educación
Infantil: Reflexiones a partir de las películas Un policía en
el Jardín de Infancia
RESUMEN. Este artículo aborda la presencia de los hombres
como docentes en Educación Infantil. El objetivo es analizar
cuáles son las representaciones construidas sobre docentes que
actúan en Educación Infantil a partir de bibliografía pertinente al
tema y del análisis de las películas Un Policía en el Jardín de
Infancia (1990) y Un Policía en el Jardín de Infancia 2 (2016) .
Se trata de una investigación cualitativa, utilizando la Historia
Cultural para analizar las prácticas y representaciones presentes
en las obras analizadas. Se constató con este trabajo que la
literatura aborda el extrañamiento que enfrentan los docentes al
asumir la enseñanza de bebés y niños pequeños. Este problema
está especialmente relacionado con los estereotipos de género,
siendo los docentes más aceptados para trabajar con niños
pequeños y bebés. El análisis fílmico permite percibir que las
representaciones construidas en la ficción son muy cercanas a
los problemas reales vividos cotidianamente por los docentes
brasileños. Finalmente, se espera que el trabajo pueda contribuir
a los debates en el sentido de entender la Educación Infantil
como un espacio de enseñanza también para hombres y
deconstruir los prejuicios de género vinculados a la profesión.
Palabras clave: educación básica, docencia, relaciones de
género, análisis cinematográfico.
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Introdução
A Educação Infantil (EI) é uma etapa do ensino de extrema relevância para o processo
escolar e o desenvolvimento de várias competências das crianças. É por meio dela que se
inicia um processo educativo que perdura por anos da infância e adolescência, culminando no
Ensino Médio. Nessa etapa, a criança experimenta e desenvolve a coordenação, os laços
afetivos, as relações interpessoais, a autonomia, o conhecimento do certo e errado etc.
O que é notável nessa etapa de ensino é que existe uma grande predominância das
mulheres na atuação docente, e que mesmo que os homens estejam habilitados a atuar nessa
etapa preferem ou são condicionados a não o fazer, escolhendo atuar na gestão ou em etapas
de ensino posteriores. (INEP, 2009).
Todavia, pensando que esse é um “tabu a ser quebrado” socialmente, é importante
destacar a importância de aceitar e encarar a EI também como um espaço de importante
atuação dos homens enquanto docentes. Desconstruindo preconceitos e desentrelaçando a
atuação docente na Educação Infantil I a impossibilidades e barreiras relacionadas às questões
de gênero.
Entender como acontece a entrada e permanência dos homens enquanto docentes na EI
foi uma curiosidade que teve início durante minha graduação em Pedagogia, na Universidade
Federal do Tocantins, campus de Tocantinópolis. Durante o estágio, me deparei com sinais de
que a presença de homens naquele espaço era encarada como algo muito peculiar, me deparei
com olhares, perguntas e algumas atitudes de estranhamento e curiosidade. Essas impressões
foram as que me levaram à escolha do tema para este Trabalho de Conclusão (TCC), do
Curso de Especialização em Educação Infantil, da Universidade Federal do Norte do
Tocantins.
A partir do recorte temático, e devido ao fato de gostar de pensar e debater a respeito
das Artes, optei por realizar uma análise de obras de ficção, buscando nas representações
presentes nas narrativas fílmicas refletir a respeito das representações construídas sobre
professores homens atuando na EI.
Para tal, esta pesquisa propõe uma análise fílmica de duas obras que trazem como pano
de fundo a presença de professores homens na EI. Os filmes Um Tira no Jardim de Infância
(1990) e Um Tira no Jardim de Infância 2 (2016) abordam a necessidade de dois policiais
ingressarem na carreira docente sob disfarce para solucionar crimes. A presença deles junto às
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escolas e às crianças são demonstradas pelas personagens de distintas maneiras que permitem
analisar, a partir da ficção, as representações que a presença de um homem pode suscitar
nessa etapa da educação básica.
Esta pesquisa é de caráter qualitativo, utilizando-se da análise bibliográfica e fílmica, se
apoiando da História Cultural para compreender os diferentes significados e representações
sobre a temática trabalhada presentes nos dois filmes analisados (Barros, 2005; Chartier,
1990).
Para tal, esta pesquisa se desenvolve a partir dos seguintes questionamentos: Em que
contexto os homens que atuam como professores com crianças pequenas são retratados nos
filmes? Que tipo de situações são provocadas nos filmes a partir das suas presenças nas
escolas? Nas mais de duas décadas entre um filme e outro, algum indício de que as
concepções acerca das interpretações de gênero dos docentes tenham mudado? conexão
entre as representações retratadas nos filmes e o que nos apresenta a literatura sobre a
presença e permanência dos homens enquanto docentes na EI?
Para debates acerca desses questionamentos, este artigo está dividido em cinco seções.
A primeira traz a Introdução, seguida da segunda intitulada Reflexões a respeito da Educação
Infantil, trazendo alguns apontamentos sobre essa área da Educação Básica; a terceira
nomeada A presença dos professores na Educação Infantil, apresenta as reflexões baseadas
em pesquisas que abordam os professores na EI; a quarta seção, As representações dos
professores nos filmes Um Tira no Jardim de Infância, abarca as interpretações a respeito da
forma como as personagens são apresentadas nas obras fílmicas examinadas; finalizando com
as Considerações Finais.
Reflexões a respeito da Educação Infantil
A infância é a etapa onde se iniciam diversas construções, de identidade, de afetividade,
da visão do mundo/sociedade, do conhecimento do corpo etc. Nesse contexto, aspectos
muito importantes para o desenvolvimento das crianças, como a brincadeira, o
acompanhamento, o acesso à informação e ao conhecimento, a socialização. A partir da
socialização, as crianças vão compreendendo e se entendendo como partes de uma
coletividade com diferentes formas de sociabilidade, conhecendo suas possibilidades e limites
e desenvolvendo suas personalidades e identidades. (Brasil, 2017; Brasil, 1998).
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Por meio da Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1988) e da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional (LDB) de 1996 (Brasil, 1996), as crianças de 0 a 6 anos tem
assegurado seu direito a ingressar em creches e pré-escolas, sendo essas partes integrantes da
Educação Básica. Esses são espaços de muita importância para o desenvolvimento pessoal e
educacional das crianças e bebês, tornando-se sua oferta um dever do Estado:
Com a Constituição Federal de 1988, o atendimento em creche e pré-escola às crianças de
zero a 6 anos de idade torna-se dever do Estado. Posteriormente, com a promulgação da
LDB, em 1996, a Educação Infantil passa a ser parte integrante da Educação Básica,
situando-se no mesmo patamar que o Ensino Fundamental e o Ensino Médio. E a partir da
modificação introduzida na LDB em 2006, que antecipou o acesso ao Ensino Fundamental
para os 6 anos de idade, a Educação Infantil passa a atender a faixa etária de zero a 5 anos.
(Brasil, 2017, p. 35).
Com isso, a EI tem sua importância assegurada legalmente passando a ser a primeira
etapa da Educação Básica, iniciando a experiência da criança enquanto discente,
oportunizando um convívio social amplo e diferente do convívio familiar, desenvolvendo
questões sociais, intelectuais, educacionais e psicológicas em sua convivência com seus pares
e professoras e professores.
Sendo a primeira etapa da educação básica, a EI trabalha com crianças de zero a cinco
anos de idade e se divide em creche e pré-escola. Na creche estão as crianças que têm de zero
a três anos, distribuídas em classes denominadas maternal. As crianças maiores de três anos
vão para a pré-escola e são divididas em Jardim I, com quatro anos de idade, e o Jardim II,
com as crianças de cinco anos de idade.
Sendo fundamental para o desenvolvimento dos sujeitos nos primeiros anos de vida, a
Educação Infantil deve trabalhar elementos que possibilitem a construção das
identidades/personalidades, a inserção social e o desenvolvimento físico e psíquico,
promovendo a ética, a cidadania e a socialização. Esses elementos são de grande relevância
para um futuro cidadão ativo socialmente e feliz.
A presença dos professores na Educação Infantil
No que tange aos debates vinculados às questões de nero, as sociedades
historicamente atribuem "papéis sociais” aos indivíduos baseando-se, em linhas gerais, nas
diferenças biológicas entre os sujeitos. Essas representações são construções culturais que
variam de sociedade a sociedade e entre os tempos históricos, buscando enquadrar as pessoas
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que não se encaixam nos padrões de normatividades impostos. Essas interpretações e debates,
conforme ressalta Joan Scott (1989, p. 7) pertencem ao campo de estudos de gênero:
Com a proliferação dos estudos do sexo e da sexualidade, o gênero se tornou uma palavra
particularmente útil, porque ele oferece um meio de distinguir a prática sexual dos papéis
atribuídos às mulheres e aos homens. Apesar do fato dos(as) pesquisadores(as)
reconhecerem as relações entre o sexo e (o que os sociólogos da família chamaram) “os
papéis sexuais”, estes(as) não colocam entre os dois uma relação simples ou direta. O uso do
“gênero” coloca a ênfase sobre todo um sistema de relações que pode incluir o sexo, mas que
não é diretamente determinado pelo sexo nem determina diretamente a sexualidade.
Esse sistema de relações condicionado pelas formas de comportamento esperadas de
determinados gêneros vem oprimindo especialmente as mulheres por muitos anos. Oprimidas
e a margem da sociedade de direitos, as mulheres ficavam restritas à esfera do lar, ao privado,
tendo suas existências diretamente atreladas às existências dos homens. Antes da ascensão
dos movimentos feministas, e de uma série de conquistas por parte das mulheres, o espaço
relegado a elas era o privado, o trabalho com os cuidados do lar e da família. De acordo com
Sousa e Guedes (2016, p. 01),
A divisão do trabalho que se estabeleceu entre os sexos atribuiu o cuidado do lar para a
mulher, função, quando não invisível, tida como de pouco valor social. Enquanto a produção
material foi atribuída aos homens, tarefa considerada de prestígio e que confere poder dentro
da sociedade.
Essa divisão social do trabalho que sempre colocou as mulheres em situação de
dependência e opressão, no que se refere a participação dos professores homens na EI, exerce
o sentido inverso, ao utilizar a argumentação também pertencente a área dos "papéis de
gênero” para deslegitimar os trabalhos dos homens com as crianças pequenas e bebês.
O que é notável na EI, é que existe uma grande predominância feminina na atuação
docente. Segundo dados do Censo da Educação Básica de 2020 (Brasil, 2021), a Educação
Infantil no Brasil é composta por 593 mil docentes, mas que deste montante apenas 3,6% são
do sexo masculino, ou, mais precisamente 21.348 mil. Já as docentes do sexo feminino
somam 571.652 mil, chegando aos 96,4% do total. No entanto, no Ensino Fundamental (EF),
o número de docente do sexo masculino aumenta, sendo 12% para o EF I e 33% para o EF II.
Sendo que no Ensino Médio (EM), o percentual de professores homens chega a 42%.
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Ao observarmos por meio da literatura, o perfil docente presente na Educação como um
todo pouco mais de um século atrás, era, predominantemente, composto por homens.
Como destaca Moro e Baldez (2021, p. 23),
No século XIX, por exemplo, ser professor ou mestre na escola elementar era função de
homem. As primeiras Escolas Normais começaram a ser criadas no país a partir de 1830 e
seus bancos eram destinados inicialmente a alunos do sexo masculino, situação esta que foi
se modificando nas províncias, a partir da década de 1870, com acesso às moças.
Entretanto, quando falamos da Educação Infantil, observamos que, também no culo
XIX, quando se materializaram as primeiras instituições brasileiras que abrangiam essa etapa
de ensino, havia uma predominância das mulheres enquanto professoras. Esse fato é
associado à função de cuidar, de zelar pela criança. A educação de crianças pequenas era (é)
fortemente relacionada à ação materna (Moro & Baldez, 2021).
Do século XIX aos dias atuais, aconteceram diversas alterações no que tange às
instituições que cuidam e educam as crianças pequenas e os bebês a partir do surgimento das
creches e pré-escolas. Entretanto, o que podemos constatar não se alterar é a vinculação da
função docente nessa etapa às mulheres. E, ainda, a presença constantemente majoritária das
mulheres nessa etapa de ensino naturalizada pela dimensão cultural, acabou por reforçar que
esse espaço é destinado às mulheres (Moro & Baldez, 2021; Louro, 2001).
Portanto, quando tratamos de crianças pequenas e bebês, como na EI, etapas da
Educação Básica muito ligadas ao cuidar, se identificam como tarefas prioritariamente
femininas por termos essas tarefas como fundamentalmente destinadas às mulheres no âmbito
social e cultural (Santos, 2020; Sayão, 2005).
A presença do homem na EI, portanto, produz um grande estranhamento e incômodo e
enfrenta a dificuldade de inserção em um espaço culturalmente destinado às mulheres. Logo,
sua chegada na docência inclui a aceitação e os desafios de provar ao coletivo de que se têm
capacidade para atuar nessa etapa (de seu direito, inclusive pela formação acadêmica) e ainda
mais, de que não apresenta riscos às crianças ali presentes (Ramos, 2011). Sendo que sua
capacidade e confiabilidade entram em risco perante a visão daqueles que o cercam,
restringida pelas representações de gênero, de masculinidades (Santos, 2020).
Ramos (2011, p. 61), em sua pesquisa, com o intuito de entender a presença dos homens
na EI, observou que os mesmos
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vivenciam uma espécie de período comprobatório antes de serem, efetivamente, aceitos
como integrantes das equipes de profissionais que cuidam de crianças pequenas e as educam.
Tal constatação extrapola a exigência do cumprimento do estágio probatório, de 730 dias,
previsto no art. 30 do Estatuto dos Servidores Públicos do Município como condição para
estabilidade no serviço público. Para serem aceitos pela comunidade escolar, os professores
do sexo masculino passam pelo crivo e pela vigilância dos adultos, especialmente quando a
função no interior da instituição infantil exige a execução das funções relacionadas ao
cuidado das crianças.
Ramos (2011), destaca que a presença dos professores na EI é marcada por um processo
inicial de provação em que eles têm que se mostrar íntegros e capazes de serem “aceitos”
naquela função e espaço. Fato que geralmente não ocorre com as professoras. O autor destaca
que o homem é visto como um potencial agressor, dada às representações construídas
culturalmente do masculino. Sendo para os atuantes nas escolas e a família um risco possível
o eventual abuso sexual das crianças, assim como pode acontecer no interior das próprias
famílias (Ramos, 2011).
Nesse sentido, vale destacar (repudiando-o) o Projeto de Lei 1174 /2019-SP (São
Paulo, 2019). O que propõe o projeto é a exclusividade a profissionais mulheres a
exclusividade nos cuidados íntimos com crianças na EI, o que demostra o quão grande é a
necessidade que temos de, culturalmente, descontruirmos o pré-conceito e a discriminação
que, ainda assolam os docentes, principalmente na etapa da EI.
O homem lidando com tarefas de cuidado, principalmente corporais, de crianças e bebês
provoca conflitos, dúvidas e pensamentos/ações preconceituosas:
É indubitável a crença disseminada de um homem sexuado, ativo, perverso e que deve ficar
distante do corpo das crianças. Em contrapartida, formas explícitas de conceber as
mulheres como assexuadas e puras e, portanto, ideais para este tipo de trabalho (Sayão,
2005, p. 16).
Ainda, segundo Santos (2020), a desconfiança que ocorre com o homem atuando
profissionalmente na EI, não é necessariamente originada pela sua presença diminuta, sendo
que estes nunca estiveram totalmente ausentes desse contexto, mas sim pelo fato de estarem,
no mesmo contexto, sempre às margens das ações de cuidar e educar. Em funções na
zeladoria, portaria, vigilância e diretoria.
Outro debate igualmente pulsante quanto ao professor atuante na etapa da EI, é a
associação que se faz dos docentes à homossexualidade. Isso se pelo fato de ser a EI um
espaço pertencente culturalmente ao feminino, ou seja, “coisa de mulher”. A possível
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homossexualidade dos professores também é erroneamente transformada em potencial risco
as crianças:
aqui, uma forte tendência de associar o professor homem, de modo geral, à iminência de
ameaça à integridade da criança e, no que concerne aos docentes que assumem a
homossexualidade, a noção de péssima referência, especialmente, para os meninos. No senso
comum, há ideias que retroalimentam e dão forma à homofobia: a primeira delas é a de que a
homossexualidade pode ser “transmitida” às crianças pelo contato com os professores
homens. (Moro & Baldez, 2021, p. 70).
Considerando todas essas questões, o período comprobatório destacado por Ramos
(2011) também abrange uma vigilância sobre qual a capacidade de atuar como docente na EI
que se alicerça nos pilares do cuidar e educar. Esse primeiro, quase que exclusivamente ligado
a uma função da mulher, na dimensão cultural.
Foi possível observar também que todos esses sujeitos, sem exceção, passaram pelo crivo
das demais profissionais das instituições enfatizo, todas do sexo feminino e pelo olhar
vigilante e avaliativo das famílias das crianças. Eles necessitaram de um período para
comprovar as habilidades e capacidades para o exercício da docência de crianças pequenas,
especialmente com as crianças de zero a três anos de idade e, mais do que com os meninos,
esses professores precisaram comprovar que estavam aptos para o exercício das ações
rotineiras relacionadas aos cuidados corporais com as crianças do sexo feminino (Ramos,
2011, p. 32).
Como abordado, os debates que permeiam as concepções e estereótipos vinculados à
presença/ausência de professores homens na Educação Infantil, se centralizam nas concepções
socialmente e culturalmente construídas a respeito dos gêneros. Quanto às questões de gênero,
Louro (1997) pontua que:
... ao afirmar que o gênero institui a identidade do sujeito (assim com a etnia, a classe, ou a
nacionalidade, por exemplo) pretende-se referir, portanto, a algo que transcende o mero
desempenho de papéis, a ideia é perceber o gênero fazendo parte do sujeito, constituindo-o.
O sujeito é brasileiro, negro, homem, etc. Nessa perspectiva admite que as diferentes
instituições e práticas sociais são constituídas pelos gêneros e são, também, constituintes dos
gêneros (Louro, 1997, p. 25).
Ou seja, de acordo com o conceito de gênero, entender os indivíduos e as práticas
sociais por eles desenvolvidas é compreender algo construído que os induz a agirem daquela
forma. As instituições e práticas sociais são construtoras dos sujeitos como eles são, e pelos
mesmos são produzidas e reproduzidas.
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Entretanto, Louro (1997) retrata ser importante entendermos nero como parte da
identidade dos sujeitos, mas também explica que os sujeitos possuem identidades variadas e
não somente uma, podendo estas ter caráter transitório, pois com o passar dos tempos podem
vir a se modificarem. Sendo assim, muitos comportamentos tidos de maneira estereotipada
como “de homens” ou “de mulheres” são concepções mutáveis acerca dos diferentes
comportamentos, sendo socialmente construídos, e constantemente passíveis de mudanças.
Tensionar essas construções sociais preconceituosas e excludentes é uma tarefa urgente e
responsabilidade de todas as pessoas.
As representações dos professores nos filmes Um Tira no Jardim de Infância
Conforme exposto, a presença dos professores na EI costuma causar desconforto e/ou
estranhamento, provocando uma série de debates. Nas representações fílmicas aqui analisadas
ocorrem de maneira semelhante, com algumas especificidades que se afastam para colaborar
com a trama narrativa das histórias contadas nos filmes.
Uma análise fílmica permite perceber diferentes concepções a respeito das histórias
narradas, que dialogam diretamente com as visões de mundo de seus autores, roteiristas,
atores e atrizes, entre outras pessoas envolvidas. Mesmo as narrativas de cunho fantástico são
férteis em permitir compreender as variadas formas de conceber possibilidades de existências
e compreensões em determinada sociedade e em determinado tempo histórico. Nesse sentido,
Vanoye e Goliot-Lété (1994, p. 55) destacam:
A hipótese diretriz de uma interpretação sócio-histórica é de que um filme sempre ‘fala’ do
presente (ou sempre "diz" algo do presente, do aqui e do agora de seu contexto de produção).
O fato de ser um filme histórico ou de ficção científica nada muda no caso.
A História Cultural pode contribuir muito com esses olhares, na medida em que busca
identificar as práticas e representações presentes nas narrativas e nos acontecimentos,
permitindo importantes interpretações:
As noções que se acoplam mais habitualmente à de “cultura” para constituir um universo de
abrangência da História Cultural são as de “linguagem” (ou comunicação), “representações”,
e de “práticas” (práticas culturais, realizadas por seres humanos em relação uns com os
outros e na sua relação com o mundo, o que em última instância inclui tanto as “práticas
discursivas” como as práticas não-discursivas). (Barros, 2005, p. 129).
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Buscando possibilidades de práticas discursivas fílmicas relacionadas à temática aqui
abordada, foram escolhidas duas obras, ambas gravadas nos Estados Unidos da América, que
trazem a inserção da presença dos homens na EI. Sendo obras estadunidenses, com atores
populares, de classificação livre para todos os públicos, é possível apreender que as
concepções trazidas nos filmes são mais direcionadas a uma narrativa leve e divertida, com
vistas a sua propagação e comercialização em massa. Nesse sentido, é possível alegar que a
intenção dos filmes, não é se aprofundar nas complexas tramas de interpretações que a
docência dos professores homens instiga nessa etapa de ensino, mas utilizar o estranhamento
possível como provocação ao entretenimento.
O primeiro filme analisado foi Um tira no jardim de infância (Kindergarten Cop), de
1990, dirigido por Ivan Reitman. Nesse filme, Arnold Schwarzenegger interpreta o Detetive
John Kimble que, juntamente com a Detetive Phoebe O'Hara, perseguem um conhecido
traficante de drogas. O bandido está atrás de sua ex-esposa e seu filho que fugiram dele
mais de um ano. O detetive passa a dar aulas no jardim de infância para crianças de seis anos,
tentando descobrir qual das crianças é o filho do traficante no intuito de proteger ele e sua
mãe.
o segundo filme, Um tira no jardim de infância 2 (Kindergarten Cop 2), de 2016,
dirigido por Don Michael Pail. O filme é protagonizado pelo ator Dolph Lundgren que atua
no papel do Agente Reed, o policial que junto com seu colega Agente Sanders, interpretado
por Bill Bellamy, investigam o paradeiro de um pendrive perdido que pertencia ao Programa
Federal de Proteção à Testemunha dos Estados Unidos. Essa evidência acaba indo parar na
sala do jardim de infância, levando o protagonista a trabalhar disfarçado para resolver o caso.
Passando a analisar a introdução dos professores ao Jardim de Infância, representada
nos filmes, percebemos que essas se dão de maneiras semelhantes em ambos, por uma
necessidade policial. Ou seja, a inserção do homem nessa etapa de ensino é representada
como entrelaçada a homens que exercem outras funções dita, culturalmente, “de homem”,
mas que por motivos especiais foram levados a inserirem-se em um espaço destinado à
educação de crianças pequenas.
A entrada e permanência diminuída dos homens na EI pode ser dar por se caracterizar
um espaço de presença majoritária das mulheres, o que acaba por causar receio por parte dos
homens em serem discriminados e/ou sofrerem de preconceito daqueles que frequentam o
espaço escolar. Esse receio acaba por influenciar na escolha da profissão dos homens,
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especialmente para aqueles que se interessam pela docência na EI, mas ficam receosos de
atuar nessa etapa com medo do que precisarão enfrentar.
De acordo com Santos (2020), a escolha da docência na Educação Infantil por homens,
é, principalmente, realizada por influência de parentes próximos, sendo estes, na maior parte,
mulheres. Ou após um grande e variado percurso profissional.
Entretanto, relacionando com o que aborda Ramos (2011), ao constatar que uma
quantidade relativamente pequena, mas significativa de homens atuando enquanto docentes
na EI na rede municipal de Belo Horizonte, esse fato se vincula a recente consolidação dessa
etapa de ensino, tornando-se um cargo efetivo específico da rede pública gerando um maior
interesse dos homens.
Embora pequena, essa mudança demonstra um passo importante não para a inserção
do professor na EI, mas também para o desenvolvimento dessa etapa de ensino tão importante
socialmente. Ainda, Santos (2020) destaca que essa progressiva entrada dos homens na
docência na EI tende a produzir novas representações culturais de masculinidades.
No decorrer dos filmes podemos constatar as diferenças nas representações dos homens
enquanto docentes no Jardim de Infância, em sua presença e permanência. O primeiro filme,
datado de 1990, apresenta mais proximidade no que diz respeito aos desafios aqui
apresentados, enfrentados pelos docentes homens na etapa de ensino EI. Já o segundo filme
traz um roteiro mais sensível e acolhedor da presença do homem nesse espaço. Ainda assim,
em ambos os filmes vemos a surpresa das personagens atuantes na escola com a presença de
um docente homem na etapa de ensino Jardim de Infância, referindo-se como algo
“incomum”.
Na primeira versão do filme é observável que a diretora da escola em que se passa os
fatos preocupa-se e duvida da capacidade do homem que assume a sala de aula do Jardim de
Infância, mesmo ele afirmando que tem experiência como professor (comprovada a partir de
currículo falso, de seu disfarce). Mesmo com essa comprovação, a diretora alerta que “estará
de olho” nele durante sua estadia na escola. Essa postura está de acordo com o apontado por
Ramos (2011, p. 113) e, seu caso de estudo:
Conclui-se, assim, a partir das análises das discussões realizadas com os diferentes grupos
que há, efetivamente, dois tempos diferenciados para a incorporação dos professores homens
na educação infantil: o período probatório e o outro comprobatório. O segundo, somente é
cumprido quando esses professores conseguem “provar” que possuem capacidade,
habilidade e competência para educar e cuidar de crianças pequenas e que não representam
ameaças, nem são capazes de cometer abusos de qualquer natureza contra as mesmas.
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O período comprobatório em que enfrenta a personagem docente homem no filme
somente é ultrapassado quando as metodologias que ele apresenta para o controle da turma e
o ensino se mostram eficazes e convencem a diretora. Porém, durante esse decorrer, a
diretora, em diálogo com uma funcionária da escola, diz em tom irônico que “mais duas
semanas disso [sala de aula] e ele desiste”. Ela demonstra nessa fala que acredita que o
mesmo não teria a capacidade de contornar situações normais de sala, pois não seria adequado
para isso.
Essa postura vai ao encontro de toda argumentação identificada na bibliografia a
respeito da temática quando destacam que os homens têm sua legitimidade e lugar
questionados ao tentar atuar na Educação Infantil. Segundo Santos (2020, p. 66), isso se
“por se tratar de uma profissão cuja função social pressupõe a seleção de competências
comumente associadas ao feminino e que se vinculam às esferas da produção e da reprodução
da vida: o cuidado e a educação de bebês e crianças pequenas” (Santos, 2020, p. 66).
Além da reação de desconforto e desafio das funcionárias da escola, o filme também
aborda o estranhamento das mães dos alunos e alunas da turma do Jardim. Em um dos
diálogos, trazidos no filme de 1990, as mães de alunos do novo professor, ao conversarem em
frente à escola, desenvolvem o seguinte diálogo:
Mãe 1: Ele é gay! Que tipo de homem leciona no Jardim de Infância? Só pode ser gay.
Mãe 2: É, eu também não estou acostumada com homem lecionando no Jardim.
Os desafios enfrentados pelos professores na presença e permanência na EI,
destacados anteriormente, carregam essa dimensão discriminatória, em algumas de suas
vertentes, como o compreender como “menos homem” (Santos, 2020, p. 70).
Monteiro e Altmann (2014, p. 732) afirmam que
O fato de optarem por uma profissão exercida predominantemente por mulheres, iniciando
pelo curso de formação e, posteriormente, ingressando na carreira docente, distanciou os
professores da noção de masculinidade hegemônica, conceito que se aproxima da noção de
virilidade; e está associado à heteronormatividade como padrão.
O simples fato de o homem escolher exercer uma função culturalmente atribuída às
mulheres é suficiente para que o vejam ou entendam como homossexual, sem ao menos
conhecê-los (Ramos, 2011; Santos, 2020).
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No filme, as mães que desenvolvem o diálogo acima e outras mães veem o homem,
interpretado por Arnold Schwarzenegger, de porte alto e forte, e alegava que ele devia ser gay
passam a demonstrar interesse por ele e associar a possibilidade de sua competência nos
cuidados das crianças com atributos interessantes em um possível parceiro.
Conforme salienta Santos (2020), a atração que por vezes se estabelece, relacionada aos
professores homens, se mostra não apenas física, mas também pelas capacidades do docente
de cuidar e educar as crianças, que acabam por torná-lo uma figura exótica, incluído em um
ambiente que é, culturalmente, ligado à mulher (Santos, 2020).
O segundo filme, de 2016, traz uma visão mais consciente e adequada da presença e
permanência do docente homem no Jardim de Infância. Não apresentando questionamentos
quanto às capacidades e orientação sexual. Apenas apresenta uma fala de uma colega
professora quanto a ser, “hoje, raro encontrar um homem interessado em criança nessa idade”.
Esse filme parece transmitir e tentar construir uma nova imagem da presença dos
homens enquanto professores no Jardim de Infância/Educação Infantil. A distância de 26 anos
entre um filme e o outro, e as mudanças sociais e culturais que vêm sendo desenvolvidas na
área, podem ter contribuído para desconstruir a exclusividade de mulheres na docência de
crianças pequenas e bebês, construída por aspectos culturais, de gênero, e estereótipos. Como
aborda Vanoye e Goliot-Lété (1994, p. 56),
... o filme opera escolhas, organiza elementos entre si, decupa no real e no imaginário,
constrói um mundo possível que mantém relações complexas com o mundo real: pode ser
em parte seu reflexo, mas também pode ser sua recusa (ocultando aspectos importantes do
mundo real, idealizando, amplificando certos defeitos, propondo um "contramundo" etc.).
Reflexo ou recusa, o filme constitui um ponto de vista sobre este ou aquele aspecto do
mundo que lhe é contemporâneo.
Sendo assim, o filme ganha uma função de conscientizar, de propor algo melhor do que
é visto na realidade, neste caso, naturalizando o homem como docente no Jardim de Infância,
etapa pertencente à Educação Infantil. Juntamente como o filme, a sociedade deve entender
que precisamos que todos nós “estejamos imbuídos/as do desejo de mudança e nos
reconheçamos como sujeitos implicados em processos de transformação social, em especial,
aqueles referentes à construção, desconstrução e reconstrução das relações sociais de gênero”
(Santos, 2020, p. 78).
Comparando os filmes com a bibliografia analisada percebemos que parte do que é
retratado na bibliografia a respeito da temática também pode ser percebida nessas obras de
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ficção. O estranhamento quanto à presença do docente homem no Jardim de Infância/EI, a
discriminação enquanto a orientação sexual, a suspeita quanto a falta de capacidades de cuidar
e educar, todas estão presentes tanto na literatura, quanto nos filmes, principalmente na
primeira versão, de 1990.
Contudo, a discriminação por vincular à agressividade e ao descontrole sexual, esse
último ligado à possibilidade de abuso sexual das crianças, tanto discutido nos textos
analisados, não aparecem nos filmes. Esse fato possivelmente se devido aos objetivos dos
filmes que, como apontados, foram feitos direcionados ao grande público para serem obras
para serem assistidas por toda a família, de descontração e entretenimento, não propondo se
aprofundar ou complexificar a presença dos professores homens no Jardim de Infância.
Considerações finais
Neste trabalho foram abordadas as representações construídas a partir da presença de
professores homens na Educação Infantil. Para tal, foram analisadas as representações
artísticas da presença e a permanência dos docentes homens na Educação infantil, por meio da
análise fílmica da sequência Um Tira no Jardim de Infância (1990) e Um Tira no Jardim de
Infância 2 (2016).
A motivação em pesquisar esse tema surgiu durante o estágio da graduação, onde, nas
instituições em que estive estagiando e que ofereciam a Educação Infantil, não havia docentes
homens nessa etapa de ensino, o que me instigou bastante. Durante o estágio me deparei com
sinais de que a presença dos homens naquele espaço era encarada como algo muito peculiar,
os olhares, as perguntas e algumas atitudes foram o que me levaram a escolha deste tema.
Assim, pelo fato de entender os filmes como possibilidades de análise das representações da
realidade, com elementos característicos de um contexto social, cultural e histórico específico,
decidi analisar filmes que retratam o homem na função de docente de crianças pequenas e
bebês.
Os questionamentos que inspiraram este trabalho se mostraram respondidos a medida
em que a análise dos filmes destaca o que muito a literatura aborda sobre o estranhamento e
discriminação que o homem sofre ao assumir a docência de crianças pequenas e bebês. Isso se
especialmente pelo fato de a Educação Infantil culturalmente estar ligada às noções de
maternidade e de cuidado, e essas serem muito vinculadas a figura das mulheres. Essas
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interpretações também podem justificar a presença das mulheres como majoritária nessa etapa
de ensino e o desconforto que muitos professores homens sentem quando tentam atuar nessa
importante etapa da Educação Básica.
Quando adentra a EI, o homem se depara com o estranhamento por partes dos colegas,
das pessoas responsáveis pelas crianças e de todas que o cercam, pois são vistos como
“exóticos”. Assim, esse estranhamento se transforma em dúvida em relação a suas
capacidades como docentes e, muitas vezes, discriminação quanto a sua orientação sexual, e a
possibilidade de existência de uma agressividade ou descontrole sexual.
O debate dessa temática é de grande importância socialmente. Precisamos compreender
a EI também como espaço do docente homem e desconstruir os estereótipos de gênero que há
bastante tempo estão enraizados em nossa sociedade. A Especialização em que se elabora este
trabalho é um dos espaços em que a presença deste debate deve acontecer mais fortemente,
pois é neste espaço em que pode ser construída e desconstruída a imagem do que é a
Educação Infantil, para aqueles que integram ou irão integrar o curso. Sendo esses os futuros
responsáveis em apresentar à sociedade um aspecto importante sobre como essa etapa da
Educação Básica deve ser compreendida e quais os agentes que podem atuar nela.
Nesse sentido, pensando que o estranhamento e a discriminação quanto à presença do
docente homem na EI é um “tabu a ser quebrado” socialmente e culturalmente, é importante
destacar a importância de aceitar e encarar a EI também como um espaço de relevante atuação
dos docentes homens. Desconstruindo preconceitos e desentrelaçando a atuação docente na EI
a concepções estereotipadas de gênero.
As discussões aqui desenvolvidas não se esgotam neste trabalho, mas propõem e
tencionam o desenvolvimento de novos trabalhos abordando a complexa discussão de gênero
que permeia o ingresso e a permanência dos professores na Educação Infantil. Quanto mais se
pesquisar e debater a respeito, maiores serão as chances de se mudar a realidade que até então
se apresenta.
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Informações do Artigo / Article Information
Recebido em: 31/01/2023
Aprovado em: 22/03/2023
Publicado em: 30/05/2023
Received on January 31th, 2023
Accepted on March 22th, 2023
Published on May, 30th, 2023
Contribuições no Artigo: Os(as) autores(as) foram os(as) responsáveis por todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados; escrita e revisão do conteúdo do manuscrito e; aprovação da versão
final publicada.
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Conflitos de Interesse: Os(as) autores(as) declararam não haver nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
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filmes Um Tira no Jardim de Infância. Rev. Bras. Educ. Camp., 8, exxxxxx. http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15632
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ABNT
SANTOS, D. B.; MIRANDA, C. F. Representações de professores homens na Educação Infantil: Reflexões a partir dos filmes
Um Tira no Jardim de Infância. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 8, exxxxxx, 2023.
http://dx.doi.org/10.20873/uft.rbec.e15632