Coppe, M. R., & Knopf, J. F. (2016). Educação infantil do campo: um estudo no município de Chopinzinho/PR...
Educação infantil do campo: um estudo no município de Chopinzinho/PR
Marta Regina Coppe, Jurema de Fátima Knopf2
Prefeitura Municipal de Chopinzinho. Secretaria Municipal de Educação e Cultura. Rua Santos Dumont, 3883, Chopinzinho - PR. Brasil. martacoppe@hotmail.com. 2Universidade Estadual do Centro-Oeste - UNICENTRO.
RESUMO. A temática de que trata o artigo é a Educação Infantil do campo. Os objetivos foram: analisar a implementação da legislação que orienta a Educação Infantil do Campo e problematizar o atendimento às crianças na Escola Rural Municipal Mário Bettega, confrontando a legislação com sua aplicação. Tratou-se de pesquisa bibliográfica e documental acerca da legislação que orienta a Educação Infantil, observando-a no cotidiano da escola. Inicialmente foi apresentado um panorama histórico da Educação Infantil brasileira, das concepções de infância e de Educação do Campo, assim refletindo sobre os dados obtidos na pesquisa. Detectou-se que existem contradições entre os avanços da legislação – que assegurem o direito à Educação Infantil no campo – e sua efetivação na escola pesquisada, pois a Secretaria de Educação e Cultura de Chopinzinho não trabalha com nenhum documento para a Educação Infantil do Campo e não oferece formação específica aos profissionais desta área. A escola pesquisada desconsidera a concepção de educação e escola do campo, seja nos seus documentos internos (como o PPP de 2007), seja na organização do ensino. Tais contradições expressam os limites do Estado burguês, que incorpora as reivindicações da sociedade no plano formal e não as cumpre no plano real.
Palavras-chave: Educação Infantil, Campo, Legislação.
Childhood education in rural area: a study in the municipality of Chopinzinho/PR
ABSTRACT. The theme of this article dealt with the Early Childhood Education in Rural Area. The objectives were: to assess the implementation of legislation that guides the Childhood Education in Rural Area and discuss the care of children in the Municipal Rural School Mario Bettega, confronting the legislation with its application. This was a bibliographic and documentary research about the legislation that guides the Early Childhood Education, watching it in the school routine. Initially was presented a historical overview of the Brazilian Early Childhood Education, of the childhood conceptions and of the Education in Rural Area, reflecting, this way, on the data obtained in this research. It was detected that there are contradictions between the progress of the legislation - to ensure the right to Childhood Education in Rural Area - and its implementation in the school, that was assisted, because the Department of Education and Culture of Chopinzinho does not work with any document for the Early Childhood Education in Rural Areas and it does not offer a specific training for the professionals in this area. The school, that was assisted, disregards the education and the school in rural area concept, either in its internal documents (such as 2007 PPP), or on the teaching organization. These contradictions express the limits of the bourgeois State, which incorporates the demands of the society in formal terms and do not abide them in the real plane.
Keywords: Early Childhood Education, Rural Area, Legislation.
Educación de primera infancia del campo: un estudio en el municipio de Chopinzinho/PR
RESUMEN. El tema que trata el artículo es la Educación Infantil del Campo. Los objetivos fueron: analizar la aplicación de la legislación que guía la Educación Infantil del Campo y problematizar el cuidado de los niños en la Escuela Municipal Rural Mário Bettega, enfrentando la legislación y su aplicación. Fue investigación bibliográficos y documental de la legislación que guía la primera infancia del campo, observándola la rutina de la escuela. Inicialmente fue presentada visión histórica de la educación de la primera infancia brasilera, las concepciones de infancia y de la Educación del Campo, reflejando los datos en la investigación. Se detectó contradicciones en los avanzos de legislación – para garantizar el derecho a la Educación Infantil en el campo – y su efectividad en la escuela investigada, debido que el Departamento de Educación e Cultura de Chopinzinho no trabaja con cualquier documento de la Educación Infantil del Campo ni ofrece formación específica para los profesionales en esta área. La escuela investigada desatiende la concepción de educación e escuela del campo, en sus documentos interna (como el PPP de 2007), y en la organización de la enseñanza. Las contradicciones demuestran los límites del Estado burgués, que incorpora las reivindicaciones de la sociedad en su plan formal y no las cumple en su plan real.
Palabras-clave: Educación Infantil, Campo, Legislación.
Introdução
Este artigo versa sobre a Educação Infantil do campo com enfoque na legislação e na história dessa etapa educacional, tendo como locus a Escola Rural Municipal Mário Bettega, localizada no distrito de Santa Inês, interior do município de Chopinzinho, no Paraná. Os dados apresentados são oriundos de investigação acerca de como a escola pesquisada e a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Chopinzinho organizam a Educação Infantil do campo.
A pesquisa foi realizada no ano de 2015 pela autora, durante a sua graduação em "Pedagogia: Docência e Gestão Educacional", da Universidade Estadual do Centro-Oeste e está vinculada ao grupo de pesquisa "Sociedade, Estado e Educação do Campo". A discussão que é objeto da pesquisa justificou-se pela relevância do tema para a atualidade e pela curiosidade da pesquisadora no assunto, pois, a perspectiva da legalidade que rege a Educação Infantil do campo ainda está sendo construída e carece de reflexão.
A principal problemática do estudo constituiu-se em identificar as ações políticas e pedagógicas que a Escola Rural Municipal Mário Bettega tem realizado para alcançar o estabelecido nos textos legais, no que tange ao atendimento à Educação Infantil do campo.
O objetivo geral do estudo foi analisar a implementação da legislação que orienta a Educação Infantil no contexto do campo no município de Chopinzinho e, em específico, na Escola Rural Municipal Mário Bettega. Os objetivos específicos visam apresentar as recomendações da legislação nacional para a Educação Infantil e problematizar o atendimento às crianças do campo nessa etapa educacional.
A fim de alcançar os objetivos descritos, uma pesquisa do tipo qualitativa foi a opção escolhida, pois nesse tipo de estudo “... a preocupação com o processo é muito maior do que com o produto” (Lüdke & André, 1986, p. 12). Também foram utilizadas categorias da teoria marxista, como a de totalidadei, pois, o esforço de análise da educação, da escola e das políticas educacionais da sociedade capitalista exige apreensão da dinâmica dessa forma.
Os caminhos percorridos durante a investigação assumem o viés da pesquisa bibliográfica, em que foram buscados autores que discutem os conceitos de Educação do Campo, Educação Infantil do Campo e Política Educacional. Seguem alguns desses autores: Barbosa e Fernandes (2013), Caldart (2009, 2012), Silva e Pasuch (2013), Kulhmann Júnior (2001). Também realizamos investigação documental dos seguintes textos: Constituição Federal (Brasil, 1988); Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Brasil, 1996); Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil (Brasil, 2009); Plano Municipal de Educação de Chopinzinho (Chopinzinho, 2015-2025); e o Projeto Político Pedagógico da Escola Rural Municipal Mário Bettega (Chopinzinho, 2007).
Por fim, a pesquisa de campo serviu como instrumento investigativo, por meio de observação com registro em diário de campo. Os dados foram obtidos durante quatro visitas à Escola Rural Municipal Mário Bettega e, posteriormente, esses dados foram sistematizados e organizados.
O artigo está organizado em seções. Primeiramente uma seção de introdução para a localização da pesquisa no tempo/espaço/assunto. Depois segue uma seção intitulada “Educação Infantil no Brasil a partir do processo de industrialização”. Nela são discutidos aspectos das políticas sociais para Educação Infantil no Brasil. Posteriormente apresentamos o histórico e as reflexões a respeito da Educação Infantil do campo. A seção seguinte contempla uma análise da política da Educação Infantil no contexto real, com reflexões sobre a Educação Infantil na Escola Rural Municipal Mário Bettega, aí incluídos os resultados da pesquisa. Por último são tecidas mais algumas considerações, ao que se acrescentam as referências bibliográficas.
A Educação Infantil no e do campo vem sendo pautada para discussão e estudo pela sociedade, porém, ainda se encontra dificuldade para encontrar materiais específicos que subsidiem estudos e discussões. Dessa forma, os apontamentos legais e teóricos são embasados principalmente nos estudos dirigidos à Educação do Campo.
A Educação Infantil no Brasil a partir do processo de industrialização
A infância, como etapa específica da vida, assim como as instituições e leis de proteção à criança, são entendimentos específicos da sociedade modernaii, inflamada pelo avanço das relações de produção capitalistas. Desse modo, torna-se crucial, neste estudo, a discussão, mesmo que de forma breve, dos conceitos de políticas sociais e educacionais que se circunscrevam pela luta dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, são mediadas pelo Estado burguês, a fim de manter a coesão e assegurar o acúmulo de capital.
Pelo seu caráter classista, o Estado burguês, “... ao mesmo tempo em que se torna Estado mínimo para as políticas sociais e de distribuição de renda, configura-se como um Estado máximo para o grande capital”. (Peroni, 2003, p. 33). Assim, “... as políticas derivadas desta forma de Estado nunca poderão atender aos interesses de todos”. (Knopf, 2013, p. 31). Segundo Shiroma (2000, p. 8 apud Knopf, 2013, p. 31):
O Estado, impossibilitado de superar as contradições que são constitutivas da sociedade – e dele próprio, portanto - administra-as, suprimindo-as no plano formal, mantendo-as sob controle no plano real, como um poder procedendo da sociedade, coloca-se acima dela, estranhando-se cada vez mais em relação a ela.
O Estado burguês é um instrumento que promove a manutenção da ordem por meio de dois planos: o formal e o real. O plano formal é caracterizado pela igualdade e pelos direitos garantidos por lei, os quais não são concretizados nas vivências diárias. No plano real, o Estado não cumpre com a formalidade das leis e com os princípios de igualdade destacados no plano formal. Isso ocorre porque em uma sociedade de classes é impossível conciliar princípios distintos e antagônicos. Dessa forma, o que vemos é a exploração da classe dominada, que recebe do Estado políticas sociais compensatórias a fim de manter os ideários capitalistas e a supremacia da classe dominante. A partir dessa lógica burguesa de Estado são aqui caracterizadas as políticas sociais e, consequentemente, as influências para o contexto educacional.
As políticas sociais, ideários que emergiram no final do século XIX, são reflexos da luta de classes da sociedade capitalista e podem ser caracterizadas como uma estratégia do Estado para amenizar as discussões e os conflitos entre indivíduos que dominam (elite) e os dominados (trabalhadores).
No Brasil, a Educação Infantil foi introduzida inicialmente pelos médicos higienistas, sendo que durante a época colonial não tínhamos uma concepção de infância. A primeira forma de assistência às crianças foram as chamadas Casas ou Rodas dos Expostos, implantadas em conventos nos tempos do Brasil Colônia – nos poucos núcleos urbanos onde houvesse conventos. Contudo, Santana (2011, p. 4) afirma que:
Apesar da Casa dos Expostos ter sido uma instituição do Brasil Colonial que acolhia as crianças enjeitadas e tinha como princípio de educação a subalternização do trabalho infantil, seus resquícios estiveram presentes durante muitas décadas em leis que foram criadas para a proteção de crianças e adolescentes. Apenas deram nova roupagem ao modelo educacional da Casa dos Expostos, mas continuaram reconhecendo e aceitando a exploração do trabalho infantil como um meio de retirar das ruas brasileiras as crianças e adolescentes consideradas menores abandonadas, evitando, assim, que elas se transformassem numa ameaça para a sociedade.
Nota-se que a Roda dos Expostos destinava-se basicamente aos cuidados físicos da criança e representava para a sociedade burguesa uma forma de manutenção da ordem, pois, à medida que recebiam crianças abandonadas, essas instituições reduziam o número de crianças nas ruas e, consequentemente, livravam a sociedade de futuras “ameaças”. A Roda dos Expostos era de responsabilidade das igrejas e tinha um caráter eminentemente missionário, pois, recebia crianças abandonadas pelos pais e as mantinha no anonimato. O Brasil foi o último país a extinguir a Roda dos Expostos e isso só ocorreu em 1950. Segundo Marcílio (2001), três cidades brasileiras receberam essa instituição: Salvador, Rio de Janeiro e Recife.
A exemplo de outros países, no Brasil a implementação mais significativa de instituições para atender crianças pequenas começou a efetivar-se com o processo de industrialização, pois, nesse momento passou a ocorrer uma participação mais efetiva do grupo feminino no mercado de trabalho, isso aliado ao êxodo rural e à crescente urbanização. Dados esses fatores, a realidade social fez da Educação Infantil um meio fundamental de conciliar o trabalho e a educação das crianças pequenas, ou seja, a instauração de creches e de pré-escolas representava uma política social relativa aos trabalhadores, pois, à medida que instituições “cuidavam” das crianças, isso liberava os pais para o trabalho industrial.
É somente a partir dos processos de industrialização que a Educação Infantil passou a receber maior incentivo por parte do Estado. Como, porém, se tratava de uma política social assistencial, foi adquirida somente por meio de muitas lutas da classe trabalhadora. Nesse sentido, a criação dessas instituições pelo Estado burguês foi impulsionada pelas lutas sociais.
Em meio aos avanços da Educação Infantil ao longo do tempo, cabe citar a Constituição Federal do Brasil de 1988, que foi o primeiro documento que explicitou o direito à educação e mencionou, pela primeira vez, a Educação Infantil. Nesse sentido, é possível apontar que essa Constituição auxiliou no processo de superação da ideia assistencialista da Educação Infantil.
Atualmente, a partir da Emenda Constitucional n° 59 de 2009, a Constituição Federal (Brasil, 2009a) declara, em seu artigo 208, inciso I, o dever e a obrigatoriedade da Educação Básica dos quatro aos dezessete anos de idade, bem como no inciso IV, define a Educação Infantil até os cinco anos de idade. A partir de 2016 é obrigatória a matrícula de crianças com quatro anos, pois, conforme estabelece a Meta 1 do Plano Nacional de Educação – Decênio 2014–2024, a Educação Infantil, no âmbito da pré-escola, deve ser universalizada.
A Constituição Federal de 1988, desde o seu texto inicial e também a partir das emendas constitucionais, garante às crianças de zero a cinco anos de idade o direito à educação, que passa a ser dever do Estado. Enfatizamos que a Constituição Federal de 1988 desencadeou a formulação de outras leis para o atendimento das crianças até seis anos de idade e também representou, no âmbito das políticas públicas, um elemento precursor das discussões em torno da Educação Infantil no Brasil.
Outro documento que garante os direitos da criança e do adolescente e vem ao encontro da Constituição Federal é o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, que menciona, no artigo 53, o direito à educação e, no artigo 54, o dever do Estado com a Educação Infantil. Na área educacional, temos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei Federal nº 9.394/1996), que estabelece a Educação Infantil como a primeira etapa da Educação Básica e “... tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade”. (Brasil, 1996). O texto define, ainda, que as creches atenderão crianças de zero a três anos de idade e as pré-escolas atenderão crianças de quatro e cinco anos.
Os três documentos especificados constituíram a Educação Infantil como um direito que independe da classe social, religião, localização geográfica ou cultura das crianças. Ainda nesse trâmite de leis, temos as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil – DCNEI, que foram fixadas a partir da Resolução MEC n° 5, de 17 de dezembro de 2009. As DCNEI (Brasil, 2009b) são atualmente o documento norteador das atividades no âmbito da Educação Infantil e permeiam a elaboração das propostas pedagógicas ou curriculares das escolas nos municípios e nos estados.
A contextualização histórica e política apresentada até aqui demonstra que a Educação Infantil teve grandes avanços, principalmente em questões legais. Percebe-se, porém, que somente a lei (plano formal) não garante sua efetivação no plano real, pois, a consolidação das políticas sociais para Educação Infantil tem ainda muitos desafios a serem superados, a iniciar pelo aumento dos investimentos.
Educação Infantil do Campo: concepção e marco da política educacional para a infância do campo
Nesse artigo está posta a preferência pelo termo "Educação Infantil do Campo", pois, com isso se consegue enfatizar a necessidade de uma educação que aconteça perto da residência das crianças e das suas famílias e também porque refere um modelo educacional determinado, ou seja:
... que valorize suas experiências, seus modos de vida, sua cultura, suas histórias e suas famílias, que respeite os tempos do campo, os modos de convivência, as produções locais. Uma educação infantil que permita que a criança conheça os modos como sua comunidade nomeia o mundo, festeja, canta, dança, conta histórias, produz e prepara seus alimentos. Creches e pré-escolas com a cara do campo, mas também com o corpo e a alma do campo, com a organização dos tempos, atividades e espaços organicamente vinculados aos saberes de seus povos. (Silva & Pasuch, 2010, p. 02).
O que se pleiteia, então, é uma educação que se integre à realidade local e ofereça às crianças uma visão de escola como complementação da vida cotidiana. A escola precisa estar em sintonia com as famílias e com os modos de produção do campo.
O debate acerca da Educação Infantil do campo inicia-se com as discussões sobre o tema da Educação do Campo, tema que emerge do interior das práticas educacionais dos Movimentos Sociais do Campo na década de 1990. Esses movimentos sociais passam a exigir que suas especificidades sejam asseguradas mediante políticas educacionais específicas para o campo e protagonizam o que Caldart (2009) intitula de novidade histórica, ao se garantirem como sujeitos da formulação de suas políticas e de sua educação. Desse modo, a Educação Infantil do Campo está inserida no conceito de Educação do Campo, que luta por “... uma educação que seja no e do campo” (Caldart, 2012, p. 261), uma educação que respeite o contexto rural e que leve para a população uma escola que realmente aproxime os seus sujeitos da realidade camponesa.
Essas discussões ganharam destaque em 2008, com a criação de um grupo chamado Grupo Interinstitucional de Educação Infantil no Campo, grupo que, segundo Silva (2012), era composto por representantes de instituições que buscavam a articulação e o diálogo com movimentos sociais e sindicais que discutiam sobre a questão agrária. Em 2010, após várias discussões de um segundo grupo de estudos criado por intermédio do Grupo Interinstitucional de Educação Infantil no Campo, foi elaborado, por Ana Paula Soares da Silva e Jaqueline Pasuch, um texto que estabeleceu as Orientações Curriculares para a Educação Infantil do Campo, que dialoga sobre as leis que orientam a Educação Infantil e as especificidades dessa clientela no contexto do campo, sendo esse o principal documento sobre o tema.
As Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil – DCNEI (2010) constituem, junto com as Diretrizes Operacionais para Educação Básica nas Escolas do Campo (Brasil, 2002) e com a Resolução n° 2, de 28 de abril de 2008 (Brasil, 2008), o principal documento de estudos sobre a Educação Infantil do Campo.
As DCNEI (Brasil, 2010) devem ser cumpridas e respeitadas por todas as creches e por todas as pré-escolas, inclusive por aquelas situadas no campo. Porém, no artigo 8º, parágrafo 3°, constam tópicos específicos que tratam das propostas para os povos do campo. O texto afirma que é necessário:
I – reconhecer os modos próprios de vida no campo como fundamentais para a constituição da identidade das crianças moradoras em territórios rurais;
II – ter vinculação inerente à realidade dessas populações, suas culturas, tradições e identidades, assim como as práticas ambientalmente sustentáveis;
III – flexibilizar, se necessário, calendário, rotinas e atividades respeitando as diferenças quanto à atividade econômica dessas populações;
IV – valorizar e evidenciar os saberes e o papel dessas populações na produção de conhecimentos sobre o mundo e sobre o ambiente natural;
V – prever e ofertar brinquedos e equipamentos que respeitem as características ambientais e socioculturais da comunidade. (Brasil, 2010, p. 24).
Esses itens devem ser analisados na construção do Projeto Político Pedagógico das instituições de ensino e também nas propostas curriculares das escolas do campo, pois, os projetos dessas instituições devem ser pautados em ideais de sustentabilidade, contato com a natureza e materiais da região, flexibilidade das atividades internas de acordo com as necessidades das crianças e produção de conhecimentos que se vinculem ao cotidiano rural e resgatem a cultura popular.
A LDB de 1996 e as Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo complementam as DCNEI nesse quesito, reforçando a necessidade de propostas pedagógicas condizentes com a realidade dos alunos.
A Resolução n° 2 de 28 de abril de 2008, que estabelece as diretrizes complementares, as normas e os princípios para o desenvolvimento de políticas de atendimento da Educação Básica do Campo, menciona, em seu artigo 3°, que “... a Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental serão oferecidos nas próprias comunidades rurais, evitando-se os processos de nucleação de escolas e de deslocamento das crianças”. (Brasil, 2008). Mesmo com essa oferta local, porém, em parágrafo único, a Resolução permite a adoção do transporte escolar intracampoiii, sendo que ele deve acontecer em trajetos curtos, que exijam o menor tempo possível de deslocamento. Esse documento afirma, ainda, o respeito às diferenças da população atendida na escola e prevê a formação pedagógica apropriada aos professores que atuam nas escolas do campo.
Diante dessas informações, pode-se destacar o quão dúbia está a legislação para a Educação Infantil para o campo, pois, ao passo em que considera essa fase da vida articulada às dimensões culturais e às formas de vida do campo, também permite a sua transposição aos espaços urbanos.
Tendo em vista a discussão sobre a Educação Infantil do campo, apresentam-se a seguir os marcos dessa etapa educacional no município de Chopinzinho e também na Escola Rural Municipal Mário Bettega, ambientes pesquisados neste estudo.
A Educação Infantil do campo no município de Chopinzinho-PR: afirmação da política e negação do direito
A Educação Infantil no município acontece em âmbito urbano, em Centros Municipais de Educação Infantil – CMEIs anexos a escolas do Ensino Fundamental. Assim ocorre também nos contextos do campo, abrangendo apenas a pré-escola, com turmas mistas de quatro e cinco anos de idade, que são alocadas nas escolas municipais de Ensino Fundamental, escolas que também recebem os Anos Finais do Ensino Fundamental e os do Ensino Médio.
O município mantinha, durante a investigação, seis escolas no campo. Todas tinham crianças frequentando a Educação Infantil, sendo que uma escola possuía apenas a pré-escola. Para melhor compreensão dos dados, segue o quadro abaixo.
Quadro 01. Instituições de ensino e número de alunos em Chopinzinho |
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Instituições Municipais |
Total de alunos matriculados |
Alunos matriculados na Educação Infantil |
Escola Rural Municipal Nilo Peçanha |
33 |
9 |
Escola Rural Municipal Mário Bettega |
115 |
8 |
Escola Rural Municipal Visão do Futuro |
65 |
12 |
Escola Rural Municipal Presidente Costa e Silva |
63 |
12 |
Escola Rural Municipal Angélica Dalla Costa Battistuz |
87 |
15 |
Escola Rural Municipal Prudente de Moraes |
9 |
9 |
Fonte: Dados coletados mediante a pesquisa de campo e organizados pela Autora.
O número total de alunos nas seis escolas do campo do município de Chopinzinho é de 372, sendo que, desses, 65 frequentam a Educação Infantil. Os documentos utilizados como norte para a Educação Infantil em Chopinzinho eram as Diretrizes Curriculares para Educação Infantil (Brasil, 2010) e as três edições do Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Ou seja, a Secretaria de Educação e Cultura não trabalhava com nenhum documento específico para Educação Infantil do campo ou Educação do Campo e ainda, segundo relatos registrados em diário de campo durante as visitas à Secretaria de Educação, cada escola deveria formular e englobar, no seu Projeto Político Pedagógico, as questões específicas de cada escola.
O Plano Municipal de Educação de Chopinzinho, em seu decênio 2015-2025, elenca algumas metas e estratégias importantes, tendo em vista a Educação Infantil do Campo. A Estratégia 1.10 prevê:
Fomentar o atendimento às populações do campo e/ou oriundas de comunidades indígenas e quilombolas na Educação Infantil nas respectivas comunidades, por meio do redimensionamento da distribuição territorial da oferta, limitando a nucleação de escolas e o deslocamento de crianças, de forma a atender às especificidades dessas comunidades, garantido consulta prévia e informada. (Chopinzinho, 2015, p. 33).
Observa-se que o município pretende aumentar a oferta de Educação Infantil no e do campo, evitando ao máximo a nucleação de escolas e aponta a necessidade de atender e respeitar essas especificidades.
A Estratégia 1.17 prevê “... estimular o acesso à Educação Infantil em tempo integral para crianças de 0 (zero) a 5 (cinco) anos” (Chopinzinho, 2015, p. 34). Essa estratégia deve estender-se principalmente às escolas municipais situadas no campo, pois, as crianças de quatro e cinco anos de idade das seis escolas pesquisadas são atendidas em jornada parcial de estudos, sendo que a maioria das crianças de zero a três anos não está inserida no âmbito escolar do campo. Outro item importante é a Estratégia 1.19, que pretende “... elaborar Diretrizes Curriculares Municipais para a organização do trabalho pedagógico na Educação Infantil”. (Chopinzinho, 2015, p. 34). Assim, formalmente, esse documento deveria discutir sobre a Educação do Campo.
O quadro abaixo apresenta algumas informações coletadas em documentos da Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Chopinzinho a respeito dos professores que atuam nas escolas do campo. Cada escola possui apenas uma turma de Educação Infantil. Assim, escola e professores vão nomeados pelas letras A, B, C, D e E.
Quadro 02. Professores atuantes na Educação Infantil no campo |
||||
Escola/Professor |
Formação inicial |
Ano de conclusão da formação inicial |
Quanto tempo de atuação |
Idade |
A |
Magistério |
2012 |
1 ano |
20 |
B |
Pedagogia |
2008 |
2 anos |
36 |
C |
Magistério |
2009 |
2 anos |
39 |
D |
Magistério |
1986 |
8 anos |
53 |
E |
Pedagogia |
2013 |
1 ano |
23 |
Fonte: Dados coletados mediante a pesquisa de campo e organizados pela Autora.
Os dados apresentados no quadro demonstram que a grande maioria dos docentes atuantes na Educação Infantil possui apenas diploma de Magistério. Das cinco escolas pesquisadas, apenas duas contam com profissional formado em Pedagogia.
Também foram procurados e seguem apresentados dados a respeito da participação ou contato dos professores da Educação Infantil com documentos sobre a Educação Infantil do Campo ou Educação do Campo.
Quadro 03. Contato com a legislação educacional do campo |
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Professor |
Teve contato com documentos relacionados a Educação do Campo |
Quais documentos foram estes |
A |
Sim ( ) Não (x) |
|
B |
Sim (x) Não ( ) |
Não soube informar. |
C |
Sim (x) Não ( ) |
Plano Nacional de Educação |
D |
Sim ( ) Não (x) |
|
E |
Sim ( ) Não (x) |
|
Fonte: Dados coletados mediante a pesquisa de campo e organizados pela Autora.
É visível que muitos professores não possuem informações concretas a respeito das peculiaridades dos povos do campo ou das leis que regem esse tipo de trabalho. Cabe destacar que a professora B possui uma especialização na área da Educação do Campo, porém, não soube especificar quais documentos ou discussões permearam essa formação.
Tendo em vista que o município não possui documentos específicos para a Educação do Campo, durante a pesquisa na Escola Rural Municipal Mário Bettega foram buscados subsídios para a compreensão dos ideais da instituição em seu Projeto Político Pedagógico (2007), documento no qual foi possível esclarecer as concepções e a trajetória histórica da escola.
A Escola Rural Municipal Mário Bettega fica localizada no Distrito de Santa Inês, na zona rural do município de Chopinzinho, mais precisamente a quinze quilômetros da cidade. Ela pertence ao núcleo de Ensino Santa Inês, que engloba quatro níveis da Educação Básica: Educação Infantil, Anos Iniciais e Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. A escola investigada trabalha com Educação Infantil e os Anos Iniciais do Ensino Fundamental e tem aproximadamente 120 alunos matriculados. Apenas 9 crianças entre quatro e cinco anos de idade frequentam a Educação Infantil, em turma mista.
De acordo com o Projeto Político Pedagógico de 2007, a escola atendia uma clientela de alunos que são filhos de pequenos e médios agricultores e alunos indígenas das reservas Caingangue e Guarani. A escola atendia várias comunidades em um processo chamado de nucleação, processo que, de acordo com a Resolução n° 2, de 28 de abril de 2008, é permitido, desde que o deslocamento seja intracampo. Esse deslocamento dos alunos é feito pelo transporte escolar. Segundo relatos da pedagoga, algumas crianças ficam até uma hora no ônibus e, por vezes, chegam atrasadas na escola.
Podemos encontrar, no Projeto Político Pedagógico (Chopinzinho, 2007, p. 25) a sua concepção de escola como aquela que:
Abre a possibilidade de transformar o homem anônimo naquele que sabe que pode escolher, que é sujeito participante de sua reflexão de mundo e sua história, assumindo a responsabilidade de seus atos e as mudanças que fizer acontecer. A escola abre espaço para que possa entrar em contato com uma cultura determinada, e que, nesse sentido, contribua para sua conservação.
De acordo com essa concepção, a escola é um ambiente onde os alunos se tornam independentes, críticos e participantes na sociedade. Ela também proporciona que os educandos conheçam e compreendam a cultura da qual fazem parte, promovendo sua manutenção.
A educação é definida pelo Projeto Político Pedagógico da escola como:
... um processo universal, sendo assim, varia de sociedade para sociedade segundo as concepções que cada sociedade tem do mundo, de homem, de vida social e do próprio processo educativo. O processo educacional pode ter início tanto no indivíduo quanto na sociedade. Quando se inicia no indivíduo vai completar-se na sociedade que fornecerá ou não os elementos para a satisfação da curiosidade. Quanto se inicia fora do indivíduo, é nele que se vai concluir, na medida em que aprenderá ou não a informação oferecida. A educação é um processo infindável, constante, pois uma curiosidade satisfeita produz a busca de novos conhecimentos, onde cada informação adquirida leva a necessidade de novas informações. (Chopinzinho, 2007, p. 24-25).
As concepções, tanto de escola quanto de educação, não fazem nenhuma ressalva ao termo Educação do Campo, ou seja, a escola não se definia como escola do campoiv. Um exemplo dessa defasagem conceitual é a nomenclatura da instituição, que utiliza o termo “escola rural” – sabendo-se, porém, que as Diretrizes Curriculares da Rede Pública de Educação Básica do Estado do Paraná distinguem os termos "rural" e "do campo", apontando que:
A concepção de rural representa uma perspectiva política presente nos documentos oficiais, que historicamente fizeram referência aos povos do campo como pessoas que necessitam de assistência e proteção, na defesa de que o rural é o lugar do atraso. Trata-se do rural pensado a partir de uma lógica economicista, e não como um lugar de vida, de trabalho, de construção de significados, saberes e cultura. (Seed, 2006, p. 22).
Assim, o termo "rural" não assegura a esses povos a valorização de suas culturas, pois, representa um ambiente apenas trabalhista, onde não se tem uma perspectiva de crescimento ou de construção de uma identidade tipicamente camponesa – identidade que seja valorizada em suas especificidades.
Assim, pelo Projeto Político Pedagógico de 2007 da escola, a Educação Infantil é caracterizada como indissociável do Ensino Fundamental e concebe a criança como um ser social e histórico, que vai acumulando o conhecimento da sociedade. Prevê que tanto a instituição quanto a família são responsáveis pela educação das crianças pequenas e assim devem “... estabelecer entre si um vínculo relevante e permanente”. (Chopinzinho, 2007, p. 20), a fim de aprimorar o processo de desenvolvimento infantil.
Ainda de acordo com o mencionado Projeto Político Pedagógico, são objetivos da Educação Infantil:
– proporcionar condições para o desenvolvimento infantil, contribuindo para que a criança construa uma auto-imagem positiva a partir da descoberta de si, do outro e do espaço de convivência;
– proporcionar o exercício do brincar, compreendendo-a como direito, como linguagem própria da infância e como vivência privilegiada de interação, de lazer e de aprendizagem;
– promover a ampliação das experiências e dos conhecimentos infantis, estimulando o interesse da criança pelo processo de transformação da natureza e pela dinâmica da vida social;
– valorizar o trabalho cooperativo, a interação, a observação e a experimentação, contribuindo para a formação de identidades autônomas;
– atender as necessidades básicas do cuidar e do educar, correspondentes a cada faixa etária.
– ampliar a reflexão sobre o tempo da infância, redimensionando as intencionalidades da Educação Infantil, estabelecendo diálogo permanente com a família e com as instituições do Ensino Fundamental (Chopinzinho, 2007, p. 20).
Assim como constatado nos documentos do município, a pesquisa de campo realizada na Escola Rural Municipal Mário Bettega demonstrou que nela não se trabalha com uma concepção de Educação do Campo e também não discutem, em seu Projeto Político Pedagógico (2007), questões referentes à cultura da localidade onde a escola está inserida.
Desse modo, a escola, embora apresente no Projeto Político Pedagógico de 2007 (atualmente vigente) o conceito que privilegia a formação de seres sociais e históricos, desconsidera a especificidade do espaço onde se insere e dos sujeitos que atendem, ou seja, tem um documento alheio à realidade da escola e das atividades que se propõe a executar.
Análise da política da Educação Infantil no contexto real: reflexões e resultados da pesquisa acerca da educação infantil na Escola Rural Municipal Mário Bettega
Nesta seção, o que se pretende é apontar de forma mais clara, as concepções e os resultados da pesquisa na Escola Rural Municipal Mário Bettega, procedendo com o objetivo de verificar na prática o que se constatou durante a análise do Projeto Político Pedagógico (Chopinzinho, 2007). São apresentados os dados produzidos durante a observação na escola e diálogos com a pedagoga e com a professora da Educação Infantil.
Em conversas informais durante a observação, a pedagoga relatou que a escola não se orienta por nenhum documento específico para a Educação Infantil e, naquele momento do diálogo sobre o interesse e contato dos docentes e dos funcionários com algum artigo, tese ou documento legal sobre o tema, a resposta da pedagoga foi negativa. A pedagoga deixou entender, porém, que vê a necessidade de propostas pedagógicas diferenciadas e voltadas para a realidade local das crianças, mas, encontrando dificuldades para essa implementação, pois, a prefeitura municipal impõe alguns limites.
Ainda sobre as ações da prefeitura, foi perguntado se os professores recebiam formação continuada e se havia uma formação diferenciada para os profissionais que atuavam no campo, bem como se os materiais didáticos recebidos na escola eram adequados. A resposta foi que a formação acontece anualmente e de forma generalizada para professores atuantes na cidade, incluindo os do campo. O material didático utilizado também é o mesmo, ou seja, mais uma vez a Educação do Campo tem suas especificidades negadas.
Parte do espaço físico da instituição não está adequado à faixa etária das crianças que frequentam a Educação Infantil, pois, apenas as cadeiras e carteiras da sala de aula são adequadas. Os banheiros possuem sanitários altos e o refeitório também dificulta a acessibilidade e a autonomia da criança. Essas condições são explicadas pelo fato de a Educação Infantil funcionar junto a outras etapas da educação e terem os espaços compartilhados.
A respeito da Emenda Constitucional n° 59, de 2009, que tornou obrigatória a matrícula de crianças com quatro anos na Educação Infantil, a interlocução foi sobre como a escola vem se preparando para essa implementação, tendo em vista que o prazo para execução era até o ano de 2016, porém “... a pedagoga não tem uma estimativa de quantos alunos irão para a escola, dessa forma nenhuma alteração ou discussão está sendo feita em torno deste tema”. (Diário de Campo, 2015).
O Plano Municipal de Educação de Chopinzinho aponta que a modalidade da creche ainda não tem sua demanda atingida, sendo que apenas 19,6% das crianças entre zero e três anos frequentam as creches do município e, das crianças entre quatro e cinco anos de idade, 86% estão matriculadas na pré-escola. A Meta 1 do Plano Municipal de Educação de Chopinzinho prevê a universalização do atendimento às crianças de quatro e cinco anos até 2016, ou seja, eles possuem uma estimativa em porcentagem do número de crianças que ainda não são atendidas. Dessa forma, poderiam planejar reestruturação de espaço físico, contratação de profissionais, dentre outros fatores para o atendimento dos alunos.
A respeito das alterações no calendário escolar como propõem as DCNEI, a fim de atender às necessidades da escola, a pedagoga comentou que isso não acontece, pois, segundo ela, as questões como chuvas, frio, tempo de plantio ou colheita e similares não influenciam no calendário da escola. Quando questionada sobre o horário em que o transporte escolar chega à escola devido às longas distâncias percorridas, ficou constatada a necessidade de as aulas iniciarem um pouco mais tarde, para que as crianças pudessem ter condições de estudos mais tranquilos, tendo em vista que algumas delas, segundo a pedagoga, levantam três horas da manhã para tirar leite antes de ir à escola. Verifica-se, mais uma vez, que apenas a lei formal não significa a sua efetivação na prática, pois, apesar de as DCNEI garantirem formalmente a alteração do calendário, no plano real não se efetiva essa legislação.
Quanto às práticas pedagógicas condizentes com a realidade local, observa que a escola possui horta. Dessa maneira, a pedagoga foi questionada sobre se os alimentos produzidos são consumidos pelos alunos. A resposta obtida e registrada em diário de campo foi a seguinte:
A horta é cuidada pelos alunos do tempo integral, porém ela produz pouco. As verduras são consumidas quando disponível, contudo ela aponta a pouca participação dos funcionários da escola na manutenção da horta, o que dificulta a produção de alimentos. (Diário de campo, 2015).
Os alunos da Educação Infantil não participam dessa atividade, pois, o tempo integral – projeto mantido pela prefeitura de Chopinzinho – é destinado para alunos dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. Ainda de acordo com a pedagoga, as crianças da pré-escola participaram durante um ano do projeto, porém, a experiência não foi produtiva, tendo em vista que eles eram muito novos e tinham que acordar muito cedo para virem à escola no período da manhã.
Constatamos que as turmas mistas e, mais uma vez, o transporte escolar, são empecilhos recorrentes no trabalho com as crianças. Notamos que na teoria, a professora considera importante a valorização das peculiaridades das crianças do campo, mas, percebemos nas suas observações, que “... ela não faz atividades voltadas às especificidades do campo” (Diário de campo, 2015), pois, relatou que deve cumprir a proposta pedagógica da escola, que não menciona conteúdo específico para o campo.
Desse modo, as discussões da Educação Infantil do campo, como apresentadas na seção anterior, não fazem parte da vida escolar. Quanto aos estudos de Silva e Pasuch (2010) sobre as formas de vida e de organização do tempo e do espaço do campo, essas formas diferenciadas das crianças interagirem com o cotidiano e as incursões dessa realidade nas brincadeiras não estão contempladas no Projeto Político Pedagógico.
Nesse momento a pesquisa se deparou com uma lacuna que advém da gestão da escola, ou seja, no momento em que tanto escola como prefeitura não assumem a posição de escola do campo, sua proposta não vem a se coadunar com a realidade. Decorre, então, que a professora fica refém de uma proposta pedagógica que não dialoga com a realidade.
Outra indagação feita, para que fosse possível refletir sobre as atividades realizadas em sala, foi se a professora trabalhava alguma festa popular da região, artesanato, cantigas, parlendas ou personagens da região. De acordo com ela, essas atividades específicas de valorização da cultura local não são feitas, são trabalhadas apenas as festas juninas e algumas comidas típicas da localidade.
Desse trabalho de pesquisa, sobre a legislação brasileira referente à Educação Infantil e a Educação do Campo, além do estudo do que está estabelecido legalmente no município e na escola sobre educação, isso tudo, ao ser comparado com a realidade da escola, acabou explicitando um funcionamento escolar alheio aos anseios nacionais sobre esse nível de educação infanto-juvenil. Assim, de forma geral, as observações, os registros em diário de campo e as conversas informais da pesquisa apontaram que a escola apenas se situa/localiza no campo, pois, suas práticas pedagógicas e concepções são urbanas – desvinculadas da realidade local.
Essas questões apontadas permitem constatar que o Estado burguês, pressionado pela luta de educadores e pelos movimentos sociais do campo, elabora leis e políticas específicas para esse público, mas, na prática, não oferece condições para que os municípios e os professores conheçam e implementem essas políticas. Revelam, portanto, a constante distância entre o plano formal e o real na implementação da política educacional do campo nesse município. Na realidade, o que se efetiva na escola é a histórica negação das formas de vida, tempos e espaços de cultura e de conhecimento do campo.
Considerações finais
Compreende-se que a Educação Infantil no Brasil teve inicialmente um caráter assistencialista e eminentemente ligado ao processo de industrialização. Nesse sentido, cabe destacar que as leis e as políticas públicas muitas vezes se circunscrevem no plano formal, mas, não se concretizam no plano real.
Notou-se, ao longo dos estudos exigidos pela pesquisa, que vários documentos garantem a Educação Infantil para todos, ou seja, ela é direito legal das crianças de todas as localidades, religiões, etnias, etc. Esse fato demonstra que as crianças do campo estão incluídas e apontadas como sujeitos de direitos. Então elas, amparadas pela lei, devem ter acesso à Educação Infantil pública e de qualidade na localidade onde residem.
No decorrer da pesquisa foi possível apontar a necessidade de uma Educação Infantil que seja no e do campo, que aconteça no campo e também seja do campo com práticas pedagógicas condizentes com a realidade em que as crianças estão inseridas. Diferentemente disso, o estudo realizado na Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Chopinzinho demonstrou a falta de documentos específicos para a Educação Infantil no e do campo ou da Educação do Campo. Desse modo, o município necessita reformular ou repensar as práticas para esses povos, bem como refletir sobre a necessidade de formação continuada específica aos professores, a fim de melhorar a qualidade educacional do município.
Ao término da pesquisa na Escola Rural Municipal Mário Bettega podemos perceber que a professora que atua na pré-escola e a pedagoga consideram importante a valorização e um trabalho com práticas pedagógicas que sejam vinculadas à realidade das crianças, porém, deparam-se com alguns percalços no caminho. A professora vive o dilema de cumprir a proposta pedagógica da escola que, por vários momentos, não condiz com a realidade das crianças. Já a pedagoga considera importante esse trabalho, que parte da concepção de que o sujeito é histórico e social. Contudo, entende que as propostas pedagógicas do município devem ser conexas, pois, muitos alunos passam por inúmeras escolas do município durante o ano. Assim, essa proximidade das propostas não os prejudicaria.
Além disso, apontamos que a realidade da Escola Rural Municipal Mário Bettega, assim como a de outras escolas situadas no campo, apresentou algumas características semelhantes: número reduzido de alunos, falta de formação específica para os professores que ali atuam, uso do transporte escolar, turmas multisseriadas, etc.
De modo geral, identificamos que, apesar das leis garantirem no plano formal um atendimento a todas as crianças de zero a cinco anos, no plano real isso não acontece por vários motivos, tais como: falta de incentivo público, demanda pequena de crianças e o entendimento de que as crianças dessa idade devem ser responsabilidade da família e não da instituição.
Apontando especificamente a instituição pesquisada, conclui-se que a escola se define como rural e não do campo. Possui apenas uma turma de Educação Infantil (pré-escola) e por vezes descumpre a legislação, pois, a estrutura física não é totalmente adequada. Além disso, as práticas pedagógicas ministradas não consideram as especificidades das crianças da educação infantil e o transporte escolar, mesmo sendo intracampo, não apresenta a qualidade conforme previsto em legislação.
Nesse contexto, a Escola Rural Municipal Mário Bettega deve buscar subsídios legais que dialoguem e orientem outra possibilidade de educação, adequando-a as especificidades do público que atende, com vistas a dialogar com a realidade do município em que está inserida. Segundo o entendimento aqui defendido, considera-se fundamental que a escola revise a sua nomenclatura “rural”, que não considera os sujeitos do campo e suas especificidades, pois, já existem documentos como a Instrução Conjunta n° 001/2010, da Secretaria de Estado da Educação/PR, que indicam essa possibilidade.
Com esta pesquisa foi, portanto, possível localizar a Educação Infantil do campo como uma problemática que aponta questões específicas e contextualizadas historicamente e que expressam as formas como o Estado burguês trata, no plano formal, as demandas da classe trabalhadora. Esses apontamentos acerca das mazelas dessa fase educacional das crianças devem ser compreendidos desde a luta de classes, que imprime no campo suas especificidades.
Em suma, a Educação Infantil no e do campo deve ainda ser alvo de muitos estudos e pesquisas. O município de Chopinzinho e a Escola Rural Municipal Mário Bettega precisam unir esforços a fim de melhorar o atendimento às crianças de zero a cinco anos do campo, valorizando suas especificidades e cumprindo plenamente a legislação.
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ii Etapa histórica marcada pela transição das formas de trabalho feudal para as formas de organização da sociedade capitalista, que se acentua com as chamadas revoluções burguesas do século XVIII (Revolução Industrial e Revolução Francesa) e afirmam o modo de produção capitalista.
iii Transporte escolar intracampo é a possibilidade de transportar as crianças entre as escolas localizadas no campo.
ivNão localizamos, nas observações na escola ou em documentos no município, o conhecimento sobre o documento denominado “Instrução Conjunta n° 001/2010”, da Secretaria de Estado da Educação do Paraná.
Recebido em: 10/07/2016
Aprovado em: 03/08/2016
Publicado em: 13/12/2016
Como citar este artigo / How to cite this article / Como citar este artículo:
APA:
Coppe, M. R.., & Knopf, J. F. (2016). Educação infantil do campo: um estudo no município de Chopinzinho/PR. Rev. Bras. Educ. Camp., 1(2), 453-475.
ABNT:
COPPE, M. R..; KNOPF, J. F. Educação infantil do campo: um estudo no município de Chopinzinho/PR. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 1, n. 2, p. 453-475, 2016.
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