Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n1p57
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 57-75
jan./abr.
2018
ISSN: 2525-4863
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O tempo aldeia: construindo uma nova prática pedagógica
Ribamar Ribeiro Júnior
1
, Laécio Rocha de Sena
2
, William Bruno Silva Araújo
3
1
Universidade Federal de Minas Gerais - UFMG. Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas. Avenida Antônio
Carlos, 6627. Belo Horizonte - MG. Brasil. ribaamr.sociologo@gmail.com.
2
Universidade Federal do Sul e
Sudeste do Pará - UNIFESSPA.
3
Instituto Federal do Pará - IFPA.
RESUMO: Este trabalho busca dialogar com o pensamento
descolonial na educação a partir da experiência do Curso
Técnico em Agroecologia do Campus Rural de Marabá, do
Instituto Federal do Pará. Neste curso o itinerário formativo é
constituído por dois tempos de estudo: o Tempo Escola e o
Tempo Aldeia, caracterizado como “alternância pedagógica”.
Tal lógica parte do estudo da realidade “concreta”,
possibilitando aos educandos articulação dos conhecimentos
tradicionais e os técnico-científicos relacionados às dimensões
políticas, históricas, naturais. Nossa estratégia pedagógica
adotada no CTAI se aproxima em parte da proposta de educação
descolonial e o tempo aldeia se mostrou central na estratégia de
se pensar e repensar formas de educação “outras” aquelas da
modernidade.
Palavras-chave: Agroecologia, Alternância, Interculturalidade,
Currículo.
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The time village: building a new pedagogical practice
ABSTRACT: This work seeks to dialogue with the decolonial
thinking in education from the experience of the Technical
Course in Agroecology of the Rural Campus of Marabá, Federal
Institute of Pará. In this course the formative itinerary is
constituted by two study times: Time School and Time Village,
characterized as "pedagogic alternation". This logic is part of the
study of "concrete" reality, enabling students to articulate
traditional and technical-scientific knowledge related to
political, historical, and natural dimensions. Our pedagogical
strategy adopted in the CTAI approximates in part the proposal
of decolonial education and the village time was central in the
strategy of thinking and rethinking forms of education "other"
those of modernity.
Keywords: Agroecology, Alternation, Interculturality,
Curriculum.
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El tiempo aldea: construyendo una nueva práctica
pedagógica
RESUMEN: Este trabajo busca dialogar con el pensamiento
descolonial en la educación a partir de la experiencia del Curso
Técnico en Agroecología del Campus Rural de Marabá, del
Instituto Federal de Pará. En este curso el itinerario formativo
está constituido por dos tiempos de estudio: el Tiempo Escuela y
el Tiempo Pueblo, caracterizado como "alternancia pedagógica".
Tal lógica parte del estudio de la realidad "concreta",
posibilitando a los educandos articulación de los conocimientos
tradicionales y los técnico-científicos relacionados a las
dimensiones políticas, históricas, naturales. Nuestra estrategia
pedagógica adoptada en el CTAI se aproxima en parte de la
propuesta de educación descolonial y el tiempo poblacional se
mostró central en la estrategia de pensar y repensar formas de
educación "otras" aquellas de la modernidad.
Palabras clave: Agroecología, Alternancia, La
Interculturalidad, Currículo.
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Introdução
Este trabalho resulta da vivência e
pesquisa dos autores sobre as práticas de
ensino no Curso Técnico em Agroecologia
Integrado ao Ensino Médio dos Povos
Indígenas do Sudeste Paraense CTAI, do
Instituto Federal do Pará IFPA, Campus
Rural de Marabá CRMB. O CTAI pode
ser considerado desdobramento da
iniciativa e disposição do CRMB em
dialogar com a diversidade sociocultural da
região de sua abrangência, o Sudeste
Paraense. Neste cenário, o CRMB iniciou,
a partir de 2009, um diálogo constante com
os povos Assurini, Atikum, Parkatêjê,
Akrãtikatêjê, Aikewara-Suruí, Amanayé,
Guarani e Guajajara, bem como com as
instituições que atuavam junto a estes
povos, como CIMI e UFPA em vista a
conhecer e acolher as suas demandas
educacionais. No quadro abaixo
apresentamos a composição dos
integrantes do curso por aldeia e povos.
Quadro I: Composição do número de alunos por aldeia/povo.
POVOS
INDÍGENAS
ALDEIAS
MUNICÍPIOS
DE
ALUNOS
Assuriní
Trocará
Tucuruí
02
Amanayé
Barreirinha
Paragominas
05
Araradewa
Goianésia
01
Atikum
Ororobá
Itupiranga
04
Guarani
Nova Jacundá
Jacundá
02
Guajajara
Guajanaíra
Itupiranga
09
Parkatêjê
Kupejipôkti
Bom Jesus do Tocantins
05
Akrãtikatêjê
Akrãti
05
Suruí
Itahí
São Geraldo do Araguaia
03
Sororó
03
Total
37
Fonte: Arquivos da coordenação do CTAI (2012).
Desse diálogo de mais de dois anos
de construção coletiva foi concebido o
CTAI, como uma experiência pioneira no
âmbito dos Institutos Federais Ifs do
Brasil. O curso está inserido no Eixo
Tecnológico Recursos Naturais do
catálogo de Cursos Técnicos do Ministério
da Educação MEC e desde sua
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concepção expressou como uma
experiência desafiadora assumida.
A concepção do curso tomou como
base os princípios da participação efetiva e
diálogo verdadeiro preconizados pelo
CRMB (PPP, 2010). Por turno, herdou o
anseio do CRMB em ofertar uma educação
comprometida com a sustentabilidade dos
povos do campo de sua área de
abrangência. Também considerou a “crítica
ao “processo colonial” na educação da
modernidade, cujos principais
desdobramentos se expressam na negação
da diversidade, na folclorização das
sabedorias e epistemologias ‘outras’
aquelas ocidentais modernas” (Santos,
2005, p. 26-27).
Neste cenário, buscou-se com esta
pesquisa analisar a experiência do CTAI à
luz das teorias descoloniais, desde o
processo de concepção e efetivação e
desenvolvimento do curso, as interfaces
entre avanços e limites da experiência e
suas contribuições para se pensar e
repensar novas propostas de se construir
processos educativos formais “outros”
aqueles hegemônicos na modernidade.
Esta pesquisa contou com a leitura
dos relatórios produzidos pelos educandos
a partir do Tempo Aldeia, com base nos
Plano de Estudo, Pesquisa e Trabalho
PEPT. O PEPT é uma ferramenta
metodológica utilizada para orientar a
pesquisa durante o Tempo Aldeia,
normalmente organizado na forma de um
roteiro, com as questões previamente
discutidas e encaminhadas aos educandos
no último dia de aula de cada Tempo
Escola. Essas orientações dirigidas tinham
como objetivo assegurar o momento de
vivência da pesquisa nas aldeias, onde os
educandos no primeiro momento reuniam a
comunidade para socializar as atividades
escolares e apresentar o PEPT, garantindo
assim, a participação da comunidade no
processo formativo.
Nossa intenção é argumentar com os
autores descoloniais, (Mignolo, 2008 &
Quijano, 1997); as possibilidades de
rompimentos de paradigmas pedagógicos
disciplinares no processo de produção de
conhecimento, para tanto Mignolo (2008,
p. 04) afirma que “a opção descolonial
significa, entre outras coisas, aprender a
desaprender”. Desta forma, a experiência
vivenciada no curso em análise nos
permite construir conexões de uma prática
pedagógica que associa um processo de
aprendizagem de forma relacional com os
processos cotidiano dos educandos,
pautado nas suas experiências
desenvolvidas nas aldeias.
O percurso formativo em análise faz
parte de um processo que chamamos no
curso de alternância pedagógica, dispondo
de instrumentos metodológicos, como o
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plano de estudo; Diagnóstico Sociocultural
e Ambiental das Aldeias e uma
organização didática constituída em dois
momentos: o período das atividades
escolares e o da pesquisa na aldeia.
Todavia, o funcionamento do curso se deu
efetivamente pelo envolvimento dos alunos
em atividades de pesquisa, que relacione
no fazer de suas ações na aldeia e
problematize questões relacionadas a ela, é
neste contexto que uma formação
teórica e prática dos educandos.
Neste sentido, o I Ciclo pedagógico
do curso teve como foco a realização do
diagnóstico sociocultural das aldeias, os
primeiros PEPTs orientavam os educandos
a trazer informações sobre a história da
comunidade, da cultura, dos saberes e
práticas dos indígenas. No retorno á escola,
a primeira atividade do Tempo Escola era
articulada pela disciplina de “Metodologia
da Pesquisa”, cujas atividades se davam
com a socialização dos dados pelos
educandos por aldeia e no momento
posterior a sistematização em forma de
relatório. Com base nestas informações, os
professores de outras áreas de
conhecimento tinham acesso para
elaboração de seus planos de aula, baseado
na realidade dessas comunidades.
Vale ressaltar que o Tempo Aldeia é
contabilizado na carga horária, onde as
disciplinas envolvidas destinavam cerca de
30% de carga horária prevista na matriz
curricular do curso, e com
acompanhamento de educadores nas
aldeias em alguns momentos, pois estes
contribuíam com os educandos no processo
de socialização das atividades realizadas
no Tempo Escola, tendo reuniões com as
lideranças indígenas para ouvir as
demandas e tratar de assuntos relacionados
ao curso. Portanto, é nesta vivência que os
diferentes conteúdos vão sendo colocados
em prática.
Quando se observa, por exemplo,
que no II Ciclo do curso tem como
objetivo a caracterização dos
agroecossistemas das aldeias e proposições
para o manejo e gestão dos recursos
naturais, o principal elemento articulador
foi o desenvolvimento das ações para
implantação dos experimentos
socioprodutivos, que foi gerando as
discussões e dados para o percurso
formativo, conjugando assim, em
diferentes experiências para prática de
ensino dos educadores e com princípios
pedagógicos para formação dos técnicos
que terão condições de assumir em suas
aldeias o protagonismo dos projetos.
A pesquisa bibliográfica e
documental propiciou o desenvolvimento
da investigação e favoreceu a análise das
informações coletadas. Os produtos das
pesquisas como Mapas das Aldeias,
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Calendário Agrocultural, Livro de História
de Vida e o processo de implantação dos
projetos socioprodutivos, demonstraram
que foi superado com o acúmulo obtido
tanto pelos professores como pelos
estudantes ao longo do curso.
Conhecimento científico e colonização
do saber: regulação versus emancipação
Na perspectiva da colonialidade do
poder, reconhecendo a separação
epistemologicamente operada entre o
sujeito e objeto, Mignolo (2003) demonstra
como a ciência moderna esteve atrelada ao
projeto de colonialidade instaurado na
modernidade, demarcando aquele polo a
ser conhecido (os povos “sem” história e
cultura, como por exemplo, os indo-
americanos) e o sujeito cognoscente,
sujeito do conhecimento. Nessa imbricada
rede de consolidação do projeto moderno-
colonial há uma relação muito intrínseca
entre saber e poder.
Na esteira dessa discussão, afirma ser
indispensável firmar a necessidade de não
reconhecer uma fronteira entre esses
dois polos em questão, mas também a
necessidade de construção de um novo
conhecimento, uma nova ciência,
construída, por sua vez, a partir da
exterioridade.
Falar em colonialidade do poder
significa reconhecer que a consolidação do
conhecimento científico como o
conhecimento verdadeiro se dentro de
um processo marcado por uma diferença
colonial, onde não uma perspectiva
predomina como também outros saberes
são subalternizados.
O pensamento limitar
epistemologicamente propõe um novo
lócus de enunciação, às margens. Mais que
isso, pressupõe uma nova linguagem.
Leva-os a entender que é preciso colocar
em questão as relações de força que
subalternizaram outros saberes, em
detrimento de um só conhecimento.
Dessa forma, a colonialidade do
poder, como nos mostra Quijano (1997),
pressupõe e se a partir de pelo menos
quatro aspectos: i) a classificação e
reclassificação da população do planeta,
tendo a noção de cultural como algo
estruturante; ii) a articulação e
administração dessa classificação através
de instituições (tais como, o Estado,
universidades, igrejas, etc.); iii) a definição
de espaços adequados para esses objetivos
e iv) “uma perspectiva epistemológica para
articular o sentido e o perfil da nova matriz
de poder e a partir da qual canalizar a nova
produção do conhecimento” (p. 41)
A expansão ocidental que se deu a
partir do século XVI, como nos mostra
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Mignolo (2003), foi também a “expansão
de formas hegemônicas de conhecimento”,
contribuindo assim para a subalternização
de outras formas de conhecimento
existentes nas terras a serem
“conquistadas”.
A colonialidade é a modernidade
vista por sua margem, pelo outro lado da
fronteira. Segundo Mignolo:
a colonialidade traz para o primeiro
plano a coexistência e interseção
tanto dos colonialismos modernos
quanto das modernidades coloniais
(e, obviamente, a multiplicação das
historias locais que substituem a
história mundial ou universal), na
perspectiva dos povos e historia
locais quem têm de confrontar o
colonialismo moderno (Mignolo,
2003, p. 47).
Para Lander (2005) o pensamento
científico moderno opera de forma hábil no
sentido de produzir uma “naturalização das
relações sociais”. Nessa perspectiva, os
sujeitos são compelidos a acreditarem que
“a sociedade liberal constitui ... não apenas
a ordem social desejável, mas também a
única possível” (Lander, 2005, p. 08). Para
o autor, as ciências sociais contribuíram
sobremaneira nesse processo, levando à
hegemonização da narrativa neoliberal,
interditando outros discursos, outros
conhecimentos. Assim, segundo Lander:
O processo que culminou com a
consolidação das relações de
produção capitalistas e do modo de
vida liberal, até que estas
adquirissem o caráter de formas
naturais de vida social, teve
simultaneamente uma dimensão
colonial/imperial de conquista e/ou
submissão de outros continentes e
territórios por parte das potências
européias, e uma encarniçada luta
civilizatória no interior do território
europeu na qual finalmente acabou-
se impondo a hegemonia do projeto
liberal. (Lander, 2005, p. 12).
São nesse cenário que se constituem
as ciências sociais, estando, portanto
atrelada o seu desenvolvimento ao advento
da modernidade e a sua face colonial.
Nesse sentido, como bem nos afirma
Mignolo (2003) não se pode falar de
modernidade sem considerar a
colonialidade como algo que lhe é
constitutivo, isto é, modernidade e
colonialidade são partes do mesmo
processo.
Ainda acerca da relação entre as
ciências sociais e sua importância na
consolidação e naturalização da sociedade
neoliberal vale destacar que, segundo
Lander (2005, p 13), dois aspectos
fundamentais: primeiramente, “a suposição
da existência de um metarrelato universal
que leva a todas as culturas e a todos os
povos do primitivo e tradicional até o
moderno”. Dessa forma, institui-se a
sociedade liberal europeia como norma,
padrão, devendo as demais sociedades ser
niveladas/classificadas tomando-a como
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referência. O segundo aspecto é que, “as
formas do conhecimento desenvolvidas
para a compreensão dessa sociedade [a
europeia] se converteram nas únicas
formas válidas, objetivas e universais de
conhecimento”.
O pensamento ocidental moderno é
um pensamento abissal. Ele consiste num
sistema de distinções visíveis e invisíveis.
As invisíveis constituem o fundamento das
visíveis e são estabelecidas através de
linhas radicais que dividem a realidade
social em dois universos, o universo “deste
lado da linha” e o universo do “outro lado
da linha”. A divisão é tal que o outro lado
da linha desaparece como realidade, se
converte em inexistente (Santos, 2010, p.
29).
Segundo Santos (2010) o que mais
caracteriza o pensamento abissal é
justamente a impossibilidade de
coexistência entre esses dois lados da
linha, sendo que o lado de é
invisibilizado, tornado o outro do
conhecimento ocidental e, portanto, tendo
os seus sujeito e saberes estigmatizados,
menosprezados e desta forma, justificando
a ação colonizadora e reguladora do Estado
moderno. Essa colonização se também
na perspectiva epistemológica, uma vez
que os saberes e práticas do sujeito do lado
de da linha são negados, eclipsados, em
nome de uma única forma de
conhecimento: a ciência. Esta, por sua vez,
se mostrou ao longo da história como um
conhecimento cada vez mais regulador.
É mister ressaltar, conforme Santos
(2010), que cada vez mais essa linha
abissal tem sido colocada em xeque por
esses sujeitos subalternizados. Segundo o
autor, “o outro lado da linha se ergueu
contra a exclusão social, as populações que
haviam sido submetidas ao paradigma da
apropriação/violência se organizam e
clamam pelo direito de serem incluídas no
paradigma” (Santos, 2010, p. 37-38).
A ação política desses sujeitos
subalternizados tem forçado a academia e
o próprio Estado a se repensar e
reestruturar as suas políticas públicas
educacionais. Outros sujeitos, outras
pedagogias. De acordo com Arroyo (2014),
os coletivos populares trazem para as
teorias e práticas educativas que os pensem
produzidos dentro de uma relação marcada
por dominação/subalternização/opressão.
São várias experiências dessas que tem
acontecido no Brasil nos últimos anos, com
avanço de discussões que estão em torno
de uma maior participação destes
“sujeitos”.
A resistência política desses
“sujeitos” subalternizados, invisibilizados,
representa também uma resistência
epistemológica e, com isso, uma pressão a
fim de por fim às linhas abissais (Arroyo,
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2010; Santos, 2010). Em suma, é no bojo
dessa compreensão acerca da relação tensa
entre uma racionalidade reguladora que
marca a ciência moderna e a
racionalidade emancipadora, com vistas à
promoção da igualdade social, que a
acadêmica é hoje um campo de disputa
na perspectiva de Bourdieu (2005) entre
diferentes saberes. O diálogo entre
diferentes saberes é fundamental na
construção de uma proposta educacional
com objetivo de promover a igualdade
social e emancipação desses sujeitos
historicamente subalternizados.
Construção participativa e o diálogo
entre diferentes saberes
A construção da proposta do CTAI
teve início 2009 pelo Campus Rural de
Marabá, do Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia do Pará, pautando-se,
sobretudo, pelo diálogo com as lideranças
e sábios de cada aldeia, em vista de
conhecimento de sua história, projetos
societários e desafios dos mais diversos,
tais como aqueles voltados para as
atividades produtivas, gestão do território e
fortalecimento da cultura e identidades de
cada povo.
Dessa forma, o processo de
construção seguiu os seguintes passos: o
primeiro a realização de visitas às aldeias,
com vistas à construção de um breve
diagnóstico sócio cultural e agroambiental
das comunidades indígenas nas diversas
áreas onde havia demanda. Foram
visitados os povos: Aikewara, Atikum,
Guajajara, Guarani, Amanayé,
Akrãtikatêjê, Parkatêjê e Assurini do
Trocará, totalizando 9 povos e 12 aldeias.
Após as visitas foi realizado um
seminário com o objetivo de apresentar e
discutir o diagnóstico preliminar com
vistas ao processo de implantação do
curso. Esse seminário contou com a
presença de instituições governamentais,
não governamentais, representantes e
lideranças de vários povos indígenas. Foi
um momento decisivo para se ter a clareza
de optar por um curso técnico em
agroecologia, pautando-se pelo diálogo e
respeito aos modos de vida de cada povo.
Esse diálogo constante com as
lideranças indígenas e os sábios de cada
povo foram fundamentais, uma vez que
proporcionou novos momentos que
ajudaram a aprofundar essa etapa de
construção, garantindo uma proposta de
curso que dialogasse com os anseios e
desafios de cada povo. Em 2010, ocorreu a
restituição do diagnóstico nas aldeias, com
detalhamento de demandas apresentadas
pelos indígenas, e a construção do Projeto
Político Pedagógico do curso Técnico em
Agroecologia integrado ao Ensino Médio.
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O curso tem como objetivo a
formação de jovens indígenas do sudeste
paraense, na perspectiva intercultural do
diálogo de saberes/práticas tradicionais e
conhecimentos técnico-científicos e da
articulação de formação humanista e
profissional, através de diferentes práticas,
tempos e espaços pedagógicos, visando
contribuir para a segurança alimentar, a
gestão territorial e ambiental e com os
projetos societários de cada povo.
Ainda em 2010, foi realizada uma
formação dos Educadores do Campus
Rural de Marabá do Instituto Federal de
Educação do Pa CRMB/IFPA sobre
Educação Escolar Indígena. Essa formação
permitiu que o quadro de professores
tivesse acesso aos processos educativos
dos indígenas, tendo em vista que houve
uma participação dos professores das
aldeias e lideranças indígenas.
Somente no ano de 2011, com a
realização do II Seminário dos Povos
Indígenas do Sudeste Paraense, cujo
objetivo foi concluir o ementário das
disciplinas, elaborar as diretrizes de
funcionamento do curso, e discutir a
metodologia do processo de seleção dos
candidatos ao curso, que ocorreu os
encaminhamentos finais para o inicio do
curso. É importante ressaltar, que o ponto
chave do segundo seminário foi aprovar o
documento oficial redigido e assinado
pelos presentes que desencadeou no
processo seletivo, estabelecendo duas
etapas, sendo que todas seriam realizadas
nas aldeias dos povos presentes no
seminário. Uma etapa constituía-se de uma
roda de conversa, onde tinha uma banca
composta por membros do IFPA e
instituições parceiras junto com os
candidatos ao curso, à comunidade e as
lideranças indígenas. A outra, os
candidatos realizaram uma produção de
texto, trazendo vários elementos, como a
historia, cultura e tradições do seu povo,
como também alguns problemas e desafios
da aldeia. Nesse caso, ressaltam-se os
desafios de ordem técnico-produtiva, como
também de políticas públicas.
Esses elementos levantados nas
aldeias, durante o processo seletivo, foram
importantes para o planejamento das
atividades ao longo do percurso formativo
do curso, numa perspectiva de uma
educação escolar indígena que dialogue
com a realidade do educando. Neste
sentido, foram elencados os desafios da
construção da proposta de integração
curricular, com um currículo pautado não
somente em elementos teóricos, mas
concretos, partindo da realidade e
necessidade dos sujeitos demandantes,
integrando não somente partes, conforme
Araújo e Ribeiro Junior (2016).
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Ressaltamos o grande desafio de
refletir a região sudeste do Pará, como um
importante território na Amazônia
Oriental, cuja população indígena está
distribuída em várias áreas. Elas compõem
uma multiplicidade de situações, que se
refere à extensão de suas terras, gestão dos
territórios e a socioeconomia, e às questões
de sua organização social. Na questão do
território, existem povos que estão em
Terras Indígenas homologadas com seus
territórios reconhecidos e outros que se
encontram como assentados da reforma
agrária são grupos que migraram para
região sudeste do Pará, vindos de outras
regiões do Brasil. Estes últimos, sobretudo
na década de noventa, porém todos sob
impactos de grandes projetos que
atingiram, diretamente, seus territórios,
suas condições de vida, levando a
constituir estratégias como opção de
reproduzir sua existência. Neste contexto,
estão os Gavião” da Terra Indígena Mãe
Maria localizados no município de Bom
Jesus do Tocantins no sudeste paraense,
divididos em três grupos locais: os
Parkatêjê, Kyikatê e os Akrãtikatêjê, e
também os Aikewara, Guajajara, Atikum,
Amanayé, Guarani, Assurini, todos na
região sudeste do Pará, onde tiveram seus
territórios impactados por grandes
empreendimentos.
Os Aikewara tiverem o contato com
a sociedade nacional, como nos mostra
Laraia e Da Matta (1967) durante o
período de exploração extrativa da
castanha, ainda na década de 1950, e na
década de 1970, com a Guerrilha do
Araguaia, tiveram seu território e sua
aldeia invadida pelo exército brasileiro, a
sua terra sendo cortada por estradas abertas
pelos militares, entre outros fatores. A
atuação do exército na terra indígena
Sororó durante a Guerrilha do Araguaia é
um episodio bastante traumático na
memoria deste povo indígena.
Os povos Guajajara, Atikum e
Guarani são oriundos de outras regiões do
país, e chegam à região muito
recentemente. Ambos sofrem com as
pressões das grandes fazendas que lhes
avizinham e com o seu reduzido território.
Os Atikum e Guajajaras, por exemplo,
vivem em diferentes áreas de assentamento
de Reforma Agrária, no município de
Itupiranga. Enquanto os Guajajaras são
naturais do Maranhão, os Atikum migraram
do estado de Pernambuco. o povo
Guarani vive numa terra indígena, no
município de Jacundá, porém numa área
pequena ainda em fase de expansão.
Do ponto de vista das atividades
sócio produtivas realizadas nas aldeias, o
relatório apontou para os seguintes tipo de
cultivo e territórios de produção (CRMB,
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2010), os quais sejam: cultivo de roçados e
produção de farinha, cultivo de sítios e
pomares, horticultura, pequenos animais,
coleta de fruto e caça, criação de gado e
pesca. O beneficiamento e a
comercialização da produção era uma
demanda comum a todas as comunidades
indígenas. O artesanato é uma atividade
realizada na maioria das aldeias, no entanto
essa atividade se encontra ameaçada, tendo
em vista a diminuição crescente dos
recursos naturais.
É frente a esse cenário, e esses
desafios vivenciados pelos povos indígenas
da região sudeste do Pará que foi pensado
e construído, de forma participativa e
dialogada, o Curso Técnico de
Agroecologia. Para potencializar o diálogo
entre as demandas dos povos indígenas e
os saberes científicos discutidos no âmbito
do curso foi fundamental a interface entre
o conhecimento científico e os saberes
tradicionalmente construídos por esses
povos indígenas, operacionalizando assim
uma descolonização do currículo escolar e
uma ecologia dos saberes (Santos, 2010).
Para proporcionar esse espaço, duas
propostas do curso foram executadas com
diferentes estratégias pedagógicas, dentre
as quais se podem citar a alternância
pedagógica e o PEPT (Plano de Estudo,
Pesquisa e Trabalho). Com vistas à
promoção de uma educação intercultural, a
alternância pedagógica, conforme afirma o
PPC do curso, busca o “desenvolvimento
de processos formativos integrados a
articulação entre as áreas do conhecimento
(humanidades, linguagens, exatas e
naturais), saberes tradicionais e científicos,
formação humana e profissional, diferentes
práticas, tempos e espaços pedagógicos”
(CRMB, 2010, p. 36, grifos nossos).
Nessa alternância pedagógica, dois
espaços formativos importantes são o
tempo-espaço aldeia e o tempo-espaço
escola. O primeiro é “se caracteriza por ser
o momento de vivência, pesquisa,
experimentação e ressignificação dos
conteúdos escolares e dos saberes/práticas
tradicionais dos próprios indígenas”
(CRMB, 2010, p. 37). Esse tempo-espaço
formativo é prensado de forma articulada
com o tempo-espaço escola, pois é nele
que “se organiza como um momento de
distanciamento do cotidiano/contexto de
origem, visando desencadear um processo
de escolarização que se faça como
momento de reflexão sobre a vida na
família/comunidade, a produção e a
realidade social mais ampla”. Articulação
entre esses diferentes espaços formativo,
conforme afirmamos é de suma
importância para o diálogo intercultural.
É nesta perspectiva que o PEPT
cumpre um papel enquanto instrumento
pedagógico articulador entre a construção
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do conhecimento na escola e a pesquisa
realizada nas aldeias. Aqui a pesquisa
articula a investigação com a práxis.
De acordo com Freire:
Simplesmente, não posso conhecer a
realidade de que participam a não ser
com eles como sujeitos também deste
conhecimento que, sendo para eles,
um conhecimento do conhecimento
anterior (o que se ao nível de sua
experiência quotidiana) se torna um
novo conhecimento (Freire, 1982, p.
35).
Desse modo, empreender uma
pesquisa nessa perspectiva significa
reconhecer os saberes e práticas às quais
esses sujeitos são portadores, bem como o
modo como os mesmo significam sua
prática cotidiana. Mais que isso, ao
adotarmos essa postura, como nos assevera
Borda (1982, p. 52) “soluciona-se não
apenas o problema de ‘para quem’ este
estudo é feito, mas também o da
incorporação do cientista ao meio em que
ele deve atuar”. É essa inserção do
pesquisador na realidade a ser pesquisada,
e sua disposição a dialogar com esses
sujeitos, reconhecendo-os não como
objetos, mas enquanto sujeitos ativos do
pesquisar, que potencializa uma pesquisa-
ação transformadora. De acordo com
Borda,
A potencialidade da pesquisa
participante está precisamente no seu
deslocamento proposital das
universidades para o campo concreto
da realidade. Esse tipo de pesquisa
modifica basicamente a estrutura
acadêmica clássica na medida em que
reduz as diferenças entre objeto e
sujeito de estudo. Ela induz os
eruditos a descer das torres de
marfim e a se sujeitarem ao juíz das
comunidades em que vivem e
trabalham, em vez de fazerem
avaliações de doutores e catedráticos
(Borda, 1982, p. 60).
Frente às questões colocadas aqui,
partiremos agora para uma reflexão acerca
do PEPT e da articulação entre os
diferentes tempos-espaços formativos para
o diálogo entre os saberes científicos e
aqueles tradicionalmente construídos nas
comunidades indígenas, tendo em vista os
desafios dessas comunidades.
As contribuições da pesquisa do
Tempo Aldeia possibilitaram um exercício
de interculturalidade entre a escola e os
povos indígenas integrantes do curso. Os
conhecimentos trazidos pelos educandos
foram se integrando aos conteúdos das
disciplinas por meio dos dados
socializados e sistematizados. O livro de
História de Vida e Calendário
Agrocultural proporcionou de uma forma
geral uma integração das etnias, onde os
jovens estudantes passaram a conhecer
seus parentes que ainda não tinham muito
conhecimento, apesar de todos os grupos
pertencerem à mesorregião do sudeste
paraense.
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Para tanto, vale ressaltar a
importância da troca de experiência com
estes conhecimentos, levando em
consideração os sentidos atribuídos à
formação. Para tanto, Silva (2012, p. 169)
reflete sobre os “processos de trabalho,
modos de vida e culturas especificas”
como representações de escola e interação
com os indivíduos. Destacam-se, neste
sentido os diferentes objetivos que estão
atribuídos a este processo de alternância,
Seja como estratégia de inclusão escolar,
cuja ênfase era a permanência do aluno na
atividade familiar produtiva, seja como
estratégia de qualificação profissional do
jovem, cuja ênfase era o subsídio técnico à
agricultura” (Silva, 2012, p. 172).
Essa singularidade é conferida com
os jovens indígenas, sobretudo do ponto de
vista do envolvimento nas atividades
práticas encaminhadas para serem
associadas as suas realidades. O que nos
leva a refletir sobre os processos de
aprendizagem a partir da abordagem de
integração curricular dos conteúdos que
foram sendo trabalhados com evidencia a
uma prática.
Com essa dinâmica os conteúdos
encontram-se em permanente relação,
sempre se complementando e articulados, e
como se trata de nove etnias, um
significado muito grande nesta relação de
práticas e saberes dessas populações
dialogando com novas aprendizagens, o
que considero como aspecto diferenciador,
o propósito que tem de desenvolver
praticas agroecológicas e trocas essas
experiências com o saber institucional.
Silva (2012, p. 29) “pressupõe a
existência de um vai e vem necessário para
permitir ao saber formalizado se confrontar
com a prática e ao saber prático se
formalizar”, é neste confronto que as
contribuições dessa prática educativa do
Curso de Agroecologia do Campus Rural
de Marabá, tem se evidenciado.
Para um curso de Agroecologia essa
experiência em alternância, dando
relevância ao período que os estudantes
ficam na aldeia com atividades, passa a
convergir com uma reflexão às condições
adotada, prevalecendo uma visão critica e
com práticas concretas de um ensino
técnico que leva em consideração o
diálogo com o conhecimento das
populações indígenas. Sobretudo,
rompendo com a lógica das disciplinas
compartimentadas por conteúdos fora da
realidade.
Nos relatórios produzidos pelos
estudantes aborda os limites que encontram
com a comunidade quando são levadas
tarefas que essa comunidade rejeita. Em
um destes documentos assinados por
estudante Atikum, ele resume como a sua
comunidade não deu andamento a proposta
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realizada por técnicos da Companhia
Nacional de Abastecimento (CONAB),
durante uma oficina organizada pela
coordenação do curso para constar como
atividade de Tempo Aldeia, que seria a
elaboração de um projeto para ser
submetido ao Programa de Aquisição de
Alimentos (PAA).
Chegamos a fazer uma reunião com
as lideranças e comunidade onde teve
família que se interessou em fazer o
projeto como não tinha
conhecimento não fizeram, por mais
que nós explicamos, o cacique
aconselhou que para fazer o projeto
tinha que ter um conhecimento
suficiente (André Atikum Relatório
de Visita de Campo).
Neste caso o esforço feito foi de
capacitar os jovens estudantes para o
processo de elaboração de projetos. A
deficiência no momento em que o órgão do
governo possibilitou a oportunidade de
uma inserção das comunidades indígenas
em fornecer alimento para o Campus Rural
de Marabá, através do PAA, porém, foram
esbarradas nas limitações técnicas. Pois,
consta que na maioria das comunidades
havia os produtos para serem
comercializados.
O dialogo e interação entre as áreas
de conhecimento se apresenta como
desafios, por ser uma proposta inovadora e
isso exige disponibilidade para
compreender as problemáticas elencadas
pelos alunos, que na maioria das vezes é
trazida como porta-vozes das comunidades
elencadas. Portanto, percebe-se que a
proposta pedagógica do Campus Rural de
Marabá, está clara no sentido de um
projeto de educação em construção, e, que
a educação profissional tem objetivo de
atender os povos do campo. Envolvendo a
dimensão da interdisciplinaridade. É
importante ressaltar que essa formação
técnica e tecnológica associada à
interdisciplinaridade, não pode ser vista
como um modismo. Para isso Stuani
(2010) destaca que:
trabalhar interdisciplinarmente,
requer uma mudança de postura
frente ao conhecimento e ao ato
educativo; exige busca constante por
novos conhecimentos e um maior
diálogo entre as áreas do
conhecimento. Portanto, pensar o
conhecimento em sua totalidade,
envolve romper com as barreiras que
individualizam as disciplinas,
buscando perceber as interfaces que
ligam os diferentes saberes na
compreensão dos fenômenos
estudados. Diria que o sentido do
interdisciplinar está na contribuição
das áreas do conhecimento, no
entendimento de um objeto de estudo
comum, desvelando as várias
dimensões que o envolvem, dando
um sentido de totalidade (Stuani,
2010, p. 78).
Ademais, configura-se que o que foi
pensado, construído e vivenciado neste
curso técnico em agroecologia, não pode
ser compreendido apenas como uma
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experiência isolada, pois a forte
participação de outros sujeitos em outras
etapas de formação tem colocado em
destaque o fato de o Tempo Aldeia, ou
Tempo Comunidade (para os cursos
regulares da instituição como Técnico em
Agropecuária Licenciatura em Educação
do Campo), ser um importante instrumento
metodológico de pesquisa, ensino e
extensão, ao mesmo tempo em que são
colocadas na prática as ações que são
desenvolvidas neste período.
Conclusões
Na perspectiva de uma construção de
uma proposta de curso que dialogasse e
respondesse aos desafios da mais diversa
ordem enfrentados pelas comunidades
indígenas da região sudeste do Pará, foi
fundamental um diálogo intercultural entre
os saberes dos povos indígenas da região e
os conhecimentos construídos no âmbito
da academia. Isso por sua, levou-nos a
repensar o lugar do próprio conhecimento
cientifico na sociedade ocidental, vendo-o
numa perspectiva política, alinhada a um
processo moderno/colonial de supressão de
outros saberes e práticas que existem
dentro de uma diversidade e são
desconsideradas em nome desse processo.
Para tanto, foi fundamental o diálogo com
a teoria descolonial, a qual nos faz refletir
profundamente sobre experiências como
esta.
O objetivo deste trabalho em buscar
o diálogo e as contribuições desse processo
de formação integrada nos apresenta uma
análise visando compreender os propósitos
da alternância num curso técnico, onde
jovens de diferentes etnias foram
possibilitados aos domínios de
conhecimento técnico-científico
combinados com suas práticas
desenvolvidas nas suas comunidades,
buscando compreender as lógicas e lugares
diante dos impactos que essas populações
têm sofrido frente aos grandes projetos na
região sudeste paraense.
Portanto, a experiência estudada
figura no cenário de inserção de realidades
socioeconômicas, culturais e ambientais
protagonizadas por sujeitos que vivenciam
nestes territórios uma dinâmica
diversificada, onde o curso passa a ser um
espaço a mais de valorização e vivência da
identidade étnica. O que se aprende e
ensina vai ganhando outro significado,
uma vez que podemos dialogar com
códigos conhecidos e dominados por
indígenas.
Constata-se que o processo de
alternância, mais precisamente o Tempo
Aldeia, foi fundamental para assegurar o
funcionamento do curso e garantir de fato
que a proposta pedagógica fosse validada.
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Um dos motivos dessa importância está
nas constantes mobilidades feitas pelos
estudantes. A necessidade de estarem perto
da família, às responsabilidades atribuídas
pelas lideranças a estes jovens e o
compromisso de ter uma boa formação,
mesmo considerando todas as dificuldades
de deslocamentos das aldeias para a escola.
Conciliar os dois universos de
aprendizados colocam os professores num
conjunto de circunstâncias, do fazer, do
ensinar e aprender. Isso quebra velhos
paradigmas de uma educação tradicional,
que apenas reproduz. Para um curso
técnico, é um ato de construir currículo
praticando um ensino diferenciado.
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Recebido em: 22/08/2017
Aprovado em: 02/09/2017
Publicado em: 15/12/2017
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APA:
Ribeiro Júnior, R., Sena, L. R., & Araújo, W. B. S.
(2018). O tempo aldeia: construindo uma nova
prática pedagógica. Rev. Bras. Educ. Camp., 3(1), 57-75.
ABNT:
RIBEIRO JÚNIOR, R. R.; SENA, L. R.; ARAÚJO,
W. B. S. O tempo aldeia: construindo uma nova
prática pedagógica. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 3, n. 1, p. 57-75, 2018.
ORCID
Ribamar Ribeiro Júnior
http://orcid.org/0000-0002-5859-0408
Laécio Rocha de Sena
http://orcid.org/0000-0003-2275-1051
William Bruno Silva Araújo
http://orcid.org/0000-0002-8988-0926