Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p616
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 616-632
mai./ago.
2018
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Ecologia de Saberes na Educação do Campo como
alternativa epistemológica e societal: experiência do
SIECS
Maria Elizabeth Souza Gonçalves
1
1
Universidade do Estado da Bahia - UNEB. Departamento de Educação. Campus VII. Rodovia Lomonto Junior BR - 407,
Campo Clube. Senhor do Bonfim - BA. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: lizbethgoncalves@hotmail.com
RESUMO. Com o tema “Terra, Trabalho e Educação” o
Seminário Interterritorial de Educação do Campo no Semiárido
(SIECS), sediado no IFBA de Juazeiro-Bahia, nos dias 17 a 19
de novembro de 2016 apontava no seu processo organizativo
uma perspectiva pluralista de pensar engajadamente o
conhecimento sobre Educação do Campo, com a contribuição de
um coletivo plural e portador de saberes diversos: Academia,
Movimentos Sociais do Campo, Movimento Estudantil e
Artistas. Esse trabalho objetivou descrever analiticamente a
experiência do SIECS, utilizando-se como procedimentos
metodológicos a pesquisa documental na gina eletrônica do
evento, os registros pessoais, os momentos de avaliação coletiva
e a Carta Política do SIECS apresentada no final do evento. Sob
a égide de uma ecologia de saberes (Santos, 2010), o evento
partia tanto da convicção de que o fortalecimento da Educação
do Campo não prescinde do diálogo com os saberes tradicionais
e com as artes, quanto buscava reforçar o caráter científico desse
campo como área de conhecimento sólida. Os resultados
apontam o SIECS como espaço contra-hegemônico no
fortalecimento da luta pela terra, pela educação, por qualidade
de vida para todos, construído numa perspectiva descolonial que
assume o lugar, o tempo e os sujeitos nas suas diversas relações
de poder.
Palavras-chave: Ecologia de Saberes, Educação do Campo,
Política Pública.
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Ecology of Knowledge in Rural Education as
epistemological and societal alternative: the SIECS
ABSTRACT. With the theme “Land, Labor and Education”, the
Interterritorial Seminary of Rural Education in Semiarid was
hold in the city of Juazeiro, Bahia, from 17 to 19 November,
2016, pointing out in its organizing process a pluralist
perspective by thinking engagemently the knowledge about
Rural Education, with the contribution of a plural group that had
different knowledge: Academy, Rural Social Movements,
Student Movement and Artists. This paper aimed to describe
analytically the SIECS experience, using as methodological
instruments the documental research in the electronic event
page, the personal notes, the collective moments of evaluation
moments and Political Letter of SIECS, showed at the end of the
event. Related to ecology of knowledge (Santos, 2010), the
event aimed both to home the comprehension that scientific
progress in this knowledge field depends on its dialogue with
the traditional knowledge and the Arts and to qualify Rural
Education as scientific field with hard knowledge area. The
results pointed out the SIECS as contra-hegemonic space to
strengthen the struggle by land, education, quality of life for all,
constructed in a descolonial perspective where place, time and
being are seen in different power relationships.
Keywords: Ecology of Knowledge, Rural Education, Public
Policy.
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Ecología de Saberes en la Educación del Campo como
alternativa epistemológica y societal: experiencia del
SIECS
RESUMEN. Con el tema "Tierra, Trabajo y Educación" el
Seminario Inter-territorial de Educación del Campo en el
Semiárido, acogido en el IFBA-BA, los días 17 al 19 de
noviembre de 2016 ya apuntaba en su proceso organizativo una
perspectiva plural sobre Educación del Campo con la
contribución de un colectivo portador de saberes diversos:
Academia, Movimientos Sociales del Campo, Movimiento
Estudiantil y Artistas. Ese trabajo objetivó describir la
experiencia del SIECS, utilizando como procedimientos
metodológicos la investigación documental en la página
electrónica del evento, los registros personales, los momentos de
evaluación colectiva y la Carta Política del SIECS presentada a
finales del evento. Bajo la egida de una ecología de saberes
(Santos, 2010), el evento partía tanto de la convicción que el
fortalecimiento de la Educación del Campo no prescinde del de
diálogo con los saberes tradicionales y con los artes, cuanto
pretendía reforzar el carácter científico de ese campo como área
de conocimiento sólida. Los resultados apuntan el SIECS como
espacio contra-hegemónico en el fortalecimiento de la lucha por
la tierra, por la educación, por calidad de vida, construido en una
perspectiva descolonial que asume el lugar, el tiempo y los
sujetos en sus diversas relaciones de poder.
Palabras clave: Ecología de Saberes, Educación del Campo,
Política Pública.
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Introdução
Com apenas duas décadas de seu
nascimento a fórceps
i
realizado pelos
Movimentos Sociais do Campo de quem
também foi embrionada, a Educação do
Campo traz em sua essência o
compromisso de engajamento com as
questões concretas de homens e mulheres
do campo nas diferentes faixas etárias,
distribuídos por esse Brasil plural em
etnias, territórios, formas de vida, de
trabalho, de existência.
Embora curto espaço de tempo em
confronto aos séculos de silêncio quanto
aos direitos dos sujeitos do campo, essas
duas décadas têm sido exitosas no que
concerne à presença e afirmação da
Educação do Campo no ordenamento
jurídico brasileiro, na consequente oferta
de políticas públicas, e especialmente na
consolidação da Educação do Campo como
área de conhecimento.
Jesus (2006), no âmbito do I
Encontro Nacional de Pesquisa em
Educação do Campo realizado pelo
Programa Nacional de Educação Na
Reforma Agrária - PRONERA - e a
Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização, Diversidade e Inclusão -
SECADI em setembro de 2005 em
Brasília, problematizava sobre as
múltiplas inteligibilidades - os modelos de
racionalidades, de perspectivas
epistemológicas que orientam as práticas
sociais, a produção acadêmica e a
resistência na qual se assentam - na
produção dos conhecimentos com ênfase
na contribuição dos movimentos sociais e
sindicais do campo, chamando a atenção
para o alargamento de possibilidades de
compreensão do mundo a partir de
diferentes teorias, contextos, subjetividades
e utopias, acrescentando que essa
compreensão exige um modo de pensar
muito mais relacional do que dual.
e Molina (2010) destacam que a
militância tão presente nas pesquisas sobre
Educação do Campo tem sido
acompanhada de um esvaziamento teórico
dos trabalhos, o que compromete a
maturidade acadêmica tão indispensável à
luta albergada pelos Movimentos Sociais
do Campo. A demarcação do território
teórico não prescinde de referenciais
consistentes e em sintonia com os
propósitos de construção de conhecimento
engajado, e da consolidação de uma nova
epistemologia plural.
Santos (2014) analisa o diálogo entre
conhecimento científico e o conhecimento
de uma comunidade quilombola localizada
em Livramento de Nossa Senhora (BA)
sobre o uso de plantas medicinais com
finalidade curativa, no âmbito do Projeto
Ecopedagogia e Identidade Cultural,
elaborado para concorrer ao Edital
001/2012, da Secretaria Estadual de Meio
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Ambiente (SEMA), com a finalidade de
selecionar projetos de Educação Ambiental
a serem financiados pelo Fundo Estadual
de Recursos para o Meio Ambiente
(FERFA), e realizado pela Associação do
Semiárido da Microrregião de Livramento.
Os resultados apontam a supremacia do
modelo hegemônico de cuidado com a
saúde onde os padrões técnico-científicos
sufocam e inibem saberes tradicionais que
se mantiveram vivos, ainda que na
subalternidade, especialmente, quando os
serviços de saúde ancorados nos saberes
científicos não chegam em quantidade e
qualidade suficientes para garantir o direito
à saúde dos povos tradicionais do campo e
da cidade.
Pessoa e Rigotto (2015), numa tese
doutoral em Saúde Coletiva pela
Universidade Federal do Ceará, sob a égide
de uma epistemologia descolonial que
valoriza tanto a pluralidade interna quanto
externa da Ciência e o contexto do
semiárido, sistematizam a compreensão da
saúde humana e das necessidades de saúde
dos nordestinos a partir do diálogo das
experiências das pesquisadoras tanto nos
serviços de saúde como nas práticas de
ensino e pesquisa, adotando para tanto o
enfoque narrativo autobiográfico, com
firme propósito, numa pesquisa engajada,
de fortalecer/criar práticas/saberes
emancipatórios na Estratégia da Saúde da
Família para o povo nordestino.
Observa-se que de um lado tem-se a
inquietação de pesquisadores da Educação
do Campo sobre a monocultura científica
nessa área de conhecimento e ainda em
alguns momentos a ausência de uma
solidez teórica. E por outro lado, -se a
demanda de uma produção acadêmica, não
apenas no campo da educação, sob uma
perspectiva epistemológica que valoriza o
diálogo de saberes; uma ecologia de
saberes que visibilidade a
conhecimentos não científicos e valoriza a
pluralidade interna da ciência e sua
utilização contra-hegemônica, a favor de
inúmeros povos e sujeitos históricos e
geograficamente silenciados.
Mas, que perspectivas
epistemológicas dariam conta da produção
de uma área de conhecimento engajada e
comprometida com a diversidade dos
sujeitos do campo que se assumem
protagonistas de suas vidas e entendem que
a consolidação de qualidade de vida para
mulheres e homens do campo se afirma
num projeto societal emancipador para
além do campo? A maturidade teórica que
se busca nessa área de conhecimento dá
sustentação à certeza que os Movimentos
Sociais do Campo têm de que o latifúndio
da terra desmorona com o desmonte do
latifúndio do saber. Que bases teóricas são
assumidas e qual sua coerência
metodológica nas pesquisas realizadas, nos
grupos de trabalho constituídos e nos
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espaços de difusão do conhecimento
acumulado em Educação do Campo?
Nesse sentido, utilizamos a
experiência do Seminário Interterritorial de
Educação do Campo no Semiárido -
SIECS como lócus para problematizar
essas questões e outras assumidas no
âmbito da definição do evento: quais os
principais desafios e entraves que se
colocam à Educação do Campo no
processo de desenvolvimento territorial
dos Territórios de Identidade Piemonte
ii
Norte do Itapicuru e Sertão do São
Francisco-Bahia, no semiárido baiano?
Como o currículo dos cursos de formação
de professores e professoras para a
educação básica ofertado pelas instituições
de ensino superior públicas nestes
territórios tem apresentado a Educação do
Campo? Como articular práticas de ensino,
pesquisas, experiências diversas para além
dos muros da Universidade no
fortalecimento da Educação do Campo e
no desenvolvimento territorial? Como
fortalecer a Articulação Interterritorial para
Educação do Campo como espaço
permanente de reflexão, crítica e
proposição de políticas públicas e práticas
territoriais emancipatórias? Qual o chão
epistemológico sobre o qual se assentam as
produções acadêmicas na Educação do
Campo e qual o impacto disso na
desestabilização de eixos de poder
concernentes ao trabalho, ao gênero, ao
sexo e à idade? Como o atual contexto
político-econômico brasileiro de desmonte
de direitos sociais pode influenciar no
processo de afirmação da Educação do
Campo? Essas questões nortearam tanto o
ideário de constituição do SIECS como as
temáticas, metodologias, ambientação,
apresentações e proposições (Siecs, 2016).
Este trabalho é um relato de
experiência de quem integrou o coletivo de
organização do Seminário Interterritorial
de Educação do Campo no Semiárido e
participou de várias formas na execução do
evento: integrando mesa de prosa,
coordenando roda de diálogos e ainda
como observadora-participante de rios
momentos do processo. A escrita é fruto
tanto das percepções, observações e
vivências da pesquisadora, da Carta
Política construída no final do evento,
como da escuta engajada dos pares que
integram a Articulação Interterritorial para
fortalecimento da Educação do Campo no
Semiárido no encontro de avaliação após a
execução do evento.
O relato, além de divulgar o
resultado do Seminário, destacando sua
importância como espaço contra-
hegemônico (Gramsci, 1999) no
fortalecimento da luta pela terra, pela
educação, por qualidade de vida para todos
e todas, objetiva descrever e refletir uma
prática acadêmica de
disseminação/propagação de saberes para a
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comunidade científica, assumindo-se que a
base epistemológica que norteia tanto a
prática quanto a de conhecimento há de ser
pluralista, descolonial que assume o lugar,
o tempo e os sujeitos nas suas diversas
relações de poder (Moldonado-Torres,
2010).
Os sentidos e materialidades do
Seminário Interterritorial de Educação
do Campo no semiárido
Utiliza-se como procedimentos
metodológicos para dar conta da descrição
e análise do evento de difusão e diálogo de
saberes, a pesquisa documental na página
eletrônica do evento onde se elucida o
projeto do Seminário que também
ajudamos a construir, os registros pessoais
feitos ao longo dos três dias do evento, os
momentos de avaliação coletiva, realizados
durante e após o encerramento do evento e
a Carta Política do SIECS apresentada ao
final do evento.
O lugar de onde se olha, reflete e
problematiza o Seminário Interterritorial
de Educação do Campo no Semiárido foi
aquele ocupado por uma professora da
disciplina de Educação do Campo de um
curso de licenciatura em Pedagogia, de
uma Universidade Pública baiana, que nos
últimos trinta anos tem preparado para o
mundo do trabalho centenas de professoras
e professores que são responsáveis por
formar os sujeitos do campo, e que
atualmente integra, junto com professores
e professoras de sua instituição e outras de
Ensino Superior, artistas, sindicatos,
organizações não governamentais, uma
Articulação Interterritorial para
Fortalecimento da Educação do Campo no
Semiárido, no âmbito dos Territórios de
identidade Piemonte Norte do Itapiciru e
Sertão do São Francisco. É, portanto, um
olhar engajado e comprometido com
causas concretas do seu fazer pedagógico e
da sua opção política por uma Educação do
Campo emancipatória. É ainda o olhar de
quem assume que o envolvimento com
questões concretas dos sujeitos do campo,
entendendo o capitalismo como eixo
central de poder que afeta pessoas e
vulnerabiliza coletivos sociais, não amarra
nem restringe o percurso teórico a uma
única perspectiva epistemológica e nem
prescinde do diálogo permanente com
outros saberes construídos para além do
chão da ciência.
Entende-se que a consolidação da
Educação do Campo como área de
Conhecimento exige uma base teórica
sólida em comunhão com uma
metodologia coerente, e especialmente
compreende-se que a Educação do Campo
se assenta no diálogo permanente com os
Movimentos Sociais do Campo e se firma
no compromisso explícito com a qualidade
de vida dos povos do campo. Nesse
sentido, o desafio que se apresenta é tenso:
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qualificar o discurso científico numa ampla
interação com os saberes dos povos
tradicionais, com as artes e outras tantas
formas de compreender e intervir no
mundo.
Os fundamentos teóricos e
epistemológicos da produção acadêmica
permitem a compreensão do objeto com
vistas à intervenção; Não basta a mera
descrição do mundo, pois distancia o
caráter político interventivo que a ciência
deve ter. Assume-se uma pesquisa
engajada, a serviço da qualidade de vida
para todos e todas, onde se compreende o
mundo para melhor intervir (Mama, 2010).
Conhecimentos situados num tempo e
espaço, localizados, a serviço da
desestabilização de eixos de poder nas
relações de gênero, de idade, de sexo e de
trabalho que vulnerabilizam inúmeros
sujeitos nesse Brasil plural e multicultural.
Ciência engajada e militância são,
portanto, dimensões diferentes e
complementares na constituição de uma
ecologia de saberes que sustentação à
luta dos povos do campo que têm na
Educação do Campo o canal de acesso para
outros direitos.
Opta-se, para tanto, compreender o
mundo numa clara assunção de que as
injustiças sociais estão diretamente
estabelecidas em formas injustas de
produzir conhecimentos e validá-los, de
que uma geopolítica de poder que
reverencia alguns lugares e sujeitos e os
saberes deles advindos, negando tantos
outros (Santos, 2010; Moldonado-Torres,
2010).
Opta-se ainda por aceitar que embora
o capitalismo seja a grande estrutura
mundial de poder, o seu controle não se dá
apenas no trabalho, como pensavam os
marxistas ortodoxos, mas nas relações de
gênero, de raça e de sexo. Assumir o
materialismo histórico dialético como
único chão epistemológico de análise e
compreensão da realidade é desconsiderar
que as relações de produção acontecem
dentro de subjetividades. Uma pessoa pode
ocupar uma posição na disputa do controle
de trabalho e outra bem distinta em relação
ao gênero (Quijano, 2010).
Assim, assume-se no materialismo
histórico o pensamento comprometido com
a intervenção no mundo, a análise do
fenômeno a partir de seus elementos
constitutivos e seu contraditório (Triviños,
1987) e a sua importante contribuição no
entendimento do capitalismo como eixo
central de poder - para além, no entanto, da
tese de Marx e Engels (1999) da relação
meramente de capital e trabalho.
Assume-se a Educação do Campo
como campo de conhecimento em amplo
processo de afirmação que tem se
estabelecido no materialismo histórico, por
ser, dentro da lógica de racionalidade
eurocêntrica da pesquisa social a
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perspectiva epistemológica que mais se
aproxima do sentido da luta por vida digna,
por emancipação, por garantia de direitos
que os povos do campo clamam. No
entanto, entende-se que a colonialidade de
poder - aqui assumida como a hegemonia
do pensamento eurocêntrico na cultura do
mundo capitalista o que ocasionou uma
mistificação de perspectiva da realidade e
permitiu a naturalização de relações de
dominação/exploração (Quijano, 2010) - é
indispensável ao capitalismo como
estrutura mundial de poder, cujas
necessidades atuais se configuram nas
relações intersubjetivas de dominação sob
a égide do eurocentrismo e nesse sentido
faz-se necessário um novo enfoque
epistemológico que faça referência à raça,
ao sexo, a idade, e, consequentemente, às
questões espaciais, territoriais e à
experiência. Quijano (2010) nos diz que
a luta contra a exploração/dominação
implica, sem dúvida, em primeiro
lugar o engajamento na luta pela
destruição da colonialidade do poder,
não para terminar com o racismo,
mas pela sua condição de eixo
articulador do padrão universal do
capitalismo eurocentrado. (Quijano,
2010, p. 126).
Assume-se também a Educação do
Campo como direito fundamental cujo
acesso permite a garantia de outros tantos
direitos, à luz do que nos afirma Ranieri
(2013, p. 53) de que “o direito à educação
representa a indivisibilidade e a
interdependência de todos os direitos
humanos”. E no que tange à Educação do
Campo as repercussões do acesso à escola
de qualidade não pode prescindir da
melhoria da infraestrutura das escolas, das
estradas, de saneamento básico, de
transporte de qualidade, de acesso à água,
energia elétrica, à internet e a tantos outros
insumos e processos. “Ao compreender e
questionar os padrões de organização
social, política e jurídica da sociedade em
que vive, o indivíduo se torna habilitado a
prever, desenvolver raciocínios e atuar
dentro de padrões condizentes com a
dignidade humana” (Ranieri, 2013, p.59).
Assim, apoia-se em Arroyo (2015)
ao afirmar que uma nova concepção de
Educação do Campo está inteiramente
comprometida com um novo projeto social
que supera a dicotomia campo e cidade,
entendendo que se faz necessário superar a
lógica do capital que coisifica os sujeitos e,
nesse sentido, engajar-se com a luta maior
que coloca os sujeitos na centralidade do
debate.
Com isso solucionam-se as questões
emergentes dos territórios materiais e
imateriais e aprofundam-se os significados,
a organização pedagógica e a perspectiva
epistemológica concernentes à Educação
do Campo, constituindo-se alternativas
válidas às coletividades e subjetividades e
aos enfrentamentos ao sistema escolar
tradicional ainda vigente.
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O debate sobre Educação do Campo
numa perspectiva emancipatória que
assume o campo como lugar onde uma
diversidade de sujeitos (em idade, sexo,
raça) vivem, trabalham e produzem
existência remonta pouco mais de duas
décadas. Os Movimentos Sociais do
Campo protagonizaram esse processo
dando visibilidade à inexpressiva presença
no ordenamento jurídico e nas políticas
públicas brasileiras dos direitos das
crianças, jovens, adultos e idosos
campesinos, exigindo uma escola do
campo que atendesse aos interesses dos
sujeitos do campo. Além disso, esses
Movimentos assumiam que a luta pela
terra não prescindia do acesso de homens e
mulheres do campo, nas diferentes faixas
etárias, ao conhecimento historicamente
produzido. Essa firmeza de propósito e a
luta dela decorrente tiveram implicações
significativas no postulado da Educação do
Campo como direito e não esmola, refrão
de uma canção que todo militante da
Educação do Campo conhece: “não vou
sair do campo para poder ir para a escola;
educação do campo é direito não esmola”.
A presença da Educação do Campo
no ordenamento jurídico brasileiro se dá
timidamente na promulgação da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
Lei 9394/96 e desde então ascende-se à
materialização do direito em normas do
Conselho Nacional de Educação, como foi
a Resolução 01/2002 da Câmara da
Educação Básica que institui as Diretrizes
Operacionais da Educação Básica nas
Escola do Campo. Em 2008, este mesmo
Colegiado apresenta a Resolução CEB
02/2008, na qual se estabelecem Diretrizes
Complementares, normas e princípios para
o desenvolvimento de políticas públicas de
atendimento da Educação Básica do
Campo.
A maturidade do direito à Educação
do Campo no sistema jurídico foi
fortalecendo a política da Educação do
Campo. A produção de material didático
com investimentos do Governo Federal em
pesquisa, produção, difusão e distribuição,
aliado a sua disponibilização em domínio
público; a criação da Secretaria de
Educação Continuada, Diversidade,
Alfabetização e Inclusão - SECADI, no
âmbito do Ministério da Educação cuja
atuação abarca a formação de gestores e
educadores, a produção e distribuição de
materiais didáticos e pedagógicos, a
disponibilização de recursos tecnológicos
com vistas a diminuição das desigualdades
educacionais e ampliação dos processos de
inclusão e de respeito às diferenças. A
SECADI tem sido um importante espaço
de interlocução dos povos do campo
indígenas, quilombolas, assentados,
ribeirinhos, caiçaras, povos da floresta com
o Estado brasileiro. As políticas da
Educação do Campo têm sido provocadas
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a pensar nas especificidades do campo
tendo como referência seus sujeitos, nas
múltiplas diferenças que eles comportam.
Sobre essa questão, Arroyo (2008)
esclarece que
A Educação do Campo deve ser
diferente porque o campo é diferente,
mas a pergunta que se coloca com
muita urgência é: o que é específico
do campo? O que torna o campo
específico, sujeito de políticas
específicas de educação, neste caso?
O que torna o campo diferente,
específico, são os sujeitos do campo.
Não é o currículo, não é o calendário,
não é o não-seriado; o que torna o
campo diferente são os sujeitos do
campo que são diferentes. É
necessário fazer uma análise
respondendo a essas questões. Sobre
a Educação Infantil, por exemplo, a
primeira pergunta a ser feita não é se
tem supervisor, se tem isto ou aquilo,
mas quem é essa infância do campo?
Se falta a pergunta sobre os sujeitos
não acertamos nada depois. O que
deve se perguntar é que criança é
essa, que pré-adolescente é esse?
Qual é a especificidade de ser criança
no campo, na vila, na favela, no
bairro chique, no apartamento de
cobertura? A grande diferença são os
sujeitos humanos e pouco sabemos
sobre eles, gastamos pouco tempo
para responder quem são eles e quais
são suas especificidades humanas.
Que é ser mulher no campo? O que é
ser homem no campo? O que é ser
indígena no campo? O que é ser
quilombola no campo? O que é ser
camponês no campo? O que é ser
homem da floresta no campo?
(Arroyo, 2008, p. 47-48).
É a Educação do Campo que se
embriona dos movimentos sociais
campesinos na luta pela terra e pelo direito
de viver no campo com dignidade que
adentra nas instituições de ensino e de
pesquisa como área de conhecimento ao
tempo em que também se firma no
ordenamento jurídico e na esfera estatal
como política pública, é o seu percurso,
seus sentidos e materialidades na atual
conjuntura política, econômica e social do
país que centraliza a realização do SIECS.
É esse fenômeno societal que tem ganhado
visibilidade e assumido uma dimensão
ampla de educação, exigindo processos
engajados e comprometidos com a
plenificação do homem na recondução da
sua humanização (Caldart, 2002) que é
objeto de reflexão.
Foi, portanto, no contexto político
brasileiro de afastamento inconstitucional
da Presidenta Dilma Roussef, de desmonte
de direitos sociais pela Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) 241 e (PEC
55 no Senado), da Reforma da Previdência
que vulnerabiliza trabalhadoras e
trabalhadores brasileiros, do Projeto de Lei
de criação da Escola sem Partido e ainda
da Reforma do Ensino Médio que retira do
currículo as disciplinas de Filosofia,
Sociologia, Artes e Educação Física que o
Seminário Interdisciplinar de Educação do
Campo no Semiárido foi pensado,
construído e vivenciado.
O Seminário Interterritorial de
Educação do Campo no Semiárido
(SIECS) foi construído e executado por um
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coletivo de organizações não
governamentais, grupos de artistas e
instituições de ensino superior denominado
Articulação Interterritorial para
fortalecimento da Educação do Campo no
Semiárido, com o propósito de consolidar a
Educação do Campo como política pública
e como área de conhecimento. Com o tema
“Terra, Trabalho e Educação”, o evento
tinha como objetivos a) Mobilizar gestoras
e gestores públicos, organizações sociais,
instituições de ensino e pesquisa;
professoras, professores, pesquisadoras,
pesquisadores, estudantes e movimentos
sociais para o debate em torno da política
de Educação do Campo na rede pública de
ensino, a partir de uma análise crítica de
seu percurso, os desafios e as
possibilidades dentro dos territórios e
municípios; b) Socializar e dar visibilidade
às produções acadêmicas sobre Educação
do Campo; c) Analisar a conjuntura
política, econômica, cultural e midiática e
seus desdobramentos nos direitos de
trabalhadores e trabalhadoras campesinos;
d) Implementação da Política de Educação
do Campo nos programas de
desenvolvimento do Semiárido (Siecs,
2016).
O Seminário oportunizou como
previu: Mesas de Prosa com análises de
conjuntura e debates; Rodas de Conversa
com sessões de comunicação agregando
temas diversos relacionados à Educação do
Campo no Semiárido com ênfase nos
sujeitos; exposição de pôster; Tendas
artísticas com música, poesia, teatro,
dança, cordel; Feira Cultural onde os
pequenos produtores dos municípios
abarcados expuseram e comercializaram
seus produtos; Um painel de mensagens
onde os participantes deixaram suas
impressões e aprendizagens e uma ciranda
com crianças que presentearam os
participantes com mudas de plantas do
bioma caatinga e a proposição de uma
carta política onde se apresenta à sociedade
o evento realizado, seus objetivos, os
sujeitos envolvidos, atividades propostas e
realizadas, reafirmando tanto o
rompimento da dicotomia cidade/campo,
quanto a necessária ampliação dos direitos
sociais, dentre eles a educação.
O diálogo permanente dos processos
educativos com a arte foi o ponto forte do
evento, tanto nos colóquios, nas tendas, nas
exposições teatrais e musicais em vários
momentos do Seminário. Somou-se ainda a
participação de líderes do Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra MST,
problematizando não apenas as temáticas,
mas os jeitos de se produzir e divulgar
saberes, os tipos, os destinatários e
beneficiários dos saberes. A denúncia à
influência do capitalismo internacional na
vida social, econômica, cultural e política
de países como o Brasil, expressa nas
políticas agrícolas que favorecem o
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agronegócio em detrimento da agricultura
familiar, foi uma das temáticas debatidas
nas mesas.
Nas proposições da Carta, a partir
das discussões da terceira mesa de prosa da
qual tivemos a oportunidade de participar
como uma das interlocutoras, foi sugerida
uma mobilização nacional contra a
Proposta de Emenda Constitucional (PEC)
55, provocada pelo debate sobre as
implicações dessa Emenda Constitucional
no desmonte da Política Educacional
Brasileira, inviabilizando o alcance das
metas do Plano Nacional de Educação (Lei
13.005/2014) e pulverizando os avanços da
Educação do Campo, e a favor da
aproximação das instituições de Ensino
Superior das pautas da classe trabalhadora,
e dos tantos sujeitos invisibilizados.
Dentre os grandes desafios, está a
superação da narrativa colonial que
marginalizou e excluiu os povos do
campo de um processo educativo
escolar emancipador. O
distanciamento das instituições de
ensino superior das pautas da classe
trabalhadora, especialmente, dos
cursos de licenciaturas, do debate
sobre o campo brasileiro e a
Educação do Campo, têm reforçado
esta narrativa, que se sustenta na
ideia de um conhecimento universal
inquestionável, na ciência como
única forma de produção de
conhecimentos e única lógica
possível. As Universidades e
Institutos Federais necessitam
dialogar com a Pedagogia
Alternância; a pedagogia dos
movimentos sociais não apenas como
metodologia, mas, como princípio de
organização do trabalho formativo
também no ensino superior. A
Educação Contextualizada deve ser
fortalecida nas redes de ensino,
orientando o debate da Educação do
Campo, recuperando assim, a
Convivência com o Semiárido como
lastro político-educativo
indispensável. (Carta Política do
SIECS, 2016).
O SIECS significou um importante
momento de reflexão do vínculo da
Educação do Campo com as lutas sociais
de mulheres e homens do campo nas mais
diferentes idades e ainda de retomada
histórica dos avanços da Política da
Educação do Campo no Brasil nas últimas
décadas.
Destacou-se nesse evento como os
Movimentos Sociais têm forçado e ajudado
a construir respostas a problemas societais
postos como o reconhecimento do campo
como lugar de vida de sujeitos de direito e
neste curso têm entrado em espaços vitais
de produção de poder, a exemplo das
Universidades e têm encontrado
pesquisadores e pesquisadoras engajadas e
comprometidas em construir novos
discursos, práticas e uma ordem contra-
hegemônica.
As Mesas de prosa fizeram análise de
conjuntura e das estratégias e táticas para o
campo brasileiro; problematizaram a
Educação do Campo no Semiárido
Brasileiro e ainda refletiram sobre a
presença da Educação do Campo no Plano
Nacional de Educação, os desafios e
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possibilidades de alcance das metas do
PNE face às mudanças ocorridas no
cenário político brasileiro.
As Rodas de Conversa abarcaram as
comunicações de artigos e pôsteres, com
temas diversos como a gestão educacional,
a formação de professores/as, a educação
básica, a educação profissional, a educação
de jovens e adultos no campo; a articulação
entre o conhecimento científico e as lutas
sociais; a agroecologia; a articulação entre
terra, trabalho e educação e a educação
contextualizada no Semiárido.
os Grupos de Diálogos abordaram
a política de educação profissional no
campo; a Pedagogia da Alternância; a arte
como elemento formativo; as escolas do
campo multisseriadas; a juventude do
campo; as tecnologias assistidas e a
acessibilidade comunicacional e os
desafios das Instituições de Ensino
Superior para o fortalecimento da pós-
graduação voltada aos povos do campo.
As Tendas foram espaços abertos
que albergaram a contação de estórias, a
musicalidade, a poesia, as prosas; a
produção de material didático; as
tecnologias na educação; a medicina
popular; o debate sobre a democracia e as
formas de resistência; o empoderamento
das mulheres, e, ainda, o lançamento de
livros.
A Carta ainda problematiza sobre a
necessidade de se recuperar os princípios
da pedagogia do oprimido e da esperança
de Paulo Freire (1967), ampliando as
estratégias de luta, o trabalho de base sob a
égide da dialogicidade e da politicidade.
Ressaltamos, por fim, a necessidade
urgente de construção da unidade da
classe trabalhadora (estudantes,
profissionais de educação,
profissionais de saúde,
agricultores/as familiares,
movimentos sociais, organizações
sindicais, empreendedores solidários,
servidores públicos, dentre outros)
para o enfrentamento do projeto de
exclusão que ameaça os mais pobres,
retrocede em décadas os avanços
sociais no Brasil e ameaça o estado
democrático de direitos. A Educação
do Campo, consolida-se, portanto,
como condição para o fortalecimento
desta luta e o I SIECS como espaço
de resistência dos povos do campo
organizados e toda a classe
trabalhadora. (Carta Política do
SIECS 2016).
O SIECS 2016 se apresentou como
um importante espaço de interlocução, de
ecologia de saberes, com a clareza de que o
fortalecimento tanto dos saberes
tradicionais, da arte, da religiosidade plural
como a ampliação dos espaços científicos
de uma Ciência engajada e forte a serviço
da emancipação humana será a alternativa
para a superação do atual cenário brasileiro
de retrocesso das políticas sociais e da
ascensão do conservadorismo que tanto
compromete a convivência plural e
solidária, como ameaça e fragiliza as
condições de luta dos sujeitos.
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Considerações finais
A experiência do Seminário
Interterritorial de Educação do Campo no
Semiárido permitiu, a partir da
metodologia, das temáticas adotadas e da
articulação de um coletivo plural, um
diálogo intercultural do conhecimento
científico em Educação do Campo com os
saberes tradicionais dos povos do campo e
com as pautas de luta dos Movimentos
Sociais do Campo, do Movimento
Estudantil, dos Artistas e Contadores de
História.
Embora houvesse clareza de que se
fazia necessário o fortalecimento teórico
desse campo de conhecimento, a grande
bandeira explícita se orientava para o
fortalecimento político e a decorrente
articulação das mais variadas frentes no
sentido de diminuir o efeito do atual
quadro de desmonte de direitos que o povo
brasileiro vive.
No entanto, ainda se tímida a
compreensão de que o chão epistemológico
que norteia a produção acadêmica em
Educação do Campo no Brasil e na
América Latina deve entender a opressão
como núcleos multifacetados de poder,
onde trabalho, raça, gênero e idade se
apresentam como eixos de poder em torno
dos quais o capitalismo se infiltra e se
fortalece e que esses núcleos se
estabelecem nas experiências datadas e
localizadas. Faz-se necessário o
entendimento de que a destruição das
formas de dominação não prescinde de
uma articulação de diferentes e
conflituosas frentes de luta, e de que a
totalidade não é um sistema fixo, mas, uma
articulação de elementos conflituosos,
descontínuos e heterogêneos - como
orienta o novo enfoque trazido pelas
perspectivas descoloniais.
A multicrise por que passa a nação
brasileira demanda para a centralidade do
debate algumas questões, entre elas o
amadurecimento teórico aliado a nossa
capacidade de diálogo com a compreensão
de que todo ponto de vista será sempre
parcial e inconcluso. A ecologia de saberes
se coloca como chão epistemológico de um
pensamento pluralista e propositivo que
nos provoca a desestabilizar as velhas e
geopolíticas inteligibilidades, mesmo as
que definem para nós um caminho
emancipatório, mas com o no chão de
outro mundo que não é o nosso, ou melhor,
os nossos, porque somos muitos e
espalhados por um “Sul” metafórico.
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i
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pressão que os Movimentos Sociais do campo
fizeram para que a Educação do Campo se inserisse
na Agenda Governamental como Política Pública e
se tornasse campo de conhecimento onde os
sujeitos do campo tivessem centralidade.
ii
Em 29 de dezembro de 2014, o Estado da Bahia
passa a tratar a política territorial como uma política
de Estado, através da publicação da Lei
13.214/2014, configurando a Bahia em vinte e sete
territórios de identidade, entre eles o Piemonte
Norte do Itapicuru, formado por nove municípios.
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 04/07/2017
Aprovado em: 07/08/2017
Publicado em: 30/07/2018
Received on July 4th, 2017
Accepted on August 07th, 2017
Published on July 30th, 2018
Contribuições no artigo: A autora foi a responsável por
todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do manuscrito; e aprovação
da versão final a ser publicada.
Author Contributions: The author was responsible for the
designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content
and approval of the final version to be published.
Conflitos de interesse: A autora declarou não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Maria Elizabeth Souza Gonçalves
http://orcid.org/0000-0003-3487-5334
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
Gonçalves, M. E. S. (2018). Ecologia de Saberes na
Educação do Campo como alternativa epistemológica e
societal: experiência do SIECS. Rev. Bras. Educ. Camp.,
3(2), 616-632. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n2p616
ABNT
GONÇALVES, M. E. S. Ecologia de Saberes na Educação
do Campo como alternativa epistemológica e societal:
experiência do SIECS. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 3, n. 2, mai./ago., p. 616-632, 2018.
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n2p616