Revista Brasileira de Educação do Campo
DOSSIÊ / ARTIGO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2017v2n3p965
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 965-990
jul./dez.
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Fenômenos como mediadores do processo educativo em
Ciências da Natureza e Matemática na Educação do
Campo
Marcelo Gules Borges
1
, Juliano Espezim Soares Faria
2
, Elizandro Maurício Brick
3
1
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC. Departamento de Educação do Campo. Centro de Ciências da
Educação. Campus Reitor João David Ferreira Lima s/n. Trindade. Florianópolis - SC. Brasil.
marcelo.borges@ufsc.br.
2
Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC.
3
Universidade Federal de Santa
Catarina - UFSC.
RESUMO. A partir do estudo dos fenômenos apresentamos
neste artigo as possibilidades de seus usos nas licenciaturas em
Educação do Campo como categoria conceitual que articula
Ciências da Natureza e Matemática à materialidade e à
realidade. Tendo como universo empírico uma prática
pedagógica realizada na Licenciatura em Educação do Campo
da Universidade Federal de Santa Catarina analisamos as
estratégias tomadas e caminhos seguidos na elaboração de
estudos de conhecimentos específicos das Ciências da Natureza
e Matemática na delimitação da dimensão natural de fenômenos
socialmente relevantes no contexto de origem dos licenciandos.
Com base na experiência descrita e sob inspiração da
fenomenologia discutimos o papel e a potencialidade dos
fenômenos como mediadores e organizadores dos
conhecimentos coproduzidos com o mundo.
Palavras-chave: Fenômenos, Ensino de Ciências da Natureza e
Matemática, Educação do Campo.
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Phenomena as mediators in science education and
mathematics in the Educação do Campo (Education for
and by the countryside)
ABSTRACT. From the study of the phenomena, we present in
this article the possibilities of its uses in the Educação do
Campo (Education for and by the countryside) as a concept that
articulates Natural Sciences and Mathematics, materiality and,
reality. From an experience in the Educação do Campo course at
the Federal University of Santa Catarina, we analyze the
strategies adopted and the paths followed in the studies of
concepts from the natural sciences and mathematics in the
delimitation of the natural dimension of phenomena in the life
context of the undergraduate’s students. Based on this
experience and inspired by phenomenology, we discuss the role
and potential of phenomena as mediator and organizer of the
knowledge coproduced with the world.
Keywords: Phenomena, Science Education and Mathematics,
Rural Education.
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Fenómenos como mediadores del proceso educativo en
Ciencias de la Naturaleza y Matemáticas en la Educação
do Campo (educación rural)
RESUMEN. A partir del estudio de los fenómenos presentamos
en este artículo las posibilidades de sus usos en las licenciaturas
en Educación del Campo como categoría conceptual que articula
Ciencias de la Naturaleza y Matemática a la materialidad y la
realidad. Desde la práctica pedagógica realizada en la
Licenciatura en Educación del Campo de la Universidad Federal
de Santa Catarina analizamos las estrategias tomadas y caminos
seguidos en la elaboración de estudios de conocimientos
específicos de las Ciencias de la Naturaleza y Matemáticas en la
delimitación de la dimensión natural de fenómenos socialmente
relevantes en el ámbito del contexto de origen de los
licenciandos. Con base en la experiencia descrita y bajo
inspiración de la fenomenología discutimos el papel y la
potencialidad de los fenómenos como mediadores y
organizadores de los conocimientos coproducidos con el mundo.
Palabras clave: Fenómenos, Enseñanza de Ciencias Naturales y
Matemáticas, Educación Rural.
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Introdução
O que temos aprendido quando
organizamos nossos estudos e docência no
contexto do Ensino das Ciências da
Natureza e Matemática na Educação do
Campo a partir de fenômenos do mundo
material? Tal pergunta mobilizou nossas
reflexões diante da experiência educativa
realizada no âmbito da Licenciatura em
Educação do Campo da Universidade
Federal de Santa Catarina (UFSC) em
2015, na disciplina denominada
Fundamentos das Ciências da Natureza e
Matemática na Educação do Campo II,
oferecida na 4
a
fase deste curso.
Considerando o aparato conceitual
dos componentes curriculares Biologia,
Física e Matemática e os princípios da
Educação do Campo, propusemos
organizar as atividades da disciplina a
partir da delimitação e estudo dos
fenômenos com relevância social do ponto
de vista da população local. Depois de
iniciar esse movimento é que então
realizamos desdobramentos a partir de
conceitos específicos da Biologia, da
Física e da Matemática para a
compreensão dos fenômenos na/e da
realidade.
Este artigo tem por objetivo analisar
uma prática pedagógica na Licenciatura
Educação do Campo a fim de discutir e
destacar os modos pelos quais os
fenômenos podem ser potentes para o
Ensino das Ciências da Natureza e
Matemática. Do ponto de vista
metodológico trata-se de uma investigação
qualitativa, sendo os principais
investigadores nativos do contexto em
questão, o que propiciou o uso da "auto-
observação" (Gutiérrez & Delgado, 1998),
na qual os próprios autores fazem parte do
sistema a ser analisado. Desse modo,
foram realizadas observações-participante
e anotações em diário de campo como
fonte primária, bem como buscas de
literatura (fontes secundárias) demandadas
pelo movimento de construção do trabalho.
O texto está organizado em três
partes. Primeiramente, apresentamos
alguns aspectos teóricos acerca do
entendimento da noção de fenômeno e seus
usos na literatura educacional, situando o
leitor sobre o lugar de fala assumido pelos
autores. Na segunda, descrevemos o
processo educativo, tratando de detalhes da
componente curricular, da forma como
identificamos e selecionamos fenômenos e
de como mobilizamos conceitos
específicos das Ciências da Natureza e
Matemática para compreendê-los. Na
terceira, tecemos algumas considerações
sobre a experiência, apontando as
potencialidades, bem como, os limites que
no servem de horizonte para práticas
pedagógicas futuras.
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Fenômenos no Ensino de Ciências da
Natureza e Matemática na Educação do
Campo
A proposta de uma organização de
estudos e docência baseada em fenômenos
no contexto desta experiência partiu de
necessidades pontuais relativas à nossa
atuação na Licenciatura em Educação do
Campo da UFSC. De um lado, está o
desafio constante de atuar por área de
conhecimento, realizando movimentos
interdisciplinares, de um modo que não fez
parte de nossa formação acadêmica
disciplinar. De outro, a característica
inerente à componente curricular na qual
atuamos naquela oportunidade,
Fundamentos das Ciências da Natureza e
Matemática II, oferecida na 4
a
fase do
curso. No currículo desta licenciatura, é a
partir da 3
a
fase (até a última) que os
estudantes cursam semestralmente
componentes curriculares desta natureza.
Seu princípio organizador, conforme
Projeto Político Pedagógico (UFSC, 2009),
é de que os estudantes possam experienciar
o movimento de diálogo entre as
disciplinas na análise das diferentes
dimensões da realidade. Ao mesmo tempo
em que ela tem o objetivo de preparar os
estudantes do ponto de vista conceitual
desde as diferentes disciplinas da área de
conhecimento das Ciências da Natureza e
Matemática, é a partir dela que se ensaiam
movimentos multi/interdisciplinares de
organização do conhecimento.
Rotineiramente, afirmamos que esta
componente curricular é uma referência
para a própria atuação futura dos
estudantes nas escolas do campo, seja pela
sua natureza multidisciplinar seja por
exigir movimentos de diálogo entre
docentes e colegas estudantes na definição
e organização dos estudos.
Colocar os fenômenos na
centralidade deste processo, em nossa
atuação, isto é, organizar a disciplina com
base em estudos dos conhecimentos
específicos da área em direção à
compreensão dos fenômenos, garantiria, de
partida, nossa atenção ao mundo natural, o
que em nosso entendimento potencializa a
aprendizagem dos conhecimentos das
Ciências da Natureza e Matemática nas
licenciaturas em Educação do Campo.
Ainda, a clareza do pressuposto
inicial para esta escolha dos fenômenos
como organizador dos estudos nas
disciplinas de Fundamentos das Ciências
da Natureza e Matemática remete ao tempo
e carga-horária dedicada no curso para as
componentes curriculares do núcleo
específico de conhecimento objeto de
ensino dos educadores que se está
formando. Nesse sentido, uma abordagem
baseada em fenômenos nos respectivos
territórios tem a função de não somente
articular a produção de conhecimentos e as
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realidades locais, mas, especialmente,
focalizar a atenção dos estudantes e
educadores ao desafio de mobilizar as
produções advindas da Biologia, da Física
e da Matemática. Ou seja, as discussões
sociais e ambientais associadas aos
fenômenos tem sua tematização prevista
para um plano em outra escala, isto é, os
fenômenos foram ponto de partida para os
aprofundamentos conceituais e não como
exemplos genéricos, sem vínculo
significativo algum com a realidade dos
estudantes. As discussões
supramencionadas faziam parte da
componente curricular em curso, cujo foco
consistia no estudo e apropriação das redes
conceituais de interpretação dos
fenômenos desde as diferentes áreas.
Parte de nossa premissa teórica
considera que não bastariam apenas os
conhecimentos dos elementos biofísicos,
mesmo considerando os diferentes campos
disciplinares que o compõem, para garantir
a compreensão dos fenômenos e suas
relações nos diferentes sistemas biofísicos
e socioeconômicos das relações humanas
nos diferentes territórios (Francis et al.,
2013). Deste modo, cabe ressaltar que o
estabelecimento de relações com a
realidade, com a vida cotidiana dos
sujeitos, não estava determinada
inicialmente como movimento da
componente curricular, já que este era pré-
requisito para seleção dos fenômenos.
Assim, podemos dizer que a noção
de fenômeno que aqui utilizamos advém de
um senso prático (Bourdieu, 2009) do
ponto de vista da prática docente. Ou seja,
os fenômenos permitem uma busca
incessante em organizar e produzir
situações de aprendizagem que priorizem
os conhecimentos das Ciências da
Natureza e da Matemática, como forma de
potencializar diferentes percepções da
realidade imediata, da vida das populações,
dos docentes e dos próprios estudantes em
seus territórios. A opção pelo uso dos
fenômenos não deixa de ser uma busca
prática de resposta a estas questões, que
os fenômenos são a mediação material e
discursiva entre mundo e conceitos.
Entre mundo e conceitos há fenômenos
Temas, conceitos e fenômenos são
construtos humanos. Poderíamos dizer que,
desde uma noção construtivista e
representacional são coproduzidos no
âmbito da linguagem. Temas e conceitos
são textos das Ciências (no sentido
hermenêutico) sobre a natureza. Da mesma
forma que a própria ideia de natureza é um
texto sobre seu próprio referente.
Fenômenos também, contudo carregados
de materialidade (física e social). Os
fenômenos são mediadores do texto da
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ciência e da textura do mundo. De outro
modo, são a mediação material e
discursiva entre mundo e conceitos.
Longe de realizarmos uma digressão
conceitual a respeito dos fenômenos, é na
tradição fenomenológica da filosofia
continental (Husserl e Merleau-Ponty) que
encontramos sentido (prático) para aquilo
que entendemos ser o argumento que
fundamenta este tipo de abordagem para o
ensino por área de conhecimento.
Desde uma premissa fenomenológica
os fenômenos estão ancorados no mundo
pré-objetivo sempre em contextos
(Merleau-Ponty, 2014). Aprender, neste
sentido, é considerar que estamos imersos
em um mundo material carregado de
contextos culturais. Assim, uma
abordagem fenomenológica balancearia a
predominância de explicações conceituais
abstratas conectando-as com os modos de
estar e agir no mundo, como base para uma
compreensão da vida e da realidade. Nesta
abordagem o ensino de Ciências da
Natureza e Matemática é caracterizado
pelo uso de um contexto específico como
ponto de partida para delimitação dos
fenômenos, bem como, para
desenvolvimento de compreensão das
ideias científicas.
A aprendizagem baseada em
contexto é semelhante à abordagem
fenomenológica, uma vez que ambos
visam superar o fosso entre o mundo
da vida e os conceitos científicos. No
entanto, eles diferem
substancialmente em um ponto, pois
os professores de ciência com
inspiração fenomenológica tendem a
considerar os fenômenos do mundo
da vida como a própria base e não
meras ilustrações do conhecimento
científico. Assim, na fenomenologia,
não se busca o contexto apropriado
para promover a compreensão dos
alunos sobre os conteúdos
específicos da ciência, mas mais do
que isso procura-se desenvolver a
capacidade dos alunos em desvelar
os fenômenos do mundo da vida
como uma entrada na compreensão
da natureza (Ostergaard et al., 2008,
p. 98).
A tulo de exemplo, cabe aqui
mencionar a experiência conduzida por
Francis et. al. (2013). Nesta prática os
autores retratam o papel da fenomenologia
naquilo que chamam de uma “educação
agroecológica”. Sob inspiração da
aprendizagem baseada em fenômenos
(phenomenon-based learning) no ensino de
ciências da natureza os autores partem da
premissa de que comparado com
estratégias práticas que promovem uma
aprendizagem holística e ampla, o
movimento de especialização na academia
a partir das disciplinas nas recentes
décadas tem conduzido a uma formação
especialista cada vez mais restrita aos seus
campos. Em síntese, a atenção dada à
teoria tem sido distante da realidade de
vida das pessoas.
Ainda que o estudo se refira à
formação em Agroecologia (o que
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inclusive é projeto político-pedagógico do
movimento da Educação do Campo) os
autores defendem que o foco nos
elementos dos sistemas não é suficiente
para compreensão da realidade, ou seja, é
preciso uma compreensão dos sistemas
como um todo, o qual englobaria
compreender os fenômenos desde um
ponto de vista biofísico, econômico, social
e cultural: desde os diferentes métodos das
Ciências Humanas, da Natureza e da
Matemática.
Os fenômenos com os quais
operamos aqui são tentativas de um
esforço teórico de apreender com o mundo
material e os discursos das ciências a
natureza em sua noção mais física
possível. A radicalidade da forma como
tratamos os fenômenos não pode ser
descolada do cotidiano da vida dos
estudantes. Como afirmamos
anteriormente, trata-se de um desvio
intencional, não excludente das discussões
contextuais.
É exatamente na fisicalidade do
mundo (da natureza) e seus processos de
produção e de transformação que
fenômenos são coproduzidos pelos
discursos da ciência. O que propomos
fazer, em certo sentido, é operar com o
plano material dos conceitos no sentido de
potencializarmos as aprendizagens das
Ciências na Educação do Campo.
Nossa inspiração é em parte do
movimento contemporâneo denominado
virada ontológica
i
, o qual inclui
pesquisadores que buscam o esforço de
escapar dos dualismos do mundo moderno,
dentre os quais matéria-linguagem, pois
fenômenos são constitutivos da realidade e
esta é composta não de coisas por elas
mesmas ou coisas “atrás” dos fenômenos,
mas por coisas nos fenômenos (Barad,
2007; Higgins, 2016).
Por fim, os fenômenos, antes de
qualquer coisa, são necessariamente
materiais e físicos. No contexto desta
experiência que apresentamos seus
critérios de escolha remetem a um
posicionamento político claro e objetivo.
Trata-se de fenômenos que importam na
vida cotidiana das populações do campo.
Neste sentido, é de outra materialidade que
também queremos falar, aquela vinculada e
vivida desde o ponto de vista social,
econômico, cultural e ambiental nos
territórios. Essa é parte da premissa a
priori que identifica o modo pelo qual
estamos tratando os fenômenos, e de forma
mais específica o que chamamos de
fenômenos da natureza (aqueles
considerados objeto de conhecimento pelas
Ciências da Natureza). Ou seja,
compreendemos que não fenômenos
que não sejam banhados de realidade. É o
que passamos a mostrar a seguir.
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A prática pedagógica
A prática educativa docente que
inspirou a análise ocorreu na quarta fase do
referido curso, na componente curricular
intitulada Fundamentos das Ciências da
Natureza e Matemática na Educação do
Campo II. Esta componente curricular tem
caráter de aprofundar conhecimentos
específicos das áreas das Ciências da
Natureza e Matemática e foi ministrada por
docentes da área de Ensino de Física,
Ensino de Matemática e Ensino de
Biologia. Esta componente foi cursada por
estudantes da região do Vale Contestado,
especificamente dos municípios de
Curitibanos, Frei Rogério, Fraiburgo e
Timbó Grande, e São Pedro de Alcântara,
na região da Grande Florianópolis em
Santa Catarina.
Diante da ementa
ii
da referida
componente curricular e ao considerar
nossa prévia relação acadêmica, na qual
desenvolvemos juntos trabalhos ligados a
outras turmas do curso, as ideias que
surgiram em nossos planejamentos foram
criando espaço para esta experiência que
visava o seguinte movimento: 1) definir
em conjunto com os estudantes fenômenos
com ocorrência e relevância nos seus
respectivos territórios; 2) delimitar a
dimensão natural dos fenômenos
escolhidos; 3) estudar os conceitos da
Biologia, da Física e da Matemática
necessários para a compreensão dos
fenômenos; 4) bem como, a mobilização
dos mesmos para estudar os fenômenos e
seus impactos nos desdobramentos sociais
do local. Este arranjo nos fez decidir que o
plano de ensino poderia ser socializado
a partir do momento em que estivessem
delimitados os objetivos ligados aos
fenômenos que seriam elencados e
selecionados para estudo.
Baseado no diagnóstico de realidade
(produto final do primeiro ano do curso) e
demais registros de atividades dos
Tempos-Comunidade (TC) dos semestres
anteriores
iii
, a primeira atividade realizada
consistiu em identificar fenômenos ligados
à realidade local na qual os estudantes
realizavam o TC. Feita a primeira seleção
de fenômenos, com o intuito de ampliar o
olhar sobre os itens da seleção, os
estudantes realizaram uma pesquisa de
fontes secundárias sobre os
territórios/fenômenos no acervo da
biblioteca universitária, no google
acadêmico, nos materiais utilizados e
produzidos em outros momentos do curso
e em outros mecanismos de busca. Na
tabela que segue, a primeira coluna é
constituída pelos fenômenos elencados
pelos estudantes e a segunda, as
referências pesquisadas:
Borges, M. G., Faria, J. E. S., & Brick, E. M. (2017). Fenômenos como mediadores do processo educativo em Ciências da
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Tabela1: Fenômenos localizados preliminarmente pelos estudantes e as respectivas referências encontradas.
FENÔMENOS
REFERÊNCIAS LOCALIZADAS
1. Avanço Industrial
2. Precarização do Campo/Escola
3. Saída das pessoas do campo
3.1. Predomínio da indústria madeireira
3.2. Produção de pasta mecânica
3.3. Produção de celulose
3.4. Desemprego
3.5. Vilas em torno das empresas
3.6. Construção de PCHs
3.7. Precarização das áreas periféricas
3.8. Jovens não projetam o futuro na região
(falta de perspectiva)
3.9. Evasão dos jovens
3.10. Invisibilidade dos movimentos sociais
3.11. Catástrofes climáticas: granizo, geada e
tornado
3.12. Crescimento da agricultura familiar
1. Fragmentação florestal e atividade madeireira: um estudo
da ecologia da paisagem em Curitibanos, Santa Catarina.
(2007).
http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/90263
2. Educação de jovens e adultos do campo: um estudo sobre o
PRONERA em Santa Catarina (2007)
Link:
http://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/90295
3. Educação do Campo em Curitibanos, Santa Catarina:
Reflexões sobre a Criação e Paralisação das Escolas Isoladas -
Cristina Ehrhardt Maria Agustini Moraes Ehrhardt
Link:
http://editora.unoesc.edu.br/index.php/coloquiointernacional/a
rticle/view/1249
1. Não coleta de embalagens de
agrotóxicos
2. Estradas sem devida pavimentação
3. Precariedade do ônibus escolar em
horários, utilizado pela população em geral
4. Escassez de empregos
5. Não há instituição de Ensino Superior
6. Não há Hospital e Hotel
7. Não há área de lazer
8. Alcoolismo, Estupro, roubos
9. Questão: A escola é ou não do campo?
10. Alimentação escolar apenas para cumprir
a lei
11. Creches provisórias
12. Decadência Cultural
13. Pouco incentivo aos pequenos
agricultores, a agricultura em geral
14. Industrialização (avanços)
15. Desmatamento, poluição e lixo
16. Uso indevido de agrotóxicos
17. Êxodo rural
18. Evasão de jovens do município
19. Presença de Ensino Médio Inovador
1. Santa Catarina em Números.
http://www.sebrae-sc.com.br/scemnumero/arquivo/Frei-
Rogerio.pdf
Autor: Cândido, Marcondes da Silva. II. Ferreira, Cláudio. III.
Grapeggia, Mariana. IV. Silva, Jackson André da. V. Três,
Douglas Luiz.
1. Produção de maçã
2. Exploração floresta nativa (história
ambiental)
3. Produção diversificada
1. MOHR, M. F.; RIBAS, C. E. D. Formação de Jovens na
Escola 25 de Maio - Entre os limites e as possibilidades da
construção da agroecologia. SIFEDOC Regional, Santa Maria,
2014. Disponível em:
Borges, M. G., Faria, J. E. S., & Brick, E. M. (2017). Fenômenos como mediadores do processo educativo em Ciências da
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4. Falta de atividade para os jovens
5. Tecnologia
6. Indústrias
7. Escola do campo
8. Clima
<http://coral.ufsm.br/sifedocregional/images/Anais/Eixo%200
3/Matheus%20Fernando%20Mohr.pdf>.
2. Fenômeno: Exploração significativa das florestas
BRUNI, S. Certificação de Manejo Florestal de florestas
plantadas de Pinus na unidade Campo Alto, município de
Água Doce SC. (Relatório de Auditoria). 2007. Disponível
em: < https://www.tuv-
nord.com/data/content_data/tng_br_pt/relatorio-de-auditoria-
trombini.pdf >.
1. Êxodo rural
2. Escola pública típica
3. Plantações de Pinus (Pinus spp.)
4. Pedofilia
5. Falta de lazer
6. Infra-estrutura
1. Lixão céu aberto
2. Falta de saneamento
3. Êxodo rural
4. Chuva impede acesso à escola
5. Acesso precário à informática
6. Não biblioteca, escolas e espaço
cultural
7. Evasão dos alunos
8. Jovens saem para trabalhar em empresas
de Pinus (Bonet, Lavra-Sul)
1. Reportagens sobre o lixo em Timbó Grande:
http://jornalinforme.com.br/cacador/index.php/editorias/cotidi
ano/item/1987-moradores-de-timbo-grande-sofrem-com-
infraestrutura-precaria-na-administracao-do-lixo-coletado
http://noticiahoje.net/prefeitura-de-timbo-grande-explica-lixo-
acumulado/
1. Aumento mata ciliar
2. Controle mosquito (moscas) por BTI
(pulverização)
3. Relatos de abuso sexual crianças
4. Destruição do solo por agrotóxicos
5. Contaminação do rio (agrotóxico e
cemitério)
6. Diminuição de agricultores e aumento de
sitiantes (diálogo entre culturas
conservadorismo cultura alemã: língua,
arquitetura, organização)
7. Aumento da população carcerária
8. Perda na produção de alimentos
9. Destruição materiais didáticos
10. Falta de atividades para jovens (espaços
culturais/esportivos)
1. Classificação da Vegetação secundária em estágios de
regeneração da mata atlântica em Santa Catarina.
http://www.bibliotecaflorestal.ufv.br/bitstream/handle/123456
789/10457/Ci%C3%AAncia_Florestal_v23_n3_p369-
378_2013.pdf?sequence=1&isAllowed=y
2. Violência silenciosa: violência psicológica como condição
da violência física doméstica.
http://www.scielo.br/pdf/%0D/icse/v11n21/v11n21a09.pdf
3. Gestão de conflitos no complexo penitenciário de segurança
máxima de São Pedro de Alcântara
http://coloquioepistemologia.com.br/site/wp-
content/uploads/2015/03/RAC1421691913.pdf
1. Avanço industrial
2. Controle de moscas por pulverização
3. Diálogo entre saberes (novos moradores)
4. Não há tratamento de esgoto
5. Intolerância
1. Sucessão florestal secundária no município de São Pedro de
Alcântara, litoral de Santa Catarina: estrutura e diversidade
http://cascavel.cpd.ufsm.br/revistas/ojs-
2.2.2/index.php/cienciaflorestal/article/view/1778
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6. Cultura tradicional da escola
7. Falta de espaços culturais esportivos
8. Conteúdos das Ciências da Natureza não
conversam com a realidade
9. Conservadorismo da cultura alemã
(língua, arquitetura, organização)
10. Controle celulares na escola
11. Alimentação escolar 100%
industrializada
12. Religião católica
13. Não Feiras de Ciências
14. Migrações
2. São Pedro de Alcântara: paisagem e rupturas
https://periodicos.ufsc.br/index.php/geosul/article/view/1374
6 Maria Dolores Buss, Luis Fernando Scheibe, Sandra
Maria de Arruda Furtado
Fonte: Pesquisa dos autores.
De posse dos resultados desta
pesquisa inicial, passamos à etapa de
seleção de alguns dos fenômenos
elencados, de tal forma que pudéssemos
passar ao estudo de conhecimentos
específicos das Ciências da Natureza e
Matemática o qual permitisse uma
compreensão mais ampla daqueles
fenômenos. Assim, a explicitação,
posterior discussão e deliberação coletiva
sobre os critérios de escolha do fenômeno
a ser estudado pelos grupos, foram os
seguintes:
1. Precisa estar relacionada à escola
(cultura escolar);
2. Precisa estar presente na
comunidade local;
3. Precisa estar situado na
região/localidade;
4. Deve considerar o PPP da escola;
5. Precisa estar relacionado à saúde, à
alimentação e à agricultura (vida do
agricultor);
6. Precisar estar relacionado à
alimentação e à agricultura;
7. Precisa estar relacionado com
problemas ambientais;
8. Deve estar relacionado à dinâmica
da vida social e familiar (relevância social
para as pessoas do local);
9. Deve ser passível de análise pela
área de atuação/formação do curso;
10. Deve estar relacionado aos
princípios da Educação do Campo e aos
sujeitos do campo (povos da terra, das
águas e das florestas);
11. Deve estar contemplado às
propostas curriculares.
Na socialização de todos esses
pontos expostos pelos estudantes, cada um
explicou seus critérios de escolha, o que
gerou uma discussão permitindo o
estabelecimento de consenso e síntese do
que estudantes e docentes julgavam como
mais importante considerar naquela
situação, chegando a três critérios finais e
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um objetivo geral (Tabela 2). A partir
desses elementos foi possível encaminhar a
atividade seguinte, que consistiu em cada
grupo escolher um dos fenômenos segundo
os critérios e sistematizar de forma escrita
uma justificativa que seria apresentada
para o coletivo avaliar se atendia ou não
aos critérios sintetizados.
Tabela 2: Objetivo e critérios para escolha do fenômeno decidido coletivamente após discussão coletiva.
Objetivo do estudo
Analisar o fenômeno escolhido a partir da área específica de formação do curso
(Ciências da Natureza e Matemática)
Critérios para escolha
do fenômeno:
1. Esteja situado na região/localidade de realização TC
2. Esteja relacionado com a dinâmica da vida social e familiar (relevância
social e ambiental para as pessoas do local)
3. Esteja relacionado aos princípios do Movimento da Educação do Campo
Fonte: Pesquisa dos autores.
Com base neste objetivo e critérios,
os fenômenos escolhidos por cada grupo a
partir de uma discussão no grande grupo
foram os seguintes: “Ocorrência de geadas
no Vale do Contestado, SC”, “Substituição
da Mata Nativa por vastas plantações de
Pinus (Pinus sp.) em Timbó Grande, SC”,
“Reconstituição da Mata Ciliar em São
Pedro de Alcântara, SC”.
Findada essa etapa, foi possível
vislumbrar os objetivos que passaram a
compor o plano de ensino da referida
componente curricular. Um deles se
constituiu em identificar fenômenos a
partir dos registros (dados primários) dos
TCs, da produção técnico-científica sobre
os contextos dos territórios onde são
realizados os TCs e estabelecer critérios
para seleção daqueles que seriam
estudados. Outro objetivo consistiu em
abordar conceitos estruturantes de Ciências
da Natureza e Matemática a partir dos
fenômenos da natureza delimitados.
Também buscamos identificar,
problematizar e dialogar a partir dos
saberes prévios dos estudantes a respeito
dos fenômenos, além de introduzir
conceitos das diferentes disciplinas como
chave de leitura de aspectos dos
fenômenos problematizando as narrativas
sobre Mudanças Climáticas,
Biodiversidade e Água no contexto
contemporâneo da Sustentabilidade e da
Educação do Campo.
Tais objetivos foram desdobrados em
três unidades de estudos. A primeira,
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transcorrida em três encontros de quatro
horas-aula correspondente à descrição feita
até aqui. As outras duas unidades da
componente curricular foram
desenvolvidas de forma paralelas e
alternadas. A unidade 2 teve um total de
nove encontros, nos quais a atividade
principal foi a de estudar os fenômenos
escolhidos junto com os professores, os
quais nesses encontros assumiram um
papel mais de orientadores-professores,
indicando referências, estudando junto
com os estudantes individualmente e em
grupo às referências indicadas e
localizadas. A Unidade 3 foi composta por
9 encontros, nos quais cada um dos três
professores ministraram aulas com base no
conhecimento de suas áreas específicas de
graduação relacionado aos fenômenos
estudados conforme a tabela a seguir.
Tabela 3: Detalhamento das unidades de ensino da disciplina de Fundamentos. Fonte: os autores.
Unidade 1 -
Identificação de
fenômenos a serem
estudados do ponto
de vista das Ciências
da Natureza e
Matemática
○ Identificação de fenômenos presentes nos registros sobre os TCs;
Exercício de busca de fontes secundárias sobre o contexto no qual o fenômeno está
situado;
Decisão (a partir de critérios construídos coletivamente, considerando a vontade do
coletivo e os princípios do Movimento da Educação do Campo) sobre o fenômeno a
ser estudado;
○ Identificação de sub-fenômenos relacionados ao fenômenos escolhidos a serem
estudados no tempo, no espaço e em diferentes escalas;
Identificação de conceitos de Ciências da Natureza e Matemática relacionados aos
fenômenos.
Unidade 2 -
Planejamento e
desenvolvimento de
Programa de
Estudospor
fenômenos
Escolha e aprofundamento teórico de referenciais de base (livros, manuais etc.) das
Ciências da Natureza e Matemática;
Escolha e aprofundamento teórico de referências cnico-científicas (artigos
científicos, dissertações e teses).
Unidade 3 -
Aprofundamentos
dos conceitos
estruturantes entre os
fenômenos
escolhidos
○ Situar os fenômenos na Escala Espacial;
○ Situar os fenômenos na Escala Temporal;
○ Situar os fenômenos quanto a Matéria Envolvida;
Situar e desenvolver as explicações para as Transformações, Regularidades e
Energia envolvidos nos fenômenos;
○ Regressão Linear e sua relação com os fenômenos;
○ Geometria Espacial e sua relação com os fenômenos;
○ Paisagem e sua relação com os fenômenos;
○ Água e sua relação com os fenômenos;
○ Plantas e Animais e sua relação com os fenômenos;
○ Temperatura e sua relação com os fenômenos;
○ Gases e sua relação com os fenômenos.
Fonte: Pesquisa dos autores.
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A construção coletiva do objetivo de
estudo e dos critérios de escolha dos
fenômenos a serem estudados condicionou
a própria estruturação da componente
curricular e a escolha de objetos de
conhecimento mais consciente e pertinente
ao contexto dos estudantes: seja o contexto
do campo do qual eram oriundos e no qual
realizavam o TC, seja o contexto do curso
de licenciatura em Educação do Campo,
como desdobramentos de uma política
educacional específica, com princípios
expressos em políticas de estado.
Nesse sentido, a menção aos
princípios da Educação do Campo no
décimo critério listado pelo grupo
inicialmente não faz alusão somente aos
princípios legais, segundo o Decreto 7.352
de novembro de 2010, mas também ao que
os estudantes haviam estudados em outros
componentes curriculares do curso,
inclusive nas fases anteriores. De acordo
com o segundo artigo do referido decreto,
os princípios da Educação do Campo
estariam ligados, dentre outros: ao respeito
à diversidade; à formulação de projetos
políticos pedagógicos específicos; ao
desenvolvimento de políticas de formação
de profissionais; à valorização da
identidade das escolas do campo com base
em conteúdos curriculares e metodologias
adequadas à realidade dos sujeitos; a
efetiva participação da comunidade e dos
movimentos sociais do campo e à
flexibilização da organização escolar com
base nas atividades laborais do território;
que significa considerar efetivamente à
necessidades dos estudantes incluindo as
condições climáticas e ciclos agrícolas,
reconhecidos no referido decreto como
condicionantes que não podem estar
alheios à forma-conteúdo da escola do
campo.
Assim, a compreensão profunda da
dimensão natural de fenômenos como
“geada”, a “restituição da mata ciliar” e “a
substituição da mata nativa por vasta
plantação de Pinus” bem como a sua
relação com a dinâmica social local, não
apenas teriam relação com princípios da
Educação do Campo, mas poderiam ser
considerados para flexibilização e
organização escolar que considerem
profundamente as necessidades dos
estudantes do campo envolvidos nesses
fenômenos.
A seguir desenvolvemos o que
chamamos de movimento centrífugo de
relações com os conhecimentos específicos
de Ciências da Natureza e Matemática o
qual realizamos a partir dos fenômenos
estudados.
Conhecimentos das Ciências da
Natureza e Matemática
Passamos agora a uma sucinta
descrição das ações a partir de cada uma
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das áreas de saber e dos fenômenos
selecionados.
Em Matemática, com relação ao
fenômeno “Substituição da Mata Nativa
por vastas plantações de Pinus (Pinus sp.)
em Timbó Grande, SC”, trabalhamos com
a comparação entre a rentabilidade da
locação de terra para plantar Pinus e a
rentabilidade com o uso da terra para
produção de alimentos. A partir do
trabalho de Sampaio (2015), no qual a
autora compara a diferença da
rentabilidade entre uma plantação de fumo
e outra com diversidade de alimentos, o
grupo pôde pesquisar os valores referentes
às receitas e custos de diversas culturas e
estabelecer seus próprios modelos, feitos a
partir de funções polinomiais de grau 1.
Com base nas cifras contidas em um
contrato de arrendamento, R$ 60,00
mensais por alqueire, os estudantes
puderam fazer a comparação entre esses
diferentes usos da terra e perceber a
significativa diferença entre o valor pago
pela locatária em um ano, e a rentabilidade
da diversificação de um alqueire com
alimentos, sendo esta, muito maior, desde
que certos fatores sejam considerados
constantes como a venda da produção.
O fenômeno “Ocorrência de geadas
no Vale do Contestado, SC” foi estudado
sob o conhecimento da Estatística,
tomando como base o trabalho de Araujo
et al. (2009), no qual os autores calcularam
a probabilidade da ocorrência de geada
com base na distribuição gama e dados
coletados nas diversas estações
meteorológicas do estado. Estudar este
trabalho impôs desafios, visto que
desconhecíamos o conceito estatístico
supramencionado, o que exigiu seu estudo
e seu redimensionamento aos estudantes,
processo que após avaliação, mostrou que
poderia ter sido mais eficiente. Por outro
lado, o estudo deste fenômeno no contexto
deste arranjo interdisciplinar pode exigir
conhecimentos mais complexos, aspecto
que mostra que os aprofundamentos em
conhecimentos específicos podem ser
feitos a partir deste tipo de proposta
metodológica, problematizando o suposto
esvaziamento de conteúdo, narrativa por
vezes dirigida a propostas
multi/interdisciplinares.
No caso da “Reconstituição da Mata
Ciliar em São Pedro de Alcântara”, a
análise da taxa de decrescimento de
culturas permanentes no município nos
anos de 2004 a 2014, contribuíram para
compreender este processo de
reconstituição da mata ciliar e foram feitos
à luz do conceito de Regressão Linear, a
partir do qual aprofundamos a análise com
considerações que iam além dos
fenômenos. Dos conhecimentos
relacionados à Estatística, a Regressão
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Linear permite mobilizar um leque de
aparatos conceituais ligados ao campo da
Educação Matemática e da Matemática.
Com efeito, diante das fórmulas dos
coeficientes de regressão β e α e R
2
, passa-
se pelas operações de adição, subtração,
multiplicação, divisão e potenciação. A
representação matemática da regressão
linear é uma função polinomial de grau 1,
tema caro ao ensino de Matemática.
Destarte, o ensino destas funções poderia
ser feito à luz da regressão linear, inclusive
dando mais sentido para os conceitos de
domínio e imagem que, na regressão são
restritos pelas séries. Diante dos dados
colhidos para análise gráfica e posterior
construção da regressão, esta ordem
permite pensar sobre estes objetos a partir
dos Registros de Representação Semiótica
que sugere que o aprendizado das funções,
por exemplo, ocorre quando os estudantes
conseguem transitar pelos registros
aritméticos, geométricos e algébricos deste
conteúdo. Além disso, dados econômicos
costumam ser constituídos de valores altos,
o que praticamente inviabiliza encontrar os
coeficientes fazendo os cálculos
manualmente. Nesse sentido, os recursos
computacionais auxiliam sobremaneira na
tarefa de lidar com os dados e obter
informações matemáticas capazes de
auxiliar na compreensão dos fenômenos.
Figura 1: Regressão Linear - aspecto radial derivado dos estudos do componente curricular Matemática.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação à Biologia, um conjunto
de conceitos oriundos da Ecologia de
Paisagem, Limnologia e Ecologia Aquática
e Fisiologia Vegetal foram acionados
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durante a realização dos programas de
estudo. A escolha conceitual passou por
um movimento de estudo preliminar dos
fenômenos desde o ponto de vista
disciplinar da Biologia. Assim, importou
de fato estudar conceitos que ajudassem a
compreender de forma evidente o
fenômeno escolhido e que este pudesse
entrar em diálogo com os próprios
conhecimentos dos estudantes e dos outros
sujeitos do território quando da realização
do TC.
A título de exemplo, o caso da geada
“Ocorrência de geadas no Vale do
Contestado, SC”, é bom para pensar sobre
isso. Se por um lado os estudantes
realizaram o movimento de estudo da água
do ponto de vista físico-químico
(polaridade, calor específico, coesão, força
tênsil, tensão superficial, adesão) como
elemento importante para compreensão do
fenômeno, foi nos conceitos da fisiologia
vegetal que eles puderam compor um texto
de argumentação sobre os efeitos deste
fenômeno da escala da planta até da
agricultura em seu território (neste caso, no
Vale do Contestado). Assim, eles
estudaram transporte de água na planta,
transcelular, transmembrana, simplasto,
apoplasto, pressão de raiz e fluxo
transpiratório. Foi com base nestes
conceitos que eles foram capazes de tratar
dos danos da geada e as táticas de
sobrevivência das diferentes espécies de
plantas. Para aprofundar essa compreensão
sugerimos o acesso ao site criado pelos
próprios estudantes da Educação do
Campo: http://ledoct3.wixsite.com/ufsc
iv
.
é possível encontrar o belo trabalho
realizado por este grupo.
Em relação a “Reconstituição da
Mata Ciliar em São Pedro de Alcântara”
também operamos conceitualmente com a
Ecologia de Paisagem (paisagem, escala,
sucessão ecológica, efeito de borda), mas
foi, sobretudo na limnologia e na ecologia
aquática que encontramos base de
aprofundamento para compreender os
modos pelos quais a mata ciliar é um
ecótono e tem função primordial não só
para manutenção da qualidade das águas,
mas também da biodiversidade terrestre e
aquática. Daí nossas discussões seguiram
para relação agricultura, usos da terra e
áreas de preservação permanente (APPs).
Na mesma linha de discussão
tratamos coletivamente da “Substituição da
Mata Nativa por vastas plantações de Pinus
(Pinus sp.) em Timbó Grande, SC”. Nosso
movimento de aprofundamento conceitual
foi o de realizar uma inversão no enfoque
de estudos. Chegamos à conclusão que
para compreender a substituição da mata
nativa local era preciso entender a matriz
da paisagem original, ou seja, bioma Mata
Atlântica, Floresta Estacional Semi-
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Decidual com presença marcante de
Araucaria angustifolia (Pinheiro-do-
Paraná). Foi a partir desta sequência que
realizamos estudos da ecologia dessa
espécie. Com base nesses estudos,
discutimos o significado das
transformações da paisagem para a região
bem como os efeitos da monocultura do
Pinus para biodiversidade e as
comunidades do campo.
Figura 2: Malha conceitual estruturante dos fenômenos a partir dos estudos realizados no componente curricular
Biologia.
Fonte: Elaborada pelos autores.
Em relação à Física, a primeira
aproximação com cada caso se deu a partir
de referências que os próprios estudantes
haviam indicado ou que havíamos
encontrado buscando juntos. No caso da
“Reconstituição da Mata Ciliar em São
Pedro de Alcântara, SC”, destacamos de
Buss, Scheibe & Furtado (2002) que houve
“regeneração da cobertura florestal”
conforme imagens de satélite de 1957
1978 1989, que em 1995 já ocupava 68%
da área do município. Mas como são feitos
estudos dessa natureza? Como ocorre a
regeneração da mata? Segundo os próprios
autores
Esta regeneração da cobertura
florestal é favorecida pelas
condicionantes climáticas, como
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temperaturas elevadas e altos índices
pluviométricos, permitindo que em
um tempo relativamente curto, como
poucas dezenas de anos, as áreas
abandonadas sejam recobertas por
capoeiras e capoeirões, e atinjam até
estágios de mata nativa secundária
(Buss, Scheibe & Furtado, 2002. p.
166, grifos nossos).
Desse aspecto pudemos destacar
como que a temperatura é indicada ser uma
variável importante no processo, o que está
relacionado também com os altos índices
pluviométricos e com as consequentes
enchentes que, segundo o mesmo trabalho,
são comuns nos meses de dezembro,
janeiro e fevereiro, ou seja, na estação do
ano verão. Mas como podemos explicar a
ocorrência das estações do ano bem
definida? Em todo o globo terrestre são
perceptível as quatro estações de forma
bem definida como em São Pedro de
Alcântara? Qual relação dessa
característica com a latitude e a exposição
ao Sol? Como ocorrem as estações do
ano? Como explicar a constância da
inclinação do eixo de rotação da Terra em
relação ao seu eixo de translação?
Outro trabalho identificado pelo
grupo foi um estudo fenológico realizado
no município de São Pedro de Alcântara,
constituindo-se do monitoramento das
fenofases reprodutivas de dezenove
espécies botânicas durante mais de um
ano. O estudo conclui que "as fenofases
reprodutivas também são dependentes do
ambiente onde se desenvolvem, razão pela
qual muitas espécies apresentam períodos
reprodutivos diferentes daqueles
mencionados para outras regiões."
(Mantovani et al. 2003, p. 451). Nesse
sentido, segundo os autores, ainda nas
conclusões do estudo, indicam que “em
ambientes pouco sazonais, os fatores
ambientais devem ter menor influência
sobre as fenofases do que em ambientes
notadamente sazonais. Sendo assim, a
temperatura, o comprimento do dia e a
pluviosidade correlacionam-se entre si,
interferindo nas fenofases (Talora, 1996)”
(Mantovani et al., 2003).
Além de reforçar o destaque anterior
sobre a importância da temperatura, o
trabalho traz gráficos com as medidas
pluviométricas e de temperatura mensais,
de onde foi possível estimar em aula a
temperatura média de 20,3ºC e uma
variação de 25ºC medida em janeiro e
16ºC medida em julho. A menção à maior
duração dos dias também é um aspecto
relacionado com a sazonalidade, o que tem
relação com a posição latitudinal do
município, e pôde ser explicado também
do ponto de vista geocêntrico com a ajuda
da esfera armilar.
Em relação ao fenômeno
“Substituição da Mata Nativa por vastas
plantações de Pinus (Pinus sp.) em Timbó
Grande, SC” buscou-se em um primeiro
Borges, M. G., Faria, J. E. S., & Brick, E. M. (2017). Fenômenos como mediadores do processo educativo em Ciências da
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momento compreender as condições de
ocorrência da mata nativa da região,
composta por Mata de Araucária. Segundo
Mattos (2011) a ocorrência natural da
Araucaria angustifolia se em altitudes
superiores a 400m, o que teria a ver com as
condições climáticas propícias, pois a
elevação das altitudes é inversamente
proporcional às temperaturas médias e
extremas (Mattos, 2011). “Encontra-se em
uma vastíssima área de clima mesotermal
do tipo C: clima temperado chuvoso,
média de mês mais frio entre 18ºC e -3ºC e
média do mês mais quente acima de 10
ºC.” (Mattos, 2011, p.251-253). Por outro
lado, em atividades de TC realizadas em
Timbó-Grande, onde hoje a paisagem
predominante é composta por florestas de
Pínus, eram comuns relatos como: “O
Pinus bem aqui.”, “... a minha terra
nunca deu nada ... só serve pra Pinus.”
Sobre a “Ocorrência de geadas no
Vale do Contestado, SC”, dentre as causas
destacadas por Pedrotti e Federova (2000)
temos os anticiclones migratórios frios que
provoca as baixas temperaturas também na
região Sudeste do Brasil, mas, segundo os
autores, as baixas temperaturas na região
Sul do país "poderiam ser associados à
advecção de ar frio de latitudes mais altas e
a perda de energia pela radiação de ondas
longas que são características de regiões de
alta pressão com céu claro" (Pedrotti &
Fedorova, 2000, p. 2). Além das pistas
iniciais sobre as condições climáticas para
a ocorrência da geada, também se buscou
estudar a tolerância ao frio, ou à
aclimatação vegetal (Silva et. al., 2008) e
os efeitos que os distintos tipos de geadas
provocam nas plantas.
Como síntese, foram destacados com
os estudantes, conforme figura 2, aspectos
a serem aprofundados ao longo dos
momentos de estudo em Física previstos
para a Unidade III da componente
curricular. Dentre esses aspectos foi
considerado central o discernimento entre
os conceitos de temperatura, calor e
energia, cuja abordagem experimental
realizada teve como inspiração o trabalho
de Farias (2013) que fornece subsídios
para superação de obstáculos
epistemológicos à aprendizagem de
termologia.
Figura 3: Calor, Frio e Temperatura - Mapa de referências e questões construído a partir dos estudos no
componente curricular Física.
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Fonte: Elaborada pelos autores.
Considerações Finais
As licenciaturas em Educação do
Campo no Brasil têm oferecido desafios
interessantes, dentre eles as estratégias
para mobilizar potencialmente o
conhecimento de diferentes componentes
curriculares em uma organização por área
de conhecimento. A jovialidade do curso e
de sua modalidade permite e exige dos
docentes o exercício de modos alternativos
de organização de sua atuação docente.
Para operar com fenômenos no
Ensino de Ciências da Natureza e
Matemática na Educação do Campo estes
não devem ser tratados como aqueles que
estão fora do mundo material, isto é,
aqueles sentidos e vividos desde o
cotidiano das pessoas em seus mais
diversos territórios. Ao dizer isso,
defendemos que os fenômenos estão para
além de qualquer movimento de
naturalização do mundo e da natureza. Se
por um lado, desde uma perspectiva
fenomenológica, os fenômenos podem ser
a priori da consciência humana, é
exatamente no texto (linguagem) das
diferentes racionalidades e saberes que eles
se materializam. Não haveria, deste modo,
como pensar em fenômenos que não são a
própria relação intrínseca entre
matéria/discurso, matéria/linguagem do
mundo.
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Dentre os desafios que esta proposta
impõe encontra-se o curto período de
tempo que temos para tratar de um amplo
conjunto de conceitos e de preparar as
aulas de conhecimento das Ciências da
Natureza e Matemática, especialmente
quando envolve conceitos não estudados
anteriormente.
Ao mesmo tempo, a atividade de
pesquisa na docência por parte dos
professores se configura como uma
possibilidade de didatizar conceitos mais
complexos. Cabe destacar ainda que se por
um lado a amplitude conceitual se torna
limitada (quando comparada com aulas
tradicionais, conduzidas de forma linear,
progressiva) são os fenômenos que nos
permitem de fato, estabelecer diálogos
multi/interdisciplinares em direção aos
fundamentos da área de conhecimento que
se quer para a Educação do Campo.
Destacamos o seu potencial enquanto
mediador do mundo material (natureza) e
da realidade dos diferentes modos de vida
no campo, nas vivências em Ensino de
Ciências da Natureza e Matemática nas
licenciaturas em Educação do Campo.
Nossas reflexões consideram a
natureza e a diversidade de possibilidades
de organização das aprendizagens das
Ciências da Natureza e da Matemática,
sobretudo no contexto escolar do campo
(da escola básica ao ensino superior).
Trabalhar com fenômenos é uma dentre
outras possibilidades de organização da
docência e do conhecimento nestes
contextos. Nossas trajetórias individuais
nos dizem que é nessa pluralidade que se
sustenta a meta educativa de uma
educação, que conta da complexidade
da natureza, da vida humana e do papel da
escola. Na licenciatura, forma é também
conteúdo e, ao estabelecer esta
consideração, fazemos o exercício de
busca por não dicotomizar método e
conhecimento científico, método de ensino
e currículo.
Referências
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oa
i
A virada ontológica assim como as
denominações virada cultural (século IX/XX) e
virada linguística (século XX) tem sido o termo
recorrente na filosofia e na antropologia (Viveiros
de Castro, 2012) contemporâneas para se referir
mais especificamente ao que autores de diferentes
campos das Ciências Humanas têm chamado de
virada não humana, virada material, virada pós-
humana ou virada especulativa (Whatmore, 2006;
Braidotti, 2006; Burns & Smith, 2011; Bryant et al.,
2011; Kirsch, 2013). No âmbito internacional é
possível encontrar movimentos com filiações
distintas e especificidades, como, por exemplo, o
Realismo Especulativo (Quentin Meillassoux), a
Ontologia Orientada no Objeto (Graham Harman),
o Materialismo Transcendental (Slavoj Žižek) e o
Novo Materialismo (Rosi Braidotti, Manuel
DeLanda). Há uma compreensão clara na filosofia e
na antropologia de que a virada ontológica estaria
se tornando um importante paradigma para as
questões ambientais nas humanidades (Lovino &
Operman, 2012). Movimento semelhante já pode
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ser observado na educação e no Ensino das
Ciências (Fenwick & Edwards, 2010; Taguchi,
2010; Rautio, 2013; Quinn, 2013; Coutinho et. al.,
2014; Coutinho, Goulart & Pereira, 2017; Freitas &
Palmer, 2016).
ii
Ementa: "Aprofundamento dos conceitos
estudados na disciplina Fundamentos I e
estabelecimento de aproximações metodológicas
para a aprendizagem de conceitos das Ciências da
Natureza e Matemática adequados às necessidades
educativas do ensino fundamental” (UFSC, 2009).
iii
No primeiro ano as atividades de TC são
direcionadas ao território, levando em conta
aspectos políticos, econômicos, sociais, ambientais,
educacionais e de saúde. No segundo, os estudantes
passam a realizar as atividades de TC com foco na
escola. No terceiro e quarto anos, as atividades de
TC são estruturadas pelas atividades de estágio
(UFSC, 2009).
iv
O site foi organizado pelos estudantes Antony
Correa, Dara Ferreira e Daniel Bráz grupo
responsável pelo estudo da “Ocorrência de geadas
no Vale do Contestado, SC”.
Recebido em: 30/07/2017
Aprovado em: 18/08/2017
Publicado em: 13/12/2017
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Como citar este artículo:
APA:
Borges, M. G., Faria, J. E. S., & Brick, E. M. (2017).
Fenômenos como mediadores do processo educativo
em Ciências da Natureza e Matemática na Educação
do Campo. Rev. Bras. Educ. Camp., 2(3), 965-990.
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n3p965
ABNT:
BORGES, M. G.; FARIA, J. E. S.; BRICK, E. M.
Fenômenos como mediadores do processo educativo
em Ciências da Natureza e Matemática na Educação
do Campo. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 2, n. 3, p. 965-990, 2017. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n3p965
ORCID
Marcelo Gules Borges
http://orcid.org/0000-0003-1231-2776
Juliano Espezim Soares Faria
http://orcid.org/0000-0002-0143-9790
Elizandro Maucrício Brick
http://orcid.org/0000-0002-6890-9566