Fonseca, E. M., & Bierhalz, D. K. (2016). Discutindo articulações entre ensino de Ciências e Educação do Campo...





Discutindo articulações entre ensino de Ciências e Educação do Campo através da análise dos cadernos



Eril Medeiros da Fonseca, Crisna Daniela Krause Bierhalz2

Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA. Campus Dom Pedrito. Rua 21 de Abril, n. 80. Dom Pedrito - RS. Brasil. erilmf@gmail.com. 2Universidade Federal do Pampa - UNIPAMPA




RESUMO. Este artigo apresenta um recorte da pesquisa desenvolvida no curso de Licenciatura em Ciências da Natureza, da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) – Campus Dom Pedrito. Objetivou verificar as relações entre o contexto sócio-político-econômico e cultural do campo com os conteúdos de Ciências apresentados nos cadernos dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental de uma escola do campo, municipal e nucleada de Dom Pedrito. A pesquisa caracterizou-se metodologicamente como uma pesquisa qualitativa, explicativa e documental, aliados a três concepções teóricas: Ensino de Ciências, Educação do Campo e formas de articulação com o meio. Constatou-se que os conteúdos de Ciências são trabalhados de forma mecânica, seguindo a sequência definida no livro didático e não se evidenciou nenhuma relação entre os conteúdos de Ciências e o contexto local, mesmo com possibilidades evidentes, tais como o Bioma Pampa, plantas da região: Guatambu, Araucária, Eucalipto, Aroeira, e animais típicos da região da Campanha do Rio Grande do Sul.


Palavras-chave: Ensino de Ciências, Educação do Campo, Contexto local, Cadernos.












Discussing joints between Science education and Rural Education through the analysis of notebooks





ABSTRACT. This article presents a survey of crop developed in the Bachelor's Degree in Natural Sciences, Federal University of Pampa (UNIPAMPA) - Campus Dom Pedrito. Aimed to verify the relationship between the socio-political-economic and cultural context of the field with the science content presented to pupils of the final years of elementary school of a rural school, municipal and nucleated Dom Pedrito. The research methodologically characterized itself as a qualitative research, explanatory and documentary, together with three theoretical conceptions: Science Education, Rural Education and forms of articulation with the environment. It was found that the science content are worked mechanically, following the sequence defined in the textbook and no evidence of any relationship between science content and the local context, even with obvious possibilities such as the Pampas Biome, plants region: Guatambu, Araucaria, Eucalyptus, Aroeira and animals typical of the Rio Grande do Sul region Campaign.


Keywords: Science Education, Rural Education, Context, Notebooks.



















Discutiendo articulaciones entre enseñanza de las Ciencias y Educación Rural por análisis de los cuadernos





RESUMEN. En este artículo se presenta un estudio de los cultivos desarrollados en la Licenciatura en Ciencias Naturales, Universidad Federal de Pampa (UNIPAMPA) - Campus Dom Pedrito. Cuyo objetivo fue verificar la relación entre el contexto socio-político-económica y cultural del campo con el contenido de la ciencia presentado a los alumnos de los últimos años de la escuela primaria de una escuela de campo, municipal y nucleado Dom Pedrito. La investigación metodológicamente se caracterizó como una investigación cualitativa, explicativo y documental, junto con tres concepciones teóricas: Enseñanza de la Ciencia, la Educación Rural y formas de articulación con el medio ambiente. Se encontró que el contenido de la ciencia se trabajó mecánicamente, siguiendo la secuencia definida en el libro de texto y no hay evidencia de cualquier relación entre el contenido de la ciencia y el contexto local, incluso con posibilidades obvias, como el Bioma Pampa, plantas región: Guatambu, Araucaria, eucalipto, Aroeira y animales típicos del Rio Grande do Sul Campaña región.


Palabras clave: Enseñanza de las Ciencias, Educación Rural, El Contexto, Cuadernos.



















Introdução


Em todos os níveis e/ou modalidades de ensino é relevante contemplar e valorizar os saberes dos sujeitos e, na Educação do Campo, significa vincular a educação aos espaços de trabalho, onde as pessoas constroem e reproduzem a sua própria existência (Fernandes, 2012). Neste sentido, o Ensino de Ciências permite articular os saberes curriculares a questões ligadas à natureza, a terra e experiências de vida dos povos do campo, favorecendo um saber “construído a partir de experiências, das relações sociais, das tradições históricas e principalmente das visões de mundo”. (Molina, 2006, p. 12).

A importância de vincular o contexto local com os saberes e as vivências dos sujeitos no processo de ensino e aprendizagem ancora-se nas orientações legais - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas Escolas do Campo - pois ressaltam que a prática pedagógica deve estabelecer relação entre o estudado e o vivido e correlacionar a cultura ao significado da terra (Brasil, 1996), já que neste processo todos os indivíduos são igualmente importantes e únicos, cada um possuindo valores éticos, morais, políticos e humanos, bem como saberes e fazeres que devem ser socializados e problematizados no âmbito escolar (Silva, Menezes & Reis, 2012).

A LDB nº 9394/96, em seu artigo 28, ressalta que os sistemas de ensino devem promover as adaptações necessárias à vida rural e as peculiaridades de cada região, perpassando pela organização dos conteúdos curriculares e metodologias e ainda possibilitando ajustes no calendário escolar para as fases do ciclo agrícola e as condições do clima.

A presente pesquisa justifica-se pelo previsto na legislação educacional no que se refere à valorização da especificidade de cada região, bem como no referencial teórico que perpassa “a realidade como centro em torno do qual as ciências e outras formas de conhecimento se articulam, para que a realidade possa ser não apenas compreendida e analisada, mas também transformada”. (Molina, 2012, p. 241).

Com isso, apresenta-se neste artigo um recorte da pesquisa desenvolvida no curso de Licenciatura em Ciências da Natureza da Universidade Federal do Pampa (UNIPAMPA) – Campus Dom Pedrito, intitulada “Articulações entre o Ensino de Ciências e a Educação do Campo no município de Dom Pedrito – RS”.

Este recorte objetiva analisar a consideração do contexto do campo, da realidade e da cultura local no processo de ensino e aprendizagem de Ciências da Natureza, através da análise dos cadernos dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental.

A pesquisa caracteriza-se metodologicamente como uma pesquisa qualitativa, definida por Minayo e Sanches (1993, p. 244) como aquela que “realiza uma aproximação fundamental e de intimidade entre sujeito e objeto, uma vez que ambos são da mesma natureza”. Do ponto de vista do objetivo, caracteriza-se como explicativa e em relação aos seus procedimentos técnicos assume caráter documental. A análise de conteúdo, ancorada nas concepções de Bardin (2009), consiste em três etapas: pré-análise, exploração do material ou codificação e tratamento dos resultados obtidos/ interpretação. Na pré-análise, foram coletados os objetos que nortearam a pesquisa: cadernos de Ciências dos alunos dos anos finais do Ensino Fundamental. Na etapa de exploração do material, recolheu-se um caderno de cada ano, no total de doze, e elencou-se para análise duas categorias, quais sejam: abordagem conceitual e formas de apresentação dos conteúdos. Na terceira etapa, tratamento dos resultados obtidos e interpretação, ocorreu a análise dos resultados, comparando os conteúdos trabalhados nos cadernos com o sumário dos livros didáticos e identificando em ambos a pertinência das relações com o contexto.


Contexto da pesquisa: Universidade, Município e Escola do Campo



A pesquisa considera as articulações entre o contexto do campo e o Ensino de Ciências, dessa forma torna-se importante apresentar o contexto que permeia este trabalho.

A Universidade Federal do Pampa - Unipampa surgiu de uma reinvindicação da comunidade da região da Campanha, Rio Grande do Sul, mobilizada pelo movimento político de expansão das instituições federais de Ensino Superior, promovida pelo Governo Federal, no ano de 2008. Essa Universidade é organizada em uma estrutura multicampi, com um total de 10 (dez) Campus, nos municípios de Jaguarão, Caçapava do Sul, Bagé, Alegrete, Itaqui, São Borja, Santana do Livramento, São Gabriel, Uruguaiana e Dom Pedrito. A figura 1 possibilita compreender a atuação da Universidade na região da Campanha e Fronteira Oeste do Rio Grande do Sul, bem como observar



a localização do município.


Figura 1. Municípios de atuação da Unipampa.

Fonte: http://unipampa.edu.br/portal/images/campi_unipampa.png


No Campus Dom Pedrito funcionam cinco cursos de graduação, sendo dois deles Licenciatura: Educação do Campo e Ciências da Natureza. Os projetos pedagógicos para esses dois cursos apresentam caráter interdisciplinar e os licenciados estão aptos a exercer a docência nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, justificando dessa forma a temática da pesquisa.

A Unipampa, através dos seus cursos, contribui para o crescimento da região da Campanha, respeitando as características geográficas e econômicas dos municípios, como é o caso de Dom Pedrito, com predomínio de estâncias de caráter empresarial, típicas de pecuária extensiva de corte e do plantio do arroz irrigado. Dom Pedrito é o quarto município em extensão do Estado, com 5250 km², contando com uma população de 38.916 habitantes, com densidade demográfica de 7,5 hab/km². Estima-se que 91% da população desse município residem na área urbana e apenas 9% na área rural. O município possui uma rede de ensino composta por 57 (cinquenta e sete escolas), destas 21 (vinte e uma) são localizadas na área rural.

A escola lócus da pesquisa é municipal e nucleada, possui um corpo docente formado por 16 (dezesseis) professores devidamente habilitados em todas as áreas da Educação Infantil ao 9º ano do Ensino Fundamental e conta com 4 (quatro) funcionários. Apresenta em média 20 (vinte) alunos por turma, formadas por dois grupos de estudantes, o primeiro: filhos de produtores rurais e assentados de reforma agrária, moradores de localidades próximas e que possuem elos de pertencimento com a região e com a escola. O segundo: filhos de funcionários de empresas de lavoura e pecuária, que trabalham por sazonalidade, por isso mudam-se em cada safra, residindo no campo em determinadas épocas, sem estabelecer elos de pertencimento e com grandes dificuldades de adaptação.


O Ensino de Ciências, a Educação do Campo e as formas de articulação com o meio


Abordaremos aqui o Ensino de Ciências aliado à concepção teórica de alfabetização científica, definida por Chassot (2011, p. 62) como um “conjunto de conhecimentos que facilitariam aos homens e mulheres fazerem uma leitura do mundo em que vivem o que amplia o direito à escolha”. Esta leitura possibilita uma apropriação de conceitos científicos, expandindo a dimensão de conhecimentos essenciais para a formação de uma postura em relação ao ambiente em que se vive.

A alfabetização científica, além de permitir uma leitura de mundo deve estar “socialmente comprometida com as reais necessidades da maioria da população brasileira e não limitada a acumular conhecimentos e avançar sem importar em que direção”. (Nascimento, Fernandes & Mendonça, 2010, p. 227). Com isso, a apropriação de conhecimentos científicos deixaria de atender a necessidades relacionadas somente aos interesses políticos, econômicos, profissionais e/ou pessoais, para desenvolver a compreensão de conceitos que auxiliem no entendimento da conjuntura da realidade local, desencadeando assim um processo que contemple o desenvolvimento de consciência crítica.

Pensar o Ensino de Ciências perpassando pela discussão das questões locais, da cultura regional e dos aspectos pertinentes às vivências dos sujeitos pertencentes ao campo, significa reconhecer que o Ensino e a Educação do Campo ocorrem por meio de seu contexto, dos sujeitos, das histórias de vida e de luta.

A Educação do Campo, em sua práxis, deve discutir o significado das questões referentes ao trabalho, terra e valorização dos conhecimentos dos trabalhadores rurais (Kolling, Cerioli & Caldart, 2002). Assim, percebe-se que o ensino em escolas do campo deve partir de sua realidade, considerando os saberes oriundos da própria comunidade.

A Educação do Campo é definida por Lucas (2008, p. 119) como:


aquela voltada aos interesses e ao desenvolvimento sociocultural e econômico dos povos que ali habitam e trabalham, e que atende, dessa forma, às suas diferenças históricas e culturais. Ela pensa o campo e sua gente; seu modo de vida, de organização do trabalho e do espaço geográfico; suas festas e seus conflitos; suas diferenças históricas e culturais. Essas são as condições fundamentais para que vivam com dignidade e para que, organizados, resistam contra os movimentos de expulsão e expropriação.


A partir desta concepção, surge a perspectiva de olhar para os povos do campo ligada aos interesses da classe trabalhadora, que prima por seus valores instaurados e preserva o significado de sua própria cultura.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN): Ciências Naturais (Brasil, 1998), abordam em seu conteúdo questões relacionadas à realidade local e consideram que alguns temas podem ser trabalhados por meio de observações, pesquisas, para ampliar a compreensão do contexto que permeia o processo de aprendizagem. Menciona a importância de explorar o contexto através da análise de problemas ligados a realidade local e regional, realizando as relações entre vida e meio.

Outra autora que discute a ideia de considerar a realidade no trabalho pedagógico no Ensino de Ciências é Azevedo (2004). Essa autora considera a importância de colocar o estudante como protagonista do processo de aprendizagem, para que sua ação não seja apenas observacional, mas, que possa discutir, refletir, explicar e criar hipóteses, caracterizando uma investigação científica.


Cadernos de Ciências: articulações entre os conteúdos e o contexto do campo


O trato com cadernos escolares ganha sentido quando se percebe que o mesmo retrata não apenas os conteúdos, mas, também a forma como são desenvolvidos, bem como a rotina da sala e a metodologia utilizada pelo professor, tornando-se um instrumento interessante para investigação, pois:


são objetos que acompanham a escolarização, fazendo-se tão presentes nessa etapa, que acabam por tornarem-se inseparáveis das ideias de escola e ensino. A importância do caderno torna-se evidente não só pela sua constância nas escolas, mas também pelas funções que ocupa, já que é utilizado para registrar, resolver e corrigir a maioria das tarefas escolares. (Santos, 2002, p. 2-3).


Os registros das aulas de Ciências realizadas justamente através dos cadernos, revelam em grande parte, o trabalho desenvolvido pelo professor, a sua forma de conduzir a aula, os conteúdos que considera como os mais relevantes, os tipos de atividades feitas, bem como a maneira como observa a aprendizagem do aluno.

Os critérios de análise dos cadernos são corroborados pelos estudos de Siqueira e Araújo-Jorge (2008), que defendem a sistematização nas seguintes etapas: leitura dos cadernos, registro em forma de lista dos conteúdos trabalhados; organização dos conteúdos em categoria; e a produção de uma planilha (Bonamino, Tomazini & Cardoso, 2012).

Em relação aos cadernos dos alunos recolheram-se três de cada turma (6º, 7º, 8º e 9º) do Ensino Fundamental, referentes ao ano de 2015 (dois mil e quinze), sugeridos pela professora de Ciências, caracterizando-se como uma escolha intencional, por serem os mais organizados e pela concepção prévia de que continham todo o registro do conteúdo estudado durante o ano letivo.

A segunda etapa, exploração do material, baseou-se na codificação de Bardin (2009), que consiste na transformação dos dados em unidades de registros, codificando as informações ou instrumentos a serem analisados. Dentre os 12 (doze) cadernos, elencou-se 1 (um) de cada ano para a referida análise. Os cadernos são denominados respectivamente de: C6 – caderno do 6º ano, C7 – caderno do 7º ano, C8 – caderno do 8º ano e C9 – caderno do 9º ano.

Os critérios utilizados foram: conteúdo de Ciências e sua forma de apresentação (definições, explicações e exemplos); maneira de registro como sendo cópia da matéria (folha/livro) e as relações feitas entre o conteúdo e o contexto local.

Ainda nesta etapa, categorizaram-se as informações obtidas (Bardin, 2009). Diante da análise feita nos cadernos, elencaram-se duas categorias, quais sejam: abordagem conceitual e formas de apresentação dos conteúdos.

Siqueira e Araújo-Jorge (2008) são autores que contribuem na discussão a respeito dos cadernos quando se referem a estes como “documentos-fonte para a investigação no Ensino de Ciências”. (Siqueira & Araújo-Jorge, 2008, p. 68). Salientam que os mesmos não revelam todas às práticas e conteúdos estudados, porém, podem indicar o cotidiano da sala de aula, revelando características relevantes do Ensino de Ciências.


Abordagem Conceitual


Dentre os conteúdos do C6 percebe-se que foram explorados o Planeta Terra, Ecologia, Ar, Solo, Água e Sistema Solar respectivamente. Ao comparar os conteúdos dos cadernos dos alunos do sexto ano (Tabela 1) com o sumário do livro (Figura 2) Meio ambiente – 6º ano de Gowdak e Martins (2012) percebe-se que todos os conteúdos elencados foram explorados.


Tabela 1 - Conteúdos e estrutura do caderno C6 do ano de 2015.

Mês

Dia

Conteúdo

Características

Mar.

12|20

Ecologia

Definição; Exemplos; Exercício (citar, pintar)

13 |16

Planeta Terra

Definição; Exercício (responder)

Abr.

02

Ecologia

Definição; Exemplos

16|27

Cadeia Alimentar

Definição; Exemplo; Exercícios do livro didático

Mai.

06|14

Relação Ecológica

Definição; Exercício (descrever)

15|18

Ar

Definição; Exercício do livro didático (responder, desenho)

Jun.

18|19|22

Componentes do Ar

Definição; Exercício (responder, esquema)

Jul.

08

Componentes do Ar

Exercícios (responder)

Ago.

10

Ar e Saúde

Definição; Exercício (responder, citar)

31

Litosfera

Definição

Set.

28

Litosfera

Exercícios (responder)

Out.

21|27

Solo

Definição; Exercícios do livro didático (responder, citar); Menção ao contexto local

Nov.

07|19

Solo e Saúde

Definição; Exercícios (responder, citar e explicar)

26

Água

Definição

Dez.

01|03|04

Água

Exercícios do livro didático (responder e citar)

29

Sistema Solar

Definição

Fonte: Elaboração dos autores




Figura 2. Sumário do livro do sexto ano.

Fonte: Gowdak & Martins (2012).




Em relação à ordem de abordagem dos conteúdos constatou-se uma inversão, pois, Astronomia, mais especificamente o Sistema Solar, foi estudada ao final do ano letivo, sendo que pela sequência do livro o indicado seria iniciar com o estudo do Planeta Terra, indo da visão macro (todo) para a micro (partes).

Os PCN (Brasil, 1998) apontam para o trabalho com Astronomia, a utilização de imagens da Lua, dos planetas e seus satélites como forma de construir imagens do Universo. A pesquisa bibliográfica em livros, jornais ou revistas sobre o desenvolvimento de lunetas, telescópios, satélites e estudos sobre o espaço, as discussões sobre: vídeos, simuladores digitais, e representações dos corpos celestes, bem como a elaboração de modelos de esferas e pequenas fontes de luz pelos estudantes, configuram-se como interessantes recursos didáticos a fim de que os mesmos construam seu próprio modelo de Universo, compreendendo as noções de espaço e tempo (Brasil, 1998).

Ainda em relação ao conteúdo de Astronomia, percebe-se uma discrepância no número total de aulas dedicadas ao estudo dos conteúdos, pois, em média cada um teve no mínimo 4 (quatro) aulas para ser trabalhado, porém, o Sistema Solar foi abordado em uma única aula.


Uma das possibilidades de interpretação para esta discrepância está relacionada à escassez das aulas no período de julho a outubro, como se percebe na Tabela 1. Ressalta-se que em média são dadas 64 (sessenta e quatro) aulas durante o ano (duas aulas semanais durante oito meses), mas, houve o registro de 25 (vinte e cinco) aulas. Desta forma, o docente provavelmente tenha elencado os conteúdos que considera mais relevantes para serem trabalhados.

Do total de 20 (vinte) conteúdos abordados no caderno C7, percebe-se que não foram trabalhados todos os conteúdos listados. Nas subdivisões dos animais vertebrados, os peixes foram estudados com aprofundamento conceitual, contendo os registros do conteúdo, seguido de atividades referentes ao mesmo. Os mamíferos, aves, répteis e anfíbios foram abordados através de uma pesquisa avaliativa, com questões de responder, composta por dezesseis questões nas quais objetiva-se trabalhar os conteúdos citados, porém de forma resumida, como por exemplo: "Quais são as características dos vertebrados?"


Tabela 2 - Conteúdos e estrutura do caderno C7 do ano de 2015.

Mês

Dia

Conteúdo

Características

Mar.

3

Características dos seres vivos

Definição

12|19

Célula

Definição; Exemplos; Exercícios (responder, citar e completar)


Classificação dos seres vivos

Definição; Exercícios (responder)


Nomenclatura Binominal

Definição

Abr.

10

Características dos seres vivos e células

Teste (responder, citar, completar e desenho)

15|16|17

Vírus

Definição; Exemplo; Exercícios (responder, citar e desenho); Trabalho de pesquisa

Mai.

14

Aids

Definição; Exemplo; Exercício (responder)

18

Reino Monera

Definição; Exemplo


Bactérias

Definição; Exemplo

Jun.

15

Bactérias

Exercícios (responder, citar); Trabalho de pesquisa

19

Reino Protista

Definição; Exemplo

25

Feofíceas

Definição; Exemplo; Esquema


Protozoários

Exercícios (responder, citar); Trabalho de pesquisa

Jul.

2

Reino Fungi

Definição; Exemplo; Exercício (responder)

Ago.

3

Reino Animal

Definição


Invertebrados

Definição; Exemplo

7

Filo Porífera

Definição; Exemplo; Exercício (responder, citar)


Cnidários

Definição; Exemplo

31

Cnidários

Exercícios (responder)


Estudo dos vermes

Definição; Exercício (responder e citar)


Esquistossomo

Definição; Exemplo

Set.

28

Nematelmintos

Definição; Exemplo; Exercícios (responder e relacionar)



Anelídeos

Definição



Moluscos

Definição; Exercícios (responder, completar e desenho)



Estudo dos Artrópodes

Definição; Exercícios (responder, completar e desenho)



Aracnídeos

Definição; Exemplo; Exercício (responder, completar e relacionar)



Crustáceos

Definição; Exercícios (responder e citar)



Miriápodes

Definição; Exercícios (responder)



Atividade Multidisciplinar

Atividades de responder sobre um filme



Equinodermos

Definição



Animais vertebrados

Definição; Exercícios (responder, completar e marcar)



Reino Vegetal

Definição

Fonte: Elaboração dos autores.


De acordo com a Tabela 2, o último conteúdo ministrado no sétimo ano foi a definição de Reino Vegetal, com o conceito inicial abordado por meio de um texto, aula esta que não foi datada. No que se refere a este Reino, o estudo pode ocorrer através de saídas de campo, a fim de reconhecer as plantas que compõem o Bioma Pampa, como Guatambu, Araucária, Eucalipto, Aroeira ou Corticeira. Vincular estes conceitos a realidade do estudante “possibilita analisar os vários aspectos da realidade do educando e promover uma relação autêntica entre a vida e escola”. (Lima & Freixo, 2011, p. 8).


Em relação ao registro das datas, salienta-se que vários conteúdos aparecem sem a data específica em que foram trabalhados. Este fato pode estar relacionado ao esquecimento por parte dos alunos ou por que não é hábito datar as aulas.

Dos 16 (dezesseis) conteúdos trabalhados no caderno C8, evidencia-se uma similaridade na ordem dos conteúdos expostos com os tópicos apresentados no livro didático Ciências novo pensar: corpo humano de Gowdak e Martins (2012).


Tabela 3 - Conteúdos e estrutura do caderno C8 do ano de 2015.

Mês

Dia

Conteúdo

Características

Mar.

10|11|16|23

Célula

Definição; Exercícios (responder, citar e desenho)

23 |25

Tecidos

Definição

Abr.

8

Revisão do conteúdo

Exercícios (responder e classificar)

22|28

Sistema Reprodutor

Definição

Mai.

6

Sistema Reprodutor

Exercícios (responder e completar)

21|22

Nutrientes

Definição

Jun.

1|17

Nutrientes

Definição; Exercícios (responder e transcrever)

29

Sistema Digestório

Definição

Jul.

8

Sistema Digestório

Exercícios

Ago.

3|10

Sistema Digestório

Exercícios (responder, citar, explicar e associar)

31

Sistema Respiratório

Definição; Exercícios (responder e desenho)

Set.

1

Fungos

Definição; Exemplo; Exercícios (responder)

9

Sistema Respiratório

Exercícios (responder, associar e esquema)

15

Audição

Definição; Exercícios (responder)

28

Sistema Circulatório

Definição

30



Out.

1

Circulação da linfa

Definição

14|17

Sistema Circulatório

Exercícios (responder, explicar, completar, pesquisar e esquema)

23

Excreção e Sistema Urinário

Exercícios (responder, explicar, identificar e esquema)

27|29

Ossos e esqueleto

Definição; Exercícios (responder e citar)

Nov.

7

Ossos e esqueleto

Exercícios (responder)

9

Músculos (estriados e esqueléticos)

Definição; Exercícios (responder)

23|25|26

Sentidos e órgãos receptores

Definição; Exercícios (responder e pesquisar)

30

Atividades


Dez.

2

Atividade Multidisciplinar

Atividades de responder sobre um filme

3|7

Sistema Nervoso

Definição; Exercícios (responder, associar e diferenciar)

16

Sistema Endócrino

Definição

Fonte: Elaboração dos autores.


Os conteúdos abordados no C8 referem-se ao estudo do corpo humano compreendendo o sistema reprodutor, digestório, respiratório, circulatório, excretor e urinário, bem como ossos e músculos. Segundo a Tabela 3 houve um registro sistemático dos mesmos e, em média, nenhum dos conteúdos ultrapassou o número de quatro aulas, evidenciando um equilíbrio entre os conteúdos e o número de aulas.

Ainda em relação aos conteúdos do C8, exploraram-se os conceitos iniciais de célula e tecidos, bem como todos os sistemas do corpo humano. No entanto, no sistema endócrino, como últimos conteúdos trabalhados, foram mencionados os conceitos de: hipófise, tireóide, paratireóide, suprarrenais, pâncreas e gônadas. Estes não foram aprofundados, pois, segundo o registro, o ano letivo findou-se.

Sobre a abordagem do corpo humano, os PCN (Brasil, 1998) orientam o trabalho através do eixo temático “Ser Humano e Saúde”, pois, defendem “a concepção de corpo humano como um todo, um sistema integrado de outros sistemas, que interage com o ambiente e que reflete a história de vida do sujeito”. (Brasil, 1998, p. 45). Neste sentido, cada estudante passa a conhecer melhor seu próprio corpo e a constituição fisiológica do mesmo.

Segundo os documentos oficiais (Brasil, 1998), o estudante torna-se capaz de dar significado e ao mesmo tempo comparar as dimensões dos sistemas, órgãos, tecidos e células do organismo humano, quando se realiza um comparativo com a anatomia de outros seres vivos, em que o educando observa e imagina os órgãos e sistemas do corpo humano, auxiliado também por recursos visuais. O mesmo pode ocorrer sobre o sistema digestório, relacionando com a saúde do organismo, como a alimentação humana, em que se pode reconhecer os diferentes tipos de nutrientes (proteínas, carboidratos e lipídeos) e sais minerais e ainda doenças relacionadas à carência destes.

Destacam-se, também no C8, dois registros referentes às atividades desenvolvidas pelo Programa Institucional de Bolsa de Iniciação a Docência (PIBID), uma referente à água e outra relativa aos fungos. Sobre a água, os registros indicam que foram abordadas as mudanças de estado físico, relacionando a fórmula estrutural e molecular. Em relação aos fungos, foram trabalhados a sua definição, bem como os tipos de fungos: parasitas, decompositores, predadores, leveduras e ainda micose.

Este fato torna-se relevante, pois, dentre os objetivos do PIBID, destaca-se o estabelecimento do diálogo entre Educação Básica e Ensino Superior, em que o mesmo aprofunda os conteúdos trabalhados pelo professor, utilizando metodologias diversificadas e sem delimitar a participação dos estudantes por idade. No caderno consta que o encontro sobre o conteúdo de fungos foi realizado com o oitavo e nono ano juntos, no mesmo dia.

No caderno C9 foram trabalhados 11 (onze) conteúdos de Química, dos quais: matéria, energia, elementos químicos, tabela periódica, ligações químicas, substâncias químicas e misturas, reações químicas e balanceamento de equações. Os registros indicam que a maior parte dos conceitos vistos refere-se à área da Química, não seguindo a sequência exata do livro didático Ciências novo pensar: química e física de Gowdak e Martins (2012).


Tabela 4 - Conteúdos e estrutura do caderno C9 do ano de 2015.

Mês

Dia

Conteúdo

Características

Mar.

12|19

Matéria

Definição; Exercícios (responder)

Abr.

02

Matéria

Exercícios (responder e classificar)

09

Energia

Exercícios (citar)

10

Átomo

Definição; Exercícios (responder e calcular)


Elementos químicos

Definição

Mai.

22

Tabela Periódica

Definição; Exercícios (responder)

Jul.

16

Ligações químicas

Definição; Explicação; Exercícios (completar)

Out.

01

Atividades



Substâncias químicas e misturas

Definição; Exercícios (responder)

Nov.

23

Substâncias químicas e misturas

Exercícios (classificar)

26

Reações químicas

Definição; Exercícios (responder)

Dez.

01

Balanceamento de equações

Exercícios


Movimento Retilíneo Uniforme

Exemplo

16|17

Movimento Uniforme Variado

Definição; Exercícios (cálculo)

Fonte: Elaboração dos autores.


O estudo dos conceitos químicos ocupou os meses de março a dezembro do ano de 2015, sendo que apenas as últimas três aulas do ano letivo foram dedicadas aos conceitos físicos, referentes ao movimento.

Segundo Lima e Aguiar Júnior (1999) o currículo do Ensino de Ciências é pautado pela exposição de definições e fatos pelo professor, não tendo nenhum significado para o estudante. No nono ano do Ensino Fundamental são abordados os conteúdos químicos e físicos como uma preparação para o Ensino Médio, mas, de maneira ineficiente. A Química aparece em uma visão resumida e empobrecida do que é visto no Ensino Médio, ao passo que na Física é feito apenas menção aos conceitos, mesmo esta área admitindo uma diversidade de temas possíveis de serem articulados com o meio como acústica, óptica, noções de mecânica, termodinâmica, eletricidade e eletromagnetismo (Lima & Aguiar Júnior, 1999).

A dificuldade em trabalhar a área da Física pode estar relacionada à formação dos professores de Ciências para Educação Básica, pois, possuem na sua maioria, Licenciatura Curta em Ciências, sendo que a maioria dos cursos habilita o professor para atuar nos anos finais do Ensino Fundamental e não no Ensino Médio, não aprofundando em sua formação a área de Química e Física, que também são áreas da Ciência.

Em relação à formação dos professores de Ciências para escolas do campo, salienta-se que é necessário a qualificação destes profissionais, uma vez que a Educação do Campo é uma área nova de ensino e pesquisa no cenário da Educação brasileira e demanda docentes preparados para trabalhar nesta realidade, que saibam relacionar o estudo teórico com vivências práticas e reinterpretar os modelos tradicionais de ensino, utilizando diferentes metodologias.

Outro aspecto relaciona-se aos professores que atuam em Ciências no Ensino Fundamental que são, em geral, habilitados em Ciências Biológicas, não se sentem confortáveis em ministrar a Física, com isso acabam priorizando os conteúdos de Química, visto que esta última fornece a base teórica para compreensão da Biologia, sendo estudada nos cursos superiores de Ciências Biológicas.

A abordagem de conceitos da Biologia no Ensino Fundamental está relacionada à exigência da formação em Ciências Biológicas, pois, de acordo com Leite (2006) para lecionar Ciências já foram consideradas várias habilitações como Física, Química e Matemática, porém, nos anos de 1965, 1985 e 1989 há uma predominância pela Licenciatura em Biologia para lecionar a disciplina de Ciências Físicas e Biológicas.

Com isso, a Química e a Física, abordadas com ênfase apenas no nono ano do Ensino Fundamental, são ministradas por professores que não possuem formação nestas áreas. Neste sentido, ressalta-se o curso de Licenciatura em Ciências da Natureza, organizado de maneira interdisciplinar, a fim de articular a Química, a Física e a Biologia, habilitando para o trabalho no Ensino Médio nestas três áreas e nos anos finais do Ensino Fundamental em Ciências. Com isso, o profissional formado neste curso possui habilidades para realizar um trabalho interdisciplinar, perpassando várias áreas do conhecimento.

O ensino de Química e Física no último ano do Ensino Fundamental é uma herança de meados do século XX, baseado na concepção de ensino tradicional, transmissão de conhecimentos e informações fragmentadas (Milaré & Filho, 2010).

Constata-se, através desta categoria, que a abordagem dos conteúdos de Ciências dos anos finais do Ensino Fundamental é organizada com base nos livros didáticos, havendo uma seleção dos principais conceitos a serem desenvolvidos. Pondera-se que nos cadernos C7 e C8 alguns conceitos deixaram de serem vistos devido à falta de tempo hábil durante o ano letivo, constatado pela ruptura de datas presente nos registros. Considera-se que o livro didático pode ter alguma relação com o programa de conteúdos de Ciências da escola, porém, como já mencionado, esta listagem não é apresentada aos professores ao início do ano letivo.

O modo objetivo como os conteúdos são introduzidos acaba omitindo os elos teórico-práticos que poderiam ser estabelecidos, como no trecho a seguir: “Anelídeos – são animais de corpo longo, cilíndrico e segmentado, todo dividido em anéis. Minhocas – vivem no interior do solo, cavando tuneis e galerias” (C7). No entanto, existe uma variedade de recursos na abordagem dos mesmos, tais como: construção de esquemas, produção de textos coletivos, pesquisas em livros didáticos, revistas, jornais, entre outros, na qual possibilita estabelecer esta relação entre teoria e prática por serem mais dinâmicos.


Formas de apresentação dos conteúdos


Para a análise da apresentação dos conteúdos elaborou-se três aspectos aos quais os cadernos foram submetidos à apreciação, sendo eles: definição, explicação e exemplo. A definição refere-se à forma com que os conceitos de cada conteúdo aparecem nos cadernos. Explicação: se há alguma anotação feita pelos alunos referente ao conteúdo exposto, o que caracteriza uma autoria própria. Exemplo remete-se a possíveis outros exemplos em relação ao conteúdo. Na Figura 3, apresentam-se os resultados obtidos, demonstrando a frequência (número de vezes) com que cada aspecto descrito aparece.


Figura 3. Frequência de apresentação dos conteúdos nos cadernos analisados.

Fonte: Elaboração dos autores.


O gráfico revela que a abordagem dos conteúdos é feita predominantemente por definições, com exemplos aleatórios. Há 29 (vinte e nove) definições exploradas no caderno C7, no C6 13 (treze) e 9 (nove) no C9. No C8 há 15 (quinze) definições, sendo 2 (duas) destas referentes a conteúdos desenvolvidos pelo PIBID.

No que se refere às explicações, encontrou-se uma no caderno C9 sobre o conteúdo de ligações iônicas e covalentes. O registro demonstra anotações aleatórias, denotando a capacidade do estudante em organizar as informações estudadas para identificar os compostos.

Já os exemplos são vistos após as definições de forma esporádica. O C9 aborda um exemplo de cálculo sobre movimento. Dos dois exemplos do C8 um é referente ao PIBID, já o C7 traz nove exemplos em sua extensão. A ascendência deste caderno nos exemplos pode estar atrelada ao conteúdo, pois, trabalha com a diversidade de vida dos seres vivos, o que permite uma abrangência ampla de exemplificação ou também com a formação da professora.

Averiguou-se que a autoria dos cadernos em relação aos conceitos científicos por parte dos estudantes é ocultada. Embora a maior parte das inscrições seja feita pelos próprios, percebe-se que “o estilo de redação revela claramente a autoria adulta”. (Santos, 2002, p. 29), a exemplo: “Átomo: tudo o que é matéria é formada por unidades infinitamente pequenas, chamadas átomos” (C9). “Via Láctea: galáxia é um conjunto de estrelas, nuvens de gás, poeira e outros corpos unidos pela força gravitacional” (C6). Tais aspectos pontuam um material de dupla autoria, porém, sem liberdade de criação ou interpretação dos conceitos, visto que a estrutura revela serem extraídos literalmente de outras fontes.

Dentre as definições analisadas percebe-se que há notáveis relações com o meio que poderiam ser feitas ou aprofundadas. O C6 traz em sua definição de cadeia alimentar exemplos de classificação como o capim (produtor), boi (consumidor primário) e Homem (consumidor secundário). O conteúdo de solo também faz menção às substâncias tóxicas, aos micro-organismos e acúmulo de lixo (entupimento de esgoto).

Do mesmo modo C7 faz menção a algumas doenças causadas por vírus como Síndrome da Imunodeficiência Adquirida (AIDS), gripe, sarampo e herpes e cita doenças causadas por bactérias. Nos dois casos não há nenhuma relação com as prevenções que são tomadas contra as mesmas na região. No mesmo caderno abordam-se os vermes, porém também não se estabelecem conexões com saúde e higiene local, limpeza e cuidados com o ambiente ou meios de cultivo e produção caseira de insumos.

O conteúdo de fungos visto no C7 não faz nenhum tipo de relação com o contexto. No C8 há o registro do mesmo conteúdo, mas, trabalhado pelo PIBID, através de uma reportagem que relaciona predadores naturais – vírus, fungos e bactérias – no manejo integrado de pragas nas plantações, articulando a prática do campo aos conceitos teóricos estudados.

Nota-se que os mesmos conceitos foram trabalhos de formas distintas pela professora regente e pelo PIBID. O C7, trabalhado pela professora, não apresenta a definição de fungos predadores, e nas demais definições (parasitas e decompositores) caracterizam-se por serem isoladas, restringindo sua contextualização. Em contrapartida, no C8, o PIBID abordou os fungos predadores articulando com as vivências locais dos estudantes através de uma reportagem, na qual: “O uso abusivo de defensivos acabou eliminando muitos predadores naturais como joaninhas, vespas, vírus, fungos e bactérias, por isso pesquisadores discutem o manejo integrado de pragas”.

Percebe-se que a abordagem do PIBID impulsiona a estrutura cognitiva do estudante em mobilizar os conhecimentos teóricos vistos em aula, a fim de situar o conceito estudado em um contexto, articulando com as vivências práticas. Este fato faz com que o conteúdo não seja apenas uma definição mecânica e isolada, mas vinculado a situações reais.

Milaré et al., (2014, p. 239) corroboram com esta ideia quando discutem sobre um ensino memorístico e dogmático: “Há ênfase na repetição e na memorização de conceitos, desconsiderando que o aluno possui vivências e conhecimentos diversos”. Portanto, estas características descrevem um ensino tradicional e restrito, que não contribui na apropriação de saberes científicos de forma significativa e concreta.

Os conceitos físicos e químicos no C9 são vistos de forma abstrata, já que estes últimos compreendem conteúdos a nível microscópico, como os conceitos de átomo e molécula, o que pode limitar a contextualização do mesmo, sendo que em relação aos físicos faz-se apenas uma menção inicial ao conceito de movimento ao final do ano, através de um texto contendo a definição deste conteúdo.

Segundo Houaiss et al., (2004, p. 6) abstrato é tudo aquilo “... que opera unicamente com ideias e suas associações e não diretamente com a realidade”. Com isso Iroriopetrovich et al., (2014, p. 370) ressalta que a “utilização de ferramentas e estratégias diferenciadas podem facilitar o entendimento dos conteúdos abstratos, visto que apenas as explicações orais muitas vezes não conseguem alcançar estes objetivos”. Logo, a busca por recursos diversificados na abordagem destes conceitos abstratos pode favorecer o diálogo com a realidade do estudante, promovendo uma aprendizagem contextualizada.

Constata-se que os conteúdos em todos os cadernos versam por definição, com alguns exemplos, seguidos de exercícios do mesmo. Esta estrutura restringe a abordagem dos conceitos, não possibilitando a efetivação de um vínculo com os saberes e vivências práticas do meio. Vale ressaltar a dificuldade na análise dos cadernos nesta categoria – formas de apresentação dos conteúdos - devido o tratamento limitado.

Mesmo a estrutura dos cadernos revelando os conceitos estudados durante o ano letivo, “é importante sempre ter presente que os cadernos escolares também silenciam”. (Kirchner, 2009, p. 5). Portanto, os registros podem não corresponder fielmente aos momentos vivenciados em aula, no entanto, são parte significativa na aprendizagem de Ciências por conterem grande parte do que foi produzido no tempo escolar.


Considerações Finais


Diante do estudo apresentado no presente artigo, considera-se que a abordagem dos conteúdos de Ciências no contexto do campo a partir da realidade local é uma possibilidade didático-metodológica relevante, bem como uma temática interessante de ensino e pesquisa. Contudo, aponta-se que existe um limite entre as relações do conhecimento científico e os aspectos vinculados a realidade e cultura local, uma vez que não são todos os conteúdos que permitem tal articulação.

No que se refere aos conteúdos de Ciências desenvolvidos nas escolas do campo e principalmente na escola mencionada no presente estudo, deve-se cogitar uma reorganização do currículo, tendo em vista a comprovação da falta de vínculo entre os conteúdos e o contexto destas instituições e da região na qual estão inseridas.

Esta reorganização deve valorizar a participação ativa de professores e comunidade, as vivências dos sujeitos, bem como os aspectos sobre a realidade local, perpassando a abordagem dos conceitos científicos e favorecendo um ensino significativo, que contempla o local onde se vive.

Por fim, considera-se que a temática da pesquisa possibilitou perceber que as articulações entre os conteúdos de Ciências e o contexto do campo, em destaque a realidade do Pampa, são plausíveis, requerem um aprofundamento conceitual e um preparo dos profissionais da área para este trabalho.


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Recebido em: 22/09/2016

Aprovado em: 06/10/2016

Publicado em: 13/12/2016



Como citar este artigo / How to cite this article / Como citar este artículo:


APA:

Fonseca, E. M., & Bierhalz, D. K. (2016). Discutindo articulações entre ensino de Ciências e Educação do Campo através da análise dos cadernos. Rev. Bras. Educ. Camp., 1(2), 255-278.


ABNT:

Fonseca, E. M., & Bierhalz, D. K. Discutindo articulações entre ensino de Ciências e Educação do Campo através da análise dos cadernos. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 1, n. 2, p. 255-278, 2016.




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Tocantinópolis

v. 1

n. 2

p. 255-278

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