Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n1p76
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 76-103
jan./abr.
2018
ISSN: 2525-4863
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Educação do Campo e material didático: uma análise de
livros didáticos de História
i
Cicero da Silva
1
ii
, Ilário Dias Cardoso Filho
2
1
Universidade Federal do Tocantins - UFT. Departamento de Educação do Campo. Avenida Nossa Senhora de
Fátima, 1588. Céu Azul. Tocantinópolis-TO. Brasil. cicolinas@yahoo.com.br.
2
Universidade Federal do
Tocantins - UFT.
RESUMO. Neste artigo, o objetivo é analisar Livros Didáticos
de História (LDH) utilizados no Ensino Fundamental (6º ano)
em escolas do campo situadas no município de Tocantinópolis-
TO. Considerando que a formação na perspectiva da Educação
do Campo possibilita reconhecer e valorizar os saberes e a
cultura, buscando a emancipação dos camponeses, o estudo do
material didático selecionado compreende uma análise dos
seguintes elementos das obras: (1) conteúdos; (2) atividades; (3)
interação professor-aluno; e as (4) imagens. A pesquisa é de
natureza bibliográfica, de abordagem qualitativa. O corpus é
constituído por dois LDH: um produzido para o Programa
Escola Ativa e, outro, destinado às escolas situadas no meio
urbano, mas adotado também por escolas do campo do contexto
da pesquisa. Tendo em vista a realidade das escolas do campo e
do contexto social, político e econômico em que vivem os
camponeses, o estudo revelou que apenas um dos LDH
analisados atende aos princípios defendidos pela Educação do
Campo.
Palavras-chave: Livro Didático, História, Educação do Campo.
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Rural Education and teaching material: an analysis of
History textbooks
ABSTRACT. In this paper, the aim is to analyse history
textbooks (LDH) used by Elementary School (6th grade) in rural
schools located in the municipality of Tocantinópolis-TO.
Considering that the training in the Rural Education perspective
has made it possible to recognize and value knowledge and
culture, seeking the emancipation of the peasants, this
investigation of the selected teaching material includes an
analysis of the following elements of the textbooks: (1) contents;
(2) activities; (3) teacher-student interaction; and (4) images.
The research is of bibliographic nature and qualitative approach.
The corpus consists of two LDHs: one produced for the
Programa Escola Ativa and another for schools located in urban
areas, but also used in the rural schools of research context. In
view of the reality of rural schools and the social, political and
economic context in which the peasants have lived, the research
results have revealed that only one of the LDHs analyzed
follows the principles defended by Rural Education.
Keywords: Textbook, History, Rural Education.
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Educación Rural y material didáctico: un análisis de libros
didácticos de Historia
RESUMEN: En este artículo, el objetivo es analizar Libros
Didácticos de Historia (LDH) utilizados en la Enseñanza
Fundamental (6º año) en escuelas rurales situadas en el
municipio de Tocantinópolis-TO. Considerando que la
formación en la perspectiva de la Educación Rural posibilita
reconocer y valorar los saberes y la cultura, buscando la
emancipación de los campesinos, el estudio de material
didáctico seleccionado comprende un análisis de los siguientes
elementos de las obras: (1) contenido; (2) actividades; (3)
interacción maestro-alumno; y las (4) imágenes. La
investigación es de naturaleza bibliográfica, de abordaje
cualitativo. El corpus está constituido por dos LDH: uno
producido para el Programa Escola Ativa y, otro, destinado a las
escuelas situadas en el medio urbano, pero adoptado en escuelas
rurales del contexto de la investigación. En vista de la realidad
de las escuelas rurales y del contexto social, político y
económico en que viven los campesinos, el estudio reveló que
sólo uno de los LDH analizados atiende a los principios
defendidos por la Educación Rural.
Palabras clave: Libro Didáctico, Historia, Educación Rural.
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Introdução
A luta e resistência dos movimentos
sociais que representam os camponeses
contra a opressão e a negação de direitos
têm surtido efeitos. As “Conferências Por
Uma Educação Básica do Campo”,
realizadas no país desde a primeira que
aconteceu em 1998, na cidade de Luziânia-
GO, sinalizam nesse sentido. A partir disso
e, sob forte pressão dos movimentos
sociais do campo, o governo brasileiro tem
estabelecido ações objetivando apoiar
técnica e financeiramente os Estados,
Municípios e o Distrito Federal na
execução da política pública de Educação
do Campo para atender as demandas dos
povos do campo, embora a gestão atual
esteja reduzindo drasticamente os recursos
destinados a essa política pública.
Para promover essa Política
educacional específica com a finalidade de
atender as demandas (no ensino básico)
dos camponeses, o Governo Federal
implantou alguns programas, como:
Programa Escola Ativa (1997), Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária
- PRONERA (1998), Projovem Campo
Saberes da Terra (2009), para citar
alguns. Além disso, também foram criados
programas voltados à formação de
professores da Educação do Campo, assim
como a distribuição de alguns materiais
didáticos (MD) específicos para atender as
escolas do campo. Obviamente, esse
conjunto de ações visa a ampliar o acesso e
a qualificação da oferta da educação básica
e superior aos povos do campo. Porém,
defendemos a premissa de que o sucesso
da formação na perspectiva da Educação
do Campo também depende de MD
construídos com base na realidade do
contexto do campo.
Assim, o objetivo deste estudo
iii
é
analisar livros didáticos de História
utilizados no ano do Ensino
Fundamental da Educação do Campo em
escolas do campo e em programa de
formação de camponeses no município de
Tocantinópolis-TO, microrregião do Bico
do Papagaio. Trata-se, portanto, de uma
pesquisa de natureza bibliográfica, de
abordagem qualitativa. O corpus é
constituído por dois exemplares diferentes
de Livros Didáticos de História (LDH)
selecionados para análise, a saber:
Caderno de Ensino Aprendizagem:
História 5 LDH 1 (do Programa Escola
Ativa) e Vontade de Saber História LDH
2, do ano (produzido para escolas
situadas no meio urbano, mas adotado
também por escolas do campo de
Tocantinópolis-TO).
Com base na abordagem teórico-
metodológica assumida na pesquisa, na
análise desse material didático do ano
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do Ensino Fundamental focalizamos
aspectos constitutivos de ambas as obras,
como: (1) conteúdos; (2) atividades; (3)
interação professor-aluno; e as (4)
imagens, cuja intenção é compreender
diferenças/particularidades entre os
conteúdos apresentados pelos LDH
analisados em relação aos propósitos da
Educação do Campo.
O trabalho está organizado em duas
partes. A primeira, além desta Introdução,
traz uma síntese de pesquisas
desenvolvidas sobre Livro Didático (LD)
da Educação do Campo, inclusive, da
produção e distribuição de LD pelo
Ministério da Educação (MEC). a
segunda parte apresenta aspectos
metodológicos da pesquisa, caracterização
das obras analisadas, bem como a
discussão dos dados da pesquisa. Ao final,
apresentamos algumas considerações a
respeito do estudo.
O Livro Didático (LD) na Educação do
Campo
O Livro Didático (LD) consiste
numa multiplicidade de conhecimentos
reunidos e selecionados, condicionados por
teorias sociais, crenças, valores e
intencionalidade ideológica numa
quantidade limitada de folhas de papel (cf.
Arboit & Pacheco, 2013). Geralmente, é
dividido por área de conhecimento
(História, Geografia, Matemática,
Biologia, língua) e funciona como um guia
que roteiriza o percurso do processo
ensino-aprendizagem dos professores e
alunos, com os conteúdos que carrega.
Considerando que o nosso objeto de
investigação é LD de História do Ensino
Fundamental, não trataremos de livros de
outras disciplinas neste artigo. Pesquisas a
respeito da produção, circulação e usos de
material didático (MD
iv
) de História do
Ensino Fundamental, sobretudo nas escolas
do campo, ainda apresentam um número
reduzido. Destacamos aqui os trabalhos de
Arboit e Pacheco (2013), Costa (2014) e
Berbat e Feijó (2016).
O estudo de Arboit e Pacheco (2013,
p. 140) tem como objetivo “... conhecer
como o cotidiano de vida e trabalho do
meio rural é retratado pelos livros didáticos
utilizados nas escolas rurais e urbanas”.
Segundo os autores, os resultados da
pesquisa revelaram que o LD difunde
estereótipos, os quais favorecem a
perpetuação de uma visão dicotomizada,
veiculando crenças que supervalorizam o
urbano, como meio natural e único de
desenvolvimento, sucesso econômico e
progresso. o contexto rural no LD é
minimizado, evidenciando dificuldades,
vida sofrida, trabalho árduo e baixa
remuneração. Ainda segundo os autores,
urge ressignificar as políticas públicas
educacionais com o intuito de estabelecer
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nos LD “... uma política de valorização a
diversidade, capaz de apontar novos
paradigmas, que despontam no horizonte
como proposta de superação das
desigualdades sociais, impregnadas nesse
sistema capitalista, visando promover a
inclusão social”. (Arboit & Pacheco, 2013,
p. 151).
a pesquisa de Costa (2014, p. 10)
tem como objeto de estudo LD do ano
do Ensino Fundamento do Programa
Escola Ativa, cujo objetivo é “... identificar
as estratégias discursivas voltadas para a
contextualização desses livros preparados
especificamente para a Educação do
Campo avaliando os pressupostos
orientadores das escolhas que os
caracterizam como incluídos em uma
realidade específica”. Nas análises, a
autora utiliza dois LD do ano do Ensino
Fundamental do Escola Ativa, sendo um
exemplar de Língua Portuguesa e um de
História.
Diferentemente do que revelou o
estudo de Arboit e Pacheco (2013), os
achados da investigação de Costa (2014)
mostraram que uma tentativa nas obras
analisadas de privilegiar as experiências
dos alunos camponeses, além de
acrescentar a elas novas visões a respeito
do contexto do campo e trazer temas
vinculados às lutas dos movimentos sociais
pela terra e a Reforma Agrária, à luta a
favor da policultura em contraposição a
monocultura, à defesa do trabalho coletivo
realizado pela família na comunidade e sua
participação na escola, bem como a
necessidade de políticas públicas
específicas voltadas para atender as
demandas do campo.
Berbat e Feijó (2016) também
desenvolveram uma investigação sobre
MD, cujo propósito é identificar a
relevância ou não do LD do campo em
relação à realidade educativa de uma
escola rural da rede pública municipal de
ensino situada em um município do
interior do estado do Rio de Janeiro. A
investigação leva em consideração o
espaço cultural e social vivido pelos
alunos. Os dados dessa pesquisa incluem
LD utilizados pelos alunos, entrevistas
com uma professora e alunos da escola-
campo.
Segundo Berbat e Feijó (2016), os
resultados do estudo revelaram que,
embora o Programa Nacional do Livro
Didático do Campo (PNLD Campo) tenha
como meta distribuir obras que
contemplem as especificidades do campo,
tendo em vista a realidade do contexto
investigado “algumas obras não
consideram a organização multisseriada,
nem se relacionam de forma pertinente ao
contexto camponês nas suas lutas, formas
de reprodução da existência, identidade e
cultura” (Berbat & Feijó, 2016, p. 476).
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Portanto, são constatações que preocupam
e precisam ser resolvidas.
Em relação à política blica voltada
a MD, o Governo Federal instituiu, em
diferentes momentos da trajetória da
educação brasileira, comissões e
programas vinculados ao Ministério da
Educação (MEC) com a atribuição de
viabilizar a avaliação, compra e
distribuição de LD para a educação básica
em todo o país (cf. Freitas & Rodrigues,
2008; Filgueiras, 2013). Embora recente,
merece destaque o Programa Nacional do
Livro Didático do Campo (PNLD Campo),
o qual faz a distribuição de LD (inclusive
de História) para as escolas situadas no
campo. Esse programa tem como principal
objetivo
... considerar as especificidades do
contexto social, econômico, cultural,
político, ambiental, de gênero,
geracional, de raça e etnia dos Povos
do Campo, como referência para a
elaboração de livros didáticos para os
anos iniciais do ensino fundamental
(seriado e não seriado), de escolas do
campo, das redes públicas de ensino
(Brasil, 2012, p. 9).
Trata-se de uma política pública de
fundamental importância, que pode
fomentar a produção de LD que
contemplem as especificidades do contexto
do campo, embora a pesquisa de Berbat e
Feijó (2016) tenha revelado em suas
análises inadequações em LD do PNLD
Campo.
Além do PNLD Campo, nos últimos
anos os Programas do MEC voltados para
Educação do Campo também produzem e
distribuem alguns materiais didáticos (LD,
apostilas, entre outros) para as escolas do
campo. A Coordenação Geral de Educação
do Campo, por exemplo, em parceria com
a Secretaria de Educação Continuada,
Alfabetização e Diversidade (SECAD) e o
MEC, elaborou os LD do Programa Escola
Ativa
v
destinados às séries iniciais do
Ensino Fundamental, da Educação do
Campo. Esses LD fazem parte da coletânea
Cadernos de Ensino Aprendizagem, a qual
traz volumes específicos de: História,
Geografia, Língua Portuguesa,
Matemática, Ciências e Alfabetização (cf.
Brasil, 2010). Os LD do Escola Ativa
tiveram sua primeira edição publicada no
ano de 2010, com temáticas pedagógicas e
orientações teórico-metodológicas voltadas
para o trabalho em turmas multisseriadas.
Portanto, um dos LD de história analisados
nesta pesquisa faz parte da referida
coletânea.
Metodologia da pesquisa
A pesquisa, de abordagem qualitativa
(Bogdan & Biklen, 1994) e análise
interpretativa de dados, é caracterizada
como bibliográfica. Entendemos que a
revisão bibliográfica permite apresentar
definições do quadro conceitual, dando
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sustentação às análises tecidas a respeito
dos dados selecionados no estudo. Além
disso, na abordagem investigativa
qualitativa “... tudo tem potencial para
constituir uma pista que nos permita
estabelecer uma compreensão mais
esclarecedora do nosso objeto de estudo”
(Bogdan & Biklen, 1994, p. 49).
O corpus da pesquisa é constituído
por dois exemplares diferentes de Livros
Didáticos de História (LDH) utilizados no
ano do Ensino Fundamental da
Educação do Campo em escolas do campo
e programas de formação de camponeses
no município de Tocantinópolis-TO,
microrregião do Bico do Papagaio, a saber:
Caderno de Ensino Aprendizagem:
História 5 LDH 1 (do Programa Escola
Ativa) e Vontade de Saber História LDH
2 (produzido para escolas situadas no meio
urbano, mas adotado também por escolas
do campo de Tocantinópolis-TO).
Embora existam outros elementos
que mereçam atenção dentro de pesquisas
sobre LD, o estudo do material didático
(MD) escolhido envolve a análise dos
seguintes elementos de ambas as obras: (1)
conteúdos; (2) atividades; (3) interação
professor-aluno; e as (4) imagens, cuja
intenção é compreender
diferenças/particularidades entre os
conteúdos apresentados pelos LDH
analisados em relação aos propósitos da
Educação do Campo.
Do material didático (MD) escolhido
para a pesquisa
Tendo em vista a proposta formativa
da Educação do Campo, a importância do
ensino de História e o MD utilizado no
Programa Escola Ativa no contexto da
pesquisa, o LDH 1 escolhido para análise é
o Caderno de ensino e aprendizagem
História 5, do ano do Ensino
Fundamental, publicado em 2010 pelo
MEC/SECAD (Silva, 2010). A autora
dessa obra é Lulia Queiroz Silva, a mesma
que escreve os demais livros da área de
História para as séries iniciais do Ensino
Fundamental do Programa Escola Ativa.
Os Cadernos de Ensino e
Aprendizagem do Escola Ativa, usados
pelos educadores da Educação do Campo,
da área de História, compõem uma série de
05 (cinco) volumes. Segundo as diretrizes
do referido programa, a Coleção foi
elaborada para ajudar o estudante a
desenvolver suas atividades em sala de
aula e na comunidade, favorecendo
também o desenvolvimento de sua
autonomia (Brasil, 2010).
No que diz respeito à escolha do
segundo livro de História adotado nas
escolas situadas no campo, no município
de Tocantinópolis-TO, também foi
selecionado um LDH do ano do Ensino
Fundamental. No entanto, o LDH 2 não foi
produzido exclusivamente para as escolas
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do campo, além de não integrar o Guia de
Livros Didáticos: PNLD-Campo 2013 (cf.
Brasil, 2012). Apesar disso, esse livro é
utilizado pelos professores que lecionam
nas escolas situadas na área rural do
referido município.
O LDH 2 selecionado para análise
faz parte da Coleção Vontade de Saber
História, que é composta por quatro
volumes (vai do ao ano do Ensino
Fundamental). Esse LDH é de autoria de
Marco César Pellegrini, Adriana Machado
Dias e Keila Grinberg e foi publicado pela
Editora FTD em 2012. Trata-se de uma
obra que integra o Programa Nacional do
Livro Didático (PNLD) de 2014. Ela foi
avaliada e escolhida por professores de
diversas escolas da rede pública de ensino
de todo o Brasil, para ser trabalhada nos
anos de 2014, 2015 e 2016 (Brasil, 2013).
Durante coleta do MD para pesquisa,
verificamos que o LDH 2 é usado por
crianças do ano do Ensino Fundamental
de escolas públicas da rede urbana de
ensino e algumas escolas situadas em áreas
rurais do município de Tocantinópolis-TO,
embora não tenha sido produzido em
atenção às diretrizes da Educação do
Campo. Essas escolas da rede pública de
ensino receberam esse LDH por meio do
PNLD, cuja distribuição é feita pelo MEC,
por intermédio do Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE).
Discussão e análise dos dados
Seguindo uma característica comum
dos MD, em ambos os LDH os
autores/autoras fazem no espaço
reservado à apresentação uma prévia dos
conteúdos e deixam uma mensagem sobre
a importância do estudo da História. No
LDH 1, Caderno de Ensino Aprendizagem:
História 5, uma mensagem de
aproximação com o cotidiano da criança
do campo, na qual procura-se situá-la em
um universo de responsabilidades quanto
aos conteúdos que irá estudar. No LDH 2,
Vontade de Saber História ano, os
autores(as) também comentam sobre a
finalidade do estudo da história, para que
se perceba o respeito à diversidade
cultural, como fundamento para o
exercício da cidadania e construção de um
mundo melhor.
O LDH 1 Caderno de Ensino
Aprendizagem: História 5 ano está
organizado em quatro unidades, divididas
em dezesseis capítulos (cf. Silva, 2010).
Em cada unidade, a autora apresenta uma
“Introdução” dos temas que serão
estudados e uma proposta de atividade a
ser desenvolvida pela(s) criança(s). Os
capítulos sempre começam com perguntas
sobre os temas que serão discutidos pelos
estudantes, apresentando-se em seguida
uma breve introdução do conteúdo com
textos-base, com uma sequência de
Silva, C., & Cardoso Filho, I. D. (2018). Educação do Campo e material didático: uma análise de livros didáticos de História
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exercícios, montagem de painel ou
documentários. Ao final da conclusão das
unidades, a autora parabeniza o educando e
conclama para que seja realizado na escola
um evento sobre o assunto que foi
estudado no capítulo. Esse evento é
denominado “Dia da conquista”, em que os
educandos apresentam os trabalhos
(desenvolvidos) para os demais colegas e
educadores da escola ou convidam alguém
da comunidade para contar experiências
acerca do tema. O final do livro é
composto por um Caderno de Avaliação,
com um questionário objetivo e discursivo
relacionado a cada uma das unidades
estudadas.
o LHD 2, Vontade de Saber
História ano, está organizado em doze
capítulos (cf. Pellegrini, Dias & Grinberg,
2012). Os capítulos sempre se iniciam com
duas ou mais imagens (fotografia, pintura,
desenho) sobre o tema principal a ser
estudado, seguidas da seção “Conversando
sobre o assunto”, que consiste de um
pequeno questionário. Após essa
introdução, os autores desenvolvem os
conteúdos, e, ao final de cada capítulo, é
apresentada a seção “Explorando o tema”,
espaços relacionados a curiosidades, bem
como as “Atividades”. E, por último, na
subseção “Refletindo sobre o capítulo”, os
alunos são convidados a realizar uma
autoavaliação de seu aprendizado.
Conteúdos dos LDH e relação com a
Escola do Campo
A Escola do Campo apresenta uma
proposta formativa inovadora a qual, por
intermédio de uma modalidade de
educação com fundamentos específicos,
tem o propósito de formar cidadãos
conscientes. Porque cidadãos conscientes
politicamente e sabedores de seus direitos
são capazes de, na união coletiva, lutar em
defesa dos ideais do campo e dos
camponeses. A escola preconizada pelos
camponeses valoriza suas vivências
geradoras e saberes como elementos de
organização de sua estrutura pedagógica e
curricular.
Assim, a luta pela construção da
Escola do Campo, a valorização da cultura,
dos saberes e da identidade dos
camponeses, deve passar também pela
seleção dos conteúdos (Arroyo, 2013), pois
as teorias presentes nos conteúdos não são
neutras. Elas possuem finalidade política,
que pode estar vinculada a um projeto que
mascara as injustiças sociais produzidas
pelo capitalismo, principalmente no
campo, mostrando-nos a necessidade da
luta contra a opressão (Caldart, 2000).
Considerando-se os dois LDH
selecionados para análise e respectivos
conteúdos, Caderno de Ensino
Aprendizagem: História 5 LDH 1 e
Vontade de Saber História LDH 2, o
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primeiro livro (LDH 1) traz conteúdos
voltados à compreensão da formação da
sociedade brasileira, iniciando com
perguntas sobre: “Como os seres humanos
ocuparam todo o planeta?”, “De onde
vieram os primeiros povos das
Américas?”, “Como a espécie humana
chegou ao Brasil?”, até chegar ao período
da colonização. O livro traça um percurso
histórico a partir do uso, ocupação e
domínio das terras brasileiras, em suas
variadas vertentes. Portanto, no LDH 1
Silva (2010) procura demonstrar como
cada povo tem sua relação com a terra, a
começar pelos índios, portugueses e os
africanos, considerando que estes últimos
foram trazidos para o Brasil como
escravos.
Nos capítulos do LDH 1, as
narrativas históricas sobre cada assunto
estudado são breves, pois neste volume
explora-se intensivamente o uso de
exercícios, atividades em grupo, atividades
com a família, cuja finalidade é fazer da
sala de aula um espaço reservado aos
debates, para que por meio das
experiências partilhadas todos (alunos e
professor) enriqueçam seus
conhecimentos. Como é um LD voltado
exclusivamente para as crianças do campo,
Silva (2010) trabalha instigando a
desconstrução de alguns conceitos, que do
ponto de vista historiográfico serviram
para legitimar a dominação política e o
controle das terras pelos portugueses,
como “o descobrimento do Brasil”.
Ao demonstrar a diferença entre os
conceitos, como, por exemplo, latifúndio e
minifúndio, remontando à colonização
portuguesa no Brasil à época das
Capitanias Hereditárias, o LDH 1 mostra
os contrastes sociais resultantes dos
conflitos agrários no país. Com isso, a
criança pode perceber o sentido político da
luta de seus pais no assentamento e no
movimento social. No entanto, é
importante salientar que a discussão e o
aprofundamento desses assuntos dependem
da maneira como o professor irá abordá-los
com seus alunos.
Diferentemente do que Arboit e
Pacheco (2013) constataram em sua
pesquisa, é importante ressaltar que, em
nenhum momento, no LDH 1 Caderno de
Ensino Aprendizagem: História 5 o campo
é apresentado como um lugar de atraso,
mas como um lugar marcado por uma rica
diversidade cultural, devido à presença dos
índios, ribeirinhos, meeiros, quilombolas,
pescadores, entre outros.
o LDH 2 seguindo a tendência
dominante presente nos LD , aborda
conteúdos voltados para o estudo da
história clássica, difundindo
conhecimentos e descobertas das culturas
Ocidental e Oriental. O livro começa com
o estudo sobre “A origem do ser humano”,
como se deu a evolução dos seres humanos
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ao longo dos períodos Paleolítico e
Neolítico, ou seja, o desenvolvimento
cultural que começa com o pleno contato
do homem com a natureza. A obra também
apresenta algumas descobertas, como o
fogo e a invenção da escrita, e com o
crescimento populacional no planeta terra a
vida vai se tornado mais complexa,
surgindo os primeiros povoados, e depois,
as cidades. De fato, essa história descreve
que, com o passar dos tempos, o homem
tende a negar a natureza/campo de onde
veio.
Em ambos os LDH (1 e 2), os
autores(as) abordam a evolução do
homem. Retratam as possíveis hipóteses
que descrevem como o homem ocupou ou
chegou ao continente americano.
Discorrem, ainda, sobre a Hipótese da
Rota de Bering, Hipótese da Rota
Costeira, Hipótese da Rota Transpacífica,
Hipótese da Migração Atlântica. Esses
cenários são descritos no LDH 1, por
exemplo, mostrando como aconteceu a
dominação das Américas.
Por sua vez, no decorrer dos
capítulos do LDH 2 essa obra focaliza
outros povos, apresentando as
transformações históricas e culturais das
seguintes sociedades: “Os povos da
Mesopotâmia”, Os antigos gregos”, “Os
antigos romanos”, “Os antigos chineses”,
dentre outras (Pellegrini, Dias & Grinberg,
2012). Os capítulos do LDH 2 estão
organizados por conteúdos cuja narrativa
histórica aprofunda bastante cada tema
abordado, sendo acompanhados de muitos
conceitos, glossário localizado à margem
do texto e várias imagens. As narrativas
gravitam em torno de aspectos sociais,
políticos, econômicos, religiosos e
culturais das sociedades estudadas. De
certa forma, isso permite ao estudante
acumular conhecimentos cuja finalidade é
a preparação para o mercado de trabalho, e
não uma formação com base em conteúdos
pensados para realidade camponesa.
No LDH 2, quando há referências ao
campo e à cultura camponesa, elas
aparecem em conexão com as sociedades
egípcia, grega, fenícia e chinesa. Portanto,
muito distante do contexto político, social
e cultural das comunidades campesinas
brasileiras, marcado principalmente pelos
conflitos agrários. Uma das poucas
possibilidades de contextualização do
conteúdo com a realidade do Brasil
aparece na seção reservada aos exercícios,
em que constam algumas perguntas sobre a
política, a cultura, a religião e a música
brasileiras.
As atividades dos LDH
O LDH 1 Caderno de Ensino
Aprendizagem: História 5 sistematiza, para
estudantes e professores, como as
atividades devem ser desenvolvidas
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durante as aulas. Ao longo da obra,
ícones que fazem referência à forma como
cada atividade deve ser realizada. Ao todo,
são propostas seis modalidades diferentes
de atividade, como: “Atividade
individual”, “Atividade em dupla”,
“Atividade em pequenos grupos”,
“Atividade coletiva”, “Atividade em casa”
e “Leitura” (Silva, 2010, p. 6).
A “Atividade em casa”, por exemplo,
ressalta a importância da Pedagogia da
Alternância (PA), que no percurso
formativo a criança passa um tempo na
escola e outro tempo com seus familiares,
na comunidade, compartilhando os saberes
apreendidos na escola (cf. Silva, 2011). A
“Atividade coletiva” demonstra para a
criança o sentimento de participação, que o
conhecimento é ampliado quando
compartilhado em grupo na troca de
experiências de vida e saber. Isso nos
orienta que, para reforçar a concepção de
trabalho e/ou formação nos movimentos
sociais, nos assentamentos e nas
comunidades, a luta é coletiva. Por isso, os
alunos são motivados a aprender trabalhar
coletivamente.
Os capítulos do LDH 1 sempre
começam com a seção: Atividade
coletiva”, que introduz o conteúdo com um
bloco de questões, como se no exemplo
da Figura 1:
Figura 1 Tipologia de questões de atividades LDH 1.
Fonte: Silva, 2010, p. 117.
No geral, as perguntas são
introduzidas pelos pronomes quem, o que,
por que, como, qual. De certa forma,
requerem habilidades cognitivas e cuja
solução, às vezes, pode ser encontrada no
texto, além de tais perguntas motivarem a
socialização das respostas entre os
estudantes (cf. Costa, 2014).
No conjunto, o LDH 1 apresenta um
total
vi
de 43 “Atividades individuais”, 41
“Atividades coletivas”, 83 “Atividades em
dupla”, 27 “Atividades em pequenos
grupos” e 05 “Atividades em casa”. A
proposta metodológica dessas atividades
envolve: discussão em grupos, leitura de
pequenos textos, realização de pesquisas,
resolução de questionários, análise de
mapas, gráficos, desenhos e obras de arte
que constam no livro. No que diz respeito
as “Atividades em casa”, consideradas
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importantes por envolverem a participação
dos familiares, percebemos que o livro traz
um número reduzido.
Outro aspecto relevante do LDH 1 é
que ele traz algumas atividades que
objetivam retratar a vida e a trajetória de
luta dos povos do campo, conforme ilustra
a Figura 2:
Figura 2 - Sistematização de Atividade LDH 1.
Fonte: Silva, 2010, p. 74.
Esse tipo de atividade apresentado na
Figura 2 contempla a concepção de
Educação do Campo proposta pelo
Programa Escola Ativa, pois
... é entendida como forma de ação
político-social, em oposição à
tradicional educação rural,
transposição empobrecida da
educação construída para as áreas
urbanas. No contexto da Educação do
Campo, a escola passa a ser
reconhecida como espaço de reflexão
da realidade dos povos do campo, de
seu trabalho, suas linguagens, de suas
formas de vida e, sobretudo, de um
novo projeto político de
desenvolvimento (Brasil, 2010, p.
18).
Ainda no LDH 1, os exercícios de
fixação do conteúdo exigem habilidades e
conhecimento para resolvê-los, que
consistem em recordar ou reconhecer
informações no texto ou de um fato (Costa,
2014). Algumas questões exigem pesquisa
em outros livros, revistas e jornais, pois os
textos dos capítulos da obra são resumidos.
Analisando outras atividades,
observamos que essa obra também
demonstra, por exemplo, como deve ser
realizada a atividade de análise de mapas,
que aparece seguida de uma “Atividade em
pequenos grupos”. Ou seja, as imagens não
estão no livro apenas com finalidade de
ilustração; por exemplo, após apresentar
dois mapas do Brasil que mostram a
distribuição dos povos indígenas no
território nacional: um de 1500 e outro
atual, o livro propõe a seguinte atividade a
respeito dos mapas:
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Figura 3 - Atividade: Análise de Mapas LDH 1.
Fonte: Silva, 2010, p. 24.
Segundo Carie (2008, p. 30), esse
formato de atividade “propõe o debate e o
exercício de habilidades que envolvem o
julgamento e a crítica, a relação entre
passado e presente, permitindo aos alunos
se posicionarem diante dos temas
estudados”. Depreende-se também que as
atividades de análise de mapas trazem uma
proposta de interdisciplinaridade, pois se
relacionam, de forma direta, com textos
trabalhados em Geografia, principalmente
no que se refere ao conceito de território.
Quanto à proposta ou formato de
atividades presente no exemplar do LDH 2
Vontade de Saber História, verificamos
que elas aparecerem divididas em duas
seções. A primeira seção “Conversando
sobre o assunto”, inicia-se com a
introdução dos capítulos, em que são
apresentadas duas ou mais imagens sobre o
tema central a ser estudado. As imagens
são seguidas de questões, sendo comum o
uso de pronomes para introduzi-las: o que,
que, quem ou palavras como compare,
descreva, identifique, cuja finalidade é
provocar a reflexão sobre os contrastes
entre o passado e o presente.
Na seção “Atividades” do LDH 2,
são propostos vários exercícios compostos
de aproximadamente 20 questões objetivas
(cada um) a respeito do conteúdo do
capítulo estudado. Depreende-se que
resolver tais atividades significa, de certa
forma, localizar no texto as informações
pedidas.
Figura 4 - Sistematização de Atividades LDH 2.
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Fonte: Pellegrini, Dias & Grinberg, 2012, p. 152.
Cabe-nos destacar que a seção
“Atividades” desse LDH está dividida em
cinco subseções: “Exercício de
compreensão”, “Expandindo o conteúdo”,
“No Brasil”, “Discutindo a história” e
“Refletindo sobre o capítulo”. Os autores
na subseção “No Brasil” numa tentativa
de aproximar o conteúdo da realidade
brasileira, relacionam o tema estudado com
algum fato do Brasil. Por exemplo, ao se
estudar a democracia grega é solicitado
que os alunos façam uma pesquisa para
conhecerem como funciona a democracia
brasileira; no estudo sobre a sociedade
romana e sua luta pela expansão territorial,
a conexão é feita destacando-se a
importância da reforma agrária no Brasil.
Porém, como destaca Costa (2014) em sua
pesquisa, os LD precisam apresentar novas
abordagens a respeito do contexto do
campo e trazer temas vinculados às lutas
dos movimentos sociais, como a luta pela
terra e a Reforma Agrária. Obviamente, a
luta e o acesso a terra perpassam pela
democracia.
Percebe-se também que na seção
“Atividades” do LDH 2 não uma
proposta clara para que as mesmas sejam
realizadas em grupo, dupla, coletivamente,
nem mesmo atividades para casa, ainda
que o Guia do PNLD recomende que nas
atividades, contemplam-se trabalhos
individuais e em grupos que auxiliam na
aprendizagem dos conceitos importantes
para a história” (Brasil, 2013, p. 131).
Por fim, na subseção de atividade
denominada “Refletindo sobre o capítulo”
os estudantes são convidados a realizar
uma autoavaliação de seu aprendizado
adquirido sobre o capítulo estudado,
verificando se conseguiram compreender
os conteúdos. A Figura (5) abaixo
demonstra como são feitas as perguntas de
avaliação do aprendizado ao final de cada
capítulo:
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Figura 5 - Sistematização de Atividade: Refletindo sobre o capítulo - LDH 2.
Fonte: Pellegrini, Dias & Grinberg, 2012, p. 93.
Segundo a proposta ilustrada na
Figura 5, as informações devem ser
partilhadas com colegas e professor.
Apesar de ser uma atividade sistematizada
para o “coletivo”, podemos apontar que
esse livro prioriza pouco a construção do
conhecimento de maneira coletiva na
interação com o outro, por exemplo.
Embora o professor seja o ator responsável
por conduzir a abordagem do texto e das
atividades propostas no LD em sala de
aula, a contribuição que esse tipo de
atividade do LDH 2 pode proporcionar aos
camponeses parece-nos bastante limitada
considerando a propósitos formativos da
Educação do Campo.
Interação professor-aluno
Nas interações estabelecidas entre
professor-aluno em situações de ensino-
aprendizagem na sala de aula e que
envolvem o LD, este tipo de MD cumpre o
papel de intermediador desse diálogo na
educação básica, pois nele, espera-se que
estejam contidos os
conteúdos/conhecimentos necessários a
serem apreendidos. Por outro lado, o
professor atua como intérprete das
informações presentes no LD, visto que
durante a formação universitária e
continuada o docente deve ter acumulado
conhecimentos teórico-metodológicos
suficientes para realizar a “transmissão”
dos saberes necessários à formação dos
estudantes.
No LDH 1 Caderno de Ensino
Aprendizagem: História 5, a estrutura
organizacional dos conteúdos e atividades
mira o debate e a leitura em sala de aula.
Por isso, são propostas inúmeras atividades
em grupos, coletivas e na comunidade (cf.
Silva, 2010). O papel do professor é
mediatizar as discussões; aos educandos,
cabe seguir as orientações contidas nesse
LD sinalizadas pelos ícones ou palavras,
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como por exemplo, quando for momento
de leitura é apresentada a dica: “Leia”.
Para responder certas atividades, os
educandos interpretam e encontram
algumas respostas no texto, enquanto
outras exigem reflexão mais ampla. Logo,
compete ao professor a tarefa de estimular
os estudantes para o desenvolvimento da
responsabilidade e autonomia, na busca de
respostas para solucionar os problemas.
O LDH1, considerando a relação
professor-aluno, traz todas as orientações
que indicam como trabalhar em
determinados momentos os conteúdos, pois
o material é bastante interativo com
figuras, mapas, desenhos, quadrinhos, o
que contribui para facilitar o acesso às
informações. Principalmente quanto ao uso
de desenhos de crianças apresentando
alguma informação, como numa história
em quadrinhos, uma pergunta sugerindo
uma pesquisa. Esse aspecto da obra é
demonstrado na imagem abaixo:
Figura 6 - Interação professor-aluno LDH 1.
Fonte: Silva, 2010, p. 43.
O processo ensino-aprendizagem no
LDH 1 é focado no estudante, tendo em
vista que este é tratado ao longo da obra
como sujeito ativo e construtor do
conhecimento. Esse educando é o que vive
no contexto do campo e partilha com seus
familiares inúmeros conhecimentos ligados
à terra, à natureza e à cultura camponesa.
Os conteúdos do LDH 1 também trazem
uma abordagem ligada à História Geral do
Brasil. Com base nos conteúdos presentes
na obra e dependendo da forma como estes
forem desenvolvidos em sala de aula pelo
professor, é possível que a criança
compreenda os conceitos ligando-os ao
processo de luta pela reforma agrária, pela
Educação do Campo, o porquê da
existência de tanta concentração fundiária
atualmente no país, por exemplo.
Os textos do LDH 1 também
apresentam uma linguagem que é muito
peculiar àquela que encontramos nos
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movimentos sociais do campo. Silva
(2010) emprega palavras ou expressões
como “ocupação do território brasileiro”,
“lutas dos grupos sociais”, “valorização da
contribuição das culturas”, “mobilização”.
Essa linguagem é a linguagem do
movimento social, que fala de diversas
maneiras, com os rituais e a mística, com
as crianças, com os símbolos (Arroyo,
2011), posto que as palavras não são
apenas caracteres simbólicos, mas
carregam consigo um significado de
mundo político e ideológico, libertador ou
opressor. Ademais, essas palavras são
relacionadas nas atividades de forma
objetiva ao contexto dos camponeses,
favorecendo a interação aluno-professor e
aluno-campo-movimento social.
Por outro lado, depreende-se que a
abordagem professor-aluno constante no
LDH 2 Vontade de Saber História está
centrada, principalmente, na figura do
docente como detentor do saber. Isso pode
ser constatado com base na forma como
esse LD está organizado, iniciando o
conteúdo dos capítulos com uma reflexão
geral, seguida de vários tulos e subtítulos
que trazem uma narrativa histórica (cf.
Pellegrini, Dias & Grinberg, 2012) em que
o professor assume o papel de realizar a
análise conteudista e os conceitos que se
apresentam. Mas, nas orientações do
PNDL,
A proposta pedagógica valoriza o
professor mediador e aproxima-se da
proposta sociointeracionista. Propõe
trabalhar com a leitura e a
interpretação de imagens
favorecendo a construção do
conhecimento histórico. Nas
atividades, contemplam-se trabalhos
individuais e em grupos que auxiliam
na aprendizagem dos conceitos
importantes para a história (Brasil,
2013, p. 131).
Como o LDH 2 não apresenta um
roteiro sistematizado a ser seguido quanto
ao ensino de conteúdos, isso autonomia
para que o professor utilize a metodologia
mais adequada à sua prática educacional:
leitura individual, leitura em dupla,
fichamento de texto, resumo de texto,
seminários.
Nas análises, também foi constatado
que as atividades do LDH 2 seguem a
mesma tendência, apresentando uma
linguagem formal nos texto e o enfoque
volta-se à definição de muitos conceitos
que surgem ao longo do livro. Isso torna a
figura do professor central em sala de aula,
uma vez que os alunos podem encontrar
dificuldades para compreensão dos textos.
Como os conteúdos do LDH 2 são
extensos, na leitura dos textos, os alunos
podem carecer de determinados
conhecimentos prévios para interpretação.
Portanto, o professor pode utilizar, como
recurso didático, a leitura em grupo para
facilitar a compreensão, o que possibilita
melhorar a interação professor-aluno.
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As imagens nos LDH
O uso das imagens nos LD justifica-
se também pelo papel que assumem de
“transportar nossa imaginação” para um
passado histórico, uma realidade atual ou
um momento futuro. Elas dão
fundamentação visual e imagética,
enriquecendo a capacidade cultural dos
educandos e educadores, além de favorecer
a interação lúdica com os conteúdos.
Além disso, apresentar imagens em
MD é uma forma de legitimar discursos
historiográficos (Ströher, 2012), ou seja,
elas validam com provas visuais aquilo que
está sendo dito, mesmo que não faça parte
da realidade cotidiana do educando. As
imagens compostas por fotografias,
charge/caricatura, cartaz, página de jornal,
revista, mapa e gráficos, educam a nossa
maneira de pensar e perceber o mundo a
nossa volta, pois a mente humana é
“formada” por palavras e imagens. Por
isso, conseguimos ler o mundo por
intermédio tanto das palavras como das
imagens, atribuindo significado e conceitos
as coisas que nos cercam. Nesse processo
dialético, transformamos o mundo e a nós
mesmos.
Segundo Ströher (2012), podem-se
estabelecer três categorias de análise de
como as imagens são usadas
metodologicamente nos LD, a saber:
Imagem-ilustração, com função
unicamente decorativa, sem relação
direta com os textos que a
acompanham ou que são
desnecessárias para a compreensão
do mesmo;
Imagem-prova, apresentada como
retrato do passado, confirmando ou
reafirmando o que o texto argumenta,
atuando como elemento
confirmatório do discurso do autor;
Imagem-monumento, que
problematiza a fonte e a questiona,
mas sem tomá-la como a única
verdade do passado (Ströher, 2012, p.
51, negrito no original).
Seguindo esse critério, verificamos
que o LDH 1 é um volume rico em
iconografias. O propósito delas na obra
parece ser proporcionar aos estudantes
situações de aprendizagem mais
descontraídas, apresentando a eles a
“Turminha do Campo”, que irá
acompanhá-los em todo o percurso
formativo nas séries iniciais. Essa
Turminha é apresentada no primeiro
exemplar da Coleção Cadernos de Ensino
Aprendizagem História, volume 1. O
nome, Turminha do Campo, é uma
designação que reforça a identidade da
cultura camponesa no imaginário social da
criança, que desde cedo pode aprender a
valorizar seu povo, sua cultura e o local
onde vive. A figura abaixo ilustra os atores
que compõem a Turminha do Campo:
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Figura 7 - Turminha do Campo LDH 1.
Fonte: Silva, 2010, p. 7.
Conforme verificamos em outras
partes do LDH 1, o uso de fotografias,
mapas, gráficos, pinturas e charges
(contemporâneos ou não) também se
apresenta como um recurso para fazer
referência direta ou indiretamente ao
assunto estudado em cada capítulo. Por se
tratar de um volume cuja temática é
desenvolvida especificamente para os
alunos do campo, boa parte das imagens
são usadas com o intuito de desenvolver a
consciência crítica nas crianças para a
compreensão, por exemplo, de como se
deu o domínio territorial do Brasil, a
escravidão, o desenvolvimento das cidades
e as conquistas dos direitos sociais.
Contudo, algumas imagens presentes
no LDH 1 parecem estar simplesmente
dispostas na obra a critério de ilustração
(imagem-ilustração), tornando-se
desnecessária a presença das mesmas para
o entendimento dos textos. Em alguns
casos, não é disponibilizado para certas
imagens o recurso metodológico adequado
à interpretação das mesmas, isto é, não é
proposta nenhuma atividade que possa
envolver a interação em sala de aula, como
é o caso da imagem (Figura 8) usada
quando o assunto do texto é o homo
sapiens (homem inteligente, que sabe, que
pode conhecer):
Figura 8 - Pinturas Rupestres LDH 1.
Fonte: Silva, 2010, p. 12.
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Apesar disso, considerando o escopo
geral da obra, podemos afirmar que a
maioria das imagens do LDH 1 apresentam
boas propostas reflexivas, sugestão de
atividade individual ou em dupla,
representação com colagem ou desenho.
Por exemplo, quando o tema de estudo é o
crescimento das cidades, são apresentadas
fotografias precedidas por um breve
conteúdo explicativo sobre o
desenvolvimento das cidades brasileiras,
enquadrando-se dentro do critério de
imagem-prova (Ströher, 2012), o que
valida a narrativa do texto. Paralelamente,
propõe-se uma atividade para analisar as
imagens, ponto bastante positivo desse LD.
É importante salientar que algumas
imagens do LDH 1, como mapas,
fotografias e pinturas, não possuem uma
descrição aprofundada quanto a sua
abordagem teórica, a fim de facilitar o
entendimento do conteúdo, embora sejam
importantes para realização de exercícios.
Podem instigar as crianças a discutirem
(“Converse sobre”) as questões a partir
daquilo que é ilustrado; ou seja, levando-se
em consideração a realidade do campo, o
professor pode ajudar os alunos a
aprofundarem a discussão sobre
determinado tema vinculado ao campo
brasileiro.
Nos textos sobre território, o LDH 1
também apresenta imagens que
possibilitam levar os estudantes a
compreenderem que, no campo,
diferentes formas de ocupação da terra. A
Figura 09, por exemplo, traz as diferenças
entre os territórios do campesinato e do
agronegócio:
Figura 09 - Diferentes territórios LDH 1.
Fonte: Silva, 2010, p. 74.
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Essas imagens da Figura 09 revelam
que os espaços rurais assumem variados
contextos culturais, sociais e de
empoderamento de acordo com a forma de
ocupação pelo homem. Neste caso, o papel
do professor é fundamental, pois ele pode
explorar nas leituras e discussões com os
alunos: a história do MST na luta pela
Reforma Agrária no país, a importância da
agricultura familiar que emprega mais do
que o agronegócio, a importância da
policultura para a agricultura familiar,
entre outros aspectos.
O outro livro de nosso estudo, o
LDH 2 Vontade de Saber História
ano, também é rico em imagens,
fotografias, desenhos, mapas. A
identificação de algumas pinturas e
fotografias é feita pelo uso de legendas,
como é o caso das imagens que aparecem
na introdução dos capítulos, seguindo da
seção “Conversando sobre o assunto”. A
figura apresentada abaixo demonstra como
a imagem-prova é usada no sentido de
comprovar a veracidade das narrativas que
se desenvolvem em torno dos conteúdos.
Todavia, é importante salientar que,
“apesar de não serem somente ilustrações,
uma vez que as imagens comprovam os
dados transmitidos pelo texto e
complementam suas ideias, não um
trabalho de análise mais aprofundada
delas” (Ströher, 2012, p. 56).
Figura 10 - Imagem-prova LDH 2.
Fonte: Pellegrini, Dias & Grinberg, 2012, p. 131.
O recurso das imagens é bastante
utilizado no LDH 2. Todavia, grande parte
das imagens parece ser meramente
ilustrativa, sem a intenção de elucidar ou
instigar o debate em sala de aula, como se
pode observar na Figura 10. Para Ströher
(2012, p. 47), “Apesar do bom tratamento
visual das imagens, cabe ressaltar que a
função que estas ocupam em relação aos
textos que a acompanham é, muitas vezes,
o de meras ilustrações, ou como de provas
que embasam e confirmam as informações
escritas”. Muitas vezes a obra não oferece
ao educador e ao educando elementos que
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possibilitem problematizar a leitura
adequada das imagens a fim de aprofundar
a discussão dos textos.
Ainda no LDH 2, é frequente o uso
das imagens na seção “Atividades”, mas
não com a finalidade de produzir uma
interpretação densa das mesmas, pois o que
geralmente é proposto com o uso delas é a
observação, perguntas sobre o conteúdo,
questões para compará-las e descrever as
diferenças entre elas.
No que diz respeito à categoria
imagem-ilustração (Ströher, 2012), as
iconografias abaixo apresentam
detalhadamente o tipo de imagem-
ilustração comumente usado no LDH 2,
quando abordada em uma atividade
acompanhando o conteúdo:
Figura 11 - Imagem-ilustração LDH 2.
Fonte: Pellegrini, Dias & Grinberg, 2012, p. 90.
De acordo com Ströher (2012), pode
haver redimensionamento das imagens
para comprovar as concepções ideológicas
que os textos apresentam. A maneira como
determinados autores se posicionam diante
dos conteúdos demonstra a sua corrente de
pensamento. Uma frase, um conceito, uma
fotografia, uma pintura, uma charge e um
mapa, podem ser usados
“tendenciosamente” no intuito de reforçar
um pensamento ou ideia preconceituosa,
dependendo da forma como será trabalhada
a interpretação pelo autor.
A Figura 12, apresentada abaixo,
mostra um grupo de sertanejos do Nordeste
dos anos de 1940. Essa imagem retrata as
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agruras da vida no sertão, o trabalho árduo
para retirar água do poço, a mulher
descalça com um vaso de água sobre a
cabeça, deixando explícita a dificuldade de
se viver no sertão nordestino:
Figura 12 - Imagem-ilustração LDH 2.
Fonte: Pellegrini, Dias & Grinberg, 2012, p. 21.
Analisando como a Figura 12
aparece no LDH 2, nota-se que a
ausência de um texto que explique o
porquê de essas pessoas retratadas na
imagem estarem vivendo nessa situação.
Trata-se, portanto, de uma tentativa de
corroborar ou legitimar a visão de que o
campo é lugar de sofrimento, ainda que
não seja a intenção do autor.
Conclusão
A escola, os livros didáticos e o
currículo da Educação do Campo,
conforme defendido pelos movimentos
sociais do campo, devem trabalhar a
pedagogia do movimento social, a cultura
camponesa, a identidade dos camponeses.
Por isso, analisamos neste artigo dois
livros didáticos de História do ano do
Ensino Fundamental, levando em
consideração os seguintes elementos:
conteúdos, atividades, interação professor-
aluno e imagens.
O LDH 1, Caderno de Ensino
Aprendizagem: História 5, tem seu projeto
gráfico desenhado para as escolas
multisseriadas do campo. É um material
didático cujos textos base para comentar a
respeito de determinado assunto são
reduzidos, que explora como recurso
metodológico os inúmeros exercícios, que
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podem ser feitos por meio de atividades em
dupla ou em coletividade (por meio dos
exercícios e de algumas imagens o campo
é abordado no livro). A obra atende, ainda
que parcialmente, o anseio dos
movimentos de lutas sociais do campo
(sem-terra, ribeirinhos, quilombolas,
atingidos por barragens, extrativistas), pois
alguns temas desse livro permitem
trabalhar a cultura, a identidade e a luta
campesina. Contudo, sabemos que em
alguns casos o LD é o único material
didático do professor que leciona no meio
rural.
o LDH 2, Vontade de Saber
História, é um livro preparado para uma
escola urbana, para formar sujeitos
portadores de um saber instrumental e
técnico. Os conteúdos desse LD e suas
atividades não instigam o aluno a
questionar a realidade atual, permeada
pelas injustiças sociais, pois o livro
favorece a memorização de conceitos,
datas e fatos do passado. Portanto, o LDH
2, quando utilizado como instrumento de
ensino em escolas do campo,
principalmente naquelas escolas próximas
à cidade, não apresenta subsídios teóricos e
metodológicos que favoreçam o
fortalecimento da identidade camponesa, a
luta da classe trabalhadora, a reforma
agrária, a desconstrução de estereótipos.
Como sabemos, o conhecimento científico
não é neutro, mas deve dialogar com as
múltiplas contradições vividas pelos povos
do campo, que buscam novos caminhos
para superação das injustiças sociais
criadas pelo sistema capitalista.
A pesquisa também reforça que o
sucesso do material didático em sala de
aula, independentemente do contexto
social da escola e da comunidade, também
depende do professor e da metodologia de
ensino implementada, incluindo-se os
objetivos mirados e a visão docente sobre o
processo ensino-aprendizagem.
Com essas linhas, percebemos que a
defesa dos movimentos sociais por uma
Educação do Campo vem acompanhada de
uma escola que seja do e no campo, em
que o desafio é ainda maior: “Quando se
discute o que ensinar nessas escolas?”;
“Como organizar um currículo que respeita
a diversidade cultural?”; “Como elaborar
os livros didáticos respeitando os vários
contextos rurais que existem no Brasil?”.
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i
Agradecemos aos dois pareceristas anônimos da
RBEC pelas contribuições ao trabalho.
ii
Conflitos de interesse: Cícero da Silva é membro
do Conselho Editorial Nacional da Revista
Brasileira de Educação do Campo, porém, não teve
qualquer participação no processo de avaliação do
manuscrito.
iii
Esta pesquisa integra as atividades científicas do
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação do
Campo Gepec (UFT/CNPq).
iv
Estamos compreendendo material didático (MD),
segundo Silva et al. (2014, p. 264), como ...
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Tocantinópolis
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artefatos incorporados ao trabalho do professor,
servindo de auxílio para o processo de ensino e
aprendizagem em contextos de formação.
v
O Programa Escola Ativa é implantado no Brasil
em 1997, por intermédio do Projeto Nordeste do
Ministério da Educação com o Banco Mundial,
sendo adotado pelo Fundo de Fortalecimento da
Escola FNDE/FUNDESCOLA (Brasil, 2010). A
Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização
e Diversidade (SECAD) é a responsável pela gestão
programa. O Brasil adotou esse programa tendo
como modelo a experiência da Colômbia, país no
qual o Escola Ativa foi lançado em 1975 (a partir
de 1986, o programa recebe recursos financeiros do
Banco Mundial para expandir-se) (Melo & Souza,
2013). Dos 5.565 municípios brasileiros, 3.106
aderiram ao Programa em 2008. O Escola Ativa
destina-se as turmas multisseriadas, ou escolas
pequenas, em locais de difícil acesso e com baixa
densidade populacional, com apenas um professor.
Os estudantes são organizados juntos numa mesma
sala de aula e devem trabalhar em grupos,
facilitando a circulação da informação, que será
partilhada pelas demais séries (Brasil, 2010).
vi
Como a “Leitura” envolve diretamente o
desenvolvimento de muitas atividades vinculadas a
excertos de textos históricos, jornalísticos e
literários ao longo dos capítulos do LDH 1, não
precisamos o número total de atividades da
modalidade “Leitura” nessa obra.
Recebido em: 22/08/2017
Aprovado em: 15/09/2017
Publicado em: 15/12/2017
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APA:
Silva, C., & Filho, I. D. C. (2018). Educação do
Campo e material didático: uma análise de livros
didáticos de História. Rev. Bras. Educ. Camp., 3(1), 76-
103.
ABNT:
SILVA, C.; CARDOSO FILHO, I. D. Educação do
Campo e material didático: uma análise de livros
didáticos de História. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 3, n. 1, p. 76-103, 2018.
ORCID
Cícero da Silva
http://orcid.org/0000-0001-6071-6711
Ilário Dias Cardoso Filho
http://orcid.org/0000-0003-3972-3698