Revista Brasileira de Educação do Campo
RESENHA
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2017v2n2p830
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
v. 2
n. 2
jul./dez.
2017
ISSN: 2525-4863
830
A atualidade de “Os Condenados da Terra” de Frantz
Fanon
Resenha da obra: Fanon, F. (1968). Os Condenados da Terra. Rio de Janeiro, RJ:
Editora Civilização Brasileira.
Gabriel Barbosa Gomes de Oliveira Filho
1
1
Universidade do Estado do Rio de Janeiro - UERJ. Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu/UERJ. Rua São
Francisco Xavier, 524, Maracanã. Rio de Janeiro - RJ. Brasil. gabrielbarbosa@id.uff.br
A obra “Os Condenados da Terra”,
escrita por Frantz Fanon e publicada
originalmente em 1961, trata da
colonização e seus efeitos devastadores -
por exemplo, na saúde mental - sobre o
homem e as nações do Sul, mas aborda,
principalmente, o processo histórico de
descolonização do qual o autor era um
expectador privilegiado.
Nascido na Martinica (departamento
ultramarino francês no Caribe), Fanon foi
um dos principais intelectuais tanto do
movimento que ficou conhecido como
terceiro-mundismo, quanto dos estudos
pós-coloniais. Participou da Segunda
Guerra Mundial na Resistência Francesa,
onde estudou medicina e psicologia na
Universidade de Lyon. Posteriormente
dirigiu um hospital psiquiátrico na Argélia,
onde se envolveu com a militância do
partido socialista Frente de Libertação
Nacional na Guerra da independência
argelina que ocorreu entre a década de 50 e
60.
Escrito neste contexto, seu livro traça
o panorama político, histórico, cultural e
psíquico da colonização na Argélia e na
África. O título, que se refere à parte
inicial do hino “A Internacional” em
francês, demonstra a intenção do autor em
retomar a teoria marxista a partir da
realidade colonial e sua divisão entre
raças.
Sua primeira observação é sobre a
violência que a colonização implica, e a
correspondente violência absoluta que
decorre da descolonização. Esta última
acarreta uma profunda transformação do
ser colonizado, ou seja, a criação de
homens novos. Como o mundo colonial é
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um mundo dividido (podemos pensar na
realidade do apartheid, para citar um
exemplo), onde um lado se caracteriza pela
saciedade e o outro pela fome, a relação
entre essas duas partes opostas foi sempre
feita por intermediários responsáveis pela
opressão: o soldado, o gendarme.
Neste mundo cindido, que reflete a
divisão entre raças, o colono permanece
sempre como estrangeiro no território
colonizado. Ainda que seu discurso seja
exposto como universal, trata-se de uma
“afirmação desenfreada de uma
singularidade admitida como absoluta” (p.
30), que desumaniza o colonizado para
torná-lo um animal. É ressaltada a
linguagem zoológica do colono para o
colonizado e sua forma de vida: de forma
animalesca que se descreve o indígena, seu
cheiro, seus modos, etc. Os valores
brancos/ocidentais/greco-
latinos/individualistas, às baionetas, foram
afirmados como a solução a esta
incivilidade e ganhando adeptos locais.
Disto advém a afirmação de Fanon pela
necessidade de expulsar este estrangeiro do
território, suprimindo-o definitivamente.
A crítica ao processo de
descolonização vivenciado à época, que
busca unificar esses dois mundos e criar
uma nação “heterogênea”, é a tônica dessa
reflexão. Para uma verdadeira
descolonização, Fanon afirma: “o mínimo
exigido é que os últimos se tornem os
primeiros” (Fanon, 1968, p. 34). O autor
denuncia, também, ao que chama de
intelectuais colonizados, que consome tudo
que vem do colonizador como bom,
esquecendo a violência do colonialismo.
São demasiadamente alimentados pelos
valores do mundo de lá, demasiadamente
acostumados, dependentes. E, para Fanon,
não conciliação, o colono é sempre um
inimigo.
A culpa constante que sente o
colonizado, a inferiorização ao qual este
está regularmente submetido, a história que
sempre é contada pelos vencidos; tudo isto
são elementos que convidam o povo a
tomar parte na luta por sua libertação. Para
Fanon, a irritação que existe neles é
canalizada, quando desorganizados, através
de outras manifestações culturais,
religiosas, e até na violência entre si
mesmos. A obra convida, portanto, aos
engajados a refletirem (e aos partidos
políticos e intelectuais a reverem) seus
meios e táticas; e, principalmente, sua
forma de organização. O centro da luta no
mundo colonial, Fanon advoga a eles,
perpassa pelas palavras de ordem
nacionalistas. Ou seja, no local de poder
aos proletários, defende, antes de tudo, o
poder ao campesinato, aos indígenas, aos
famélicos.
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Aqui, contraria uma teoria marxista
ortodoxa, propondo um papel diferente
para o lumpemproletariado. São esses os
que possuem, a seu ver, a necessária
independência da colônia para um processo
de descolonização que realmente valha. E,
também, a capacidade de superar o
discurso dos colonialistas e da jovem
burguesia nacional [que Fanon expõe no
capítulo da “Desventuras da Consciência
Nacional”] sobre a não-violência, e impor
ao colonialismo uma (necessária) violência
maior do que este acarreta.
Fanon busca, também, retirar o tema
da descolonização do campo de disputa
entre o mundo capitalista e o mundo
socialista. Consequentemente, no campo
internacional, os países do Terceiro Mundo
devem buscar seu próprio caminho e
influir para que o mundo todo não sofra
com a nuclearização da Guerra Fria.
Mas os condenados da terra não
sofrem com a intimidação dos foguetes das
grandes potências, posto que eles mesmos
vivem imersos constantemente numa
realidade (atmosfera) violenta. Por isso,
Fanon aposta que são estes os que
reconhecem que é a violência do
colonizado confrontando o colonizador que
libertará os países africanos: a práxis
violenta é à base da consciência nacional -
“de causa comum, de destino nacional, de
história coletiva”. Assim, como a luta
continua mesmo depois da
(des)colonização, o pensamento de Fanon
permanece atual.
Referências
Fanon, F. (1968). Os Condenados da
Terra. Rio de Janeiro, RJ: Editora
Civilização Brasileira.
Recebido em: 05/07/2017
Aprovado em: 30/07/2017
Publicado em: 17/11/2017
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APA:
Filho, G. B. G. O. (2017). A atualidade de Os
Condenados da Terra de Frantz Fanon. Rev. Bras.
Educ. Camp., 2(2), 830-832. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n2p830
ABNT:
FILHO, G. B. G. O. A atualidade de Os
Condenados da Terrade Frantz Fanon. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 2, n. 2, p. 830-832,
2017. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
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Gabriel Barbosa Gomes de Oliveira Filho
http://orcid.org/0000-0003-2045-3827