Magalhães, G. L., & Castioni, R. (2016). A EPT sob a metodologia da alternância...




A EPT sob a metodologia da alternância: a experiência do IF Brasília - campus Planaltina



Guilherme Lins de Magalhães, Remi Castioni2

Presidência da República/Instituto Federal de Brasília - IFB/Universidade de Brasília - UnB, Setor de Preparação Física da Presidência da República. Anexo do Palácio do Planalto, Praça dos Três Poderes, Brasília - DF. Brasil. glmjudo@hotmail.com. 2Universidade de Brasília - UnB.






RESUMO. Este artigo buscou entender como acontece o diálogo social entre os atores do mundo do trabalho e a instituição escolar e, assim, investigou se os conhecimentos disseminados pela escola, através da metodologia da alternância, influenciaram a atuação dos assentados como agentes de desenvolvimento da região. A pesquisa se desenvolveu a partir de uma abordagem de natureza qualitativa com uma dimensão empírica pautada na busca de respostas. Todavia, o curso não obteve total sucesso na aplicação da metodologia da alternância, por problemas de gestão, e assim acabou demonstrando aspectos de um curso semipresencial.


Palavras-chave: Educação Profissional, Metodologia da Alternância, Metodologia Qualitativa.













The TPE under the methodology of alternation: the experience of the FI Brasilia - campus Planaltina






ABSTRACT. This article sought to understand the social dialogue takes place between the world of work actors and the school institution and thus investigated whether the knowledge disseminated by the school, through the alternation methodology influenced the actions of the settlers as agents of development in the region. The research was developed from a qualitative approach with an empirical dimension guided by the search for answers. However, the course did not achieve complete success in implementing the alternation methodology for management problems, and so just to demonstrate aspects of a blended course.


Keywords: Professional Education, Methodology of Alternation, Qualitative Methodology.























EPT bajo la metodología de la alternancia: la experiencia del IF Brasilia - campus de Planaltina






RESUMEN. En este artículo se trató de entender el diálogo social tiene lugar entre el mundo de los actores de trabajo y la institución escolar y por lo tanto se investigó si el conocimiento difundido por la escuela, a través de la metodología de alternancia influyó en las acciones de los colonos como agentes de desarrollo en la región. La investigación se desarrolló a partir de un enfoque cualitativo, con una dimensión empírica guiada por la búsqueda de respuestas. Sin embargo, el curso no logró el éxito completo en la aplicación de la metodología de la alternancia de los problemas de gestión, y así sólo para demostrar aspectos de un curso mixto.


Palabras-clave: Educación Profesional, Metodología de la alternancia, Metodología Cualitativa.




















Introdução



Nos últimos anos no Brasil, a Educação Profissional e Tecnológica (EPT) pública e gratuita teve maior investimento do governo federal. Dessa maneira, a EPT alcançou cidades mais afastadas dos centros urbanos industrializados, visto a concepção de que a profissionalização é um dos motores para o desenvolvimento econômico do país. Portanto, há um consenso entre pesquisadores, da área econômica, de que pessoas mais capacitadas poderão atender às demandas do mercado e também desenvolver tecnologias e técnicas para proporcionar o desenvolvimento de uma região.

Esta pesquisa foi desenvolvida a partir de um olhar sobre um dos vários setores da economia, o agropecuário, visto que o aumento da produção de alimentos, paralelo à preservação do meio ambiente, constitui-se um desafio da era moderna, sobretudo para a agricultura familiar, uma vez que há uma produção em escalas inferiores à dos empreendedores do agronegócio que atende a demandas de pequenas regiões. Desta forma, os assentados da reforma agrária da região de Águas Emendadas (Distrito Federal e Goiás) são hoje um público propício para iniciar esse tipo de agricultura. Entretanto, o pouco conhecimento, a ausência de capital financeiro e de infraestrutura são fatores que impossibilitam essa prática com mais afinco porque, depois de assentados, não houveram políticas coordenadas entre os setores governamentais para colaborar com o desenvolvimento da região.

Observou-se uma iniciativa nesse caminho, com a oferta do Curso Técnico em Agropecuária, com ênfase em Agroecologiai, oferecido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Brasília – IFB, através do Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, com o método de alternância. Nesse sistema pedagógico, o processo de ensino e aprendizagem desenvolve-se a partir da experiência e da realidade concreta dos educandos, onde o meio socioprofissional representa o eixo principal da proposta pedagógica do curso ora investigado.

Assim, esse artigo tem como objetivo relatar a experiência do IFB com a metodologia da alternância para apontar os sucessos e dificuldades no percurso dessa oferta para a meso região de Águas Emendadas. Dessa maneira, será útil para outras instituições que tenham interesse em ofertar cursos com essa metodologia em perceber os meandros dessa execução na educação profissional pública e gratuita.

O ensino agrícola e a metodologia da alternância no Brasil: uma história à parte


Desde a colonização brasileira, o desenvolvimento do país é pautado nas ações agroexportadoras, isto é, na produção de commodities, sendo a atuação do setor importante na construção do PIB nacional. Essa atuação “agro” tem caracterizado o país no cenário econômico internacional, condicionando as relações sociais no país, as relações com o trabalho e com a terra, seja como propriedade, seja como ambiente.

Originalmente, essas atividades se deram como atividades agrícolas, do tipo plantation, em grandes propriedades, com mão de obra escrava, ao longo da história. Posteriormente, surgiram características mais “modernas”, tanto do ponto de vista técnico como de gestão. Logo, o modelo de produção agroindustrial, dentro dos moldes da Revolução Verde era à base dessa produção (Graziano Neto, 1988, p. 24, apud Dansa, 2008).

Desse modo, o processo histórico anterior, proveniente das características culturais, econômicas e sociais, influenciou o processo de modernização pautado pela Revolução Verde nas diferentes regiões do Brasil. Como descreve Graziano Neto (1988),


nas regiões Sul e Sudeste do país consolidou-se um segmento de agricultores modernizados, nos moldes do capitalismo industrial, desenvolvendo sistemas de produção com tecnologia, articulados com as agroindústrias processadoras de produtos agrícolas e dispondo de certa condição econômica, infraestrutural e de organização social e política. Nas regiões Centro Oeste Norte e principalmente no Nordeste, a agricultura familiar é, normalmente, associada com unidade de baixa produção, desenvolvimento tecnológico precário, baixa capacidade de geração de renda, pouca infraestrutura de apoio e um poder organizativo e político pequeno, vinculado aos grandes proprietários (Graziano Neto, 1988 p. 22, apud Dansa, 2001, p. 85).

Portanto, a escolha do modelo de agronegócio é de caráter patronal e teve consequências na segregação daqueles que estão excluídos da sociedade. Como exemplo, os filhos bastardos e dos negros acabaram por perder o acesso a terra após a instalação desse sistema. Assim, essa população não teve outra opção a não ser de aceitar as condições miseráveis de trabalho ou ocupar de forma ilegal terras públicas.

Assim, o ensino agrícola brasileiro integrou-se ao Ministério da Educação e Cultura a partir de 1967 devido à modernização tecnológica preconizada pela Revolução Verde. Em seguida, é publicada a “Lei do Boi” (Lei n.º 5.465/68) que é uma política de “cotas”, com favorecimento de uma determinada classe, com objetivo de suavizar o êxodo rural crescente, pois dispunha sobre o preenchimento das vagas para ingresso na educação agrícola, tanto de nível médio, como de nível superior, reservando 50% das vagas para candidatos agricultores e seus filhos.

Também, expandiu-se o sistema “escola-fazenda” (um dos diferenciais deste sistema de escola-fazenda é o regime de internato para quase todos os alunos. Esta necessidade de residência na instituição existe, entre outros motivos, pelo fato de as escolas, na grande maioria, estarem localizadas na zona rural e absorverem alunos das mais diferentes regiões, o que impossibilita o deslocamento diário. Isso se torna, portanto, imprescindível para o funcionamento da fazenda (escola), tendo em vista as inúmeras atividades fora do horário normal das aulas.), que ainda norteia as atuais escolas agrotécnicas. Nessas, a metodologia tinha como princípio o de “aprender a fazer e fazer para aprender”, com os seguintes objetivos: 1) proporcionar aos estudantes vivências com os problemas reais do trabalho agropecuário; 2) despertar o interesse pela agropecuária; 3) convencer a comunidade de que a agropecuária é uma indústria de produção; 4) oferecer aos estudantes oportunidades de iniciarem e se estabelecerem em um negócio agropecuário; 5) estimular nos estudantes um espírito de reciprocidade e cooperação; e 6) ampliar as ações educativas em estabelecimentos rurais, a fim de estimular, entre os agricultores, práticas agropecuárias recomendáveis.

Na mesma época surgiu, no Brasil, a Pedagogia da Alternância - PA, por meio da ação do movimento de educação promocional do Espírito Santo (MEPES), que fundou as seguintes escolas: Escola Família Rural de Alfredo Chaves, Escola Família Rural de Rio Novo do Sul e Escola Família Rural de Olivânia, essa última no município de Anchieta. O objetivo primordial era atuar sobre os interesses do homem do campo, principalmente no que diz respeito à elevação do seu nível cultural, social e econômico (Pessotti, 1978).

Essa Pedagogia tem como metodologia a organização da formação em espaços e tempos diferenciados, alternando “tempo escola” e “tempo comunidade”. Portanto, ele se desenvolve em três momentos integrados:

Nesse sistema pedagógico, o processo de ensino e aprendizagem desenvolve-se a partir da experiência e da realidade concreta dos educandos, onde o meio socioprofissional representa o eixo principal da proposta pedagógica do curso ora investigado.

Dessa forma, na literatura sobre a PA, que provêm de 1969, há indicações de problemas quando há ações concretas, tais como: da estrutura e da manutenção das instituições; da participação das famílias como partícipes do processo pedagógico; e do dilema metodológico da escolha entre currículo oficial e plano de estudo. Entretanto, apesar destes, a PA ainda é uma alternativa bastante adequada para a Educação do Campo. Ainda que, para tanto, seja necessário que ela seja adotada em toda sua significação filosófica e metodológica (Teixeira, Bernartt e Trindade, 2008).

Outro grupo de autores, relatado por Teixeira, Bernartt e Trindade (2008), que realizaram pesquisas entre a metodologia da alternância e desenvolvimento local entendem que a PA apresenta-se como uma alternativa de educação do campo, voltada para filhos e filhas de agricultores familiares, sob a ótica do desenvolvimento e do fortalecimento da agricultura familiar e da qualidade de vida das populações do campo. Além disso, enfatiza-se o protagonismo dos jovens e de suas famílias no envolvimento com ações voltadas para o desenvolvimento sustentável como um processo endógeno.

Portanto, ao mesmo tempo em que a revolução do Boi trouxe a preocupação com a educação do campo na expansão do sistema escola-fazenda, a nível governamental, surge como uma das soluções a metodologia da alternância nesse ambiente rural, a nível local. Ideias convergentes em seus objetivos, mas divergentes em seus métodos, pois uma inseria o integrante do campo na escola para concluir seus estudos enquanto a outra alternava esses períodos com o objetivo de refletir teoria e prática durante o processo de aprendizagem.

Assim, com base em documentos norteadores do MEC/SETEC, os Institutos Federais têm como objetivo ser um novo tipo de instituição identificada e comprometida com a evolução da educação. Trata-se de um projeto progressista, que compreende a educação como um compromisso de transformação e de enriquecimento de conhecimentos, e suscetíveis de modificar a vida social de seu alunado. E para atender a demanda de profissionalização de seu público, esses institutos empreendem um olhar diferenciado nesse complexo projeto de educação. A ação se materializa por meio do levantamento de necessidades da região e de proposição de melhoria, para assim, favorecer possibilidades de mudanças socioeconômicas, no país, e contribuir para o desenvolvimento do conhecimento científico e humano, além de fortalecer o avanço de tecnologias locais.

Por isso, através do PRONERA, o IFB câmpus Planaltina ofereceu o Curso Técnico em Agropecuária com ênfase em Agroecologia para assentados da região de Águas Emendadas a partir da metodologia da alternância.


Um breve histórico da implantação do curso técnico em agroecologia


Em julho de 1997, foi realizado o I Encontro Nacional das Educadoras e Educadores da Reforma Agrária – ENERA e nele os participantes concluíram ser necessária uma articulação entre trabalhos em desenvolvimento, bem como sua multiplicação, dada a grande demanda dos movimentos sociais por educação no meio rural e a situação deficitária da oferta educacional no campo, agravada pela ausência de uma política pública específica no Plano Nacional de Educação. No mesmo ano, decidiu-se dar prioridade à questão do analfabetismo de jovens e adultos, sem ser excluído o apoio a outras alternativas. As razões para essa opção se deveram aos altos índices de analfabetismo, aos baixos níveis de escolarização entre os beneficiários do Programa de Reforma Agrária e à preferência do Ministério da Educação pela política de reforço do ensino regular. Isso simplesmente porque os dirigentes municipais consideram os assentamentos áreas federais e, portanto, fora do âmbito de sua atuação.

Mais tarde, em 16 de abril de 1998, por meio da Portaria nº. 10/98, o Ministério Extraordinário de Política Fundiária criou o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária – PRONERA, vinculando-o ao Gabinete do Ministro e aprovando o seu Manual de Operações. No ano de 2001, o programa é incorporado ao INCRA e, em seguida, é editada a portaria INCRA/nº 837, aprovando a edição de um novo Manual de Operações. Em 2004, frente à necessidade de adequar o PRONERA às diretrizes políticas do atual Governo, que prioriza a educação em todos os níveis, como um direito social de todos, houve a necessidade de elaborar outro Manual de Operações, aprovado pela portaria INCRA/Nº 282 de 16/4/2004.

Com essa portaria é possível promover em assentamentos e comunidades rurais uma educação voltada para os seguintes temas: a alfabetização e escolarização de jovens e adultos; a formação de educadores para os assentamentos; e a formação técnico-profissional de nível médio e superior.


Alcance e limitações da experiência com a metodologia da alternância


Esta pesquisa utilizou uma abordagem de natureza qualitativa a partir de uma dimensão empírica pautada na busca de respostas, ou seja, o estudo buscou descrever o fenômeno mediante uma modalidade de investigação que apresenta, em sua natureza, uma visão de mundo a partir da perspectiva do sujeito, implementada mediante a coleta de dados qualitativos. Godoy (1995) explicita algumas características principais de uma pesquisa qualitativa, que embasam também este trabalho: considera o ambiente como fonte direta dos dados e o pesquisador como instrumento chave; possui caráter descritivo; o processo é o foco principal de abordagem e não o resultado ou o produto; a análise dos dados foi realizada de forma intuitiva e indutivamente pelo pesquisador; não requereu o uso de técnicas e métodos estatísticos; e, por fim, teve como preocupação maior a interpretação de fenômenos e a atribuição de resultados. A pesquisa qualitativa não procura enumerar e/ou medir os eventos estudados, nem emprega instrumental estatístico na análise dos dados, envolve a obtenção de dados descritivos sobre pessoas, lugares e processos interativos pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, procurando compreender os fenômenos segundo a perspectiva dos sujeitos, ou seja, dos participantes da situação em estudo.

Para tanto, optou-se por uma amostra aleatória dos participantes, envolvendo professores e líderes do assentamento. Houve a participação de 8 (oito) professores e de 7 (sete) líderes de assentamentos, que foram arguidos através de entrevistas semi-estruturada. Com os professores, a entrevista teve como objetivo identificar se o curso ofereceu atividades e condições coerentes com a metodologia da alternância. Já o roteiro aplicado aos líderes dos assentamentos tinha como objetivo verificar a percepção destes sobre a atuação dos estudantes no assentamento para colaborar com o desenvolvimento do mesmo. O processo de análise das respostas discursivas aconteceu através do software NVivo 10 (free trial version). A análise das respostas das entrevistas buscou identificar os elementos da metodologia da alternância na atuação dos professores e seus resultados práticos no assentamento.

Desta maneira, buscou-se perceber se os conhecimentos disseminados pela escola, através da metodologia da alternância, influenciaram a atuação dos assentados e consequentemente sua atuação como agentes de desenvolvimento da região, e, também, compreender como o diálogo social entre os atores do mundo do trabalho e a instituição aconteceu.

Em sua tese de doutoramento, Queiroz (2004) analisa o processo de implantação de CEFFAs de Ensino Médio e Educação Profissional nas EFAs. Ele defende que as EFAs de Ensino Médio e Educação Profissional sejam escolas que, embora ainda estejam em construção, inaugurem no Brasil a formação dos jovens agricultores familiares em alternância, de maneira integrada e unitária, em que a crescente participação e responsabilidade dos agricultores familiares contribui tanto para o fortalecimento da formação em alternância, como para o próprio fortalecimento da agricultura familiar.

A PA tem como premissa a construção do projeto pedagógico a partir de princípios democráticos, participativos, amplos, motivadores, criativos e eficientes. Nesse sentido, a construção do currículo se desenvolve de forma coletiva como um instrumento de luta e de contraposição à fragmentação do trabalho pedagógico. Logo, é peça-chave do processo educativo porque trata das finalidades e das metas e dá sentido e define a sua condução. Nesse sentido, Castioni (2010, p. 255) relata que o ambiente educativo deve superar e revelar o caminho para uma educação de empoderamento “Há um ambiente impregnado dessas normas homogeneizadoras de comportamentos, que tornam tal ambiente difícil de ser revelado, tanto aos que educam quanto àqueles que são sujeitos da ação do ato educado”.

Todavia, na busca de outras experiências na literatura, encontrou-se um artigo de professores do curso de Planaltina (Kuhn, Gonçalves e Kuhn, 2012) com relatos sobre o mesmo, ainda no seu início. E eles demonstram um dado de alta relevância: a não caracterização da PA como metodologia do curso:


mesmo o Instituto Federal tendo assumido parte dos custos necessários à matrícula e início do curso, algumas atividades centrais não foram realizadas, como por exemplo, a contratação de monitores para atuar principalmente no tempo-comunidade e realização das atividades do tempo-escola na Escola Família Agrícola de Padre Bernardo, no âmbito do assentamento Vereda II. Especialmente esses dois aspectos fizeram com que muitos dos fundamentos políticos e pedagógicos da Educação do Campo não fossem alcançados, pois a inserção nas comunidades e a mobilização delas foram prejudicadas pela falta dos recursos humanos e financeiros necessários para tal fim. Esta situação corrompeu a essência da pedagogia da alternância transformando o curso numa espécie de modalidade semipresencial (Kuhn, Gonçalves, Kuhn, 2012, p. 9).

Portanto, já em 2012, devido a problemas que serão relatados mais a frente, não havia mais o fundamento da metodologia da alternância para o curso proposto para os assentados da região de Águas Emendadas.

Assim, fica evidente uma baixa ação coletiva para colaborar com a região. Portanto, os estudantes ficaram à mercê de suas capacidades para determinar a sua alocação como cita Castioni (2010), à luz do pensamento de Gramsci (1991),


de uma educação desinteressada, não pertencente a um grupo social e a nenhum interesse imediato. Na condição atual, tem-se, graças à ideologia do discurso competente, a primazia do homo economicus, no qual o indivíduo é tomado isoladamente, abstraído do conjunto de relações sociais e sendo ele o responsável por extrair o máximo de suas forças físicas e mentais para determinar sua alocação (Castioni, 2010, p. 258).


Portanto, com essa conclusão é necessário evidenciar os fatos ocorridos no percurso do curso para que outras instituições que tenham interesse em colocar em prática tal metodologia tenham como exemplo essa experiência e evitem percorrer os mesmos caminhos a fim de prevenir problemas com o uso dessa metodologia.

O primeiro fato a ser evidenciado nesse trabalho é que o curso não havia sido aprovado pelo Conselho Superior da Instituição até o final da realização da pesquisa, em 2014, sendo que o curso teve seu último momento em setembro de 2013. Portanto, esse fato inviabilizava a emissão e entrega de certificados para os estudantes concluintes. E, talvez, devido à falta dessa aprovação do curso, outros fatos, apontados pelos professores, como nenhum estímulo de projetos de extensão e de pesquisa na região, a ausência de reconhecimento da carga horária ministrada no curso e falta de pagamento de diárias para o deslocamento de professores até os assentamentos proporcionaram a desmotivação dos docentes na realização de atividades com afinco para a formação de um coletivo com determinação para colaborar com a realidade.


Também aprendi que não entro novamente neste barco enquanto a instituição não assumir o comando e compreender o curso como uma atividade oficial. Aprendi muito, mas fiquei com a sensação de impotência diante dos processos que ficaram emperrados na burocracia e falta de apoio institucional (PROFESSOR IAA).

Outra dificuldade que existiu se refere ao deslocamento desses estudantes para o campus de Planaltina, pois constava no projeto do cursoii que ele teria “a duração de 2 anos, com uma carga horária de 2.454 horas, sendo 1.344 na EFA, 270 horas de estágio e 840 horas no tempo comunidade”. Contudo, o curso não aconteceu na EFA, pois, depois de selecionados, os alunos tiveram a informação sobre a alteração do local do “tempo escola”. A EFA localizada próximo do assentamento Vereda I estava sucateada e realmente sem condições de receber o curso. Um dos entrevistados exprime esse acontecimento como um fator determinante para a grande evasão do curso:


Uma das primeiras dificuldades que a gente enfrentou e colocou em xeque metade da turma, inclusive em termos de desistência, boa parte do tempo das escolas aconteceria na EFA. E aí como se você colocasse uma regra para selecionar as pessoas e mudasse a regra no meio do jogo e falasse: não, a metade do tempo de escola agora será em Planaltina (PROFESSOR VPV).

Com históricos de desavenças entre os líderes e trocas constantes das lideranças, há evidências de inúmeros históricos de dificuldades de relacionamento, logo, há dificuldades de construir atributos como confiança, reciprocidade e cooperação:


Em termos de atuação, influência de formação de rede cooperativa, nós não conseguimos ter por conta da própria relação que os assentamentos estabelecem. Os assentamentos, de forma geral antigos, que já passaram por diversos tipos de relação, que já tentaram diversos tipos de atuações nesse âmbito, e que são assentamentos viciados, cheios de vícios. Em Padre Bernardo, não sei tu percebeu no tempo que tu andou lá, mas hoje é assim, salve-se quem puder, os lotes são enormes, a distância de um vizinho para o outro é enorme também, eu tenho meu lote, eu produzo e eu me viro eu não vou lá no seu. Aí a UnB vai lá uma vez e estimula o processo cooperativo com um projeto da UnB, aí eles juntam, depois briga e separa (Professor MCP).

Outro dado relevante é a articulação com familiares, amigos e vizinhos. Quando perguntados sobre a frequência de encontros entre seus pares, para discutir problemas pessoais e para discutir política, em todos os quesitos, essa assiduidade é semanal. Isto demonstra que os estudantes têm bons relacionamentos com seus pares mais próximos. Entretanto, quando se questionou os líderes sobre a atuação desses estudantes, nos assentamentos, observou-se que os estudantes não atuam fora de seu círculo familiar,


Aqui no município nós temos uma cooperativa. Pensando no pessoal que formou, eu conheço todos. Nenhum deles é sócio da cooperativa (Entrevistado AL).

A fraca atuação dos estudantes nas associações do assentamento mostra uma tendência de inexpressiva participação dos estudantes devido à ausência de um tutor no “tempo comunidade”, com o papel de orientar os estudantes a agirem de forma mais participativa nos assentamentos. Dessa forma, talvez, o fato mais determinante na baixa articulação dos estudantes nas associações. Assim, um tutor na comunidade é imperativo para sucesso dessa metodologia.

Uma falta de pertencimento dos estudantes ao meio rural, isto é, uma aproximação apenas com ofícios do meio urbano é outro fato revelado nessa investigação, pois enxerga-se como única alternativa de acesso a um desenvolvimento do êxodo do assentamento,


Saíram porque ficar lá dentro é não ter perspectiva de vida de nada ali. Acabou o ensino médio você não tem onde emplacar. Vai ficar lá ciscando pé de toco para o resto da vida. Lá não tem muito futuro. Não tem muito sentido as autoridades dos governos ali. Então, a situação é de pobreza mesmo. Você já viu lá? A situação lá é pior que o nordeste. Ali se você quiser ver direitinho tem gente pobre, paupérrima mesmo. A situação ali é de calamidade. Então, o jovem não tem condição de sobreviver ali dentro. Porquê quem não tem uma visão futura ali não dá para eles não, pra ninguém se não tiver um apoio mais um incentivo do governo das autoridades, tá difícil. Então a participação deles é vamos se dizer assim é zero hoje? Eles tem vontade que nem eu te falei muita vontade mas essa vontade sem ter condição financeira em um sentido de remuneração não tem como se não tiver uma visão melhor tem que cair fora de lá (ENTREVISTADO RV)

Esse dado contribui para a constatação de ausência de identidade de pertencimento do indivíduo com o ambiente rural, percebe-se uma visão de que permanecer no ambiente rural é igualar-se ao fracasso. Nesse sentido, Abramovay (2002) menciona,


O meio rural brasileiro conserva a tradição escravista que dissociou em nossa formação histórica o conhecimento do trabalho, de maneira que quem trabalha não conhece e quem conhece não trabalha. Tanto é que tendem a ficarem na atividade agrícola aqueles jovens que alcançam o pior desempenho escolar. Cria-se assim um círculo vicioso em que permanecer no meio rural associa-se a uma espécie de incapacidade pessoal de trilhar o suposto caminho do sucesso que consiste em migrar e em que não se investe na valorização do conhecimento nas regiões interioranas que se identificam, cada vez mais, como um reduto dos que “não conseguiram sair”, dos velhos e dos aposentados (Abramovay, 2002, p. 12),

Outro fato importante a ser destacado é em relação à forma de atuação da educação profissional no Brasil, que também atinge a instituição IFB – Câmpus Planaltina, isto é, a falta de reconhecimento como parte do processo de onde o professor atua. Logo, há uma crítica que um professor realiza a atuação da mesma:


Ver a coisa dar certo ou não, todo o coletivo categoria de classe, seja sujeito do trabalho, só funciona se eles se verem inseridos no coletivo. Se não se identificarem com o coletivo já era! E o IFB não se identifica com o coletivo do sujeito do campo. Quantos daqueles visitam comunidades rurais? Quantos daqueles conhecem a realidade de programa de assentamento? Quantos colegas se propõem a sair da sua sala de aula? Dessa forma, você vê a intencionalidade do processo! A forma mais confortável e mais segura e aquela forma comum. Vou dar a minha aula dentro da minha área de conhecimento que domino e vou reproduzir este modelo social este aparelho ideológico do Estado (PROFESSOR VPV).

Apesar de todo o exposto, existem evidências também positivas da atuação dos professores, pois, nos momentos de “tempo escola”, em Planaltina, há menções que sua atuação e a do curso colaboraram, em certa medida, para melhorar a maneira de agir na coletividade.


Creio que a organização do curso, que durante os “tempos escola” os alunos tinham que se auto-organizarem por meio de equipes de trabalho (ou brigadas) como equipe de mística, organicidade, saúde, representavam uma grande contribuição e estas são lições aprendidas com os movimentos sociais do campo, em especial com o MST (Professor EPB).

No “tempo escola” utilizava-se a lógica do curso autogestionado, isto é, os estudantes estavam sempre participando das decisões do curso, debatendo sobre as necessidades e dificuldades, organizando seus espaços de aprendizagem e principalmente trocando experiências entre eles a fim de criar uma rede colaborativa entre pares do assentamento.

Por fim, Luz (2002), em seu trabalho de análise de implantação de metodologias de alternância no sul do Brasil (Santa Catarina) aponta contradições nesse processo, principalmente no que refere às parcerias mencionadas, considerando que, dependendo da forma como estas vêm sendo encaminhadas, elas parecem ser “[...] uma estratégia política muito mais de repasse à sociedade civil de funções antes executadas pelo Estado, nesse caso, educacionais, do que de ampliação do espaço de participação da sociedade nas decisões sobre políticas públicas” (p. 54). Mais adiante, menciona que outro problema dessas parcerias consiste em que “[...] as associações locais são fracas ou inexistentes e a mediação da ARCAFAR-Sul parece ter se restringido ao aspecto metodológico dessa proposta educativa” (p. 103). E a experiência do IFB na região de Águas Emendadas apresentou dificuldades semelhantes.


Considerações finais sobre a experiência com a metodologia da alternância: um método inalcançável?


Nessa experiência, há a interpretação de que a falta da metodologia da alternância não proporcionou uma reflexão mais propositiva de atuação coletiva em um ambiente com extremas dificuldades de relacionamento. Logo, seria imperativa a atuação tanto da instituição na região quanto de um professor (tutor) para atenuar tais problemas. Dessa maneira, enxerga-se que houve a perda de uma oportunidade para desembaraçar laços de dificuldade de relacionamento na região, porque a simples atuação com os grupos de estudantes no local para dividirem informações e práticas inerentes ao curso seria um elemento de extrema relevância para colaborar com o crescimento da região.

Portanto, a implantação de espaços coletivos ou reconhecimento dos já existentes, nos quais aconteceriam trocas de experiências de uso do solo tendo como base o princípio da alternância, poderia ter conseguido no mínimo levantar essa discussão para ampliar as práticas coletivas no local e, assim, talvez, tornaria o sujeito um protagonista de sua realidade. Para entender melhor o que é isso é necessário citar Durston (2001, p. 34) que elenca os requisitos para o pleno empoderamento:

  1. A criação de espaços institucionais adequados para que setores excluídos participem no que fazer político público;

  2. A formalização de direitos legais e atenção com seu conhecimento e respeito;

  3. O fomento a formas de organização em que as pessoas que integram o setor social excluído possam efetivamente participar e influir nas estratégias adotadas pela sociedade;

  4. A transmissão de capacidades para o exercício da cidadania e da produção, incluindo os saberes instrumentais essenciais, além de ferramentas para analisar dinâmicas econômicas e políticas relevantes;

  5. A criação de mecanismos e controle sobre recursos e ativos (materiais, financeiros e de informação), para possibilitar o efetivo aproveitamento de espaços, direitos, organização e capacidades, em igualdade de condições com outros atores;

  6. Uma vez construída esta base de condições facilitadoras de empoderamento e construção de um ator social, torna-se relevante uma participação efetiva, com a apropriação de instrumentos e capacidades propositivas, de negociação e executivas.

Logo, fatos destacados durante o artigo levam a concluir que os seguintes tópicos atrapalharam a execução do curso sob a metodologia da alternância: um curso com tímida atuação na comunidade, impossibilitando a reflexão sobre a prática e as necessidades da localidade; mudança do local do curso; carência de estímulos de projetos de pesquisa e extensão com esses estudantes; características culturais de desorganização social na região; uma ausência de pertencimento dos estudantes ao meio rural, isto é, uma aproximação apenas com ofícios do meio urbano; professores desse curso não demonstram reconhecimento sobre o ofício rural.

Não obstante, o IFB não teve a capacidade de propiciar o suporte necessário para que acontecessem práticas relacionadas e atividades colaborativas com membros da região, para assim superar os estoques básicos de conhecimentos a fim de mudar a realidade local, conforme assevera Dowbor (2006),


a educação não pode se limitar a constituir para cada aluno um tipo de estoque básico de conhecimentos. As pessoas que convivem num território têm de passar a conhecer os problemas comuns, as alternativas, os potenciais. A escola passa assim a ser uma articuladora entre as necessidades do desenvolvimento local e os conhecimentos correspondentes. Não se trata de uma diferenciação discriminadora, do tipo “escola pobre para pobres”: trata-se de uma educação mais emancipadora na medida em que assegura ao jovem os instrumentos de intervenção sobre a realidade que é a sua (DOWBOR, 2006, p. 5).

Portanto, como exposto por Kunh, Gonçalves e Kunh (2012), o curso perdeu o método da alternância e tornou-se um curso semipresencial, devido à impossibilidade gerencial da AMEFA de executar o curso em conjunto com o IFB. Por fim, o IFB assumiu sozinho essa missão de oferecer o curso e, devido a outros fatos já elencados, não conseguiu utilizar da metodologia da alternância, mesmo sendo a proposta inicial dessa atuação.

Por fim, é necessário perceber que essa metodologia é capaz de aproximar melhor o estudante da sua realidade, pois ele consegue alternar o momento escola e o momento trabalho para assim haver melhor relação entre teoria e prática. Temos com esse exemplo uma forma de perceber como aprimorar o ensino, tanto o técnico quanto o normal, pois estoques de conhecimentos devem ser superados para uma relação dialética entre a realidade e o conhecimento.


Referências


Abramovay, R. (2002). Desenvolvimento rural territorial e capital social. In Sabourin, E. Teixeira, O. (Org.), Planejamento de desenvolvimento de territórios rurais: conceitos, controvérsias e experiências (p.113-128). Brasília, DF: UFPB/CIRAD/Embrapa.


Castioni, R. (2010). Educação no mundo do trabalho: qualificação e competência. São Paulo, SP: Francis.


Dansa, C. (2008). Educação do campo e desenvolvimento sustentável na região do sertão mineiro goiano: a contribuição do Curso Técnico em Agropecuária e desenvolvimento sustentável da Escola Agrícola de Unaí-MG para jovens assentados da reforma agrária (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Distrito Federal.


Dowbor, L. (2009). Educação e desenvolvimento local. In Mafra, J. et al. (Org.), Globalização, educação e movimentos sociais: 40 anos da Pedagogia do Oprimido (p. 22-36). São Paulo: Esfera.


Durston, J. (2001) Capital Social: parte del problema, parte de la solución, su papel en la persistencia y en la superación de la pobreza en América Latina y el Caribe. In Conferencia En busca de un nuevo paradigma: capital social y reducción de la pobreza en América Latina y el Caribe (p. 1-49). Santiago, CHI.


Godoy, A. (1995) Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas, 35(2), 57-63.


Luz, D. (2002) Casa familiar rural em Santa Catarina: contradições no encaminhamento da Proposta (Dissertação de Mestrado). Universidade Federal de Santa Catarina, Santa Catarina.


Kuhn, E. Gonçalves, J. Kunh, T. (2012) A educação do campo e a experiência do Instituto Federal de Brasília junto ao programa nacional de educação na reforma agrária (PRONERA). In XXI Encontro Nacional de Geografia Agrária (1-13). Uberlândia, MG.


Pessoti, A. (1978) Escola da família agrícola: uma alternativa para o ensino rural. (Dissertação de Mestrado). Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro.


Queiroz, J. (2004) Construção das escolas famílias agrícolas no Brasil: ensino médio e educação profissional (Tese de Doutorado). Universidade de Brasília, Distrito Federal.


Teixeira, E. Bernartt, M. Trindade, G. (2008) Estudos sobre pedagogia da alternância no Brasil: revisão de literatura e perspectivas para a pesquisa. Educação Pesquisa, 34(2), 227-242.



i O MDA lançou em 2013 o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo) que tem como objetivo articular e implementar programas e ações indutoras da transição agroecológica, da produção orgânica e de base agroecológica, como contribuição para o desenvolvimento sustentável.


ii Fonte: Projeto de Curso Técnico Profissionalizante em Agropecuária com Ênfase em Agroecologia, submetido pelo campus Planaltina como proposta de intervenção na realidade dos assentados da cidade de Padre Bernardo- GO.







Recebido em: 24/06/2016

Aprovado em: 22/07/2016

Publicado em: 03/08/2016




Como citar este artigo / How to cite this article / Como citar este artículo:


APA:

Magalhães, G. L., Castioni, R. (2016). A EPT sob a metodologia da alternância: a experiência do IF Brasília – campus Planaltina. Rev. Bras. Educ. Camp., 1(1), 71-87.


ABNT:

MAGALHÃES, G. L.; CASTIONI, R. A EPT sob a metodologia da alternância: a experiência do IF Brasília – campus Planaltina. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 1, n. 1, p. 71-87, 2016.





Rev. Bras. Educ. Camp.

Tocantinópolis

v. 1

n. 1

p. 71-87

jan./jun.

2016

ISSN: 2525-4863


87