831
um mundo dividido (podemos pensar na
realidade do apartheid, para citar um
exemplo), onde um lado se caracteriza pela
saciedade e o outro pela fome, a relação
entre essas duas partes opostas foi sempre
feita por intermediários responsáveis pela
opressão: o soldado, o gendarme.
Neste mundo cindido, que reflete a
divisão entre raças, o colono permanece
sempre como estrangeiro no território
colonizado. Ainda que seu discurso seja
exposto como universal, trata-se de uma
“afirmação desenfreada de uma
singularidade admitida como absoluta” (p.
30), que desumaniza o colonizado para
torná-lo um animal. É ressaltada a
linguagem zoológica do colono para o
colonizado e sua forma de vida: de forma
animalesca que se descreve o indígena, seu
cheiro, seus modos, etc. Os valores
brancos/ocidentais/greco-
latinos/individualistas, às baionetas, foram
afirmados como a solução a esta
incivilidade e ganhando adeptos locais.
Disto advém a afirmação de Fanon pela
necessidade de expulsar este estrangeiro do
território, suprimindo-o definitivamente.
A crítica ao processo de
descolonização vivenciado à época, que
busca unificar esses dois mundos e criar
uma nação “heterogênea”, é a tônica dessa
reflexão. Para uma verdadeira
descolonização, Fanon afirma: “o mínimo
exigido é que os últimos se tornem os
primeiros” (Fanon, 1968, p. 34). O autor
denuncia, também, ao que chama de
intelectuais colonizados, que consome tudo
que vem do colonizador como bom,
esquecendo a violência do colonialismo.
São demasiadamente alimentados pelos
valores do mundo de lá, demasiadamente
acostumados, dependentes. E, para Fanon,
não há conciliação, o colono é sempre um
inimigo.
A culpa constante que sente o
colonizado, a inferiorização ao qual este
está regularmente submetido, a história que
sempre é contada pelos vencidos; tudo isto
são elementos que convidam o povo a
tomar parte na luta por sua libertação. Para
Fanon, a irritação que existe neles é
canalizada, quando desorganizados, através
de outras manifestações culturais,
religiosas, e até na violência entre si
mesmos. A obra convida, portanto, aos
engajados a refletirem (e aos partidos
políticos e intelectuais a reverem) seus
meios e táticas; e, principalmente, sua
forma de organização. O centro da luta no
mundo colonial, Fanon advoga a eles,
perpassa pelas palavras de ordem
nacionalistas. Ou seja, no local de poder
aos proletários, defende, antes de tudo, o
poder ao campesinato, aos indígenas, aos
famélicos.