Revista Brasileira de Educação do Campo
DOSSIÊ / ARTIGO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2017v2n3p921
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 921-940
jul./dez.
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ISSN: 2525-4863
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A sustentabilidade, a educação ambiental e o curso de
Educação do Campo: é possível essa aproximação?
Juliana Pereira de Araújo
1
, Maria Paulina de Assis
2
, Elis Regina da Costa
3
1
Universidade Federal de Goiás - UFG. Regional Catalão. Unidade Acadêmica Especial de Educação. Avenida
Dr. Lamartine Pinto de Avelar, 1120. Catalão - GO. Brasil. juliana.barrado@gmail.com.
2
Universidade Federal
de Goiás - UFG.
3
Universidade Federal de Goiás - UFG.
RESUMO. O Curso de Licenciatura em Educação do Campo
com habilitação em Ciências da Natureza da Universidade
Federal de Goiás - Regional Catalão foi criado em 2014 e desde
então enfrenta desafios para sua consolidação. Para além das de
efetivação de um novo desenho curricular e da formação dos
professores formadores que também se aproximam das questões
do campo, percebemos a partir de nossa prática cotidiana a
necessidade de estabelecermos ancoragem em conceitos e
teorias que de fato atuem em benefício do próprio projeto de
formação para o campo. É neste sentido, da ausência de
ancoragens, que realizamos um estudo reflexivo sobre o
conceito de sustentabilidade buscando tanto a compreensão
sobre o mesmo como a avaliação das possibilidades de sua
utilização como norteador da prática ou inspiração teórico-
metodológica. O resultado deste estudo indica que o conceito de
sustentabilidade é mais complexo do que parece e exige maior
compreensão, contudo consideramos que derivam dele
possibilidades que devem ser admitidas como a assunção de
outro papel para a educação na dimensão do desenvolvimento
sustentável.
Palavras-chave: Sustentabilidade, Educação, Licenciatura em
Educação do Campo.
Araújo, J. P., Assis, M. P., & Costa, E. R. (2017). A sustentabilidade, a educação ambiental e o curso de Educação do Campo...
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Sustainability and the Rural Education Course: is such
approach possible?
ABSTRACT: The Licentiate Course in Rural Education with a
degree in Nature Sciences from the Federal University of Goiás
- Region Catalão was created in 2014 and since then has been
facing challenges for its consolidation. Besides the
implementation of a new curriculum design and the training of
teacher trainers who also approach field issues, we notice from
our daily practice the need to establish anchorage in concepts
and theories that actually act for the benefit of the project itself
in training for the field. It is in this context, from the absence of
anchorages, that we carry out a reflexive study about the concept
of sustainability, seeking both the understanding about it and the
evaluation of the possibilities of its use as a guide to the practice
or theoretical-methodological inspiration. The result of this
study indicates that the concept of sustainability is more
complex than it seems and requires greater understanding,
however, we consider that it derives from it possibilities that
should be admitted as the assumption of another role for
education in the dimension of sustainable development.
Keywords: Sustainability, Education, Rural Education.
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La sostenibilidad, La Educación Ambiental y El Curso de
Educación Del Campo: ¿Es posible esta aproximación?
RESUMEN: El Curso de Licenciatura en Educación del Campo
con habilitación en Ciencias de la Naturaleza de la Universidad
Federal de Goiás Regional Catalán fue creado en 2014 y desde
entonces enfrenta desafíos para su consolidación. Además de las
de efectivización de un nuevo diseño curricular y de la
formación de los profesores formadores que también se acercan
a las cuestiones del campo percibimos a partir de nuestra
práctica cotidiana la necesidad de establecer anclaje en
conceptos y teorías que de hecho actúen en beneficio del propio
proyecto de formación para el campo. Es en este sentido, de la
ausencia de anclajes, que realizamos un estudio reflexivo sobre
el concepto de sustentabilidad buscando tanto la comprensión
sobre el mismo como la evaluación de las posibilidades de su
utilización como orientador de la práctica o inspiración teórico-
metodológica. El resultado de este estudio indica que el
concepto de sostenibilidad es más complejo de lo que parece y
exige mayor comprensión, pero consideramos que derivan de él
posibilidades que deben ser admitidas como la asunción de otro
papel para la educación en la dimensión del desarrollo
sostenible.
Palabras clave: Sostenibilidad, Educación, Licenciatura en
Educación del Campo.
Araújo, J. P., Assis, M. P., & Costa, E. R. (2017). A sustentabilidade, a educação ambiental e o curso de Educação do Campo...
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Introdução
Inúmeros desafios estão colocados
aos cursos de Licenciatura em Educação
do Campo. Temos como avaliação, a
percepção de que assim como a própria
Educação do Campo, eles nascem
pagando o preço de todo um acúmulo
histórico que perfaz o “campo”
i
como
espaço tocado pela noção de descaso, pela
fragilidade em refrear o desvio de suas
riquezas naturais, pela discriminação ou
por todos os três.
Ademais, ele é impactado por um
desafio que é o da escassez de conceitos,
de discursos e/ou perspectivas que possam
fundamentar uma tal práxis docente com
compleição própria e devidamente
circunstanciada. Trazendo essa questão ao
concreto, o que queremos apontar é que
nos falta dizeres ou discurso que se
imponham àqueles que colocam o urbano,
sua cultura e modo de vida e produção
como objetivos centrais e finais do
processo de escolarização. Assim, frases
ouvidas por tantas e tantas gerações como:
“Estude mesmo para ser alguém na vida,
ter um bom emprego em boa empresa!”, ou
“Estudando bem com certeza de morar
na cidade promovem um discurso e,
portanto, práticas das quais não intentamos
reproduzir.
É esse desconforto que origina este
artigo. Sensação intelectual que exprime o
sentimento de formadoras de professores
inseguras em relação ao processo de
construção de um projeto de formação e
tudo aquilo que o envolve, sobretudo o
discurso. É, portanto, nosso problema
seminal a ausência de ideias que não soem
utópicas tampouco soem alheias ao modo
desigual como a sociedade se alicerça, mas
que encerrem possibilidades concretas de
rumo, norteamento para o Curso de
Educação do Campo.
Esclarecidas a respeito daquilo que
nos incomodava, passamos a analisar os
sentidos em torno da ideia de “campo” e
percebemos numa primeira avaliação que
eles se aproximam da ideia de natureza,
que por seu turno se direciona rumo a duas
possibilidades: uma associação com o
exótico, que com o tempo foi sendo
assumida como espaço intocável, quase
“sagrado” (como as florestas tropicais e
demais biomas), e outra é a associação
com a terra, lugar de cultivo e criação ou o
que chamamos de roça. E na ordem de ser
“terra” foi logo considerada como
dispositivo fundamental ao capitalismo
(ativo) que submetida ao modo como o
sistema produtivo a tratou ao longo de sua
evolução foi sendo expurgada dos sentidos
de lar, de lugar de cultura, tradição.
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No avançar da história essa díade
natureza-campo foi assumindo múltiplas
interpretações. Primeiro, como espaço de
vida e produção quase sempre em lentes
ora romanceadas e em geral empobrecidas,
portanto estereotipadas. Segundo, tal qual
espaço de produção (a reboque do discurso
da modernização agrícola) prestes a
adentrar ao mundo moderno, pressupondo
neste acesso a gica de menos homens e
mais máquinas. Hoje, particularmente no
centro-sul nacional outros termos se
associam a ela como “agro”, “country” e
tantos outros na ordem do bucólico que
registramos em placas de entrada de
pequenas propriedades como “remanso”,
“refúgio”, “aconchego” etc. Campo e
natureza se fundem nessas dissonâncias
interpretativas que nos parecem ser
verdadeiras esquizofrenias discursivas.
Parecem envelopamentos permitidos e
supervisionados assumidos em
palatabilidade inofensiva. Discursos que
compõem o roteiro mor produzido pelo
progresso, pela modernidade. Certamente é
sinopse que não oferece solidez suficiente
para projetarmos o Curso de Educação do
Campo por ser via de mão única. São
problematizações desse teor que nos
mobilizam no sentido de analisar ou rever
nossos roteiros.
No primeiro semestre de 2017,
durante o desenvolvimento da disciplina
Didáticao termo sustentabilidade logrou
aparecer e se destacar como inspiração aos
planos de ensino, aos projetos pedagógicos
elaborados. A leitura dos textos produzidos
pelos alunos o revelou como um amparo,
como um rumo para produzir a prática
docente, para repensar o campo e natureza
em outra perspectiva.
Embora seja um termo costumeiro
aos nossos ouvidos, tivemos uma
desconfiança de traço teórico, pedagógico
e até mesmo filosófico e nos
questionamos: o conceito de
sustentabilidade é pertinente ao Curso de
Educação do Campo em que atuamos?
Como ele se constitui enquanto ideia-
discurso e o que revela?
Essas questões justificaram a
realização do estudo que origina este
artigo. Para a estrutura do texto em questão
partimos da apresentação do lugar de onde
falamos, que é o Curso de Educação do
Campo da Universidade Federal de Goiás.
Em seguida, apresentamos um sobrevoo
histórico do conceito de sustentabilidade
não intentando extingui-lo ou cobri-lo por
completo, mas sim buscando exprimir
pistas sobre o mesmo. na sequência a
apresentação de algumas análises sobre o
conceito de sustentabilidade encontrado na
varredura das produções e algumas que
ponderam sua relação com a educação, o
que é explicitado no front da educação
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ambiental/educação para o
desenvolvimento sustentável.
Exploraremos, ao final, as implicações da
utilização deste discurso no curso de
Licenciatura em Educação do Campo na
UFG-Catalão. Finalmente, tecemos nossas
considerações retomando a pergunta de
partida.
O curso de Licenciatura em Educação
do Campo da UFG-Catalão
O surgimento da Licenciatura em
Educação do Campo na Universidade
Federal de Goiás- Regional Catalão ocorre
na esteira de ações em prol da Educação do
Campo desenvolvidas desde 2004. Ações
que para a constituição de uma Política
Nacional de Educação do Campo foram
integradas no Plano nas ações das
diferentes Secretarias do Ministério da
Educação (MEC). Na dimensão do ensino
superior, a Educação do Campo foi
alocada no Sistema Universidade Aberta
do Brasil (UAB), com oferta de cursos de
extensão, aperfeiçoamento e de
especialização. a formação inicial para
educadores do campo foi contemplada no
Plano de Ações Articuladas (PAR), com a
criação de cursos de Licenciatura em
Educação do Campo que por sua vez foi
fortalecida pelo Programa de Apoio à
Formação Superior em Licenciatura em
Educação do Campo (Procampo),
realizado pela Secretaria de Educação
Continuada, Alfabetização, Diversidade e
Inclusão (Secadi). O objetivo do Procampo
é apoiar a implementação de cursos
regulares de Licenciatura em Educação do
Campo nas instituições públicas de ensino
superior de todo o país, voltados
especificamente para a formação de
educadores para a docência na segunda
etapa do Ensino Fundamental (6º ao
ano) e Ensino Médio (1º ao 3º ano), de
maneira regular e na modalidade de
Educação de Jovens e Adultos em áreas do
conhecimento escolar relacionadas às
Ciências da Natureza.
Em 2008, quatro universidades
federais (Universidade de Brasília;
Universidade Federal da Bahia;
Universidade Federal de Minas Gerais;
Universidade Federal de Sergipe) abriram
as primeiras turmas. Em 2012, ocorreu a
publicação de Chamada Pública de seleção
2/2012 SESU/SETEC/SECADI/MEC
para que Instituições apresentassem suas
proposições para cursos de Licenciatura
em Educação do Campo. No estado de
Goiás foram aprovados dois cursos, ambos
pela Universidade Federal Goiás (UFG),
um na Regional Catalão e outro na
Regional Cidade de Goiás.
As turmas da Regional Catalão
foram abertas em 2014, oferecendo a
habilitação em Ciências da Natureza e
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tendo como diferencial o esforço coletivo
para que o processo educativo se baseie em
uma perspectiva interdisciplinar que rompa
a perspectiva reducionista e fragmentária
pela qual o campo é perpetuado como
lugar de precariedade (Alves & Faleiro,
2015). A adoção da interdisciplinaridade
atua assim, no sentido de diminuir as
fronteiras que cindem a perspectiva social
em dicotomias do tipo rural x urbano,
campo-cidade. A expectativa é que
professores formados nestas bases atuem
criticamente ante uma cultura escolar
urbanocêntrica que direciona suas ações no
rumo da formação para o mercado de
trabalho unicamente. A metodologia da
Alternância é elemento que manifesta a
interdisciplinaridade como eixo. Ela
consiste em dividir o período letivo em
dois tempos, sendo um o ‘Comunidade’ e o
outro o ‘Universidade’ (Costa, Alves &
Faleiro, 2015) traduzindo os esforços por
um processo formativo mais complexo e
real. Esse modelo, que é o da alternância,
se ampara no intento de garantir aos
estudantes residentes no campo a
permanência em seu espaço para que não
percam o vínculo com sua cultura
camponesa, portanto evitando que tenham
que se mudar permanentemente para as
cidades (Alves & Faleiro, 2015).
Discutindo os desafios do curso,
Faleiro & Farias (2016) destacam que a
constituição de um grupo de professores
instrumentalizados a partir de uma gica
mais plausível e concreta é algo central.
Concordamos com tais autores e
ponderamos que esse desafio tem conexão
com o desconforto que originou nosso
estudo sobre a sustentabilidade, que
entendemos que parte dessa
instrumentalização deveria ocorrer na
dimensão do discurso pela adoção de
termos, conceitos ou ideias. Movimento
contributivo para que o pensamento sobre
o “campo” e sobre o Curso de Educação do
Campo encontre caminho fora dos limites
do bucólico, do tranquilo ou do precário.
Como ressalvam Alves & Faleiro
(2015), é necessário fugirmos da
consonância de que é preciso fixar o
homem ao campo assim como da de que o
rural se resume ao agrícola. Nestas
delimitações, que são concretas, não seria
possível para nós adotarmos o discurso da
formação para os professores de Ciências
da Natureza para os povos dos campos que
se articulam na rasura ou parcialidade de
-lo como opção secundária. Pior seria
adotarmos a linha do “campo” como
“bucólico”, como “lugar de paz” porque
isso seria reduzi-lo e acoplá-lo ao modelo
vigente pelo expediente de imobilizá-lo em
bases idílicas de caracterização.
Sobre a sustentabilidade
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O conceito de sustentabilidade tem
duas origens distintas. Uma primeira
fincada na biologia através da ecologia e
uma segunda ancorada na economia. Essa,
projetando a perspectiva de que o padrão
de consumo e produção consolidados nos
últimos tempos não deverá perdurar devido
ao esgotamento dos recursos naturais.
Aquela, preocupada com a capacidade de
recuperação e reprodução dos ecossistemas
em face das agressões antrópicas ou
mesmo naturais que contingenciam a
exploração de nossos recursos. (Baroni,
1992; Mikhailova, 2004; Nascimento,
2012).
A literatura evidencia que a ideia de
sustentabilidade embora existisse como
preocupação desde a década de 1950
(Nascimento, 2012) e houvesse se
consolidado através da ação dos
movimentos ambientalistas na década de
1970 (Lima, 2003) teria se circunstanciado
de fato entre fins dos anos de 1970 e 1980
(Baroni, 1992; Lima, 2003; Mikhailova,
2004; Nascimento, 2012) já que é nesse
período que se a admissão mais ampla
da existência de uma crise ambiental. É
essa admissão que embasa a realização de
conferências como a de Estocolmo em
1972, que colocaram frente a frente países
dos então chamados primeiro mundo e
terceiro mundo preocupados com a
degradação ambiental.
Jacobi (2005), citando Nobre e
Amazonas (2002), esclarece que é nesta
fase que o termo vai se fortalecendo como
“desenvolvimento sustentável”,
demarcando “a necessidade de se elevar a
problemática ambiental a um plano de
visibilidade na agenda política
internacional e fazer com que a temática
penetre e conforme as decisões sobre
políticas em todos os níveis” (p. 235).
Ainda segundo Jacobi (2005), vemos que
duas correntes interpretativas emergem ao
longo deste processo. Uma corrente
econômica e técnico-científica que sugere
a articulação do crescimento econômico e
a preservação ambiental influindo em
modificações nas abordagens do
desenvolvimento econômico, notadamente
a partir dos anos de 1970. Outra corrente,
ecoante da crítica ambientalista ao estilo de
vida contemporâneo que é a que se difunde
a partir da Conferência de Estocolmo em
1972 realizada em meio ao impacto
provocado pelo relatório do clube de
Roma
ii
que propunha o desaceleramento do
desenvolvimento dos países desenvolvidos
e do crescimento populacional nos
subdesenvolvidos. Na avaliação do autor o
que se sucede com o passar do tempo é o
descarte de ambas as posições e o
surgimento de uma posição intermediária
estabelecida entre o economicismo
determinista cuja prioridade é o
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crescimento econômico e o
fundamentalismo ecológico
(inevitabilidade do crescimento do
consumo e esgotamento dos recursos
naturais). O paradigma do caminho do
meio é o chamado ecodesenvolvimento ou
desenvolvimento sustentável que propunha
um desenvolvimento que harmonizasse os
objetivos sociais, ambientais e
econômicos. É essa via que se consagra na
Rio-92.
Retomando a cronologia estruturada
pelo sobrevoo sobre a sustentabilidade ou
desenvolvimento sustentável, o que a
literatura sugere é que a complexidade e
vigor das discussões foram razões para que
a Organização das Nações Unidas (ONU)
criasse uma comissão técnica que
elaborou, em 1973, o documento Only one
Hearth no qual se indicava que o problema
ambiental decorria, de um lado, de
externalidades econômicas próprias do
modelo de desenvolvimento (tecnologia
agressiva e consumo excessivo) e, de
outro, da falta de desenvolvimento
(crescimento demográfico e baixo PIB).
Muitas publicações alimentam e
encaminham a discussão, como o
documento Estratégia de Conservação
Mundial com o objetivo de alcançar o
desenvolvimento sustentável através da
conservação dos recursos vivos publicado
em 1980, a União Internacional para a
Conservação da Natureza (UICN) e a Carta
de Ottawa (escrita ao final da Conferência
de Ottawa em 1986) que estabeleceu cinco
requisitos para se alcançar o
desenvolvimento sustentável: a) integração
da conservação e do desenvolvimento; b)
satisfação das necessidades básicas
humanas; c) alcance de equidade e justiça
social; d) provisão da autodeterminação
social e da diversidade cultural; e)
manutenção da integração ecológica
(Baroni, 1992).
A Conferência das Nações Unidas
para o Meio Ambiente e o
Desenvolvimento realizada em 1992 (após
a aprovação da convocação pela
Assembleia das Nações Unidas e 1989)
que ficou conhecida como Rio-92 (o Rio
de Janeiro foi sede do evento) marca o
auge das discussões e conferencias. A
conferência teve a presença de 173 chefes
de Estado e dela se originou o documento
“Agenda 21”, pretendendo guiar o planeta
na rota do desenvolvimento sustentável.
Na mesma ocasião, foram aprovados
outros dois importantes e complementares
documentos para uma sociedade
“sustentável” a Carta da Terra e o Tratado
da Educação Ambiental para as Sociedades
Sustentáveis. É como resultado direto da
Rio-92 que é promulgada no Brasil a Lei
9.795, de 27 de abril de 1999, que dispõe
sobre a educação ambiental e institui a
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Política Nacional de Educação Ambiental
definindo que a educação ambiental se
concretiza em processos por meio dos
quais o indivíduo e a coletividade
constroem valores sociais, conhecimentos,
habilidades, atitudes e competências
voltadas para a conservação do meio
ambiente, bem de uso comum do povo,
essencial à sadia qualidade de vida e sua
sustentabilidade.
Outro marco institucional e de
norteamento foi a publicação da resolução
que definiu a Década das Nações Unidas
da Educação para o Desenvolvimento
Sustentável de 2005 a 2014, que foi uma
ação aprovada pela Assembleia Geral das
Nações Unidas por meio da resolução
57/254 durante sua 57ª Sessão de
dezembro de 2002. A iniciativa decorreu
do projeto “Educação para um Futuro
Sustentável”, criado em 1994 pela
organização como o principal mecanismo
para a aplicação das recomendações
relativas à educação, efetuadas pelas
grandes conferências das Nações Unidas
na década de 1990 e pelas convenções da
diversidade biológica, mudança climática e
desertificação. Em 2006 é formado um
Grupo de Referência para subsidiar a
Secretaria da Década com norteamentos
conceituais e de estratégias.
O que deriva desses encontros e
desse processo é o estabelecimento de
pontos consensuais como o de que o
desenvolvimento sustentável se compõe
essencialmente de três dimensões: a
ambiental, a econômica e a social. A
primeira pressupõe que o modelo de
produção e consumo deva ser compatível
com a base material em que se assenta a
economia, como subsistema do meio
natural. Neste prisma a forma de produzir e
consumir deve garantir que os
ecossistemas mantenham sua
autorreparação ou capacidade de
resiliência. A segunda que orienta o
aumento da eficiência da produção e do
consumo com economia crescente de
recursos naturais. Trata-se daquilo que se
denomina como ecoeficiência, que supõe
uma contínua inovação tecnológica que
nos leve a sair do ciclo fóssil de energia
(carvão, petróleo e gás) e a ampliar a
desmaterialização da economia. E a
terceira defende todos tenham o mínimo
necessário para uma vida digna e ninguém
retenha bens, recursos naturais e
energéticos danosos aos outros. Isso quer
dizer erradicar a pobreza e “definir o
padrão de desigualdade aceitável,
delimitando limites mínimos e máximos de
acesso a bens materiais. Em resumo,
implantar a velha e desejável justiça
social” (Nascimento, 2012, p. 55). O outro
ponto de confluência repousa na admissão
da educação como instrumento
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fundamental para a efetivação do
desenvolvimento sustentável.
Na realização deste estudo o que se
mostrou necessário após o sobrevoo
histórico (que nos mostrou a existência de
um campo de disputa sobre a validação do
conceito de desenvolvimento sustentável
cartografado entre a visão econômica e a
ambiental) foi recorrermos a produções
que analisaram as derivações históricas do
percurso. São textos que evidenciam que
os discursos produzidos são múltiplos e
que, portanto, não uma visão unívoca
do termo desenvolvimento sustentável.
Pelo contrário, indicam a polifonia do tema
e por isso a fragilidade no eixo da
definição, o que afeta a efetivação de ações
e planos mais objetivos. No bojo de
ambiguidades e deficiências se produzem
vertentes diferentes sobre a questão e é
importante aprofundar nossa compreensão.
Um dos textos fundamentais na
análise do conceito de sustentabilidade é o
de Baroni que em 1992 pioneiro na
análise do tema) apontou as ambiguidades
e deficiências do conceito de
desenvolvimento sustentável a partir de
uma revisão de literatura salientando as
críticas emergentes. A autora cita
especialmente o estudo de Pearce sobre as
múltiplas definições do conceito e recorre
à análise de Lélé (1991) reforçando a
indicação no rumo de um consenso social
na definição da sustentabilidade ou pelo
menos um conteúdo mais preciso ao termo.
Enveredando na análise apresenta a
avaliação de Lélé (1991) que encerra a
visão de que a corrente principal do
desenvolvimento sustentável é a
econômica que, contudo, sofre de três
fraquezas: a primeira é a que deriva do fato
de que a relação entre degradação
ambiental e pobreza é biunívoca, ou seja, a
pobreza leva a degradação e a degradação
à pobreza. A segunda é a deficiência sobre
suas conceituações sobre os objetivos do
desenvolvimento e da participação e a
terceira a incerteza e falta de conhecimento
que imperam, que Baroni (1992) nota
que “os conceitos de sustentabilidade e
participação são articulados pobremente,
tornando difícil determinar se um projeto
de desenvolvimento particular promove ou
não uma forma particular de
sustentabilidade” (Baroni, 1992, p. 20).
Na conclusão do texto uma frase
explicita bem o que Baroni percebeu ao
analisar as ambiguidades e deficiências do
conceito de desenvolvimento sustentável.
A frase é a seguinte:
É possível concluir que, muitas
vezes, sustentabilidade ecológica,
desenvolvimento sustentável e
sustentabilidade são usados com os
mesmos sentidos, embora tenham
significados distintos. O que se pode
concluir, também, é que muitos
autores se propõem definir
desenvolvimento sustentável e, no
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entanto, apresentam propostas
genéricas e setoriais demais. (Baroni,
1992, p. 22).
Benfica (2008) também contribui
para desnaturalização da ideia de
sustentabilidade ou desenvolvimento
sustentável. Pelo seu artigo ele se propõe a
discutir a concepção de sustentabilidade, a
partir das perspectivas de Altvater (1995) e
Sachs (2000) e se pergunta sobre o modelo
educacional exigido pelo atual momento
de crise ecológica. Assim como em Baroni
(1992), neste escrito uma crítica
estruturada na direção de ver a teoria do
desenvolvimento sustentável como uma
“fórmula vazia”. Citando Altvater (1995) o
autor pontua que a maior contradição da
proposta do desenvolvimento sustentável é
de que a organização das estruturas
econômicas e sociais se permite serem
sustentáveis de modo condicional, ou seja,
somente enquanto não se chocam com as
restrições sistêmicas externas, sobretudo o
princípio do lucro. A conclusão é simples e
realista que “ser sustentável constitui
norma digna de ser efetivada, mas que
se pode converter em realidade na medida
em que as instituições básicas da sociedade
sejam modificadas”. (Altvater, 1995, p.
295-296 apud Benfica, 2008). O que nos
chamou a atenção foi a reflexão de
Altvater apresentada por Benfica sobre o
termo desenvolvimento sustentável e que
merece ser exposta tal qual colocada por
este último autor. Benfica expõe que na
perspectiva de Altvater
O conceito de “desenvolvimento”
não é um conceito neutro. Ele tem
um contexto bem preciso dentro de
uma ideologia do progresso, que
supõe uma concepção de história, de
economia, de sociedade e do próprio
ser humano. O conceito foi utilizado
numa visão colonizadora, durante
muitos anos, na qual os países do
globo foram divididos entre
“desenvolvidos”, “em
desenvolvimento” e
“subdesenvolvidos”, remetendo-se
sempre a um padrão de
industrialização e de consumo. Ou
seja, existe uma incompatibilidade de
princípios entre sustentabilidade e
capitalismo. O fracasso da Agenda
21 o demonstra. (Benfica, 2008, p.
5).
Carletto, Linsingen e Delizoicov
(2006) se alinham às ideias expostas por
Benfica e apresentam as “polêmicas” em
torno do desenvolvimento sustentável
trazendo considerações de vários autores
como Leff (2001) e Montibeller Filho
(2004). Após o diálogo com tais autores,
chegam a conclusão que:
As evidências apontam para a
impossibilidade do sistema
capitalista envolver-se de forma
intensiva com desenvolvimento
sustentável, com suas dimensões
básicas de equidades intrageracional
(garantia de qualidade de vida a
todos), intergeracional (garantia de
recursos para as próximas gerações)
e internacional (de todos os
indivíduos independente de sua
localização geográfica). (Carletto,
Linsingen & Delizoicov, 2006, p. 7).
Araújo, J. P., Assis, M. P., & Costa, E. R. (2017). A sustentabilidade, a educação ambiental e o curso de Educação do Campo...
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O que podemos salientar dessas
leituras é a complexidade de nos
posicionarmos em relação ao
desenvolvimento sustentável ou sua
projeção. E não como fugir a essa
situação por sermos educadores. Mesmo
porque a educação vai se colocando como
elemento central a questão. De algum
modo o desenvolvimento sustentável e/ou
a sustentabilidade veem na educação
elemento fundamental.
Educação e sustentabilidade
Foi possível percebermos que o
debate educacional sobre o
desenvolvimento sustentável se fortalece
pari passu ao debate maior sobre o próprio
conceito. De modo mais preciso Carletto,
Linsingen e Delizoicov (2006) informam
que o reconhecimento do valor da
educação para o desenvolvimento
sustentável se materializou no lançamento
da Década da Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (2005-2014)
promovida pela Organização das Nações
Unidas - ONU e liderada pela Organização
das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura UNESCO.
Ao analisarmos a literatura sobre
educação ambiental descobrimos que ela é
marcada por “polêmicas”, “ambiguidades”
e “deficiências” a espelho do que acontece
com o conceito-discurso de
desenvolvimento sustentável. Desde nossas
primeiras aproximações com a temática
percebemos uma profusão de
terminologias como educação ambiental,
ecopedagogia, educação para
sustentabilidade (EpS) e outros.
A leitura do artigo de Carletto,
Linsingen e Delizoicov (2006) nos
comprovou que de fato a multiplicidade
das propostas é fruto da dispersão de
definições a respeito do que seria a
educação voltada ou alinhada ao
desenvolvimento sustentável quando
sustentam que as diferentes interpretações
do termo Desenvolvimento Sustentável,
estando alocadas no campo do dissenso, da
contradição e da ambiguidade, geram
polêmica e indicam que a polissemia
discursiva do desenvolvimento sustentável
tem favorecido os discursos que defendem
o modelo de desenvolvimento
hegemônico” (Carletto, Linsingen e
Delizoicov, 2006, p. 7). As análises de
Crespo (2003) são exploradas para reforçar
este ponto de vista e enfatizar que é
fragmentada a forma com que os temas
ambientais têm sido tratados no âmbito
educacional, formal ou informal, e isso
“dificulta o desenvolvimento de uma
compreensão crítica do Desenvolvimento
Sustentável e inibe a efetivação de
propostas educacionais transformadoras”
Araújo, J. P., Assis, M. P., & Costa, E. R. (2017). A sustentabilidade, a educação ambiental e o curso de Educação do Campo...
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(Carletto, Linsingen e Delizoicov, 2006, p.
7). O enfoque educacional chamado de
Ciência Tecnologia e Sociedade (CTS),
por se aproximar da prática educativa
transformadora preconizada por Freire
(1987), seria um caminho possível já que
se objetivaria como uma educação
formadora de cidadãos críticos, “detentores
de um entendimento mais coerente acerca
da ciência e da tecnologia, capazes de
intervir ética e democraticamente no
mundo” (Carletto, Linsingen e Delizoicov,
2006, p. 9). No encerramento do texto a
mensagem que deixam é a da necessidade
de vincular a sustentabilidade e a educação
à formação de professores. Assim,
colocam:
o esforço para a construção de uma
percepção de sustentabilidade que
busque o fortalecimento dos
processos negociados de tomadas de
decisão, está intimamente vinculado
ao processo pedagógico e requer
vigorosa defesa de uma adequada
formação de professores em todos os
níveis e modalidades de educação. E
que esta formação, associada à ideia
de uma educação crítica e
transformadora do sentir pensar e
agir, deve visar à criação de
condições que permitam ampliar o
poder social dos cidadãos através da
construção de consciência crítica,
aproximando a educação das
condições reais de existência de seus
atores (Carletto, Linsingen e
Delizoicov, 2006, p. 12).
Sauvé (2005) se mostrou pertinente
ao discutir possibilidades e limites à
educação ambiental. A pesquisadora
destaca que a educação ambiental alcançou
posição de destaque ao longo dos anos e
que ela não é somente uma forma de
educação entre tantas outras ou mera
ferramenta para a resolução de problemas
ou de gestão do meio ambiente. Ela é “uma
dimensão essencial da educação
fundamental que diz respeito a uma esfera
de interações que está na base do
desenvolvimento pessoal e social: a da
relação com o meio em que vivemos, com
essa “casa de vida” compartilhada” (Sauvé,
2005, p. 317). O objetivo que Sauvé (2005)
apresenta para a educação ambiental
assume que ela
visa a induzir dinâmicas sociais, de
início na comunidade local e,
posteriormente, em redes mais
amplas de solidariedade,
promovendo a abordagem
colaborativa e crítica das realidades
socioambientais e uma compreensão
autônoma e criativa dos problemas
que se apresentam e das soluções
possíveis para eles. (Sauvé, 2005, p.
317).
Sauvé (2005) afirma que o educador
deve considerar as várias facetas da relação
com o meio ambiente já que estas orientam
maneiras diversas e complementares de
apreender o meio ambiente. Na sequência,
apresenta algumas dessas maneiras: o
meio-ambiente natureza; o meio-ambiente
recurso; o meio-ambiente problema; o
meio-ambiente sistema; o meio-ambiente
lugar onde se vive; o meio-ambiente
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biosfera e o meio-ambiente projeto
comunitário. Nessa averiguação o
argumento para compreensão da
complexidade do projeto educativo para a
educação ambiental. No texto que foi
publicado em 2005 quando se iniciava a
Década das Nações Unidas para a
educação com vistas a um
desenvolvimento sustentável ainda a
reflexão que conta de que o uso do
termo educação para o desenvolvimento
sustentável em substituição a educação
ambiental orienta uma “concepção
utilitarista da educação e a representação
“recursista” do meio ambiente, adotada
pela educação para o desenvolvimento
sustentável” (Sauvé, 2005, p. 320) que se
mostram visivelmente reducionistas com
relação a uma educação preocupada em
otimizar a teia de relações entre as pessoas,
o grupo social a que pertencem e o meio
ambiente.
Jacobi (2005) também utiliza o termo
educação ambiental na mesma ordem de
Sauvé (2005), que pressupõe o
entendimento de que a educação nesta
dimensão deve ser pautada pela crítica e
pela emancipação que nem sempre
coadunam com o projeto de
desenvolvimento hegemonicamente
propalado. Jacobi (2005) recusa-se em
adotar o termo desenvolvimento para
pensar a educação ambiental, pois segundo
ele “as tensões entre desenvolvimento e
conservação do meio ambiente ainda
persistem, e o forte viés economicista é um
dos fatores de questionamento do conceito
pelas organizações ambientalistas”.
(Jacobi, 2005, p. 235). É de certa forma
uma oposição àquilo que surgiu com mais
força após a Rio-92, que foi a maciça
expansão do termo desenvolvimento
sustentável ainda que para o autor, com
base em Nobre e Amazonas (2002), os
resultados do evento tenham ficado aquém
dos pretendidos pelos organismos
proponentes porque a discussão ambiental
sofreu na verdade “uma refração” na qual
se consagrou a separação entre
negociações em torno de acordos
ambientais globais e as outras relativas à
implementação de projetos de
desenvolvimento sustentável de âmbito
nacional, notadamente a Agenda 21”.
É Jacobi (2005) que ao enveredar
pela reflexão de como seria a educação
ambiental argumenta mais concretamente
em prol de uma perspectiva emancipatória
e crítica como ancoragem, sendo esta
inspirada em teóricos como Paulo Freire,
Snyder e Giroux. No que se refere ao meio
ambiente, cita Capra, Morin, Leff, e Boff,
dentre outros que propõem uma educação
baseada em práticas, orientações e
conteúdos que transcendem a preservação
ambiental. Ao longo do artigo, fomos
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percebendo uma aproximação entre o que
o autor propõe e aquilo que nos guia no
interior do projeto político pedagógico do
Curso de Educação do Campo em que
atuamos. A valorização da
interdisciplinaridade é um ponto a se
destacar. Jacobi (2005, p. 247) finaliza seu
artigo afirmando:
Concluímos afirmando que o desafio
político-ético da educação ambiental,
apoiado no potencial transformador
das relações sociais, encontra-se
estreitamente vinculado ao processo
de fortalecimento da democracia e da
construção de uma cidadania
ambiental. Nesse sentido, o papel dos
educadores e professores é essencial
para impulsionar as transformações
de uma educação que assume um
compromisso com a formação de
uma visão crítica, de valores e de
uma ética para a construção de uma
sociedade ambientalmente
sustentável.
Gadotti (2008) parte de sua análise
sobre a sustentabilidade para problematizar
a questão da educação. Segundo o autor,
ela se divide em dois eixos: um relativo à
natureza e outro relativo à sociedade. Ao
fazê-lo ultrapassa os limites do ecológico e
adentra-nos no social, o que abre
possibilidades maiores e mais afeitas à
formação de professores. O eixo da
sustentabilidade da natureza se assenta na
ideia da sustentabilidade ecológica,
ambiental e demográfica (se preocupa
então com os recursos naturais e com os
ecossistemas). o eixo da
sustentabilidade social diz respeito à
sustentabilidade cultural, social e política.
Refere-se à manutenção da diversidade e
das identidades diretamente relacionadas
com a qualidade de vida das pessoas, da
justiça distributiva e ao processo de
construção da cidadania e da participação
das pessoas no processo de
desenvolvimento. Para Gadotti (2008) esse
é o eixo que reposiciona os sujeitos e as
pessoas ao estabelecer a necessidade da
conexão com a história, as identidades, as
tradições.
Diferentemente de Sauvé (2005) e
Jacobi (2005), Gadotti (2008) utiliza o
termo “ecopedagogia”, que concebe como
movimento social e político surgido no
seio na sociedade civil, nas organizações
de educadores, de ecologistas, de
trabalhadores e empresários preocupados
com o meio ambiente” (Gadotti, 2000, p.
92). O autor a percebe como um
movimento social e político inspirado no
pensamento freireano (Paulo Freire é
considerado um inspirador das ideias
ecopedagógicas) que está em processo de
formação. Gadotti (2000) lembra que o
termo ecopedagogia apareceu em agosto
de 1999, durante o I Encontro
Internacional da Carta da Terra na
Perspectiva da Educação.
Nos alinhamos a Gadotti (2008) na
expectativa de que o movimento em prol
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da sustentabilidade influa em reorientações
mais profundas que atinjam o nível legal,
as reformas educacionais, o curriculum, os
conteúdos e o nível pessoal do
compromisso. Tal como o autor,
acreditamos que Educação para o
Desenvolvimento Sustentável (EDS)
implica mudar o sistema, implica o
respeito a vida, o cuidado diário com
o planeta e cuidado com toda
comunidade da vida, da qual a vida
humana é um capitulo. Isto significa
compartilhar valores fundamentais,
princípios éticos e conhecimentos
como respeito à terra e a toda
diversidade da vida; cuidar da
comunidade da vida com compaixão
e amor; construção de sociedades
democráticas que sejam justas,
participativas, sustentáveis e
pacíficas. A EDS é um conceito
central de um sistema educacional
voltado para o futuro (Gadotti, 2008,
p. 38).
Havendo explorado o conceito de
sustentabilidade e melhor compreendido
sua relação com a educação. Retomamos
as questões que nos moveram na execução
do estudo. O conceito de sustentabilidade é
pertinente ao Curso de Educação do
Campo em que atuamos? Como ela (a
sustentabilidade) se constitui enquanto
ideia-discurso e o que revelam?
Considerações
Não damos por finalizada nossa
incursão no estudo sobre a sustentabilidade
e a educação ambiental. Podemos,
contudo, fazer algumas escolhas iniciais,
sendo a utilização do termo
sustentabilidade uma delas e educação
ambiental seu espelho na dimensão da
educação. Temos maior clareza sobre a
adoção do paradigma da CTS no curso
tendo-a como disciplina inclusive.
Isso porque nos foi possível
concordar com o que autores como Jacobi
(2005) e Sauvé (2005) utilizam em e que
manifestam a recusa ao termo
desenvolvimento por seu atrelamento
reducionista a um modelo econômico e
produtivo colonialista que não assume que
a sustentabilidade esbarra nas
desigualdades sociais. Eventualmente, nos
permitimos pensar nela como
ecopedagogia e, sobretudo como
pedagogia da terra, conforme Gadotti
(2008), pois como ele, entendemos o
planeta de forma ampla, subjetiva,
comunitária.
Entretanto, também podemos e
devemos aqui enfatizar que consideramos
que é preciso discutir em nossos coletivos
os elementos, argumentos, análises aqui
expostas e ainda outros mais, sobretudo a
forma como a polifonia do discurso da
sustentabilidade e da educação ambiental
gera ambiguidades ou porque não
territorializações de propostas ou visões
parciais opressoras ou unilaterais.
Devemos problematizar como a
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concebe a natureza, como concebe a
função dos professores que forma, como
concebe uma sociedade sustentável.
Isso não nos impede de engrossar o
coro das vozes que defende a
sustentabilidade porque no miúdo sabemos
que um esgotamento do modelo
ambiental, produtivo e econômico que nos
atinge cotidianamente através formas
brutais e inequânimes pelas quais
acessamos ou deixamos de acessar a
riqueza, a educação, a saúde, a renda. A
sustentabilidade e consequentemente a
educação ambiental podem certamente ser
tomadas e defendidas como projeções
teóricas, e sabemos agora metodológicas
(nos identificamos com a
interdisciplinaridade, a emancipação), que
nos movem, nos lançam na busca de outra
formação e atuação social.
As próximas turmas de Didática
provavelmente terão na sustentabilidade
ponto de partida para pensar a prática
docente e suas relações com o local.
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i
Utilizaremos o termo “campo” entre aspas. Não
estamos convencidas ainda de que é o mais
adequado para tratar das pluralidades que se
apresentam fora do urbano por isso a opção na
forma de apresentação.
ii
O Clube de Roma foi uma associação livre de
cientistas, empresários e políticos de diversos
países que se reuniu em Roma no início dos anos de
1970 para refletir, formular e debater sobre o
sistema global.
Recebido em: 24/07/2017
Aprovado em: 09/08/2017
Publicado em: 13/12/2017
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Araújo, J. P., Assis, M. P., & Costa, E. R. (2017). A
sustentabilidade, a educação ambiental e o curso de
Educação do Campo: é possível essa aproximação?
Rev. Bras. Educ. Camp., 2(3), 921-940. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n3p921
ABNT:
ARAÚJO, J. P.; ASSIS, M. P.; COSTA, E. R. A
sustentabilidade, a educação ambiental e o curso de
Educação do Campo: é possível essa aproximação?
Rev. Bras. Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 2, n.
3, p. 921-940, 2017. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n3p921
Araújo, J. P., Assis, M. P., & Costa, E. R. (2017). A sustentabilidade, a educação ambiental e o curso de Educação do Campo...
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940
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Juliana Pereira de Araújo
http://orcid.org/0000-0002-7705-028X
Maria Paulina de Assis
http://orcid.org/0000-0003-0295-1697
Elis Regina da Costa
http://orcid.org/0000-0002-4690-3702