Revista Brasileira de Educação do Campo
DOSSIÊ / ARTIGO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2017v2n3p836
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 836-860
jul./dez.
2017
ISSN: 2525-4863
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Interculturalidade e conhecimento tradicional sobre a Lua
na formação de professores no/do campo
Rodrigo dos Santos Crepalde
1
, Verônica Klepka
2
, Tânia Halley Oliveira Pinto
3
1
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM. Departamento de Educação em Ciências, Matemática e
Tecnologias do Instituto de Ciências Exatas, Naturais e Educação. Avenida Randolfo Borges Júnior, 1400.
Univerdecidade. Uberaba - MG. Brasil. rodrigocrepalde@gmail.com.
2
Universidade Federal do Triângulo
Mineiro - UFTM.
3
Universidade Federal do Triângulo Mineiro - UFTM.
RESUMO. O tratamento dado ao conhecimento tradicional pela
ciência escolar tende a desvalorizá-lo, submetendo-o à visão
ingênua, de senso comum, e até mitológica. Como forma de
promover o diálogo e a troca entre culturas diferentes, que
povoam a sala de aula, a interculturalidade assume que o Ensino
de Ciências deve ser considerado como a aquisição de mais uma
cultura, sem para isso sobrepor a validade das outras. Este artigo
apresenta um caso concreto de ensino e aprendizagem, das
ciências físicas, como exemplo da promoção do reconhecimento
do conhecimento tradicional sobre a Lua em um contexto de
formação intercultural de professores para o campo. São
discutidos trechos representativos de produções escritas de
licenciandos em Educação do Campo, habilitação Ciências da
Natureza, realizadas na disciplina de Introdução à Física que
tiveram como objetivo argumentar sobre o modo como os
conhecimentos científico e tradicional estão relacionados à Lua
e as suas implicações para o Ensino de Ciências. Nota-se que o
conhecimento tradicional está fortemente entrelaçado às práticas
sociais de comunidades desses licenciandos, apontando a
necessária inclusão desse conhecimento na formação
intercultural de professores para o campo que estimule o
intercâmbio e o enriquecimento mútuo.
Palavras-chave: Conhecimento Tradicional, Educação
Intercultural em Ciências, Formação de Professores para o
Campo.
Crepalde, R. S., Klepka, V., & Halley, T. O. P. (2017). Interculturalidade e conhecimento tradicional sobre a Lua na formação de
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Interculturallity and traditional knowledge about the
moon in teacher training at the/of rural education
ABSTRACT: The treatment given to traditional knowledge by
school science tends to devalue it, subjecting it to naive,
common sense, and even mythological vision. As a way of
promoting dialogue and exchange between different cultures,
which populate the classroom, interculturallity assumes that
science education should be considered as the acquisition of yet
another culture, without overcoming the validity of the others.
This article presents a concrete case of teaching and learning of
the physical sciences as an example of promoting the
recognition of traditional knowledge about the Moon in a
context of intercultural rural science teacher education. They are
discussed representative excerpts of written productions of
undergraduate rural education, major in natural sciences,
conducted in the discipline of Introduction to Physics that aimed
to argue about how scientific and traditional knowledge are
related to the Moon and its implications for science teaching. It
is noted that traditional knowledge is strongly intertwined with
the social practices of communities of these graduates, pointing
out the necessary inclusion of this knowledge in the intercultural
rural science teacher education that stimulates the exchange and
mutual enrichment.
Keywords: Traditional Knowledge, Intercultural Science
Education, Rural Science Teacher Education.
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Interculturalidad y el conocimiento tradicional sobre la
Luna en la formación docente en/del campo
RESUMEN: El tratamiento dado al conocimiento tradicional
por la ciencia escolar tiende a desvalorizarlo, sometiéndolo a la
visión ingenua, de sentido común, y hasta mitológica. Con el fin
de promover el diálogo y el intercambio entre las diferentes
culturas que pueblan el aula, la interculturalidad asume que la
enseñanza de las ciencias debe ser considerada como la
adquisición de otra cultura sin para ello sobreponer la validez de
las otras. En este artículo se presenta un caso de la enseñanza y
el aprendizaje, de las ciencias físicas, como un ejemplo de la
promoción del reconocimiento de los conocimientos
tradicionales acerca de la Luna en un contexto de formación
intercultural de los maestros para el campo. Se discuten
fragmentos representativos de producciones escritas de
estudiantes de graduación en educación del campo, habilitación
ciencias de la naturaleza, realizadas en la disciplina de
Introducción a la Física que tuvieron como objetivo argumentar
sobre el modo como los conocimientos científico y tradicional
están relacionados a la Luna y sus implicaciones para la
enseñanza de las ciencias. Se observa que el conocimiento
tradicional está fuertemente entrelazado a las prácticas sociales
de comunidades de esos estudiantes de graduación, señalando la
necesaria inclusión de este conocimiento en la formación
intercultural de los maestros para el campo que estimula el
intercambio y enriquecimiento mutuo.
Palabras clave: Conocimiento Tradicional, Educación
Intercultural en Ciencias, Formación de Maestros para el
Campo.
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Introdução
Nas últimas décadas, os movimentos
sociais enquanto sujeitos de direitos a terra,
ao território, à igualdade e às diferenças,
têm pressionado para que suas experiências
e saberes sejam reconhecidos como
conhecimento legítimo. Lutam, além disso,
para terem direito e acesso a bens culturais
e materiais, historicamente apropriados por
poucos na sociedade hierarquizada e
desigual em que vivemos. Desse modo, os
movimentos do campo, articulados com a
luta pela reforma agrária, incorporaram a
seus discursos e a suas pautas de
reivindicações a luta pela educação. Nesse
sentido, a abertura de cursos específicos
para formar docentes e educadores dos
diversos coletivos sociais, étnicos, raciais e
geracionais, e do campo, faz parte de uma
realidade recente em várias universidades
do Brasil (Arroyo, 2008, 2011; Antunes-
Rocha, 2009).
A tentativa de incorporar os saberes e
as experiências como conhecimentos
legítimos dos novos coletivos que chegam
à escola e à universidade exibe uma
tendência de considerá-los como saberes
prévios, brutos e pré-científicos. Isto é,
parte de um olhar piedoso, populista,
superficial e etnocêntrico que subestima o
valor da experiência e do conhecimento
produzido na riqueza e diversidade da vida
social (Arroyo, 2008).
Se os coletivos que chegam à
universidade têm o direito de ouvir e
aprender as concepções,
conhecimentos, significados da
realidade acumulados no ensino, na
pesquisa, na reflexão teórica
organizada, a universidade, por sua
parte, tem o direito e o dever de
ouvir, aprender as concepções,
vivências, culturas, valores,
conhecimentos, formas de entender-
se e entender o real e a rica vivência
da diversidade vinda desses
coletivos. Sobretudo, de sua história
de segregação e silenciamento, que
também é um espaço de produção de
conhecimento e de valores. (Arroyo,
2008, p. 31).
Como sustenta Santos (2009) a
injustiça social global possui ligações
íntimas com a injustiça cognitiva global e,
em resposta, a resistência política deve
assumir a resistência epistemológica. Para
tanto, o autor defende a ideia do
cosmopolitismo subalterno, forma política
e cultural da globalização contra
hegemônica
i
.
A novidade do cosmopolitismo
subalterno reside, acima de tudo, em
ter um profundo sentido de
incompletude, sem, contudo,
ambicionar a completude. Por um
lado, defende que a compreensão do
mundo excede largamente a
compreensão ocidental do mundo e,
portanto, a nossa compreensão da
globalização é muito menos global
que a própria globalização. Por outro
lado, defende que quanto mais
compreensões não-ocidentais forem
identificadas mais evidente se tornará
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o facto de que muitas outras
continuam por identificar e que as
compreensões híbridas, que misturam
componentes ocidentais e não-
ocidentais, são virtualmente infinitas.
(Santos, 2009, p. 43).
Nessa direção, a ecologia de saberes
afirma-se como alternativa à monocultura
da ciência moderna: “é uma ecologia
porque se baseia no reconhecimento da
pluralidade de conhecimentos
heterogêneos (sendo um deles a ciência
moderna) e em interações sustentáveis e
dinâmicas entre eles sem comprometer sua
autonomia” (Santos, 2009, p. 44-45). Se
uma epistemologia geral que governa a
ecologia de saberes, ela toma como
pressuposto a impossibilidade de uma
epistemologia geral o conhecimento é
entendido como interconhecimento. Assim,
o reconhecimento da diversidade cultural
passa, necessariamente, pelo
reconhecimento da diversidade
epistemológica do mundo (Santos, 2009).
Nesse contexto, a formação de
professores de ciências para o campo não
pode ficar subsumida aos conhecimentos
canônicos da ciência escolar sob pena de
silenciar e colocar em segundo plano a
cultura e as práticas sociais camponesas.
Essa afirmação parece mera redundância,
pois estamos tratando de novos sujeitos
que chegam à universidade e, portanto,
exigem, por direito, novas pedagogias. No
entanto, a articulação entre a pesquisa e
prática pedagógica em Ensino de Ciências
e a área da Educação do Campo ainda é
recente.
O comprometimento com os
princípios da Educação do Campo
implica também a articulação das
ciências para compreensão profunda
de temas como “soberania alimentar
e nutricional”, “desenvolvimento
sustentável”, “agroecologia vs
biotecnologia”, dentre outros que
necessitem da articulação com áreas
do conhecimento que se debruçam
sobre os problemas presentes nos
diversos contexto do campo. Isso
implica a necessidade de articulação
com disciplinas de outras áreas do
conhecimento (Ciências Agrárias,
Antropologia, Psicologia, Geografia,
Saúde) em suas atividades de
pesquisa e/ou extensão, para
contribuir com os estudos que
permitam um olhar mais complexo
para a realidade local, propiciando
também o substrato para análises do
ponto de vista das ciências que sejam
engajadas e comprometidas com as
demandas locais. (Brick et al., 2014,
p. 45-46).
Nesse sentido, este trabalho se insere
num programa mais amplo de pesquisa que
pretende compreender as relações entre os
conhecimentos tradicional e científico que
emergem de práticas sociais do campo,
bem como caracterizar suas contribuições
para formação de professores em uma
perspectiva intercultural em ciências. A
partir desse propósito mais amplo, algumas
questões orientam esse programa de
investigação: i) de que modo os
conhecimentos científico e tradicional
constroem pontos de aproximação e
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afastamento no contexto de formação de
professores para o campo?; ii) por meio de
quais estratégias didáticas ocorre a
afirmação e não o silenciamento dos
conhecimentos tradicionais do campo?; iii)
quais são as implicações para a formação
de professores do campo quando o
conhecimento tradicional passa a
constituir-se como discurso objeto de
ensino e aprendizagem da ciência escolar?
O texto que apresentamos por agora
possui dois propósitos: um primeiro, de
ordem teórica, afirmar a necessidade da
formação de professores de ciências
coerente e responsável
ii
com a vida no/do
campo. Do nosso ponto de vista, não basta
apenas “selecionar” algumas ideias chave
das ciências naturais que dialoguem em
maior medida com a vida e luta das
populações do campo, mas também é
preciso questionar os conteúdos canônicos
das Ciências Naturais incorporando o
conhecimento tradicional como meta do
Ensino de Ciências e como um dos
discursos que podem constituir a ciência
escolar. O segundo propósito, de natureza
mais empírica, consiste em traduzir em um
caso concreto de ensino e aprendizagem,
das Ciências Físicas, a promoção do
reconhecimento do conhecimento
tradicional sobre a Lua em um contexto de
formação intercultural de professores para
o campo.
A construção deste trabalho foi
motivada pela experiência do primeiro
autor como docente em um curso de
Licenciatura em Educação do Campo
(LECampo) da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM), localizada no
estado de Minas Gerais e das pesquisas que
tem realizado desde o mestrado no âmbito
da educação intercultural em ciências. De
modo particular, a temática da Lua
emergiu de uma proposta de trabalho final
da disciplina Introdução à Física do curso
mencionado que teve como objetivo a
pesquisa sobre o modo como os
conhecimentos científico e tradicional
estão relacionados à Lua e as suas
implicações para o Ensino de Ciências. A
temática Lua” não foi uma escolha
arbitrária, mas, decorrente do arcabouço
prático de vida dos estudantes da
LECampo desta universidade. De modo
que, o uso da Lua como um artefato
cultural para explicar fenômenos perpassou
e perpassa outras disciplinas e contextos
educativos do curso. Isso foi mote para que
os autores deste artigo convergissem seus
esforços em desenvolver projetos e
atividades de ensino de maneira
interdisciplinar, promovendo a discussão
intercultural, voltada para a formação
inicial e continuada de professores do
campo, tomando como base algumas
práticas sociais emergentes do contexto
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dos alunos do curso. Nesse sentido, cursos
formativos e projetos de iniciação
científica, pesquisa e extensão estão sendo
realizados envolvendo a interculturalidade
junto aos temas Lua, Etnobotânica e
Biofertilizantes como eixos a serem
dialogados no Ensino de Ciências.
Interculturalidade e formação de
professores do campo
Tende-se a considerar que no mundo
atual tornou-se imprescindível a
comunicação entre as diferentes culturas
dados os inúmeros conflitos sociais
existentes e a complexificação destes.
Entretanto, é interessante notar o que está
implícito nesta demanda. Esconde-se nessa
frase o fato de que, por séculos, os
diferentes povos e suas culturas foram
silenciados em detrimento de um
monólogo, o do dominador, personificado
de várias maneiras, seja por meio do
colonizador que invadiu uma terra e
obrigou aos nativos o culto a seus deuses e
uso de sua linguagem, símbolos e
vestimentas, seja daquele que desqualifica
formas diferentes de ver o mundo,
estabelecendo um padrão de verdade,
como tem feito historicamente a ciência
ocidental. Trata-se do localismo
globalizado que denomina Santos (2003),
um tipo de globalização que cultua a
hegemonia e, assim, a assimetria nas
relações. Portanto, não de hoje, os
movimentos sociais conquistaram, nas
últimas décadas, políticas públicas que os
permitiram seguir suas lutas e alcançar
legitimidade. Em resposta a isso, teorias e
estudos foram se voltando a compreender
essa dinâmica demonstrando a
incompletude das culturas, que
“nenhuma forma singular de conhecimento
pode responder por todas as intervenções
possíveis no mundo, todas elas são, de
diferentes maneiras, incompletas”. (Santos,
2009, p. 49). É nesta última perspectiva
que surge a interculturalidade.
O conceito de interculturalidade
assume múltiplas caracterizações, mas, de
modo geral, “traz a ideia de inter-relação,
diálogo e troca entre culturas diferentes e
supõe a coexistência da diversidade como
riqueza” (Paladino & Almeida, 2012, p.
16), ou seja, um tratamento igualitário das
culturas sem sobreposições. A
interculturalidade pressupõe a existências
de múltiplas formas de culturas que
convivem juntas, o que nos proporciona a
diversidade. A interculturalidade, nesse
sentido, promove o empoderamento de
culturas historicamente homogeneizadas,
diluídas, apagadas pela globalização
(Fleuri, 2003; Paladino & Almeida, 2012;
Candau, 2013) como é o caso das práticas
sociais dos povos do campo.
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Com a conquista pelo direito à
educação, os povos do campo requerem
também, por legítimo direito, o
reconhecimento de seus saberes como
formas explicativas do mundo no qual
vivem e trabalham, de modo que o Ensino
de Ciências voltado a esses sujeitos
necessariamente passa por cruzamentos
culturais possibilitando o “aprender ciência
enquanto aquisição de cultura
(Aikenhead, 2009, p. 90, destaque no
original) e não sobreposição da visão da
ciência sobre a sua própria visão de
mundo. Assim, o Ensino de Ciências numa
perspectiva intercultural implica que o
papel do professor, seja ele do campo ou
não, é basicamente: i) questionar o
etnocentrismo e assumir uma atitude de
estranhamento e relativização a fim de
perceber outras culturas que não a sua
própria; ii) promover um diálogo que
possibilite que o aluno traga seus
conhecimentos, repertório cultural
simbólico, etc., para o diálogo na sala de
aula sem que estes sejam desvalorizados;
iii) demarcar fronteiras que possibilitem o
reconhecimento de qual cultura está se
falando; iv) promover o cruzamento dessas
fronteiras reconhecendo nas diferentes
culturas pontos convergentes e divergentes
sobre a explicação de um dado fenômeno
natural; e, v) oportunizar que a cultura do
aluno emerja sendo também objeto da
ciência escolar.
A educação, e, consequentemente, a
formação intercultural de professores de
ciências para o campo, pressupõe:
... adotar a perspectiva do
intercultural como processo de
diálogo, comunicação entre pessoas
ou grupos pertencentes a culturas
diferentes (nacionalidades, origem
social, gênero, ocupação, etc.), que
promove a integração e o respeito à
diversidade e permite ao educando
encontrar-se com a cultura do outro
sem deixar de lado a sua própria, ou
seja, incentiva o respeito a outras
culturas, a superação de preconceitos
culturais e do etnocentrismo.
(Walesko, 2006, p. 27).
Foroni (2004, p. 83) destaca que,
O principal desafio da prática
pedagógica intercultural torna-se a
necessidade de elaborar a
multiplicidade e a contraditoriedade
de modelos culturais que interferem
na formação de visão de mundo dos
educandos e compreender as relações
que tal visão estabelece com os
“modelos” transmitidos por meio de
situações educativas vividas,
particularmente, na escola.
Em outras palavras, para que o
professor possa reconhecer a
multiplicidade das culturas é preciso que
seja ensinado a realizar essa elaboração. A
formação de professores na perspectiva
intercultural torna-se, portanto, inerente ao
currículo. É por meio dessa formação
intercultural que pode haver a mudança de
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uma prática voltada à transmissão de uma
cultura homogênea e coesa para a
elaboração de uma diversidade de modelos
culturais que interagem na formação dos
educandos” (Foroni, 2004, p. 83). Uma
prática que sustente um projeto de
educação integrador e interdisciplinar.
Foroni (2004, p. 85) completa que,
ao perceberem o reconhecimento de seus
modos de vida, símbolos, manifestações e
comportamentos culturais pelos
professores e nos professores, os
estudantes constroem uma autoestima que
gera “confiança e predisposição para a
aquisição de outros saberes”. Efetiva-se a
possibilidade de cruzamentos culturais.
Quando isso não ocorre,
a perspectiva de uma formação
monocultural do aluno futuro-
professor, a valorização de uma
cultura única e as práticas de
homogeneidade social, regidas por
princípios que orientam a assimilação
ou homogeneização cultural da
formação, apontam para o caráter
injusto e empobrecedor da “pseudo-
inclusão” desses novos grupos,
principalmente quando se pensa na
posterior atividade docente desses
alunos em seus grupos societais. Ao
se silenciar a “fala da diversidade e
da identidade cultural” com a
imposição de um pacote único e
fechado, composto de conteúdos
“pré-fixados e hegemônicos”,
estaremos arriscados a transportar
para suas futuras práticas educativas
a reprodução e fixação de modelos
que não lhes sejam compatíveis.
(Foroni, 2004, p. 85).
Essa incompatibilidade de modelos
explicativos, irrelevantes e inatingíveis
para uma dada cultura é resultado da
imposição de uma “cultura estrangeira”
para o aluno, a da ciência (Aikenhead,
2009). Portanto, a formação intercultural
de professores do campo e para o campo
deve considerar os saberes que esses
alunos trazem da sua cultura, mas não
basta apenas considerá-los, é preciso
entendê-los e integrá-los aos conteúdos,
uma ação que é possível a partir de
projetos que busquem compreender quais
são as culturas presentes em uma sala de
aula, de onde partem esses sujeitos e para
onde retornarão.
Conhecimento tradicional: alguns
apontamentos
Nesse trabalho optamos pelo
emprego da palavra conhecimento ao invés
de saber
iii
por entender que o primeiro é
mais restrito e contextual tal como
discurso, assumido por nós em uma
perspectiva bakhtiniana: “... o discurso, ou
seja, a língua em sua integridade concreta e
viva, e não a língua como objeto específico
da linguística, obtido por meio de uma
abstração absolutamente legítima e
necessária de alguns aspectos da vida
concreta do discurso” (Bakhtin, 2010, p.
181). Nesse sentido, o discurso é formado
por diversas vozes (posições sociais,
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pontos de vista); responde a outros dizeres;
possui uma história; manifesta-se como
enunciados concretos de determinados
falantes. Em outras palavras, o discurso é
constitutivamente dialógico, ideológico e
histórico (Flores et al., 2009).
Chamamos de conhecimento
tradicional o discurso (re)produzido/
recontextualizado
iv
por práticas sociais que
têm sua gênese na tradição e luta
populares, comumente transmitido pela
oralidade e predominantemente organizado
pelo modo narrativo. Aqui não incluiremos
os conhecimentos das populações
indígenas, apesar da relação inequívoca e
entrelaçada entre eles. Esse destaque
cumpre um duplo propósito em nosso
texto: i) não temos ou desenvolvemos
elementos do ponto de vista teórico e
empírico para adentrar no universo das
epistemologias e práticas sociais indígenas,
mas não prescindimos de trabalhos dentro
dessa temática que possam por analogia,
similaridade ou extensão dos argumentos
auxiliarem nossa reflexão; ii) uma
distinção do ponto de vista antropológico e
legal entre populações tradicionais e
indígenas, mesmo levando em conta que as
primeiras tomam em diversas situações as
primeiras como modelo (Carneiro da
Cunha & Almeida, 2009).
O tradicional a que nos referimos
não é necessariamente antigo, tampouco é
estável, alheio a mudanças e somente
reconhecido em práticas em desuso. O
conhecimento tradicional possui sua
contemporaneidade, pois continua sendo
produzido, experimentado e compartilhado
em relações dentro e fora de suas
comunidades de origem. Essas
comunidades ou populações tradicionais
podem ser entendidas como
...grupos que conquistaram ou estão
lutando por conquistar (prática ou
simbolicamente) uma identidade
pública conservacionista que inclui
algumas das seguintes características:
uso de técnicas ambientais de baixo
impacto, formas equitativas de
organização social, presença de
instituições com legitimidade para
fazer cumprir suas leis, liderança
local e, por fim, traços culturais que
são seletivamente reafirmados e
reelaborados. (Carneiro da Cunha &
Almeida, 2009, p. 300).
Em termos institucionais, a definição
de povos e comunidades tradicionais
aparece no art. do Decreto n.° 6.040, de
7 de fevereiro de 2007 (p. 316):
I - Povos e Comunidades
Tradicionais: grupos culturalmente
diferenciados e que se reconhecem
como tais, que possuem formas
próprias de organização social, que
ocupam e usam territórios e recursos
naturais como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa,
ancestral e econômica, utilizando
conhecimentos, inovações e práticas
gerados e transmitidos pela tradição.
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No caso do Brasil podemos citar
como exemplos de populações
tradicionais: quilombolas, catingueiros,
raizeiros, geraizeiros, veredeiros,
ribeirinhos, faxinalenses, entre outros, que
desempenham atividades agrícolas,
pastoris, artesanais, de caça, extrativismo,
etc. (Argueta, 2015; CIMOS/MPMG,
2016).
Denominar certo discurso de
tradicional também carrega algumas
dificuldades. Em primeiro lugar, temos
consciência que há todo um acúmulo de
debates e controvérsias acerca dos direitos
intelectuais de determinados
conhecimentos tradicionais, inclusive com
legislação nacional e acordos
internacionais sobre o tema (Carneiro da
Cunha & Almeida, 2009; Carneiro da
Cunha, 2009). Mas, no nosso caso,
tratamos o conhecimento tradicional mais
como adjetivo do que como substantivo.
Ou seja, estamos mais preocupados em
caracterizar e discutir o conhecimento no
que se refere a diferenças, contrastes e
comparações do que abordar sua autoria,
mecanismos de compartilhamento e
implicações legais fora da comunidade.
Em segundo lugar, diferentemente do
conhecimento científico que contou com
processos de unificação, generalização e
universalização para sua justificação
ideológica, o conhecimento tradicional, ou
melhor, os conhecimentos tradicionais são
múltiplos, tão diversos quanto suas
comunidades que os (re)produzem.
No conhecimento científico, em
contraste [com o conhecimento
tradicional], acabaram por imperar
definitivamente unidades conceituais.
A ciência moderna hegemônica usa
conceitos, a ciência tradicional usa
percepções. É a lógica do conceito
em contraste com a lógica das
qualidades sensíveis. Enquanto a
primeira levou a grandes conquistas
tecnológicas e científicas, a lógica
das percepções, do sensível, também
levou, afirma Lévi-Strauss, a
descobertas e invenções notáveis e a
associações cujo fundamento ainda
talvez não entendamos
completamente. (Carneiro da Cunha,
2009, p. 303-304).
Admitir este contraste não implica
ignorar a complexa interação entre os
conhecimentos científico e tradicional, às
vezes cooperativa, às vezes conflituosa, na
sociedade contemporânea (Canclini, 2009).
Nos encontros e desencontros
interculturais, na globalização de cima para
baixo e na de baixo para cima, na luta
cotidiana por afirmação e negação de
direitos: a vida concreta da produção e
reprodução de conhecimentos é povoada
por interseções, interpenetrações,
imbricamentos, conexões, dissenções,
paralelismos, etc. Só para ficarmos em
alguns exemplos: o smartphone pode ser
artefato tecnológico da cidade ou do
campo; é provável encontrarmos uma feira
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livre de pequenos produtores
comercializando itens contaminados por
agrotóxicos e um hipermercado com
gôndolas para alimentos sem veneno;
cosmologias indígenas são apresentadas
em um museu de ciências; a medicina
tradicional torna-se mais visível por meio
de redes sociais; o conhecimento das
populações tradicionais e indígenas é
objeto de apropriação acadêmica (e o
movimento inverso, o conhecimento
científico é apropriado, também
requisitado como direito, por essas
comunidades).
Diante dos apontamentos até agora
desenvolvidos, uma questão surge,
especialmente para os educadores
preocupados numa perspectiva
intercultural com os conteúdos dos
processos de ensinar, os conhecimentos
tradicionais podem ser convergentes,
divergentes ou paralelos em relação aos
científicos (escolares)?
Uma resposta à questão enunciada
anteriormente é inspirada na reflexão de
Argueta (2015) sobre a construção de uma
epistemologia das etnociências e uma
agenda para o programa do Sistema de
Saberes Indígenas. Segundo esse autor, ao
postularmos a convergência dos
conhecimentos corremos o risco da
articulação utilitária, instrumental e
subordinada (até mesmo subsumida) do
tradicional ao científico. Enquanto na
divergência, não articulação, tampouco
diálogo intercultural e nesse caso
predomina o isolamento e fechamento. Por
fim, para uma articulação não subordinada,
menos assimétrica e dialógica é necessário
assumirmos uma posição de saberes
paralelos com possibilidades de
complementariedade.
O diálogo de saberes nessa
perspectiva tem uma utilidade
específica e obteria grandes
contribuições, pois se almeja que os
Sistemas de Saberes Indígenas [aqui
estendemos aos conhecimentos
tradicionais] estabeleçam pontos de
articulação e comparabilidade no
diálogo universal de saberes; que se
coloquem os desafios de construção
de uma tradição; que se estruturem
como poder para a tomada de
decisões que os afetam; ... é
inadiável a tarefa de construir-se
como conhecimentos explícitos, que
se conhecem o poder de seu saber e
o expressem frente a outros
saberes. (Argueta, 2015, p. 191,
grifo nosso).
Pontos de contato e afastamento entre os
conhecimentos tradicional e científico
sobre a Lua
Esta seção possui um título de difícil
escolha. Pretendemos discorrer sobre
conhecimentos científicos canonizados e
trabalhos acadêmicos que articulam a
influência da Lua sobre a vida no/do
campo. Ao enunciarmos a expressão
pontos de contato e afastamento entre os
conhecimentos queremos afirmar um
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processo mais que epistemológico, não
restrito às formas de conhecer, mas
também sociocultural e contextual. Isso
significa que esses pontos não são
definidos apenas pela relação dos
conhecimentos em si e seus objetos de
referência; pelo contrário, são também
dependentes dos seus sujeitos e das
condições de sua produção e reprodução.
É corriqueiro em uma aula de
ciências, ao discutirmos a influência da
Lua no ambiente terrestre, sermos
conduzidos a discutir suas fases, seus
eclipses e órbita em torno da Terra e as
marés do ponto de vista dos fenômenos
físicos e biológicos (movimentos, forças,
fotossíntese, alimentação e reprodução de
algumas espécies, etc.). Contudo, somos
também defrontados sobre a influência da
Lua no nascimento de bebês, no corte de
cabelo ou interferências no ciclo
menstrual, dentre outros. Algumas dessas
questões têm o potencial de exibir pontos
de contato e até mesmo de afastamento
completo entre conhecimentos científico e
tradicional.
Antes de expormos nosso fio
principal, é importante deixar claro,
categoricamente, que a Lua, enquanto
artefato cultural (da ciência, da arte, da
tradição, da literatura, etc.), tem
inquestionável influência no ambiente e
vida terrestre do ponto de vista de qualquer
conhecimento. Isso parece óbvio, mas em
nome da monocultura da ciência moderna
vários sentidos da experiência humana
sobre a Lua são silenciados.
uma tendência de orientação
mecanicista entre professores de ciências
que atribui à explicação da influência lunar
quase exclusivamente a fenômenos físicos.
As forças e os campos gravitacionais
somados à explicação da reflexão da luz
solar na Lua seriam a explicação científica
para a influência da Lua na Terra (os
movimentos, as marés e as fases da Lua).
De fato, se reduzirmos essa influência a
uma relação de causa e efeito restrita a
algumas variáveis e independente do
entendimento da Lua enquanto artefato
cultural, podemos até contentar-nos com
essa explicação. No entanto, mesmo do
ponto de vista das ciências, a influência da
Lua não para por aí, isto é, as marés ou as
fases da Lua podem ser consideradas
apenas como um ponto de partida.
Somente para termos dimensão da
extensão da influência da Lua, podemos
considerar trabalhos no âmbito acadêmico
que apontam a mudança do
comportamento de algumas espécies de
roedores, cuícas, gambás (evitam a Lua
cheia, pois a intensidade luminosa pode
facilitar sua captura por predadores e,
portanto, aumentam sua atividade na Lua
nova) ou como no morcego-pescador (que
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orienta sua pesca pelo deslocamento dos
cardumes de peixes conforme a variação
das marés)
v
(Bueno & Motta Júnior, 2005;
Bordignon, 2006). E se levarmos em
consideração atividades humanas como a
pesca (o horário da maré influencia a
atividade dos pescadores), o turismo (a
maré alta pode encobrir uma praia ou a
baixa pode revelar corais e criar piscinas
naturais) e a navegação (a Marinha
disponibiliza, na internet, a tábua das
marés para vários portos e ilhas do litoral
brasileiro).
vi
Em pesquisa na Revista Brasileira de
Agroecologia encontramos seis trabalhos
que tratam da influência da Lua no campo,
especialmente em relação a plantações. O
primeiro faz o levantamento dos
conhecimentos, de tipo de concepções
prévias, entre alunos dos cursos superiores
de Engenharia Agrícola e Viticultura e
Enologia de duas instituições federais do
Estado do Rio Grande do Sul. Schiedeck,
Cardoso e Schwengber (2007), autores do
trabalho mencionado, identificaram que os
saberes relacionados à Lua são os mais
presentes entre os alunos entrevistados.
Dentre esses conhecimentos os autores
destacam: i) a poda da videira deve ser
feita na Lua minguante; ii) os vegetais que
dão embaixo da terra devem ser semeados
na Lua minguante; iii) quando há chuva até
o quinto dia da Lua nova, chove em todas
mudanças de Lua até o fim do ciclo.
Do ponto de vista empírico, Menin et
al. (2014) desenvolveram experimento
para analisar a influência das fases lunares
no desenvolvimento das culturas de rúcula.
Os autores observaram que,
na cultura da rúcula a fase da Lua
crescente influenciou
significativamente no número e
largura de folhas, no entanto as fases
lunares não foram significativas
quanto ao desenvolvimento de massa
verde. Para o rabanete, a fase lunar
quarto crescente mostrou-se superior
para a principal variável avaliada, o
peso fresco de raízes, no entanto,
também apresentou maior percentual
de raízes rachadas e isoporizadas.
(Menin et al., 2014, p. 122).
Jovchelevich e Câmara (2008)
conduziram trabalho para investigar a
influência da Lua sobre o rendimento da
cenoura
vii
. Os autores realizaram duas
semeaduras em dois anos consecutivos e,
segundo eles, observaram diferença
significativa (5%) na variável massa seca
de raízes, para as quais a semeadura na Lua
nova apresenta o maior resultado.
Em direção semelhante à do trabalho
anterior, Oliveira, Freitas e Rafael (2009a)
avaliaram o efeito do impulso ascendente e
descendente lunar sobre a emergência de
plântulas de murici e observaram que o
percentual de emergência das sementes
plantadas no período ascendente (quando a
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Lua se aproxima da terra) foi
consideravelmente maior (10%) que o
daquelas semeadas no período
descendente.
viii
Ainda na direção dos trabalhos
experimentais, Oliveira, Freitas e Rafael
(2009b) conduziram experimento com
duas variedades de espécies ornamentais e,
a partir do seu trabalho, chegaram à
conclusão de que as fases da Lua não
influenciam no enraizamento do manacá de
cheiro e no gengibre azul, mas que seriam
necessários outros estudos nessa direção.
A nosso ver, os trabalhos orientados
pelo propósito mais restrito da busca por
resultados empíricos na direção de reforçar
que influência lunar nas plantações
possuem fragilidades do ponto de vista da
ciência ocidental stricto sensu, bem como
lacunas e certa incongruência do ponto de
vista epistemológico. Em primeiro lugar, a
capacidade de generalização (pela ótica da
ciência) dos experimentos desenvolvidos é
mínima, senão questionável: em alguns
casos, a diferença dos dados é pequena e,
em outros, existem tantas variáveis
envolvidas no processo (solo, iluminação
noturna e diurna, temperatura, umidade,
dentre outras) que isolar apenas uma delas
não inspira uma razoável validade e
confiabilidade, considerando uma
comunidade acadêmica ou científica (como
dissemos, no sentido restrito de ciência).
Em segundo lugar, o pecado original, por
assim dizer, dessa perspectiva de
experimentos consiste em tratar o
conhecimento tradicional e os fenômenos
por ele explicados pelos óculos exclusivos
da ciência ocidental.
Outros pesquisadores, contudo,
mesmo dentro da ciência canônica têm
considerado, embora em menor medida,
hipóteses com relação à influência lunar
sobre as plantas, como Raven, Evert e
Eichhorn (2007), autores de um dos
clássicos na área da botânica. Para eles,
não apenas o comprimento dos dias e das
noites influenciam os mecanismos vegetais
como também a luz da lua pode ser uma
das explicações para o comportamento de
movimentos foliares em algumas espécies
para impedir a absorção de luz em noites
claras de modo a preservar os ritmos da
planta em relação a seu metabolismo. É o
início muito pequeno de um diálogo com
outros conhecimentos constatados pelos
povos tradicionais, mas estima-se que seja
frequente. Diante disso, acreditamos que
trabalhos dentro do espectro das chamadas
etnociências, e também da antropologia e
educação, podem oferecer aportes que
fortaleçam o caminho traçado nessa
pesquisa.
Marques et al. (2007) elaboraram
calendário lunar agrícola a partir da coleta
de informações e diálogo com a
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comunidade indígena Tupinambá da Serra
do Padeiro em Ilhéus-BA. Segundo os
autores, destacam-se as seguintes práticas
culturais orientadas pelo ciclo lunar:
Lua nova recomendada para: castrar
animais, o porco castrado nesta fase
lunar fica com o toucinho fino e
mole; plantar cacau, pois cresce
rápido e bons frutos; ...; plantar
maniva, a planta cresce, engrossa as
raízes e evita pragas e doenças; .... A
Lua crescente, segundo o
diagnóstico, não é recomendada para
o plantio de hortaliças, que crescem
apenas os talos, nem plantas cujo
objetivo é a raiz, pois as folhas
crescem muito e as raízes não; .... Na
Lua cheia, efetua-se o plantio de
banana-da-terra; ... colhe-se a embira
na mata, para fabricação de tangas, e
não se pode plantar milho, feijão e
outros plantios de grãos, .... A Lua
minguante é um bom período para
podar árvores e para colheita de
“tronco” (pseudocaule), de bananeira
para fibra de artesanato. (Marques et
al., 2007, p. 565).
Mello, Soares e Kerber (2009)
assumem a tese do ensino da astronomia
cultural a partir das suas experiências no
ensino de astronomia e ciências naturais
em cursos de formação de professores
indígenas. Os autores discutem elementos
do sistema cosmológico Guarani em
diálogo com o pensamento científico
ocidental, o que é possível sob uma
perspectiva intercultural e transdisciplinar.
Nesse sentido, um passo
epistemológico/intercultural necessário é
reconhecer que os objetos astronômicos,
notadamente o céu, as estrelas, o Sol, a
Lua, eclipses, etc. estão inseridos num
entendimento mais totalizante e holístico
para essa comunidade: eles são
indissociáveis da vida e dos fenômenos
que acontecem na terra.
... Sol e Lua indicam regras de
relações sociais, marcação de ciclos
humanos e passagens de fases da
vida social, como nascimento, morte
(e vida pós-morte), puberdade
(marcada pela menstruação nas
mulheres e mudança da voz nos
homens), maturidade, etc., relações
com o meio ambiente, calendários
agrícolas. Enfim, as relações entre os
humanos e o Sol e a Lua, informa
diferentes aspectos da vida humana.
(Mello, Soares & Kerber, 2009, p. 8).
No mesmo caminho, Garcia et al.
(2016) realizaram levantamentos por meio
de oficina pedagógica do conhecimento
etnoastronômico em torno de temas como
a criação do Sol e da Lua, as fases da Lua,
as estações do ano e as estrelas de uma
comunidade indígena do norte do Rio
Grande do Sul com o objetivo de construir
um material paradidático para a escola
local. Para os autores, esse processo foi
uma contribuição inicial para
“revivificação” dos conhecimentos locais,
além de permitir sua inserção no ambiente
escolar sem que haja sobreposição,
desmerecimento ou descaracterização por
parte do conhecimento científico. Cabe
destacar que a estratégia empregada pelos
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autores foi a de elaborar o material
paradidático abordando exclusivamente o
conhecimento da comunidade indígena.
Essa é uma das questões que tensionam o
ensino intercultural: de que modo e em que
medida se o processo de visibilidade e
reconhecimento das diferentes culturas e
quais propostas pedagógicas ou didáticas
para promoção da educação intercultural?
A dissertação de mestrado de
Almeida (2005), “Do tempo da terra
comum ao espremimento: estudo sobre a
lógica e o saber camponês na Baixada
Cuiabana” oferece elementos fundamentais
para compreensão do processo de produção
e reprodução do conhecimento de uma
comunidade camponesa. O autor realiza
trabalho etnográfico numa região que
passou por quase um século marcado pelo
uso comum de terras até a entrada de uma
fazenda criadora de gado na década de
1970, o que deu início a um período de
conflitos e perda de território. Apesar
disso, segundo o autor, a comunidade
ainda mantém e valoriza seu saber e
quando preciso incorpora outros
conhecimentos que venham a trazer
melhoras na sua prática produtiva.
Almeida (2005) discute em seu
trabalho o sistema Lua observado na
comunidade objeto da sua investigação.
Por trás desse sistema um modelo
governado por princípios de equilíbrio,
harmonia e reciprocidade. Por exemplo,
uma planta considerada fraca deve ser
plantada numa lua forte para “poder
equilibrar”. Nesse sistema Lua, existem
dois períodos de 15 dias cada: o crescente
(Lua forte), que se inicia um dia após a
Lua nova e o minguante (Lua fraca), que se
inicia um dia após a Lua cheia.
... o que é de haste (arroz, milho e
rama) ou de madeira (árvores, pés de
frutas) é considerado forte, porque
sobem ou, porque crescem; enquanto
cipó (melancia, amendoim, feijão,
abóbora), e raiz (batata doce e cará) é
considerado fraco, porque ficam no
chão ou porque latam. Assim, o
equilíbrio é procurado na relação
ideal onde o que é mais forte planta
na lua fraca e o que é mais fraco
planta na lua forte, para compensar.
Ou seja, a relação ideologicamente
correta é a que busca equilibrar o
forte com o fraco para não carregar
muito numa característica, o que
traria como consequência uma perda
muito grande em outra característica
igualmente desejada, o que poderia
ser potencialmente desastroso.
(Almeida, 2005, p. 70, grifos do
autor).
A lua na vida no/do campo: produções
escritas dos licenciandos do campo
O curso de Licenciatura em
Educação do Campo da UFTM, ao qual
nossos sujeitos de pesquisa estão
vinculados, é um dos quarenta e dois
cursos criados a partir do Edital
SESU/SETEC/SECADI 02/2012, com
habilitações nas áreas de Matemática e
Ciências da Natureza. Em julho de 2014
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sua primeira turma foi aberta e, em
seguida, nos meses de janeiro e julho de
2015, outras duas novas turmas de
licenciandos do campo foram criadas. Os
dados coletados foram produzidos por essa
última turma, formada por estudantes das
regiões do Triângulo Mineiro, Norte e
Noroeste de Minas e também um aluno do
estado de Rondônia e outra aluna do estado
da Bahia.
O curso assume a Pedagogia da
Alternância com momentos de estudo
intensivo na universidade chamados de
períodos de Tempo Escola (TE), durante os
meses de janeiro, julho e uma semana do
mês de outubro; entre esses meses ocorrem
os períodos denominados Tempo
Comunidade (TC), nos quais os alunos
permanecem em suas comunidades de
origem enquanto realizam algumas tarefas
escolares orientadas à distância e em
alguns momentos de forma presencial sob
a supervisão de professores do curso.
Uma das disciplinas do projeto
pedagógico do curso denomina-se
Introdução à Física, comum às duas
habilitações, com carga horária total de 75
horas-aula, tendo como uma de suas metas
a aprendizagem de conceitos básicos de
astronomia. Assim, a temática da Lua
emergiu de uma proposta de trabalho final
dessa disciplina do curso mencionado que
tinha como objetivo a pesquisa sobre o
modo como os conhecimentos científico e
tradicional estão relacionados à Lua e as
suas implicações para o Ensino de
Ciências.
Uma das dinâmicas que adotamos no
curso quando se trata da confecção de
trabalhos finais ou sínteses de disciplinas é
o momento de “retorno”, à distância ou
presencial, que tem como objetivo
aprofundar as reflexões dos licenciandos
até então esboçadas nos trabalhos, orientar
quanto à escrita de tipo acadêmica (modo
de formatação, organização das citações,
referências, etc.) e também indicar fontes e
métodos de coletas de dados (documentos,
livros, artigos, entrevistas, questionários,
etc.). Foi o que ocorreu com o trabalho
objeto de nossa análise. De julho a outubro
de 2016 os licenciandos elaboraram uma
primeira versão do trabalho e de outubro a
dezembro do mesmo ano produziram sua
versão final.
A disciplina foi ofertada para duas
turmas: a de matemática com treze e a de
ciências da natureza com trinta
licenciandos. Nessa exposição abrimos
mão de uma categorização de tipo
esquemática do conjunto das produções
escritas a fim de dar maior ênfase a
enunciados mais representativos de alguns
sujeitos, com o objetivo de deixar mais
claro os sentidos que circularam nas
produções escritas. Destacaremos algumas
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passagens das produções escritas dos
professores em formação com o objetivo
de tornar visível o conhecimento
tradicional nas práticas sociais atuais de
comunidades do campo e justificar sua
importância para o ensino intercultural de
ciências. De modo mais específico,
privilegiaremos trechos transcritos ou
parafraseados, pelos licenciandos, de
membros de suas comunidades do campo.
Houve um predomínio de relatos e
trechos que tratavam da relação do plantio
e colheita com as fases da Lua.
Evidentemente, a proximidade do trabalho
e da vida no campo favorece a abordagem
dessa relação em especial. Procuramos
selecionar passagens de licenciandos de
mais de uma localidade. Todos os nomes
dos sujeitos entrevistados, bem como os
dos licenciandos do campo, foram
alterados a fim de se preservar suas
identidades.
Para a senhora D. Lúcia Alves dos
Santos os plantios devem ser na lua
crescente, pois o plantio das plantas
acompanha o crescimento da lua. Ela
chegou a usar a expressão “plantar na
lua fina”, pois esta vai crescendo e
influenciando no crescimento das
plantas. o senhor Benedito de
Almeida foi mais categórico. Ele
afirma que o que fica fora da terra é
plantado na nova e crescente, tipo
frutíferas, feijão e outros tipos. Mas
mandioca e outros que vão de baixo
da terra, tem que se plantar na
minguante, pois enquanto mingua se
o que está fora da terra cresce o que
está submerso. (Tomás, licenciando
da região do Triângulo Mineiro).
Eu planto [depoimento de Marcelina
Souza, moradora de comunidade do
campo] minhas mudas de mandioca
sempre na fase da lua minguante pelo
fato da produção final ser bem
melhor, raiz cresce bastante e
engrossa, fazendo que a coleta tenha
mais qualidade e menos praga, ao
levar a mandioca pra minha pequena
fábrica, percebi que ao fazer o
polvilho na época contrária ao
plantio, na fase da Lua crescente,
uma prensa de massa ao final do
processo, deu vinte pratos de
polvilho, e nessa mesma prensa, mas
na fase da Lua minguante, ocorreu
uma queda de quatro pratos em
relação à fase da Lua crescente, com
a produção chegando apenas a
dezesseis pratos de polvilho.
(Fernando, licenciando da região do
Norte de Minas Gerais).
No plantio da cana, quando se planta
na minguante ela pode até crescer e
produzir menos, mas está menos
propicia ao ataque de algumas
pragas, se plantada em outras fases
da lua ela pode até produzir mais
cana, ficar mais viçosa, mas esta
susceptível ao ataque de pragas e
outras doenças que atacam a cana.
(Lucas, licenciando do estado de
Rondônia).
Em primeiro lugar, tanto pela
pesquisa bibliográfica realizada quanto
através das informações obtidas, percebe-
se que a influência da Lua sobre as
plantações não é determinada em si pelo
dia exato que corresponde às quatro fases
da Lua: nova, quarto crescente, cheia e
quarto minguante. É como se existissem
basicamente dois períodos: um no qual a
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Lua cresce, do dia em que inicia ou um dia
após a Lua Nova, passando pelo quarto
crescente até o dia de Lua Cheia; e outro
no qual a Lua mingua, do dia em que inicia
ou um dia após a Lua Cheia, passando pelo
quarto minguante, até a Lua Nova. Aquilo
que cresce para baixo da terra é favorecido
pelo período que a Lua mingua e aquilo
que cresce para cima é favorecido pelo
período que a Lua cresce.
Esses dois períodos também
influenciam a maior ou menor presença de
pragas e produtividade do que foi plantado
ou do que será posteriormente manipulado:
o período da Lua que mingua é menos
propício à propagação de pragas e
contribui para a produtividade
(engrossamento) da mandioca; e o da Lua
que cresce favorece a produtividade
(produção de polvilho) e também o
desenvolvimento da cana, mas com a
limitação de que essa última será mais
suscetível a pragas.
Outra relação frequentemente
relatada pelos licenciandos é a castração de
animais e os períodos em que a Lua
mingua ou cresce. Nesse caso, como no
plantio, o período no qual a Lua mingua é
mais propício para castração, pois “há
menos micróbios no ar”, evitando-se a
inflamação e garantindo uma boa
cicatrização. A melhor época para o corte
de madeira também é o período que a Lua
mingua, do contrário a madeira apodrece
mais facilmente e fica sujeita à infestação
de carunchos e cupins.
Senhor Benedito enfatizou também a
influência da lua na castração de
animais e no corte de madeira. A
castração para cicatrizar mais rápido
e evitar inflamação no animal deve
ser feita na lua minguante; também
porque o animal se desenvolve de
forma igual nas partes traseiras e
dianteiras, ocorrendo a castração
durante a influência de fase da lua
que não seja a minguante, o animal
desenvolve somente a parte traseira e
fica aniquilada na parte dianteira.
Senhor Nicolau disse que na fase da
lua minguante menos micróbios
no ar e por isso os cupins não atacam
madeira verdes cortadas nesses dias
de influência da lua minguante.
(Tomás, licenciando da região do
Triângulo Mineiro).
... quando eu [depoimento de Álvaro
Dias, morador de comunidade do
campo] vou cortar madeira para
construção de casa de roda, ripas ou
caibros, a fase da lua tem que ser a
minguante, pois, meu pai dizia que
nessa época a madeira absorve menor
quantidade de água do solo. Nas
outras luas, ela fica mais encharcada
e o mourão apodrece com mais
facilidade. (Júlia, licencianda da
região Norte de Minas).
Com apenas um relato,
possivelmente porque nas comunidades
dos licenciandos essa atividade tem menor
peso, a prática da pesca e sua relação com
as diferentes fases da Lua foi lembrada.
Aqui, a Lua Cheia é a que contribui para
uma boa pesca.
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Observo [depoimento de Alexandre,
86 anos, morador de comunidade do
campo] bastante em que fase da Lua
está porque ela influencia muito na
pescaria, sempre vou pescar na Lua
Cheia, muito peixe. na Lua
minguante, não dá quase nada, não
adianta nem ir porque se não vou
passar é raiva. (Amanda, licencianda
da região Norte de Minas).
Outro aspecto observado nas
produções escritas é a manifestação nas
falas dos sujeitos entrevistados ou nas suas
paráfrases empreendidas pelos
licenciandos do campo de um debate de
ordem epistemológica que chamaremos de
questão verdade versus verossimilhança. O
conhecimento científico preza pela verdade
absoluta no sentido paradigmático,
enquanto o conhecimento tradicional
precisa ser verossímil: é mais tolerante;
aceita diferentes explicações porque sua
validade é local; e, a experimentação a que
está submetido opera pela “lógica das
percepções” (Carneiro da Cunha, 2009).
[Depoimento de Joaquim de Souza,
morador de comunidade do campo]:
uso, os saberes da lua, para ter boa
produção na lavoura de mandioca e
em meu pomar. Mas para ter chegado
a tais conclusões em que te falo,
passamos por vários prejuízos, pois
era teimoso e duvidava desses
saberes que meu pai me ensinava
desde criança, quis fazer
experimentos em minhas plantações
e levei prejuízo, por isso
aconselho a seguir aos saberes
passados pelos experientes. Hoje já
estou velho. Ensino para os jovens
que tem dúvidas, falo e garanto que
diferença na lavoura de acordo
com a lua de plantio. E, os jovens
têm confiança em minhas palavras.
Pois veem minhas plantações e
perguntam quais são os segredos.
Digo sempre: as luas cheia e
minguante são as melhores para
plantar, pois ao plantar nesse período
as raízes crescem mais do que nas
outras luas dando rendimento na hora
da colheita. Já na lua crescente, as
plantas crescem mais rápido, mas não
é indicado plantar, pelo fato dos
insetos atacarem com mais
frequência a plantação. Nas fases
seguintes a plantação estará com o
broto e os insetos atacarão. Por isso
não é indicado! Sendo uma das
piores luas para plantar a lua
crescente. Motivo de não se plantar
nessa fase? Pelo fato do prejuízo ser
maior. (Ana, licencianda da região do
Norte de Minas).
Além do mencionado, o
conhecimento tradicional e as práticas
sociais associadas a ele podem ser
compreendidos de forma orgânica e
inseparável porque o conhecimento
tradicional é resultado, por assim dizer, da
fusão de várias dimensões (do trabalho, da
cultura, da fé, enfim, da vida) que
compõem a visão de mundo do sujeito.
[Depoimento de Maria de Jesus,
moradora comunidade do campo]: O
ato de acreditar dar a sensação de que
realmente acontece, mas quem faz
todas as coisas é Deus, inclusive a
criação da lua precisávamos ter
alguma coisa de referência para o
plantio e várias outras coisas e
utilizamos a lua, que um sinal de
Deus. Da mesma forma que Deus
tinha os discípulos para ajudá-lo na
propagação do evangelho, ele criou a
lua para ajudar os trabalhadores.
Crepalde, R. S., Klepka, V., & Halley, T. O. P. (2017). Interculturalidade e conhecimento tradicional sobre a Lua na formação de
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(Elen, licencianda da região do Norte
de Minas).
Considerações finais
Observamos em parte considerável
dos trabalhos objeto do levantamento
bibliográfico realizado contribuições que,
caso fossem dialogadas, compartilhadas e
assumidas como de tipo experimental (ou
daqueles restritos ao mapeamento de
conhecimentos), teriam potencial para
conduzir novas propostas de práticas
pedagógicas interculturais, além de
aprofundar a reflexão teórica dos diferentes
campos que tratam do reconhecimento do
conhecimento tradicional.
Assumindo o pressuposto do ensino
intercultural de ciências, assim como o
diálogo de saberes nos processos
formativos de educadores do campo,
admitimos que é preciso inserir o
conhecimento tradicional no currículo de
ciências a partir de estratégias que
demarquem as fronteiras e os contextos de
uso entre o tradicional e o científico e que
por meio de seus pontos de contato,
interculturalmente, estimule o intercâmbio
e o enriquecimento mútuo.
Terminamos o texto com trecho de
uma das produções escritas que reflete as
implicações nos sujeitos da Licenciatura
em Educação do Campo quando o
conhecimento tradicional passa a ser objeto
legítimo e reconhecido de um trabalho de
conclusão de uma disciplina da
universidade. Nas considerações finais do
trabalho de Fernando, licenciando da
região Norte de Minas Gerais:
Percebe que o saber científico não
traz muita contradição com o
popular, mas o saber popular é rico
em informações de técnicas agrícolas
adquiridas durante suas experiências
de vida, todas as suas informações
são armazenadas em suas mentes.
São verdadeiros exemplos de
conhecimento, memórias fantásticas,
por explicar seus saberes com total
clareza e certeza em suas palavras.
Mas o científico traz mais certeza e
dá mais confiança ao leitor por ter
mais expressão e é mais divulgado do
que o popular que é mais um
conhecimento próprio adquirido por
cada cidadão .... Encerro essa
pesquisa priorizando o saber popular
em suas diversas áreas, por ser um
conhecimento adquirido sem o
acesso a livro, escola e muito menos
cursos superiores, e por ter a
consciência que o saber científico é
muito bom, mas com essa ausência
que tem as famílias rurais ao passar
do tempo eles transformaram o saber
popular em afirmações na sua
maioria como certezas concretas.
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i
Boaventura de Sousa Santos (2003) faz uma
distinção entre os movimentos de globalização de
cima para baixo e de baixo para cima. O primeiro
identificado com a globalização neoliberal ou
hegemônica e o segundo com a globalização
solidária ou contra hegemônica.
ii
Responsável no sentido bakhtiniano: o que
implica, responde, compromete-se dialogicamente a
partir e por meio do outro.
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iii
Evidentemente não desconsideramos as relações
entre saberes e conhecimentos, apenas não é nosso
objeto neste texto.
iv
Recontextualização no sentido empregado por
Bernstein (1998), como exemplo, o discurso da
ciência que se desloca da sua posição original e
constitui-se como discurso da ciência escolar: já
não é o mesmo discurso, pois nessa transformação
intervém a ideologia.
v
também estudos sobre o comportamento de
coelhos, aves noturnas, abelhas e até serpentes nas
mudanças de fase lunar (Bueno & Motta Júnior,
2005).
vi
http://www.mar.mil.br/dhn/chm/box-previsao-
mare/tabuas/.
vii
Esses autores tomam como base referenciais da
chamada agricultura biodinâmica. Nela o
conhecimento tradicional ou popular é tomado
como uma das suas bases, mas não só. Um exemplo
é o calendário astronômico biodinâmico que usa
como referência a movimentação da Lua através
das regiões do zodíaco.
viii
Uma versão de divulgação desse trabalho
também foi publicada na revista Ciência Hoje com
o título Semeando ao Luar, em 31 de maio de 2010.
Recebido em: 25/05/2017
Aprovado em: 19/06/2017
Publicado em: 13/12/2017
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APA:
Crepalde, R. S., Klepka, V., & Halley, T. O. P. (2017).
Interculturalidade e conhecimento tradicional sobre a
Lua na formação de professores no/do campo. Rev.
Bras. Educ. Camp., 2(3), 836-860. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n3p836
ABNT:
CREPALDE, R. S., KLEPKA, V.; HALLEY, T. O.
P. Interculturalidade e conhecimento tradicional
sobre a Lua na formação de professores no/do
campo. Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v.
2, n. 3, p. 836-860, 2017. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n3p836
ORCID
Rodrigo dos Santos Crepalde
https://orcid.org/0000-0001-7025-7010
Verônica Klepka
https://orcid.org/0000-0002-9937-9852
Tânia Halley Oliveira Pinto
https://orcid.org/0000-0002-1368-4451