Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n1p30
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 30-56
jan./abr.
2018
ISSN: 2525-4863
30
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Memória educacional no município de Enéas Marques-
PR: décadas de (1960-1990) Das escolas rurais à
nuclearização
Maricélia Aparecida Nurmberg
1
, André Paulo Castanha
2
1
Universidade Estadual do Oeste do Paraná - UNIOESTE. Programa de Pós-Graduação em Educação. Rua
Maringá, 1200, Vila Nova. Francisco Beltrão - PR. Brasil. ir.maricelia@hotmail.com.
2
Universidade Estadual do
Oeste do Paraná - UNIOESTE.
RESUMO: As pesquisas sobre história regional e escolas rurais
são recentes, principalmente no Sudoeste do Paraná. Ainda
carecem de incentivo e novos pesquisadores que se dediquem a
desvelar esta história, com pesquisas pautadas em fontes
documentais e/ou orais. Este texto foi produzido a partir de
referenciais bibliográficos, fontes documentais e depoimentos
orais, procurando registrar a história da Educação do município
de Enéas Marques, situado no Sudoeste do Paraná entre as
décadas de 1960 a 1990, período em que o número de escolas
rurais era muito expressivo. Estas escolas eram em sua maioria
multisseriadas, funcionando em dois períodos, sendo atendidas
por um ou dois professores. Contudo, a partir da década de
1990, iniciou-se o processo de fechamento/nuclearização destas
escolas e os alunos passaram a utilizarem-se do transporte
escolar, com isso, a maioria deles foram estudar em escolas
urbanas, fazendo com que a identidade rural fosse se perdendo.
Palavras-chave: Educação Rural, Nuclearização Escolar,
Sudoeste do Paraná.
Nurmberg, M. A., & Castanha, A. P. (2018). Memória educacional no município de Enéas Marques-PR: décadas de (1960-
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Education memory of Enéas Marques municipality-PR:
1960-1990: From rural schools to nuclear
ABSTRACT: Research on regional history and rural schools is
recent, mainly in the Southwest of Paraná. They still lack the
incentive and new researchers who dedicate themselves to
unveiling this story, with research based on documentary or oral
sources. This text was produced from bibliographical references,
oral testimonies and documentary sources and sought to record
the history of Education in the city of Enéas Marques, located in
the Southwest of Paraná, between the 1960s and 1990s, a period
in which the number of rural schools was very expressive. These
schools were, in their majority, multiseriates, functioning in two
periods and being attended by one or two teachers. However,
from the 1990s, the process of closing/nuclearization of these
schools began, and students began to use school transport, with
the result that most of them went to study in urban schools,
making the rural identity was getting lost.
Keywords: Rural Education, School Nuclearization, Southwest
of Paraná.
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Memoria educacional en el municipio de Enéas Marques-
PR: 1960-1990: De las escuelas rurales a la nuclearización
RESUMEN: Las investigaciones sobre historia regional y
escuelas rurales son recientes, principalmente en el Sudoeste del
Paraná. Todavía carecen de incentivo y nuevos investigadores
que se dediquen a desvelar esta historia, con averiguaciones
pautadas en fuentes documentales y orales. Este texto fue
producido a partir de referencias bibliográficas, testimonios
orales y fuentes documentales y busregistrar la historia de la
Educación del municipio de Enéas Marques, situado en el
Sudoeste de Paraná entre las décadas de 1960 a 1990 etapa en
que el número de escuelas rurales era muy expresivo. Estas
escuelas eran en su mayoría con distintos niveles de aprendizaje,
funcionando en dos períodos siendo atendidas por uno o dos
profesores. Sin embargo, a partir de la década de 1990 se inició
el proceso de cerramiento/nuclearización de estas escuelas y los
alumnos pasaron a utilizar del transporte escolar, con eso, la
mayoría de ellas fue a estudiar en escuelas urbanas, haciendo
que la identidad rural fuese se perdiendo.
Palabras clave: Educación Rural, Nuclearización Escolar,
Sudoeste de Paraná.
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Introdução
As pesquisas sobre as instituições
escolares são recentes e se intensificaram a
partir da década de 1990 dentro dos cursos
de Pós-graduação. Tais pesquisas são
importantes porque contribuem para
resgatar a memória das instituições
escolares e sua relação com a sociedade,
para desvelar as relações cotidianas em
sala de aula, a organização das escolas,
bem como o contexto que levou a
consolidação ou fechamento de tais
instituições.
Este artigo resultou da investigação
da história da Educação do Município de
Enéas Marques entre as décadas de 1960 e
1990 a partir de documentos e
depoimentos orais, visando contribuir com
a preservação da história educacional do
município. Os objetivos foram: catalogar
os documentos históricos para construir um
acervo documental digital sobre a História
da Educação do município de Enéas
Marques; Mapear as instituições escolares
e sua função social no período; Preservar a
história oral dos envolvidos no processo de
constituição do município e das
instituições escolares, para que a história
não fique esquecida, ou seja, perdida pela
falta de pesquisadores e divulgadores. Seu
desenvolvimento pautou-se nas fontes
documentais e fontes orais. A pesquisa
também está alicerçada em fontes
bibliográficas, as quais permitiram as
articulações entre as questões nacionais,
estaduais e locais. A técnica de produção
de dados se deu pelo cruzamento das
informações e pela análise de conteúdo dos
documentos levantados e das entrevistas
realizadas.
Procuramos entender e analisar como
ocorreu o processo de povoamento de
Enéas Marques e a constituição das escolas
por meio da seguinte metodologia: a)
Investigação nas fontes primárias: leis,
decretos, resoluções, atas escolares, diários
de classe, relatórios finais, documentos
diversos, registros de matrículas, exames
finais, dados estatísticos, fotografias,
jornais e revistas; b) Levantamento
bibliográfico: artigos, livros, dissertações;
trabalhos; c) Entrevistas com ex-prefeito,
ex-professores, pais e pioneiros da
comunidade.
A base teórica para análise e
investigação foi o materialismo histórico-
dialético. Partimos da coleta e análise dos
dados, o contexto histórico que permeou o
processo de constituição das escolas,
buscando captar sua totalidade, desvelar os
fatores sociais, econômicos, religiosos,
históricos, culturais e políticos que
permearam o desenvolvimento da
educação. Conforme Netto: “começa-se
pelo ‘real e pelo concreto’, que aparecem
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como dados; pela análise, um e outro
elemento são abstraídos e,
progressivamente, com o avanço da
análise, chega-se a conceitos, a abstrações”
(Netto, 2011, p. 42). Segundo Nosella e
Buffa: “para o método dialético, o
fundamental em pesquisas sobre
instituições escolares, é relacionar o
particular (o singular, o dado empírico)
com o geral, isto é, com a totalidade
social” (Nosella & Buffa, 2006, p. 362).
De acordo com Netto (2011), o que
determina os procedimentos a serem
seguidos pelo pesquisador é a estrutura e
dinâmica do objeto. Segundo o autor, “o
método implica, pois, para Marx, uma
determinada posição (perspectiva) do
sujeito que pesquisa: aquela em que se
opõe o pesquisador para, na sua relação
com o objeto, extrair dele as suas múltiplas
determinações” (Netto, 2011, p. 53).
Buscou-se a partir do contexto
histórico, político, social, local, regional e
nacional, identificar as escolas existentes
no passado, quem foram os mentores ou
organizadores, como eram estruturadas e
organizadas, quem eram os professores,
perfil dos alunos atendidos, bem como
quais as instituições que ainda estão em
funcionamento. Este texto expressa uma
síntese dessa pesquisa ampla sobre a
educação em Enéas Marques
i
.
Em sua maioria, as escolas foram
construídas pelo governo municipal
contando com a participação dos pais de
alunos. A maior parte era localizada na
zona rural, representando um número
grande de escolas, visto que Enéas
Marques era e é um município pequeno a
nível populacional, com predominância da
população rural. Segundo Cattelan (2014),
em 1954 foram construídas no município
de Francisco, ao qual Enéas Marques
estava vinculado, várias escolas seguindo o
mesmo padrão: “o padrão ‘A’ era
construído por uma sala de aula 8x12
metros com tábuas beneficiadas, paredes
duplas pintadas a óleo e cobertas de telhas
francesas” (Cattelan, 2014, p. 125).
Essas escolas rurais, em sua maioria,
foram cessadas a partir da década de 1990.
Além destas escolas, identificou-se uma
escola coordenada por religiosas, com a
participação de sacerdotes na coordenação
e execução de escolas de e Grau, por
meio de convênios com entidades. Estes
foram alguns elementos que nos instigaram
a investigar como ocorreu o processo de
constituição e fechamento das Instituições
Escolares do município de Enéas Marques
entre as décadas de 1960-1990.
Por meio da metodologia de “história
oral” deu-se voz a pessoas que
participaram do processo de construção do
município de Enéas Marques e da
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organização da educação, pois não foram
encontrados estudos específicos sobre a
história das escolas do município.
algumas menções em documentos das
escolas quando pertenciam a Francisco
Beltrão, antes de 1964, data de sua
emancipação. As fontes orais foram
relevantes, pois, a maioria dos pioneiros e
professores das escolas que fecharam,
residem, ainda, no município.
A partir dos dados coletados nos
documentos, encontraram-se nomes de
professores e pessoas residentes do
município que foram selecionadas para a
entrevista, tendo como suporte a
metodologia da História Oral.
Inicialmente, realizamos uma visita a estas
pessoas para apresentar o projeto e os
objetivos, ouvi-las e saber se gostariam de
participar do mesmo, contando suas
memórias. Felizmente, tais pessoas foram
muito abertas e acolhedoras à proposta e
ficaram felizes em contar suas lembranças.
Após a visita organizamos um roteiro de
questões que seriam feitas a cada
entrevistado. Em nova visita realizamos as
entrevistas de forma gravada, depois
transcrevemos e fizemos pequenos ajustes,
devido as repetições ou erros de pronúncia.
Concluída esta parte, voltamos à casa dos
entrevistados com o texto transcrito.
Depois de lido e aprovado, colhemos a
assinatura no termo de cessão, para
fazermos uso do material. No texto,
utilizamos alguns excertos das entrevistas,
as quais, juntamente com os documentos,
são as fontes que dispomos para conhecer a
realidade pesquisada.
Ouvindo uma pessoa podemos
apreender suas memórias e experiências,
que pode ser também de uma localidade ou
região. Segundo Le Goff (1990, p. 477), “a
memória, onde cresce a história, que por
sua vez a alimenta, procura salvar o
passado para servir o presente e o futuro.
Devemos trabalhar de forma a que a
memória coletiva sirva para a libertação e
não para a servidão dos homens”. Por meio
da memória, o passado permanece vivo na
lembrança das pessoas. Para Le Goff
(1990), a memória serve para a libertação
ou para a servidão, depende qual aspecto é
enfocado. Para o autor a memória é
também um instrumento de poder.
Memórias ouvidas que podem ser
memórias de muitos. Memórias que
precisam ser ouvidas e preservadas para
não ficarem esquecidas e também para que
a história seja reconstruída e contada para
as novas gerações. Memórias de vidas, de
escolas, de fatos e de gente, que se
constituíram em fontes históricas.
Para dar conta do objetivo
organizamos o texto com os seguintes
tópicos: Enéas Marques no cenário do
Sudoeste do Paraná; criação das escolas
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rurais no município de Enéas Marques; e
processo de nuclearização das escolas
rurais.
Enéas Marques no cenário do Sudoeste
do Paraná
O município de Enéas Marques está
localizado no Sudoeste do Paraná. Tem
uma população de 6.195 habitantes
segundo estimativas do IBGE de 2015, e
uma área de 192, 203 Km².
Pela Lei 92, de 25 de agosto de
1961, a vila Jaracatiá
ii
foi elevada à
categoria de Distrito Administrativo de
Francisco Beltrão e, em 18 de fevereiro de
1964, pela Lei Estadual 4.823 foi criado
o Município, passando a chamar-se Enéas
Marques
iii
e sendo desmembrado do
território de Francisco Beltrão. A partir da
emancipação intensificou-se a estruturação
do município, a construção de estradas,
escolas, Igreja, hospital etc.
Até a emancipação de Enéas
Marques, as escolas permaneceram
vinculadas a Francisco Beltrão. No ano de
1964, havia em funcionamento 26 escolas,
número este que foi crescendo e na década
de 1980 até 1990 havia registros de 53
escolas, visto que estava englobado o
território de Nova Esperança do Sudoeste,
emancipado de Enéas Marques em 1992,
pela Lei 9.915. Foi nesse momento em
que se intensificou o processo de
nuclearização das escolas rurais em toda a
região do Sudoeste do Paraná.
Na cada de 1940, todo o território
que compõe os municípios da região
Sudoeste do PR pertencia ao município de
Clevelândia. Foi nesse período que teve
início o processo de colonização e
povoamento dessa região de forma mais
acentuada. Como atesta Padis, “... embora,
desde a terceira década deste século, se
pudesse encontrar gaúchos em terras do
sudoeste paranaense, foi a partir de 1952, e
especialmente depois de 1956, que esse
movimento migratório se intensificou de
forma surpreendente” (Padis, 1981, p.
152).
Até a década de 1940 essa região era
uma mata extensa, apresentando uma
diversidade de árvores e plantas nativas,
habitada esporadicamente por indígenas.
Niederheitmann (1986) discorre que na
década de 1940 teve início o povoamento
da região que inicialmente era pertencente
ao território de Francisco Beltrão e, mais
tarde, tornaram-se os municípios vizinhos
de Enéas Marques, Nova Prata do Iguaçu,
Salto do Lontra e Nova Esperança do
Sudoeste.
O povoamento do distrito Jaracatiá
foi semelhante ao dos demais municípios
da Região Sudoeste do Paraná, colonizado
majoritariamente por famílias vindas do
Rio Grande do Sul e Santa Catarina em
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busca de melhores condições de vida e
sobrevivência, para tanto, buscaram terras
para plantar e de onde retirar sua
subsistência. Como afirmado na publicação
Enéas Marques em Revista:
O lugar foi colonizado rapidamente
pelos colonos vindos do sul, Santa
Catarina e Rio Grande; eram
influenciados também pelas
facilidades oferecidas pela Cango
(Colônia Agrícola Nacional General
Osório), do governo federal, que
marcava o sítio e ajudava as famílias
por um determinado período com
ferramentas, alimentação, assistência
médica e educação (Enéas Marques,
Revista, 1988, p. 5).
A CANGO (Colônia Agrícola
Nacional General Osório) foi criada em
1943 e sua instalação definitiva em
Francisco Beltrão ocorreu em 1948.
Segundo Cattelan, “em 1938, o presidente
Getúlio Vargas, intensificou a política de
ocupação de espaços vazios, conhecida
como ‘Marcha para o Oeste’, a fim de
colonizar o interior do Brasil” (Catellan,
2014, p. 27). Para efetivar a política de
colonização criou as Colônias e Territórios
Federais. Conforme Cattelan:
Como suporte para a colonização e
base de apoio para esta política criou
as Colônias e Territórios Federais.
No Paraná, criou-se a CANGO, em
1943, pelo decreto 12.417. Ela se
instalou primeiramente em Pato
Branco e, posteriormente na pequena
Vila Marrecas. Segundo os relatórios,
a CANGO fornecia lotes de terras
gratuitos para os migrantes, além de
sementes e ferramentas para o
trabalho na agricultura. A CANGO
foi responsável pela criação das
primeiras escolas (Cattelan, 2014, p.
27).
A vinda a o Sudoeste ocorreu de
maneira quase semelhante para a maioria
que aqui migrou: dias em cima de
caminhão, carroça ou cargueiro, com
alguns pertences e alimentos, enfrentando
as intempéries, sol e chuva, abrindo
picadas na mata e se deslocando a pé,
percorrendo grandes distâncias, depois
trazendo seus pertences nos ombros, em
cima de lombos de bois ou cavalos.
Conforme Mendes (2016), meus pais
vieram abrindo estradas de foice, facão,
enxada, para poder chegar ali com a
carrocinha trazendo seus pertences”.
Os migrantes tinham consciência de
que essas terras eram férteis, mas que ao
chegarem não teriam amparo e precisariam
prover o sustento para suas famílias. Até
que essas terras fossem preparadas e
semeadas, para a colheita, teriam que ter de
onde tirar ou prover os alimentos. Traziam
consigo alguns provimentos e dinheiro
para que suas famílias não passassem
necessidades. Conforme Wessling,
“trouxemos junto alguns porcos para criar
e a vaca de leite. Daí fizemos uma
mangueirinha com o vizinho para criar os
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porcos e comesemo a vida assim”
iv
(cf.
Laste, 2000, p. 102-103).
As terras da região Sudoeste quando
da chegada dos migrantes em Enéas
Marques eram propriedade do governo
federal, administradas pela CANGO, que
as distribuía aos colonos que aqui
chegavam.
Segundo Martins (1986), para
demarcar o território, os agentes da
CANGO abriram picadas por entre as
matas e construíram sua sede no lado
esquerdo do Rio Marrecas, havia
escritórios, hospedarias, refeitório,
instalações médicas etc. Conforme
Cattelan (2014), a organização dos
Núcleos Coloniais foi fixada pelo Decreto-
Lei 2.009, de 09 de fevereiro de 1940:
“sendo estes definidos como uma reunião
de lotes medidos e demarcados, criados
pela União, Estados, Municípios e por
empresas particulares, a fim de acolher
agricultores em pequenas propriedades”
(Cattelan, 2014, p. 44).
Com base em demandas judiciais
anteriores, em 1951 instalou-se na região a
Clevelândia Industrial Territorial Ltda
(CITLA) que passou a exigir dos colonos o
pagamento pela ocupação destas terras
com a alegação de que era a verdadeira
proprietária.
De acordo com Lazier, “os
emissários da CITLA apareceram como
proprietários das glebas Chopim e
Missões, e passaram a vender a referida
área aos posseiros e demais interessados.
Para tanto, instalou escritórios no
Sudoeste” (Lazier, 1997, p. 27).
Conforme Niederheitmann (1986),
“para acelerar e dividir as atividades de
loteamento da área, em janeiro de 1957,
organizaram-se duas grandes companhias
imobiliárias: Companhia Comercial e
Agrícola Paraná LTDA (COMERCIAL) e
Companhia Colonizadora Apucarana
(APUCARANA)” (Niederheitmann, 1986,
p. 42). Os funcionários dessas companhias
visitavam as propriedades exigindo dos
posseiros a assinatura de documentos de
compra e venda das terras. Aqueles que se
recusavam a assinar ou pagar sofriam
violência ou levavam algo de suas
colheitas ou rebanho, como pagamento.
Aos poucos os posseiros e comerciantes da
região foram se organizando e
manifestando-se contrários as ações dos
“jagunços” enviados pelas companhias
colonizadoras. Situação vivenciada não tão
intensamente pelos moradores da região de
Enéas Marques, como os habitavam na
região de Francisco Beltrão, Verê, Santo
Antônio e Pato Branco.
Conforme Lazier, “cansados de
serem roubados, cansados de serem
massacrados, cansados de injustiças, os
posseiros e o povo do Sudoeste do Paraná
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resolveram colocar um paradeiro naquele
estado de coisas, fazendo justiça com suas
próprias mãos” (Lazier, 1997, p. 58).
No dia 10 de outubro houve uma
mobilização em Francisco Beltrão que
ficou conhecida como Revolta dos
Posseiros de 1957. Segundo
Niederheitmann (1986), os colonos
depredaram os escritórios da CITLA e da
COMERCIAL, obrigando os funcionários
e jagunços a abandonarem os escritórios.
Os papéis e promissórias que os jagunços
obrigavam os colonos a assinar como
compromisso pelo pagamento das terras
que usufruíam, foram jogados nas ruas.
Nos dias seguintes também se mobilizaram
em Pato Branco e Santo Antonio do
Sudoeste. Conforme indicou Lazier, “os
posseiros venceram as companhias
colonizadoras que atuavam como grileiras
e apoiadas pelo Governador do Paraná”
(Lazier, 1997, p. 63).
Após a expulsão das companhias
colonizadoras, os municípios foram sendo
organizados e emancipados, e a região
Sudoeste teve sua população ampliada
consideravelmente, os agricultores
puderam estabelecer-se e trabalhar com
afinco para prover o sustento de suas
famílias.
Padis (1981) traz alguns dados sobre
a população dos municípios do Sudoeste
nas décadas de 1940, 1950 e 1960 a partir
de uma tabela intitulada evolução da
população no sudoeste paranaense”:
apresenta dados de 63 municípios do
Sudoeste e Oeste do Paraná e a existência
ou não de habitantes. Conforme podemos
observar no quadro:
Quadro 1: Evolução da População do Sudoeste Paranaense a partir dos municípios oriundos de Clevelândia.
MUNICÍPIOS
1940
1950
1960
1970
Clevelândia
17.240
53.977
23.634
13.911
Barracão
-
-
14.954
18.430
Santo Antônio do Sudoeste
-
-
26.263
28.789
Capanema
-
-
29.300
21.796
Pato Branco
-
-
51.581
34.280
Francisco Beltrão
-
-
55.498
37.280
Enéas Marques
-
-
-
12.719
Fonte: IBGE, 1970/Padis, 1981, p. 162.
Conforme dados apresentados pelo
autor, na década de 1940 e 1950 havia no
Sudoeste somente o município de
Clevelândia. No ano de 1960, havia
outros municípios: Barracão, Santo
Antônio do Sudoeste, Capanema, Pato
Branco e Francisco Beltrão, desmembrados
de Clevelândia. O autor justifica que “... os
municípios para os quais não indicação
de área e população não estavam ainda
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criados” (Padis, 1981, p. 163), como é o
caso de Enéas Marques (Jaracatiá). O
distrito Jaracatiá possuía alguns
moradores, mas como estava vinculado ao
território de Francisco Beltrão,
possivelmente estão contabilizados neste
índice de habitantes da população de
Francisco Beltrão, visto que foi
emancipado somente em 1964. A queda da
população nos municípios de Capanema,
Pato Branco e Francisco Beltrão, entre
1960 e 1970, se deu pela emancipação de
novos municípios, que, a partir do censo de
1970 entraram nas estatísticas com
população própria, como foi o caso de
Enéas Marques.
Criação das Escolas Rurais no
município de Enéas Marques
Quando Enéas Marques foi
emancipado de Francisco Beltrão em 1964,
havia escolas funcionando no município
que iniciaram suas atividades na década de
1950. Segundo Damasceno e Beserra
(2004), somente a partir da década de 1930
e, mais sistematicamente, das décadas de
1950 e 1960, o problema da educação rural
foi encarado mais seriamente. Para as
autoras “a educação rural no Brasil torna-
se objeto do interesse do Estado justamente
num momento em que todas as atenções e
esperanças se voltam para o urbano e a
ênfase recai sobre o desenvolvimento
industrial” (Damasceno & Beserra, 2004,
p. 75).
Segundo Cattelan (2014), por volta
de 1953 havia escolas em
funcionamento nas comunidades que
atualmente pertencem a Enéas Marques,
como foi o caso da Escola de Vista Alegre,
que iniciou suas atividades em 04 de
novembro de 1953, onde atuava a
professora Plácida Adria. Segundo a
mesma autora, em 1954, a prefeitura
municipal de Francisco Beltrão criou 20
escolas e contratou os professores, sendo
que alguns deles ministraram aulas em
localidades pertencentes a Enéas Marques
após a emancipação. Pelo depoimento de
Baio (2016) podemos identificar outras
duas escolas no antigo Jaracatiá, que não
se encontrou documentos sobre sua
existência no município de Enéas Marques:
Era uma casinha muito pequena, eu
desconfio uma igreja e que depois se
transformou em escola. Foi nessa
casa que a minha irmã começou a dar
aula e depois logo em seguida eles
construíram uma escola na frente
onde hoje é a Praça Jaracatiá.
Quando a minha irdeu aula nessa
escolinha, era de a tudo junto
numa sala só. Ensinava as quatro
classes. Depois fizeram essa
escolinha bem na frente da Igreja do
outro lado da Avenida e tinha outra
professora que eu não lembro o nome
e foi distribuída algumas turmas e
2ª, e e depois logo em seguida
foi construído o Educandário o
Colégio das Irmãs
v
(Baio, 2016).
Nurmberg, M. A., & Castanha, A. P. (2018). Memória educacional no município de Enéas Marques-PR: décadas de (1960-
1990) Das escolas rurais à nuclearização...
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Nessa primeira escola, que fora
utilizada como igreja e escola, conforme
Baio (2016) uma das professoras era
Mafalda Wessler, e quando esta casou e
mudou-se foi substituída por outra irmã,
Iva Wessler. Essas escolas tiveram um
período curto de funcionamento, de 1954
até 1962, quando foi inaugurado o
Educandário São José. Segundo Marques
(2016):
Em 1952 começou a funcionar uma
escolinha na sede do Jaracatiá.
Construída de madeira de pinho
lascada e coberta de taboinhas, assim
como todas as casas da época. Era
uma igrejinha que passou a ser
também escola, com 2 filas de bancos
longos onde se acomodavam 4 a 5
alunos em cada. Era multisseriada, da
alfabetização ao ano. A professora
era a Sra Silvia Brusamarelo.
No depoimento de Wessling (2016)
também a referência a duas escolas:
“em frente da igreja não sei se foi a
prefeitura ou o estado que construiu uma
escola e daí a CANGO construiu outra
escola pra da Igreja, as direita, do lado
de cima da rua onde é a praça hoje”.
Segundo ele, algumas professoras dessas
escolas foram Silvia Blusamarelo, Laura
Rech e Maria Schmila.
Cattelan (2014) cita a Escola de
Vista Alegre e também uma escola do Rio
Gamela, onde tinha como professora Laura
Rech. Desse período até 1980, muitas
escolas foram criadas, mas sem nenhum
registro ou aprovação oficial. Os colonos
conversavam com as autoridades
municipais e solicitavam a criação de uma
escola, se comprometiam a ceder o espaço
e contribuir com as despesas da escola. O
município contratava uma professora,
muitas vezes indicada pelos pais,
geralmente uma pessoa da comunidade.
Estas escolas somente foram reconhecidas
oficialmente a partir de 1980. Até 1964
eram geridas pelo município de Francisco
Beltrão, depois por Enéas Marques,
contando com a contribuição dos pais com
doações de alimentos ou fazendo
promoções para arrecadar fundos para a
escola.
Cattelan (2014) apresentou um
quadro sobre as escolas construídas pela
CANGO até 1957. Dentre as escolas que
pertenciam ao território de Francisco
Beltrão, a autora cita: Escola número “13”
Divisor (Zona Jaracatiá); Escola número
“26”-Km 38; Escola número “27”- Nova
Esperança (Lontra), escolas que até o ano
de 1992 pertenciam ao território de Enéas
Marques. A autora destaca dois padrões de
escolas construídas em 1954, A e B:
Conforme os Atos Oficiais 1, de
1954, o município edificou várias
escolas, que estabeleceram padrões
para a construção adotados desde a
instalação da prefeitura: o padrão
“A” era construído por uma sala de
aula 8x12 metros com tábuas
beneficiadas, paredes duplas pintadas
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a óleo e cobertas de telhas francesas
(Cattelan, 2014, p. 125).
Conforme a mesma autora, “as casas
padrão A eram construídas nos centros
residenciais nas Sedes Municipais,
encontrando-se concluídas a de Água
Branca e estando em construção as de
Marmeleiro, Concórdia e Jaracatiá”
(Cattelan, 2014, p. 125). Sobre o padrão B,
a autora destacou: “as da classe “B”
dispõem de residência para o professor, são
edificadas nos locais mais distantes, o que
facilita a manutenção do mesmo” (Cattelan,
2014, p. 125). Pelos apontamentos de
Cattelan podemos identificar uma escola
sendo construída no distrito de Jaracatiá
em 1954, provavelmente uma das
primeiras escolas construídas no município
de Enéas Marques.
Quanto ao início de funcionamento
das escolas podemos visualizar de forma
mais sintetizada no quadro abaixo.
Quadro 2: Início de funcionamento das escolas 1956-1975.
Anos
1956
1958
1959
1960
1961
1962
1964
1965
1966
1967
1968
1969
1972
1974
1975
Escolas
4
3
3
7
3
5
3
3
4
1
9
1
1
1
1
Fonte: Documentos da Secretaria de Educação. Dados organizados pelos autores.
As 49 escolas identificadas estavam
localizadas na zona rural, quase todas
construídas em madeira, parecidas com
uma casa dos colonos, contendo uma sala
de aula, varanda e, em algumas delas havia
cozinha. A área das escolas não era muito
grande, a maioria possuía entre 50 e 80m²;
poucas chegavam a 100m² ou mais. A
maioria tinha apenas uma sala e algumas
duas.
Os professores que atuavam nas
escolas eram escolhidos ou indicados pela
comunidade, pois poucos possuíam
escolaridade superior à série. Estes,
geralmente assumiam as escolas nas vilas
maiores. Os que haviam concluído o curso
primário, até a série, eram considerados
como os mais indicados para serem
professores nas escolas rurais.
Segundo Fernandes (2016), “a
pessoa que soubesse ler e escrever era
professor, sabia as quatro operações era
professor e tinha muito pouco, mas muito
mesmo e eu cheguei aqui e me empurraram
para essa função”. Também Silva (2015)
relata como iniciou suas atividades como
professora: “na época eu não tinha nem 15
anos ... As escolas eram longe, os vizinhos
decidiram criar uma escolinha na
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comunidade. Como eu tinha na época a
5ª série me indicaram para ser professora”.
No município de Enéas Marques,
encontramos nos documentos da Secretaria
Municipal de Educação registro da
existência de 53 escolas. Em cada uma
delas havia um professor ou mais. No
gráfico que segue detalhamos sobre a
formação de 48 professores, pois dos
demais não encontramos registro de sua
formação. No gráfico abaixo detalhamos
sobre a formação dos professores do
município de Enéas Marques até a década
de 1980.
Gráfico 1: Formação de Professores 1980.
Fonte: Documentos da Secretaria Municipal. Dados organizados pelos autores.
Não foi possível identificar o número
exato de professores do município, mas
considerando que havia aproximadamente
50 escolas, e que a maioria delas tinha
apenas um professor, presumimos que o
total de professores era em torno de 60.
Dos 48 professores identificados nos
documentos e representados no gráfico, 2
possuíam o curso primário incompleto e 22
o curso completo, 12 possuíam o primário
e estavam cursando ou haviam cursado
Logus II, 5 estavam cursando o ginásio ou
tinham o ginásio completo mais Logus II,
1 tinha contabilidade mais Logus II e
apenas 6 tinha a formação mínima do curso
normal/magistério e, destes, apenas um
tinha o superior. Os números revelam a
precariedade da formação docente no ano
de 1980. Metade dos professores que
atuavam no município possuía formação
no mesmo nível do curso que ministravam,
sendo escolhidos para tal função porque
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não havia pessoas mais instruídas, ou seja,
eram os que possuíam maior grau de
escolaridade. É bom lembrar que na época
poucos professores eram concursados.
A partir das normativas da Lei de
Diretrizes e Bases da Educação de e
Graus, Lei 5.692/1971, implantada
gradualmente a partir de 1972, os
professores precisaram buscar outros
cursos de formação, a saída mais fácil foi a
oferta do projeto Logus II no município,
para habilitar minimamente os professores.
O projeto Logus II era organizado por
módulos, tantos módulos para cada
disciplina. Os professores vinham para a
cidade e levavam alguns módulos para
casa para estudar. Um dia por mês havia a
aplicação das provas presencias e os
professores poderiam fazer várias delas no
mesmo dia. Assim, cada professor
estabelecia seu tempo de formação. O
Logus II foi uma espécie de formação à
distância, sem o uso da tecnologia.
Lentamente, alguns professores
começaram a se deslocarem para outras
cidades, principalmente para Palmas, para
fazer a graduação na licenciatura, curta ou
plena, em diversas áreas do conhecimento.
A partir de 1980 foi organizada no
município de Enéas Marques uma equipe
pedagógica, para acompanhar a educação,
a qual passou a incentivar os professores a
continuarem seus estudos, a cursar nível
superior, pós-graduação etc., mas até o
início da década de 1990, os professores
com curso superior ainda eram bem
poucos.
Processo de Nuclearização no Município
de Enéas Marques
O processo de nuclearização das
escolas está diretamente relacionado com o
processo de industrialização, modernização
da agricultura e êxodo rural no Brasil.
Segundo Priori et al. “A modernização
agrícola no Estado do Paraná foi
acompanhada de mudanças que
historicamente ocorrem na instalação da
base técnica ao campo, como problemas
sociais, dentre eles, o êxodo rural, a
concentração fundiária ... e o desemprego
no campo” (Priori et al. 2012, p. 115).
Sobre o processo de modernização da
agricultura, Emer afirmou:
Após a modernização da agricultura e
expulsão do campo de uma
considerável parcela da população,
muitas escolas rurais foram
desativadas em razão de critérios
administrativos, isto é, o reduzido
número de crianças em idade escolar
não “justificava” a existência da
escola. Em diversos municípios a
escola rural foi substituída por
transporte e constituída uma
modalidade de escola denominada
nuclearizada, isto é, uma escola
centralizada, ampliada e com
professores habilitados, para onde
converge o transporte de alunos
residentes nas linhas e travessões
(Emer, 1991, p. 309).
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A década de 1990 foi marcada por
algumas mudanças a nível educacional: a
principal delas que afetou duramente a
educação rural foi o processo de
municipalização do ensino. No Estado do
Paraná, a responsabilidade pelas escolas
até a série foi repassada para os
municípios, o Estado ficou com a
responsabilidade com a segunda fase do
ensino fundamental de a série. A
segunda mudança foi o início do processo
de nuclearização das escolas rurais, várias
escolas fechadas e os alunos transferidos
para escolas núcleos ou para escolas
urbanas. As escolas rurais eram de
responsabilidade dos municípios, mas, o
processo de municipalização das escolas
urbanas acabou estimulando e acelerando a
nuclearização das escolas rurais.
A nuclearização ocorreu de forma
gradativa, pois foi necessário conscientizar
os professores e os pais sobre o
fechamento das escolas, o que despertou
resistência por parte dos pais, quanto a
fechar as escolas e ter que enviar seus
filhos para a cidade, ou outra comunidade
mais distante precisando percorrer vários
quilômetros de ônibus até chegar às
escolas. Para concretizar a política de
nuclearização, foi necessário investir em
transporte escolar e adequar às escolas que
receberiam estes alunos. Buscou-se
conscientizar os pais sobre a nova
organização do ensino que seria por séries
e um professor para cada turma.
No decorrer da pesquisa foram
encontrados diversos documentos nos
arquivos municipais, dentre eles atas de
reunião com professores e atas de reuniões
com pais de alunos. A partir de algumas
atas encontradas nos arquivos da Prefeitura
Municipal, podemos compreender como
ocorreu o processo de nuclearização das
escolas. Inicialmente foram
conscientizados os professores sobre as
mudanças, depois os pais, o que nem
sempre foi tão simples, pois seus filhos
eram os mais afetados pelas mudanças que
a nuclearização demandava. No ano de
1990 estavam sendo realizadas reuniões
com os pais para falar sobre a
nuclearização das escolas, como podemos
atestar pela ata da escola XV de
Novembro, da comunidade de Bela União:
“aos quinze dias (15) do mês de agosto de
um mil novecentos e noventa foi realizada
na Escola XV de Novembro a reunião com
todas as mães da comunidade, a fim dos
seguintes assuntos: conversar com as
mães sobre a nuclearização das escolas no
nosso município”.
Nas reuniões com os pais, nem
sempre, o anúncio sobre a nuclearização ou
fechamento das escolas era acolhido de
forma tranquila, mas permeado de
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insegurança, resistência, exigência de
melhores esclarecimentos, bem como
insistência para que a escola permanecesse
em funcionamento. A ata que segue reflete
um pouco essa realidade.
No dia doze de dezembro de um mil
novecentos e noventa e dois as nove
horas da manhã reuniram-se os pais
dos alunos matriculados.... Nesta
reunião os pais presentes falaram a
respeito da nuclearização dos alunos
onde os pais presentes discordaram
com a opinião, os pais presentes
querem uma reunião com a presença
dos prefeitos dos 2 municípios para
entrarem num acordo. A pretensão
dos pais presentes é que a escola
permaneça aqui, construindo o prédio
que está em situação precária (E. M,
Ata, 1992).
Na Escola São Pedro encontramos os
pais protestando contra o fechamento da
escola.
Aos 3 dias do mês de fevereiro de
1994 reuniu-se os pais dos alunos da
escola São Pedro, da Linha Felipe,
protestando contra o fechamento da
mesma no dia 02 de fevereiro. Nem
todos os pais participaram porque
estavam trabalhando, participando
quase as mães pegando-nos de
surpresa para assinar um documento
que nós não sabemos se foi
endereçado pela vossa pessoa. Se for
ordem do município, nós queremos
veículo disponível para a locomoção
das mesmas porque tem crianças
pequenas que tem dificuldade em
enfrentar escola distante ... Deixando
os pais preocupados com a distância
em as crianças participar em outra
escola, que de 3 a 5 km a mais
próxima, “nós pais pretendia que a
escola ficasse funcionando no mesmo
local. Se assim não for nós estamos
dispostos a deixar as crianças sem
aula” (E. M, Ata, 1994).
Para os pais as mudanças propostas
pela nuclearização geravam insegurança,
pois, os filhos frequentavam a escola perto
de casa e o professor era uma pessoa
conhecida e de confiança. A partir do
fechamento da escola na comunidade, os
filhos teriam que frequentar outra escola,
professores novos e teriam que se deslocar
vários quilômetros, precisaria de transporte
para levar os alunos.
A Senhora Madalena Nurmberg
residente na comunidade de Rio Vitória,
tinha uma das filhas estudando numa
escola na comunidade e participou das
reuniões e conscientização dos pais sobre o
fechamento das escolas. Em depoimento
oral ela relatou como vivenciaram este
momento.
Foi bem difícil porque ali era
pertinho para elas ir, o povo dos
lugares era tudo conhecido e eles
vieram com essa ideia de levar o
povo todo para cidade, tinha que ir
mais cedo, longe, ir de carro e com as
crianças de tudo tipo, de tantos
lugares que não era conhecido
também. A gente achava quase
impossível mais se a ordem era essa,
no fim tivemos que concordar e
mandar (Nurmberg, M, 2016).
Seu esposo, quando da realização de
uma entrevista gravada em 2016,
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descreveu sobre como foi esse período de
conscientização dos pais. “Nós num
primeiro momento não estávamos de
acordo. Disseram que tinha que fazer, pois
aqui tinha as salas tudo junto os 4 anos
letivos e cada aluno teria um professor
separado por série”. E ainda “devido a
distância e locomoção para levar a piazada
a gente não estava muito de acordo para
mandar os filhos muito longe. Teve um
pequeno atrito, mas por fim eles fecharam
tudo e nos obrigamos a mandar”
(Nurmberg, I, 2016).
No momento de conversa com os
pais eram apresentadas algumas
justificativas sobre o porquê a
nuclearização era importante, para assim
ter maior aprovação dos mesmos. Na ata
da Escola São Pedro foram apresentadas
algumas prerrogativas sobre o porquê a
escola seria fechada e os alunos
transferidos para outra escola.
Aos dias 02 do mês de fevereiro
reuniu-se os pais e professor da
Escola Rural São Pedro para tratar
dos seguintes assuntos:
Nuclearização, com a transferência
dos alunos para a Escola da
comunidade do Alto Pinhal. A
professora explicou da importância
da nuclearização com o novo
processo ou método Ciclo Básico que
é praticamente impossível adotar o
método em uma escola
multisseriadas. A professora explicou
que também é impossível cumprir o
calendário escolar, devido ao trajeto
que a professora tem a percorrer até
chegar a escola todos os dias, e com
as faltas quem iria acabar sendo
prejudicada seria as crianças. E
explicou as vantagens de frequentar
uma escola seriada, com o contra-
turno para as crianças que não
conseguem acompanhar os outros e
que a atual escola São Pedro não
pode acompanhar o método exigido,
daí a necessidade de nuclearizar
(E.M, Ata de Reunião, s/ano).
No decorrer da conscientização dos
pais sobre as mudanças que viriam,
realizavam-se reuniões com os pais,
contando com a participação dos
professores, Secretária de Educação,
vereadores e Prefeito. Em algumas
comunidades, além da reunião, eram
realizadas visitas às famílias, para
conversar e expor mais detalhadamente
que mudanças ocorreriam.
Segundo Farias (2013, p. 50), “a
Prefeitura define, o Núcleo Regional de
Educação encaminha sem questionar, e a
Secretaria Estadual de Educação se baseia
nos documentos e acaba por sentenciar a
cessação da escola”. Ou ainda “não havia
questionamento sobre o pedido, a não ser
onde raras vezes, a comunidade se
articulava com forças políticas da região
para tentar impedir que a escola tivesse um
fim” (Farias, 2013, p. 50). Conforme a
mesma autora,
Quando a proposição de
fechamento de uma escola seja por
parte do poder público municipal ou
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estadual, segue o protocolo de uma
reunião com a comunidade, para
explicar os motivos do fechamento
da escola. Nos casos em que a
comunidade não contesta, em seguida
é encaminhado o pedido de cessação
para a SEED. Mas, quando
resistência quanto ao fechamento,
quando o convencimento não cumpre
seu papel, trava-se um jogo de forças,
por um lado o poder público
querendo cessar, por vários motivos,
entre eles justifica o alto custo para a
prefeitura manter a escola no campo
sendo este superior ao de colocar um
ônibus para transportar os estudantes
para uma escola, na área urbana. E,
do outro lado, a comunidade se
organizando para manter a escola no
campo, a partir do enfrentamento e
resistência. Somente nos casos em
que a comunidade se organize e
resiste quanto ao fechamento, é que
discussão sobre as
particularidades apresentadas pelas
famílias que precisam que a escola
esteja na comunidade. Isso não
acontece, sem embates, disputas e
relações de poder (Farias, 2013, p.
50- 51).
A partir de Farias (2013)
identificamos duas realidades relacionadas
ao processo de fechamento das escolas: o
primeiro foi/é o aviso de fechamento de
uma escola que foi/é aceito pelos pais. O
segundo foi/é o aviso de fechamento e a
comunidade resistiu/resiste,
discordou/discorda dessa medida e
buscou/busca de várias formas para que a
escola permanecesse/permaneça na
comunidade. No segundo caso,
obrigou/obriga o poder público apresentar
os motivos para fechar, procurando
convencer a comunidade. Essa situação
exigiu/exige maior discussão, reuniões
para que o convencimento fosse/seja a
última palavra.
Bonetti, ex-prefeito do município
entre 1982-1988 e 1993-1996, entrevistado
em 2016, detalhou como ele viu o processo
de nuclearização:
Foi uma normativa, foi uma política
nova ... A questão de otimizar
recurso público foi também um
argumento. Eu lembro que era uma
política onde se pretendia dar ao
aluno, professores e servidores uma
melhor estrutura na escola. Uma
escolinha pequena seria difícil fazer
aquilo que foi possível fazer num
núcleo. É claro que o deslocamento
do aluno era uma preocupação, a
questão de sair de casa mais cedo, a
questão de segurança, as condições
das estradas, a própria condução dos
ônibus na época, mas se fazia com
muita dedicação, se fazia com muita
cautela, muito respeito, havia muito
diálogo e o resultado na minha
opinião foi positivo, mas eu diria que
o principal fator, na época, não foi
esta questão de otimizar recurso
público, foi também, mas o principal
foi dar uma melhor condição aos
alunos, numa escola mais bem
estruturada (Bonetti, 2016).
Bonetti foi prefeito no município de
Enéas Marques por duas gestões, na
primeira participou do processo de reforma
das escolas e ampliação do espaço escolar.
Na segunda, participou do movimento de
reorganização das escolas que se tornaram
escolas núcleos e, segundo ele
acompanhou diretamente, somente o
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fechamento da Escola de Bela União.
Bonetti (2016) expressou como foi esse
processo: “eu lembro que foi necessário
muitos dias de conversa, diálogo com os
pais”. Detalhou também como foi a
organização do transporte escolar para que
os alunos pudessem frequentar outras
escolas.
Eu participei pessoalmente do
processo de elaboração de editais e
coordenar esse processo de licitação
para escolher os transportadores
através do que a lei determinava na
época que era através da
concorrência pública, a definição de
linhas e inclusive do convencimento
dos pais que alguns tinham
resistência que o filho tinha que
andar 500 metros. Algum sacrifício
teria que ser feito, sair de casa um
pouco mais cedo, o ônibus não pode
entrar em todas as propriedades, vai
ter uma linha principal e cabe aos
pais então conduzir o seu filho na
melhor segurança possível até o
ponto de parada dos ônibus. Tudo era
estudado para diminuir riscos e levar
os alunos mais próximo da
residência, desde que isso não
implicasse no trajeto em relação ao
horário de chegada da escola
(Bonetti, 2016).
Nas escolas rurais, o professor
realizava todas as atividades sozinho. Com
a nuclearização e a concentração dos
alunos nas escolas que foram escolhidas
para serem núcleos, houve necessidade de
nova organização, mais pessoas
envolvidas, diversos professores,
merendeira, zeladora, diretora, secretária,
pedagoga etc. Os professores que atuavam
nas escolas onde as atividades cessaram
foram remanejados para as outras escolas
juntamente com os alunos e puderam
continuar seu trabalho.
Hoffelder (2016) foi diretora na
Escola Municipal Criança Feliz, localizada
na zona urbana, a qual recebeu um número
expressivo de alunos das escolas fechadas,
justamente nesse período de transição que
foi a nuclearização das escolas. Em
depoimento oral gravado em 2016, ela
afirmou: Foi um momento muito difícil,
complicado porque como a gente tem o
filho da gente, no interior eles são
acostumados com a família naquele
ambiente e tirar eles foi a mesma coisa que
tirar o filho do seio materno”. Segundo ela,
Eles vieram para um lugar que era
totalmente diferente, depois eles
foram gratificados porque aqui eles
tiveram turmas por série não mais
escolas multisseriada. Quando a
gente começou o trabalho era
multisseriado tinha de 1ª a 4ª série
junto, então trabalhava com uma
série, deixava essa trabalhava com a
outra, as 4 séries junto e foi pensando
nisso que houve a nuclearização para
facilitar mais o trabalho e fazer com
que os alunos também conseguissem
um aprendizado melhor (Hoffelder,
2016).
Hoffelder (2016) destacou como os
pais acataram a mudança de escola pelos
filhos: “teve muita reserva dos pais, não
queriam que fechasse as escolinhas do
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interior, mas hoje eu acho que eles
acabaram aceitando com o tempo e viram
que você estava ali para ajudar, para
contribuir com eles”. Marques (2016) foi
professora nas escolas multisseriadas e
atuou também nos diversos níveis de
ensino. Também trabalhou como diretora
de escolas e na Inspetoria de Ensino.
Segundo ela, a nuclearização favoreceu aos
professores na busca por maior formação.
“Eles tiveram uma chance de ter uma
formação melhor e vieram todos aqui para
cidade, trouxeram as escolas com
professores e passou a ser seriadas”.
Abreu (2016) foi professor no
município de Enéas Marques e atualmente
(2017) trabalha como Secretário de
Educação no município de Nova Esperança
do Sudoeste. Ele delineou o que
provavelmente motivou a nuclearização
das escolas: acredito que a intenção era
fechar as escolas, reunir as escolas porque
elas estavam ficando com poucos alunos
exatamente para ser melhor administradas
e geradas menos despesas”. Na sua
compreensão, “a necessidade de
nuclearizar não foi tanto por modernismo
nem por ter uma melhor educação, um
melhor trabalho, mas por exigência de
controlar os gastos públicos”.
Campos (2015), professora da rede
municipal, também atuou na Secretaria de
Educação por mais de 20 anos,
coordenando a organização das escolas e
sendo responsável pelo acompanhamento
dos professores e alunos. Ela relatou como
foi vivenciada a nuclearização das escolas.
Foi um processo bem complicado.
Começou a nuclearização das escolas
quando houve a municipalização do
ensino, o estado repassou as escolas
estaduais para o município que
ficaria responsável pelas escolas de
Pré, de educação infantil e o ensino
fundamental de primeiros anos; o
estado ficaria com a segunda fase do
ensino fundamental que antes era de
serie até serie e segundo grau e
a União ficaria com o terceiro grau.
Então houve uma sobrecarga para os
municípios quando houve a
municipalização da educação. Aqui
nos tínhamos escolas que funcionava
no mesmo prédio que depois foi
separado, a Escola Arnaldo Busato
atendia, de Pré até o segundo grau e
foi separado (Campos, 2015).
Pelo depoimento de Campos
percebemos que o município não estava
preparado para esta mudança, mas a
situação exigia nova organização e os
encaminhamentos foram sendo realizados.
A Escola Arnaldo Busato funcionava no
mesmo prédio da Escola Municipal
Criança Feliz e precisou ser separada, pois,
a escola receberia uma demanda grande de
alunos de 1ª a 4ª série.
Todos os municípios do Paraná
começaram a nuclearização das
escolas. Foi bem traumático no
começo. Os pais eram muito
resistentes de tirar a escola porque
era um ambiente cultural deles.
Nurmberg, M. A., & Castanha, A. P. (2018). Memória educacional no município de Enéas Marques-PR: décadas de (1960-
1990) Das escolas rurais à nuclearização...
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Nessa época houve mais transporte
escolar. As mães tinham muito medo
que os alunos iam se perder e mesmo
que a cidade era pequena, que eles
estavam correndo riscos maior vindo
para a cidade. A gente sempre tentou
explicar para eles a diferença de uma
escola aonde cada professor ia
atender a uma série separada de que
um professor com todas as series ...
De uns tempos pra a população
reduziu no município, por exemplo
tem comunidades que a escola fechou
com 8 alunos, outras com 10 com 4
série, enquanto outras escolas com 40
alunos e a escola também foi
nuclearizada. Foi bem difícil para
administração porque de repente tu se
viu com uma proposta dessas e teve
que organizar o seu sistema
totalmente diferente. Na parte
documental teve a cessação de
funcionamento das escolas que é uma
burocracia. A nuclearização foi
gradativa (Campos, 2015).
Pelo depoimento de Campos (2015)
identificamos alguns desafios que foram
citados anteriormente, como a resistência
dos pais ao fechamento das escolas,
insegurança pelos filhos frequentarem as
escolas na cidade, realidade nova,
professores novos e desconhecidos.
Percebemos a mudança do ensino
multisseriado para seriado, a
disponibilização de transporte escolar para
levar os alunos à nova escola e como o
processo de nuclearização gerou uma
grande papelada a ser preenchida pelos
responsáveis pela educação.
Hoje me pergunto até que ponto isso
é certo, é correto? Na parte funcional,
administrativa e econômica teve
ganhos, mas culturalmente eu me
pergunto hoje se isso contribuiu ou
não? Tem vários pensadores que
dizem que não se deve fazer a
nuclearização, mas como manter
essas escolas com 10 ou 30 alunos?
Tu imagina turmas de 10 ou menos
onde hoje o recurso para a educação
é tudo voltado para o número de
alunos e número de professores. Para
ter qualidade você tem que se sujeitar
aos entraves de mandar o teu filho
pequeninho de 6 anos fazer 20 km
dentro de um ônibus enquanto ele
podia com 10 minutos de caminhada
chegar a escola. Mas eu como
professora ainda acredito que foi
melhor, do que você ficar batendo em
cima de uma coisa que não tem
concerto. As escolas muito pertinho
uma tirava aluno da outra e para o
município fazer vários núcleos num
município pequeno como é o nosso
não era viável (Campos, 2015).
Na citação anterior observamos dois
lados da nuclearização: o das mudanças
ocorridas na parte funcional, administrativa
e econômica; e o da retirada da escola da
comunidade, que era considerada um
espaço de construção de conhecimento e
cultura. Ambiguidades que permanecem na
história e que apresenta defensores para
ambos os aspectos.
Segundo Bonetti (2016) “a
diminuição de alunos por escola era uma
realidade, havia na época uma saída um
tanto expressiva de agricultores que
estavam indo para centros urbanos para
buscar renda como Joinville e outras
cidades do Brasil”.
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No ano de 1992 ocorreu a separação
dos territórios de Enéas Marques e Nova
Esperança do Sudoeste. As escolas que
pertenciam ao território de Enéas Marques,
mas que ficavam na região onde se
estabeleceu o novo município, passaram a
ser de responsabilidade de Nova
Esperança, restando no território de Enéas
Marques em torno de 30 escolas. A partir
de 1991 as escolas rurais foram sendo
fechadas e os alunos encaminhados para
outras escolas, ou escolas-núcleo. Os
alunos, inicialmente, foram transferidos
para as escolas municipais de: Vista
Alegre, Criança Feliz (urbana), Cristo Rei,
Rio Bocó, Pinhalzinho, e Alto Pinhal, e
posteriormente restaram duas escolas:
Pinhalzinho e a urbana. Segundo Farias
(2013, p. 56), nas décadas de 1980, 1990 e
2000 foram cessadas 31 escolas no
município de Enéas Marques e 18 em
Nova Esperança. Nossa pesquisa revelou
que foram 36 as escolas fechadas entre
1987 e 2001. Em 1987 uma escola fechada,
de 1991 a 1994 foram cessadas 19 escolas,
de 1996 a 2001 mais 16 escolas,
totalizando 36 cessações.
No município de Enéas Marques
foram encontrados registros de 53 escolas
que a partir da década de 1990 começaram
a ser cessadas. Hoje, em funcionamento
na rede municipal de Ensino, situadas na
Zona urbana: Centro Municipal de
Educação Infantil Anjo da Guarda e Escola
Municipal Criança Feliz Educação
Infantil e Ensino Fundamental e uma na
Zona Rural na comunidade de Pinhalzinho:
Escola Municipal do Campo Treze de
Maio - Educação Infantil e Ensino
Fundamental. Na rede estadual
permanecem duas situadas na zona rural:
Escola Estadual do Campo Pinhalzinho
Ensino Fundamental e Escola Estadual do
Campo Vista Alegre Ensino
Fundamental e uma na zona urbana:
Colégio Estadual Castro Alves Ensino
Fundamental e Médio.
No município de Nova Esperança do
Sudoeste estão em funcionamento na zona
urbana uma Escola Municipal Visconde de
Mauá Educação Infantil e Ensino
Fundamental e o Colégio Estadual Nova
Esperança e na zona rural Escola Rural
Municipal Angastão Cruz Ensino
Fundamental na comunidade do Rio
Gavião e a Escola Rural Municipal Santo
Antonio Ensino Fundamental, localizada
em Barra Bonita.
Aproximadamente 50 escolas foram
fechadas entre a década de 1980, 1990,
2000 e 2010 do município de Enéas
Marques e Nova Esperança do Sudoeste.
Os alunos foram remanejados para as
escolas que estão em funcionamento, mas,
a maioria passou a frequentar as escolas
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localizadas na zona urbana, necessitando
do uso de transporte escolar.
Considerações Finais
A partir das leituras sobre o processo
de nuclearização e contato com a realidade
de Enéas Marques foi possível perceber
que essa mudança foi consequência de um
período histórico, político e econômico,
mas, principalmente de uma política
governamental, visando reduzir os gastos
com a educação. Uma medida imposta de
cima para baixo. Os envolvidos nesse
processo, os professores e alunos não
foram consultados sobre isso, apenas
sofreram as consequências dessa
prerrogativa.
No município de Enéas Marque e
Nova Esperança do Sudoeste (que até 1992
faziam parte do mesmo território), foram
cessadas aproximadamente 50 escolas, e os
alunos remanejados para outras escolas.
Embora o discurso utilizado no
período de fechamento das escolas rurais
foi a nuclearização, como garantia da
melhoria da qualidade da educação e
economia de gastos, o que ocorreu de fato
foi a urbanização das escolas, mediante a
oferta de transporte escolar. No município
de Enéas Marques, atualmente existe
apenas uma escola na zona rural, que
atende as crianças até o ano. Esse fato é
lamentável, pois, a população rural do
município ainda é superior a 60%.
O município de Enéas Marques é
essencialmente agrícola, a população
permanece em sua maioria no campo e o
fechamento de tantas escolas não pode
passar despercebido, mas deve levar a
reflexão e análise dos fatores e
justificativas apresentadas para motivar tal
procedimento. Por ser uma região,
essencialmente agrícola, tal característica
precisa ser valorizada. A política mais
correta seria manter as escolas na zona
rural, valorizando e incentivando os alunos
a permanecerem no campo, com
possibilidades de estudar, sem
necessitarem se deslocar para a zona
urbana.
O fechamento das escolas rurais/do
campo via o processo de nuclearização ou
urbanização foi justificado pela diminuição
das pessoas no campo, isso é fato. Todavia,
a política de nuclearização acabou
estimulando as famílias a abandonarem o
campo, pois, muitos pais não aguentaram
ver seus filhos submetidos, diariamente, às
condições degradantes do transporte
escolar. A nuclearização foi um modismo
que acabou convencendo vários prefeitos a
fechar escolas, mesmo em município que
tinham dois terços da população na zona
rural. A nuclearização produziu impactos
diretamente na vida dos agricultores, que,
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rapidamente perderam a identidade de
comunidade, acarretando no abandono
acelerado da vida no campo.
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Relatos Orais
Abreu, A. I. N. (2016). Depoimento oral
em 06 de junho de 2016. Informações
complementares: casado, instrução: ensino
superior: Gestão de Empresa e Gestão
Pública Profissão: Servidor Público,
professor, Secretário de Educação no
município de Nova Esperança do Sudoeste.
Baio, B. W. (2016). Depoimento oral em
26 de novembro de 2016. Informações
complementares: viúva, instrução: de a
4ª série. Profissão: costureira.
Bonetti, A. C. (2016) Depoimento oral em
26 de novembro de 2015. Informações
complementares: casado, Instrução:
Profissão: técnico em Agropecuária,
prefeito no município de Enéas Marques
1983-1988 e 1993-1996.
Campos, C. M. D. (2015). Depoimento
oral em 07 de julho de 2015. Informações
complementares: casada, instrução: nível
superior, profissão: professora, católica.
Fernandes, J. A. (2016). Depoimento oral
em 02 de fevereiro de 2016. Informações
Complementares: viúva, instrução: grau,
profissão: professora, católica.
Hoffelder, M. do C. V. (2016).
Depoimento oral em 21 de janeiro de 2016.
Informações complementares: casada,
Instrução: nível superior. Profissão:
professora e diretora. Atualmente está
aposentada.
Marques, R. P. (2016). Depoimento oral
em 21 de janeiro de 2016. Informações
complementares: viúva, Instrução:
Pedagogia e Especialização em
Administração Escolar. Profissão:
professora: 32 anos, diretora 9 anos e 3
anos como Inspetora Escolar. Aposentada
a 20 anos.
Mendes, J. D. (2016). Depoimento oral em
12 de fevereiro de 2016. Informações
complementares: Casado. Instrução:
grau. Profissão: agricultor, pedreiro,
gerente de produção.
Nurmberg, I. (2016). Depoimento oral em
2 de fevereiro de 2016. Informações
complementares: casado, instrução: 1ª série
do 2º grau. Profissão: agricultor.
Nurmberg, M. (2016). Depoimento oral em
2 de fevereiro de 2016. Informações
complementares: casada, instrução:
primário. Profissão: agricultora.
Silva, A. M. B. (2015). Depoimento oral
em 27 de junho de 2015. Informações
Nurmberg, M. A., & Castanha, A. P. (2018). Memória educacional no município de Enéas Marques-PR: décadas de (1960-
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complementares: casada, instrução:
magistério, profissão: professora, católica.
Casada com o cartorário João Ramilio da
Silva.
Wessling, J. (2016). Depoimento oral em
26 de novembro de 2016. Informações
complementares: solteiro, instrução: ano
primário. Profissão: agricultor.
i
A pesquisa intitulou-se: História da Educação do
Município de Enéas Marques 1960 a 1992 e foi
desenvolvida junto ao Programa de Pós-Graduação
em Educação, nível de mestrado, da Universidade
Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE
campus de Francisco Beltrão, entre 2015 e 2017,
sob a orientação do professor André Paulo
Castanha.
ii
Jaracatiá: nome dado ao distrito devido a grande
quantidade desta árvore nativa da região. O
Jaracatiazeiro produz uma fruta semelhante ao
mamão, é uma espécie de mamoeiro do mato,
embora menor. Era muito utilizado na fabricação de
doces caseiros.
iii
O nome foi sugerido pelo Deputado Arnaldo
Busato, em homenagem a Enéas Marques dos
Santos, cidadão curitibano, professor na
Universidade do Paraná, Escritor, Promotor Público
e um dos fundadores da Academia Paranaense de
Letras.
iv
O depoimento de Wessling foi mantido a grafia
utilizada por Laste (2000, p. 102-103).
v
Educandário São José foi um colégio coordenado
pelas Irmãs Escolares de Nossa Senhora e atendia a
alunos de 1ª a 4ª série. Iniciou suas atividades em
1962 e permaneceu até 1968/1969.
Recebido em: 23/08/2017
Aprovado em: 12/09/2017
Publicado em: 15/12/2017
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Como citar este artículo:
APA:
Nurmberg, M. A., & Castanha, A. P. (2018). Memória
educacional no município de Enéas Marques-PR:
décadas de (1960-1990) Das escolas rurais à
nuclearização. Rev. Bras. Educ. Camp., 3(1), 30-56.
ABNT:
NURMBERG, M. A.; CASTANHA, A. P. Memória
educacional no município de Enéas Marques-PR:
décadas de (1960-1990) Das escolas rurais à
nuclearização. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 3, n. 1, p. 30-56, 2018.
ORCID
Maricélia Aparecida Nurmberg
http://orcid.org/0000-0003-2549-6869
André Paulo Castanha
http://orcid.org/0000-0003-0571-0960