Revista Brasileira de Educação do Campo
ARTIGO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2017v2n2p750
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 750-772
jul./dez.
2017
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Movimentos sociais e conquista do ensino superior: a
formação de pedagogos para a Educação do Campo
Maria Christine Berdusco Menezes
1
, Rosangela Celia Faustino
2
, Marta Chaves
3
1
Universidade Estadual de Maringá - UEM. Departamento de Pedagogia. Avenida Colombo, 5790. Jardim
Universitário. Maringá - PR. Brasil. mcbmenezes@gmail.com.
2
Universidade Estadual de Maringá - UEM.
3
Universidade Estadual de Maringá - UEM.
RESUMO. Durante séculos, concomitantemente à expropriação
das terras, a formação superior e o acesso aos níveis mais
elevados de conhecimento foram destinados a poucos. Apenas
as elites dominantes frequentavam universidades e tinham
acesso ao conhecimento e às ferramentas para a produção
científica. Aos camponeses e ao povo, de forma geral, restava
trabalhar e produzir riquezas a serem apropriadas pelos
exploradores. Esse estado de coisas foi alterado quando
movimentos sociais se organizaram e lutaram por justiça e
direitos humanos igualitários. O presente artigo apresenta uma
breve trajetória da criação do Ensino Superior e das lutas sociais
para o acesso a esse nível de ensino. Discute, ainda, o papel do
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a
formação de pedagogos para escolas do campo no Estado do
Paraná. Os resultados mostram que a organização e as lutas
sociais contribuem com a conquista do acesso a níveis mais
elevados de educação e possibilidades de formação acadêmica
diferenciada.
Palavras-chave: Movimentos Sociais, Ensino Superior, MST,
Formação de Pedagogos.
Menezes, M. C. B., Faustino, R, C., & Chaves, M. (2017). Movimentos sociais e conquista do ensino superior:
a formação de Pedagogos para a Educação do Campo...
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Social movements and achievement of higher education:
the formation of Pedagogues for the Rural Education
ABSTRACT. For centuries, concomitant with the expropriation
of land, higher education and access to the highest levels of
knowledge were earmarked for a few. Only the dominant elites
frequented universities and had access to knowledge and tools
for scientific production.The peasants and the people, in general,
were left to work and produce wealth, to be appropriated by
exploiters. This state of affairs is only changed when social
movements organize and fight for justice and egalitarian human
rights. This article presents a brief trajectory of the creation of
higher education, of the social struggles to access this level of
education; discussing the role of the Landless Rural Workers
Movement (MST) and the training of pedagogues for rural
schools in Paraná. The results show that the organization and the
social disputes contribute to the achievement of reaching higher
educational levels with the possibility of a differentiated
academic formation.
Keywords: Social Movements, Higher education, MST,
Teachers Formation.
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Movimientos sociales y conquista de la universidad:
Formación de Pedagogos para la Educación del Campo
RESUMEN. Por seculos, junto a expropriación de las tierras, la
formación superior y el acceso a los niveles más altos de
conocimiento ha sido dado a pocos. Solamente las elites
dominantes ascendiam a las universidades. Los campesinos e el
Pueblo, llhes restaba la explotacion por exploradores. Esta
situación solo se cambia cuando los movimientos sociales se
organizan y luchan por la justicia y derechos humanos
igualitarios. El texto presenta una breve trayectoria de la
creación de los estúdios superiores y las lutas sociales para
acceder a este nivel de enseñanza. Discute, sin embargo, el papel
del Movimiento de los Trabajadores Rurais Sin Tierra (MST) y
la formación de maestros pedagogos para las escuelas del campo
em la província del Paraná. Los resultados muestran que la
organización y las luchas sociales contribuyen con la conquista
del acceso a niveles más avançados de educación, con
posibilidad de una formación académica diferenciada.
Palabras clave: Movimentos Sociales, Universidad, MST,
Formación de Pedagogos.
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Introdução
A luta pela terra e por políticas
públicas de educação que atendam à
realidade camponesa no Brasil,
empreendida pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST)
desde o final dos anos de 1970, tem
apresentado conquistas para a formação
superior. Estão sendo formados
profissionais e militantes que atuam junto
às famílias e comunidades de
assentamentos e acampamentos da
Reforma Agrária na área da educação e
outras áreas demandadas pelo Movimento.
Os Centros de Educação e Formação,
como a Escola Nacional de Formação
Florestan Fernandes (ENFFF), em
Guararema, SP, a Escola Milton Santos de
Agroecologia (EMS), em Maringá, PR, a
Escola Latino Americana de Agroecologia
(ELAA), na Lapa, PR, entre outros, como
espaços constituídos para a formação
profissional coletiva, desempenham
relevante papel nesse processo.
Junto com o Setor de Educação do
MST, esses Centros proporcionam a
mediação de projetos e convênios com
universidades e institutos para a formação
continuada, técnica e superior em áreas
prioritárias.
O Curso de Pedagogia - Turma
Especial para Educadores do Campo,
proposto pelo Movimento e realizado de
2013 a 2017 pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM), em conjunto com a
Escola Milton Santos de Agroecologia
(EMS), foi financiado pelo Pronera/Incra
com o auxílio do Coletivo de
Acompanhamento Político Pedagógico
(CAPP). Para a UEM, foi uma experiência
muito significativa do ponto de vista da
aprendizagem e do desenvolvimento
humano.
Destaca-se que o acesso ao Ensino
Superior em um curso específico e
diferenciado representa uma conquista dos
movimentos sociais ao concretizar a
formação de educadores para a atuação em
escolas do campo que requerem
profissionais não apenas com formação
acadêmica, mas também com
conhecimento, experiência, inserção e
atuação nos assentamentos e
acampamentos da Reforma Agrária.
O curso de Pedagogia é fundamental
para a formação de educadores cujo campo
de atuação é a Educação Básica em seus
diferentes níveis e modalidades. Um
pedagogo, segundo as Diretrizes do Curso
de Pedagogia (Brasil, 2006) está habilitado
a atuar na Educação sica (Educação
Infantil e Anos Iniciais do Ensino
Fundamental) e nas modalidades de
Educação de Jovens e Adultos (Fase I),
Educação do Campo, Educação Escolar
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Indígena, Educação Especial e outras e,
ainda, como gestor na Educação Infantil,
Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Além disso, é possível atuar em espaços
não escolares.
O pedagogo é um profissional com
amplo campo de atuação e
responsabilidades sobre o processo de
ensino e aprendizagem de crianças, jovens
e adultos. Em se tratando das realidades de
escolas do campo, dispõe de mais
atribuições na área de políticas públicas,
haja vista a situação de exclusão e pobreza
em que vivem os trabalhadores
camponeses no Brasil frente ao
agronegócio, à perda de direitos e à
produção destrutiva do capital.
Neste texto, abordamos a experiência
de formação de pedagogos para escolas do
Campo realizada pela UEM em
colaboração com o MST. Apresentamos
um breve histórico da criação do Ensino
Superior e transformação das
universidades a partir dos movimentos
sociais revolucionários e das mobilizações
populares. Refletimos sobre o processo de
formação, o avanço da Educação do
Campo em termos de educação superior, as
lutas e conquistas dos movimentos sociais
para ter acesso aos conhecimentos
científicos universais e as contribuições da
Teoria Histórico-Cultural nesse processo.
As fontes que embasam este texto
compreendem a documentação da UEM,
gerada a partir das primeiras discussões
que possibilitaram a criação do curso.
Trata-se de um estudo bibliográfico,
associado a observações, registros das
experiências desenvolvidas em diferentes
espaços e momentos do curso, aulas,
visitas às escolas do campo e,
principalmente, estudos, orientações e
intervenções pedagógicas desenvolvidas
com o Programa Institucional de Bolsa de
Iniciação à Docência para a Diversidade
(Pibid Diversidade), proposta e coordenada
pela UEM em conjunto com o CAPP e
EMS.
Universidade para quê e para quem?
Origens e transformações
Ainda que o recuo à história seja
longo, é necessário para pontuar que
sociedades antigas não ocidentais como a
Suméria (5500 4000 a.C.) criaram os
primeiros espaços de estudos acadêmicos,
pois compreendiam a relevância da
aprendizagem para o desenvolvimento
humano. Nestes espaços, sábios e jovens se
reuniam para produzir conhecimentos
sobre a escrita e a matemática.
No século V, a Índia instituiu a
Universidade de Nãlandã, contando com
cerca de 10.000 estudantes e 1.500
professores com uma produção agrícola de
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auto sustentação, ampla biblioteca para o
ensino de Política, Medicina, Artes e
Astronomia (Perez Lindo, 2003). A
universidade recebia estudantes de
diferentes regiões, que, em conjunto,
organizavam o conhecimento e
desenvolviam epistemologias oriundas das
formas próprias de conhecimentos
ancestrais da região.
No mundo Europeu a criação de
universidades se deu tardiamente, sendo a
Universidade de Bolonha, na Itália, no
século X, considerada a primeira
instituição da região. É comum a Europa se
arrogar o berço da criação das
universidades, porém o colonialismo
europeu expropriou, inclusive,
conhecimentos científicos de outros povos
e regiões.
No Brasil, no século XVI, com a
experiência dos estudos superiores que os
jesuítas trouxeram, estes intentaram criar
academias para a formação de jovens
clérigos. Entretanto, a nobreza portuguesa
cerceou qualquer possibilidade de
produção do conhecimento nos lugares que
visava expropriar, explorar, dominar e
controlar. Os funcionários da Coroa, os
clérigos e os filhos dos latifundiários
seguiam à metrópole para realizar estudos
superiores, e os conhecimentos eram
restritos a uma minoria. Destinava-se ao
povo o trabalho, a exploração e a vida na
miséria.
Apenas no início do culo XIX, a
partir de 1808, foram criados alguns cursos
acadêmicos para a formação da nobreza
portuguesa que fora expulsa da Europa.
Além da nobreza, a formação superior
destinava-se a uma burguesia emergente,
gestora do Estado e dos negócios no Brasil.
Iniciou-se, então, a formação de
profissionais militares, médicos, juristas e
engenheiros para ocupar cargos políticos,
postos no exército, nos cartórios, na
imprensa, nos bancos e em outros setores
estratégicos da economia e sociedade.
A universidade se institui, então, em
países colonizados e periféricos, com a
função de formar uma elite proveniente da
classe dominante, instruída, informada e
científica para manter as nações em
conformidade com os interesses da
exploração, acumulação e concentração de
riquezas nas mãos da classe dominante. O
povo era controlado e, criteriosamente,
deixado na ignorância para melhor
assimilar a ideologia da dominação.
Em resposta à exploração, miséria e
exclusão, os trabalhadores de diferentes
segmentos organizaram lutas sociais com
formação política para o desenvolvimento
da consciência e criação de instituições
coletivas. O povo percebeu que
movimentos sociais organizados levaram a
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uma das primeiras grandes vitórias
populares: a revolução socialista na Rússia.
Iniciada em 1905 e concluída em 1917,
subverteu a supremacia do sistema de
exploração, abalou o poder capitalista,
inspirou movimentos populares em
diferentes regiões do globo e possibilitou o
acesso à terra, bens, serviços, direitos
políticos, alfabetização e educação superior
para todos, sem distinção de classe, gênero
e etnia na União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS).
O socialismo provou ao mundo que
um país atrasado, explorado, em ruínas
como a Rússia pôde se reerguer e se tornar
uma grande potência, sem fome e sem
miséria. O político socialista russo Anátoli
Vasilevitch Lunatcharski, designado pelos
bolcheviques a assumir a função de
Comissário do Povo para a Educação,
fundamentado na teoria marxista e em
práticas de educadores revolucionários,
estudiosos e experientes, com apoio e
participação popular, realizou uma reforma
radical para a inclusão e transformação da
educação. Inseriu como cerne do debate
mundial, na área da educação, a ideia de
que o homem é um ser dotado da
capacidade de se humanizar e que “O
fenômeno da instrução é o eixo da
existência racional de todo o ser humano
digno de viver e de toda a vida consciente
da sociedade humana” (Lunatcharski,
1919, p. 24).
No contexto das vertiginosas lutas
sociais que cresciam no campo e nas
cidades em diferentes partes do mundo, no
início do século XX, estados brasileiros
inauguraram as primeiras universidades.
De acordo com Fávero (2006), foram
criadas, em 1909, a Universidade de
Manaus; em 1911 a Universidade de São
Paulo e, em 1912, a Universidade do
Paraná.
As conquistas da Revolução Russa,
iniciada em 1905, tanto na área da
educação, da produção, como em todos os
âmbitos da vida, no sentido da
emancipação e igualdade humanas,
impulsionaram novas lutas sociais,
forçando reformas no sistema capitalista
assim como a criação de políticas públicas.
Uma política educacional de inclusão e
diversidade no Ensino Superior
Após as conquistas da Revolução
Russa, em 1917, e a criação de partidos e
movimentos comunistas em diferentes
partes do mundo, o sistema capitalista,
cujo domínio estava ameaçado, criou
organizações para regulamentar as relações
trabalhistas, coordenar programas
internacionais de educação e saúde e
disseminar valores humanitários no mundo
capitalista.
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Em 1919, foi criada a Organização
Internacional do Trabalho (OIT) para
formular e estabelecer convenções e
recomendações de combate à escravidão e
abusos praticados por empresários,
industriais e fazendeiros, com a anuência
de governos, em diferentes partes do
mundo.
No término da Segunda Grande
Guerra Mundial (Faustino, 2006), a
Organização das Nações Unidas (ONU)
criou a Organização das Nações Unidas
para a Educação, a Ciência e a Cultura
(Unesco) em 1948, para patrocinar estudos
relativos às populações rurais e urbanas. O
objetivo foi o de monitorar seu potencial
revolucionário, criar políticas de
popularização da ideologia capitalista e
disseminar a educação nos diferentes
níveis entre as classes trabalhadoras,
campesinas e urbanas. Levantes e
revoluções nas Américas Central e Latina
impulsionaram a transformação do perfil
do ensino superior, historicamente voltado
aos interesses do colonialismo
internacional e das classes dominantes
nacionais.
Com a Revolução Cubana, em 1961,
as universidades foram abertas ao povo. Os
cursos, antes frequentados apenas pela
classe dominante, como o de Medicina,
transformaram-se no espaço privilegiado
para o avanço da ciência da saúde,
tornando-se acessível, em Cuba, a todos os
segmentos sociais.
No período, os Estados Unidos além
de patrocinar golpes militares em
diferentes países, como no Brasil e
Indonésia, acentuaram sua intervenção
i
por
meio de acordos entre a gestão civil-militar
golpista, no Brasil, instalada em 1964. A
área da educação foi considerada
estratégica. Através do Ministério da
Educação e Usaid, agência dos EUA para a
dominação internacional currículos,
programas e materiais didáticos foram
modificados e controlados. Nos acordos
entre MEC/Usaid e Contap/Usaid, foram
contemplados convênios para a educação
das populações do campo e indígenas.
A Revolução Sandinista, na
Nicarágua, a consolidação do Movimento
dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
(MST), no Brasil, as greves gerais no ABC
Paulista, a criação da Central Única dos
Trabalhadores (CUT) e do Partido dos
Trabalhadores (PT), o movimento pelas
Diretas , os levantes do Exército
Zapatista de Libertação Nacional no
México, a criação da Via Campesina, e
distintos outros movimentos e
organizações revolucionárias em diferentes
partes do mundo forçaram os organismos
internacionais a elaborar políticas públicas
de acesso à educação superior para
populações consideradas vulneráveis.
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Em um contexto de profunda crise do
sistema capitalista vinda a público em
meados da década de 1970 (Hobsbawn,
1995; Harvey, 2008), e da intenção das
economias dominantes como os EUA e
Inglaterra de formular novas estratégias de
exploração em diferentes partes do mundo
(Faustino, 2006); organizações
internacionais como a Unesco, Banco
Mundial, Fundo Monetário Internacional
(FMI) e outras iniciam a formulação de
políticas de reconhecimento e valorização
da diversidade.
A globalização e o neoliberalismo
(Frigotto, 1995) foram as estratégias mais
visíveis e eficazes usadas para justificar as
mudanças nas legislações, necessárias aos
novos “empreendimentos” de exploração
econômica na região. Na América Latina,
as constituições de todos os países foram
alteradas, iniciando-se pelo Brasil, que
outorgou uma nova Constituição Federal
de 1988.
Organizados em diferentes frentes,
os movimentos sociais deram continuidade
à elaboração de projetos educativos:
Em julho de 1997, foi realizado o I
Encontro Nacional das Educadoras e
Educadores da Reforma Agrária -
ENERA, resultado de uma parceria
entre o Grupo de Trabalho de Apoio
à Reforma Agrária da Universidade
de Brasília - GT-RA/UnB, o
Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra MST, representado pelo
seu Setor de Educação, e o Fundo das
Nações Unidas para a Infância
UNICEF, Unesco e CNBB (Pronera,
2004, p. 15).
Conforme esse documento, em 16 de
abril de 1998, por meio da Portaria nº.
10/98, o Ministério Extraordinário de
Política Fundiária criou o Programa
Nacional de Educação na Reforma Agrária
(Pronera), vinculando-o ao Gabinete do
Ministro e aprovou seu Manual de
Operações. No ano de 2001, o Programa
foi incorporado ao Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) e
“a partir de 1998, iniciam-se as parcerias
formais entre as universidades brasileiras e
o MST, tendo como órgão de fomento
estatal o Programa Nacional de Educação
na Reforma Agrária (PRONERA), ligado
ao Ministério do Desenvolvimento
Agrário” (Martins, 2012, p. 107).
Nos governos neoliberais brasileiros
no período de 1989 a 2002, reformas
pensadas para a América Latina desde os
anos de 1960 foram implantadas visando à
adequação do país às determinações do
Banco Mundial e FMI (Fonseca, 1998;
Siqueira, 2000).
Como as revoluções tiveram forte
base de sustentação no campo, cujas
populações apresentam alto índice de
analfabetismo, o sistema capitalista
começa a prestar atenção aos movimentos
sociais e a suas demandas, e passa a
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desenvolver programas de crédito rural e
educação liberal voltados a essas
populações. Conforme um importante
teórico da burguesia, Huntington (1975, p.
302),
Para o sistema político, a oposição
dentro da cidade pode ser
perturbadora, mas não é letal. A
oposição no interior é, porém, fatal.
Quem controla o interior controla o
país. ... Se os camponeses aceitam e
se identificam com o sistema
existente, isso proporciona uma base
estável ao sistema. Se os camponeses
se opõem ativamente ao sistema,
passam a ser os portadores da
revolução. O camponês pode, assim,
desempenhar um papel altamente
conservador ou altamente
revolucionário (p. 302).
Com a finalidade de obter consenso,
promover a gestão e o controle dos
movimentos sociais no campo, uma
política pública de inclusão social foi
elaborada tendo a educação como um dos
focos de atenção.
Quando os privilegiados são poucos e
os desesperadamente pobres são
muitos e quando a diferença entre
ambos os grupos se aprofunda em
vez de diminuir, é questão de
tempo até que seja preciso escolher
entre os custos políticos de uma
reforma e os riscos políticos de uma
rebelião. Por este motivo, a aplicação
de políticas especificamente
encaminhadas para reduzir a miséria
dos 40% mais pobres da população
dos países em desenvolvimento, é
aconselhável não somente como
questão de princípio, mas também de
prudência. A justiça social não é
simplesmente uma obrigação moral,
é também um imperativo
político (McNamara, 1972, p. 1070).
Em consonância com a orientação
desse presidente do Banco Mundial, com a
linha de atuação do período e pressões
sociais, a instituição pactuou acordos com
países da América Latina com o objetivo
de formular políticas de inclusão como
uma das estratégias no contexto da
ampliação da exploração capitalista da
região. No início dos anos de 1990, o
governo e a classe dominante brasileira
aderiram a essas determinações iniciando-
se uma reforma de Estado (Pereira, 1997) e
da política educacional, com um discurso
baseado na inclusão de minorias e camadas
mais excluídas da população.
A organização do I Encontro
Nacional de Educadoras e Educadores da
Reforma Agrária (I Enera), ocorrido em
1997 na Universidade de Brasília, foi um
marco histórico relevante para a conquista
da construção de uma educação voltada
aos anseios e necessidades das populações
camponesas.
Em decorrência das demandas
sociais e orientações do Banco Mundial, o
documento do Conselho Nacional de
Educação, intitulado Diretrizes
Operacionais para a Educação Básica nas
Escolas do Campo, publicado em 2002,
dispõe que:
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A identidade da escola do campo é
definida pela sua vinculação às
questões inerentes à sua realidade,
ancorando-se na temporalidade e
saberes próprios dos estudantes, na
memória coletiva que sinaliza
futuros, na rede de ciência e
tecnologia disponível na sociedade e
nos movimentos sociais em defesa de
projetos que associem as soluções
exigidas por essas questões à
qualidade social da vida coletiva no
país (Brasil, 2002).
Em seu Art. 3º, consta que:
O Poder Público, considerando a
magnitude da importância da
educação escolar para o exercício da
cidadania plena e para o
desenvolvimento de um país cujo
paradigma tenha como referências a
justiça social, a solidariedade e o
diálogo entre todos,
independentemente de sua inserção
em áreas urbanas ou rurais, deverá
garantir a universalização do acesso
da população do campo à Educação
Básica e à Educação Profissional de
Nível Técnico (Brasil, 2002).
O Art. 12 trata do exercício da
docência na Educação Básica, cumprindo o
estabelecido nos artigos 12, 13, 61 e 62 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional (LDB 9394/96) e nas Resoluções
3/1997 e 2/1999 da Câmara da Educação
Básica, assim como os Pareceres 9/2002,
27/2002 e 28/2002 e as Resoluções 1/2002
e 2/2002 do Conselho Nacional de
Educação sobre a formação de professores
em nível superior para a Educação Básica.
Essa legislação, conquistada pelos
movimentos sociais organizados, deu
início, nos anos seguintes, a uma maior
mobilização e lutas em torno da
consolidação de políticas públicas para a
formação superior de professores para a
Educação do Campo.
Licenciaturas específicas para a
formação de educadores do campo
Além das Diretrizes Operacionais
para Educação Básica nas Escolas do
Campo, outras legislações, como o Parecer
CNE/CEB 1/2006, que trata do regime
de alternância
ii
, a Resolução CNE/CEB
2/2008, a Resolução CNE/CEB 4/2010,
que estabelecem ser a Educação do Campo
uma modalidade específica a contribuir
com a definição de uma identidade própria
à escola do campo; o Decreto
7.352/2010, que estabelece a Política
Nacional de Educação do Campo e institui
o Programa Nacional de Educação na
Reforma Agrária (Pronera) possibilitaram
a formulação de licenciaturas específicas
para a formação de educadores do campo.
O Documento intitulado Diretrizes
Curriculares Nacionais para Formação de
professores da Educação Básica, em seu
Art. 7º, definiu que a organização
institucional da formação de professores
deve levar em conta que: I. A formação
deverá ser realizada em processo
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autônomo, em curso de licenciatura plena,
numa estrutura com identidade própria.
Nesse processo de construção de um
projeto específico para a Educação no
Campo foi aprovado o Plano Nacional de
Educação (PNE). Esse Plano prevê, em
seus objetivos e metas, formas flexíveis de
organização escolar para a Educação do
Campo com a possibilidade de uma
formação profissional diferenciada aos
professores, considerando as
especificidades dos sujeitos e da realidade
dos camponeses com marcos regulatório
como o Decreto 7.352/2010, que inseriu
a Educação do Campo na política
educacional de Estado.
A aprovação do Documento
Orientador do Programa Nacional de
Educação do Campo - Pronacampo (Brasil,
2013), em 2010, com a homologação das
Diretrizes Curriculares Nacionais da
Educação Básica Resolução
04/2010/CEB/CNE levou a Educação do
Campo a ser reconhecida como
modalidade de ensino. Com o Decreto
7.352/2010, foi instituída a Política de
Educação do Campo e o Pronera, sendo
definidos os princípios e os mecanismos
para garantir a manutenção e o
desenvolvimento dessa modalidade de
ensino nas políticas educacionais.
O Decreto 7.352/2010 prevê o
apoio técnico e financeiro do Ministério da
Educação (MEC) aos estados, Distrito
Federal e municípios para a implantação de
ações voltadas à ampliação e qualificação
da oferta da Educação Básica e Superior às
populações do campo, e a instituição de
Comissão Nacional de Educação do
Campo para o acompanhamento dessa
política.
Com base nessa legislação, o MST,
por meio de seu Setor de Educação e
Centros de Formação, criados
especificamente para a formação de
profissionais de diferentes áreas para
atuação em assentamentos e
acampamentos da Reforma Agrária, em
atendimento às necessidades das famílias
de camponeses, realiza diagnósticos e
propõe, em parceria com instituições de
ensino técnico e superior, cursos em nível
médio e graduação.
Conforme Martins (2012), o primeiro
curso de Pedagogia da Terra do Brasil foi
realizado pelo MST em parceria com a
Universidade Regional do Noroeste do
Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí), no
período de 2002 a 2005, visando à
formação acadêmica de professores que
atuavam em escolas e processos educativos
do campo.
Segundo Caldart (2003), o MST tem
uma pedagogia e uma práxis específicas
para a educação e formação humana.
Menezes, M. C. B., Faustino, R, C., & Chaves, M. (2017). Movimentos sociais e conquista do ensino superior:
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A Pedagogia do Movimento Sem
Terra é o jeito através do qual o
Movimento vem, historicamente,
formando o sujeito social de nome
Sem Terra, e educando no dia a dia
as pessoas que dele fazem parte. E o
princípio educativo principal desta
pedagogia é o próprio movimento,
que junta diversas pedagogias, e de
modo especial junta a pedagogia da
luta social com a pedagogia da terra e
a pedagogia da história, cada uma
ajudando a produzir traços em nossa
identidade. Sem Terra é nome de
lutador do povo que tem raízes na
terra, terra de conquista, de cultivo,
de afeto, e no movimento da história
(p. 51).
No Estado do Paraná, as discussões
sobre a criação de curso de Pedagogia para
Educadores do Campo têm início em 2001
na Universidade Estadual de Maringá
(UEM) e se consolidam com a aprovação
da primeira turma em um curso intitulado
Pedagogia da Terra, ofertado pela
Universidade do Oeste do Paraná
(Unioeste), campus de Francisco Beltrão,
no ano de 2004. O propósito foi
“Fortalecer a educação nas áreas de
Reforma Agrária estimulando, propondo,
criando, desenvolvendo e coordenando
projetos educacionais, utilizando
metodologias voltadas para a
especificidade do campo, tendo em vista
contribuir para a promoção do
desenvolvimento sustentável” (Unioeste,
2004, p. 17).
Os projetos pedagógicos dos cursos
de licenciatura são demandados pelo
movimento social e construídos em
parcerias institucionais em um processo
dialógico. O objetivo é a consolidação de
uma educação diferenciada para a
formação de sujeitos provenientes de
famílias camponesas historicamente
excluídas do ensino superior. Os
pressupostos são fundamentados tanto em
teorias científicas críticas quanto em
pedagogias e experiências advindas dos
movimentos sociais, com conteúdos,
metodologias e processos avaliativos que
congregam conhecimentos universais e
epistemologias baseadas nos
conhecimentos ancestrais dos povos do
campo.
Fávero (2006) assinala que a
universidade é local de discussões sobre a
sociedade, mas não em termos puramente
teóricos, abstratos. Deve ser o espaço em
que se desenvolvem um pensamento
teórico-crítico de ideias, opiniões,
posicionamentos, como também o
encaminhamento de propostas e
alternativas para solução dos problemas e
demandas da sociedade com práticas
emancipadoras.
O não fechamento das escolas do
campo tem sido uma das principais pautas
de discussões e lutas de camponeses
assentados e acampados. Para tanto, a
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formação superior de educadores
provenientes das próprias comunidades é
de suma relevância nesse processo, para
que se consolide uma educação que atenda
às necessidades da vida no campo,
fortalecendo a identidade camponesa e a
produção para a sustentabilidade e o
desenvolvimento.
A experiência com a formação da
Turma Iraci Salete Strozak na UEM
A Universidade Estadual de Maringá
foi instada pelo MST a pensar e planejar a
oferta de um curso que contou,
inicialmente, com o apoio de grupos de
pesquisa, cujos pesquisadores estudavam a
Educação do Campo, como de gestores
institucionais e professores de diversos
departamentos. Em um longo percurso
(Silva, 2017), o curso foi proposto em
2001 e autorizado a funcionar em 2012,
desenvolvido pelo Departamento de Teoria
e Prática da Educação tendo como
Coordenadora a professora Maria Christine
Berdusco Menezes.
A oferta do curso de Pedagogia:
Turma Especial para Educadores do
Campo atendeu a uma demanda por
formação de pedagogos para atuar em
todos e níveis e modalidades da educação
em áreas de assentamentos e
acampamentos de comunidades do campo.
O curso possibilitou que sujeitos do campo
tenham formação e maior autonomia em
suas atuações como autores do próprio
processo de produção e reprodução da
vida.
Do ponto de vista do ensino e da
aprendizagem, o curso foi um grande
aprendizado para a universidade, pois a
turma vivenciou e explicitou uma
experiência desenvolvida no MST de auto-
organização nos estudos. Os estudantes,
provenientes de diferentes regiões,
assentamentos e acampamentos da
Reforma Agrária no Paraná, São Paulo e
Mato do Grosso do Sul, durante os quatro
anos do curso demonstraram profundo
compromisso, cuidado e atenção com sua
própria formação e do coletivo da turma.
Com inúmeras ações, houve grande
envolvimento e participação nas aulas,
rotinas diárias de estudos e trabalho para a
manutenção do espaço da Escola Milton
Santos de Agroecologia; participação em
discussões políticas diárias; eventos e
demais ações demandadas pela
universidade e pelo MST em conjunto com
as orientações e acompanhamento do
Coletivo de Acompanhamento Político e
Pedagógico (CAPP).
Destacamos a atenção com a cultura,
estudos e leituras diárias de poemas e
literaturas revolucionárias. Salientamos
ainda as pesquisas, os debates e a
preparação das místicas que abriram as
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aulas todos os dias, no decorrer dos quatro
anos de formação. Coordenação com
revezamento em duplas de acadêmicas/os
que assumiam a articulação dos trabalhos
do dia: apoio às aulas ministradas pelos
professores, informes e suporte aos
Núcleos de Base (NB).
Dentre os princípios da Educação do
Campo explicitados por Caldart (2003), o
curso de Pedagogia apresentou a
vinculação com a vida no campo, a
produção para a sustentabilidade, a
revitalização de conhecimentos ancestrais
e a valorização da cultura e das lutas
camponesas. Com a Pedagogia da
Alternância, fruto de um projeto de
formação construído coletivamente pelos
sujeitos do campo, e organização curricular
diferenciada, foram priorizados a formação
humana, o vínculo com a Educação Básica
do Campo, o trabalho e a organização
política do Movimento.
Dessa maneira, firmou-se a
articulação entre teoria e a prática; o
reconhecimento da escola como local
privilegiado para o ensino e aprendizagem,
bem como o estímulo ao desenvolvimento
da educação e formação em espaços não
escolares.
O curso de Pedagogia - Turma
Especial para Educadores do Campo foi
financiado e acompanhado pelo
Incra/Pronera por meio de convênio
institucional. As atividades desenvolvidas
iii
foram realizadas no campus sede da UEM
(aulas, eventos, pesquisas bibliográficas,
visitas) e na Escola Milton Santos de
Agroecologia (aulas, seminários, eventos),
com estudos e ações integrados entre
estudantes, docentes e lideranças do MST.
Nesses espaços, os estudos e
trabalhos desenvolvidos na condução das
disciplinas, as reuniões pedagógicas, a
participação em eventos e as vivências
culturais tiveram a atuação efetiva dos
integrantes do Grupo de Pesquisa e
Estudos em Educação Infantil e do
Programa Interdisciplinar de Estudos de
Populações - Laboratório de Arqueologia,
Etnologia e Etno-História da UEM.
Pontuamos a essencialidade do Pibid
Diversidade/UEM, financiado pela
Capes/FNDE, cujos estudos e recursos
financeiros foram decisivos para a efetiva
formação, consolidação das experiências
pedagógicas nas escolas do campo e
permanência dos estudantes até a
conclusão da graduação.
A formação compreendeu aulas
teórico-práticas ministradas por
professores da UEM, aulas e palestras
proferidas por lideranças, profissionais,
militantes, sábios e educadores do MST,
ateliês pedagógicos, levantamentos e
pesquisas de campo para o diagnóstico das
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diferentes realidades socioeducacionais e
participação em eventos.
Os diagnósticos subsidiaram os
planejamentos do Tempo Comunidade, as
intervenções de Estágio Supervisionado, a
produção de recursos didáticos específicos
e diferenciados, a escrita de textos para a
participação em eventos. Fortaleceram as
mobilizações e lutas pelas políticas
públicas de inclusão social e direito à
Reforma Agrária e inúmeras outras ações
efetivas de atuação dos estudantes no
decorrer da formação em suas
comunidades.
Foram vários e relevantes momentos
de estudos, pesquisas, diálogos e
aprendizagens. Ressaltamos a participação
da Turma Iraci Salete Strozak em
atividades pedagógicas na Ciranda Infantil
da 13ª Jornada de Agroecologia.
O Projeto Ciranda Infantil
Sementes da Esperança , desenvolvido
durante a 13ª Jornada de Agroecologia de
2014, intitulada Terra Livre de
Transgênicos e sem Agrotóxicos
Construindo o Projeto Popular e Soberano
para Agricultura, foi essencial para
fortalecer e aprimorar estudos e pesquisas,
permitindo compreender como se a
organização do tempo e do espaço na
Educação do Campo e as intervenções
pedagógicas com as crianças, dos
primeiros meses aos 13 anos de idade,
junto às quais foram organizados ateliês
afetos à Arte, Literatura Infantil e
brincadeiras
iv
.
Dessa forma, a partir da observação e
estudos, verificamos a necessidade de
avançarmos em alguns aspectos, dentre os
quais a organização do espaço em
harmonia com os critérios prioritários
desenvolvidos pelo Grupo de Pesquisa e
Estudos em Educação Infantil (GEEI/DTP-
UEM) para as atividades com crianças e
jovens.
Compreendemos que as reflexões
relacionadas às questões da Agroecologia e
os diálogos possíveis de serem realizados
com crianças e jovens na Ciranda Infantil
figuram enquanto parte da formação das
crianças Sem Terra nos processos formais
e não formais de educação do MST. Nesse
âmbito, foram desenvolvidas atividades a
partir do Pibid-Diversidade.
As Jornadas de Agroecologia,
segundo Tardin (2009), têm acontecido no
Estado do Paraná desde 2001. São
resultantes de um amplo processo
dialógico dos Movimentos Sociais do
Campo e Organizações Não
Governamentais, que têm impulsionado a
luta pela Terra, pela Reforma Agrária e
fortalecimento da Agroecologia desde os
anos de 1980.
O princípio defendido por Tardin
(2009) se harmoniza com os propósitos do
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MST, que além de lutar pelo direito à terra,
igualdade social e produção agroecológica,
defende a luta por uma Educação
especifica no Campo. Nos eventos dos
Movimentos Sociais do Campo, em
especial o MST, uma prática é a
organização de espaços denominados
Cirandas Infantis. Estes são organizados
em duas modalidades: itinerante,
acompanhando os encontros, mobilizações
e reuniões; e fixos constituídos de espaços
de formação permanente, sejam em
assentamentos e acampamentos, sejam nos
Centros de Formação do MST.
Um dos propósitos das Cirandas é
contribuir para o processo educativo e
formativo das crianças Sem Terra enquanto
seus pais participam de uma agenda
específica de trabalhos. De acordo com
Araújo & Benigno (2004, p. 25), “a
Ciranda Infantil é um espaço educativo da
vivência de ser criança sem terrinha, de
brincar, jogar, cantar, cultivar a mística, a
pertença ao MST, os valores, a formação, a
construção de uma nova geração”.
No tocante à participação nas
atividades diretamente relacionadas ao
Pibid-Diversidade/UEM e algumas
atividades especiais na participação no
Projeto Ciranda, os acadêmicos revelaram
que houve contribuição para sua formação
universitária e pessoal, uma vez que nas
vivências proporcionadas foi possível
aprimorar estudos e pesquisas, firmando o
entendimento de que é necessário
disponibilizar as crianças aquilo que de
mais elaborado e favorecer o
desenvolvimento de suas capacidades
humanas superiores, dentre as quais a
memória, a atenção, a linguagem e a
criatividade. Nessa perspectiva, as
elaborações de Krupskaya (1967; 1973)
são essenciais para a formação de
pedagogos com vistas a uma educação
plena e emancipadora.
Nas reflexões e práticas educativas, o
MST busca uma educação plena para
todos, em especial a participação nos
espaços da universidade, como sujeitos de
direitos da educação. Diante dessa busca,
são relevantes os escritos de Leontiev
(1978), que reafirmam a possibilidade e a
necessidade de ensinar em uma perspectiva
do máximo desenvolvimento humano.
Assim, houve o acompanhamento
das vivências e estudos com reflexões
sobre a organização didática do ensino e
possibilidades formativas a fim de
compreender a relação entre a educação e a
formação inicial e continuada de
educadores do campo, especificamente
seus enfrentamentos, as possibilidades de
avanços e as conquistas em termos de
ensino e aprendizagem.
Reiteramos a contribuição da Teoria
Histórico-Cultural, relevante aos
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pedagogos que defendem a educação em
favor da humanização e emancipação, a
qual frisa que a apropriação e a capacidade
de realizar novas elaborações tornam o
homem capaz de projetar o futuro e
modificar o presente, como relata Vigotski
(2001; 2007; 2010) no conjunto de sua
obra. Isso faz com que esse referencial
teórico-metodológico se apresente como
resposta e reflexão aos desafios sociais e
educacionais da atualidade.
Em consonância com os escritos de
Faustino (2006), a educação poderá ser
emancipadora e promover a autonomia se
associada aos conhecimentos científicos
acumulados historicamente pela
humanidade, que devem estar à disposição
de todos. Desse modo, afirmamos que o
esmero e a organização podem ser
expressão daquilo que entendemos por
mais elaborado, conforme propõe Leontiev
(1978).
Trata-se de um desafio, sem dúvida,
sobretudo neste início de século XXI, em
que o acúmulo de riqueza para alguns e
a extensão da miséria para outros. Um
mundo no qual 1,4 milhão de crianças se
encontram em risco iminente de morrer de
fome em países como Nigéria, Somália,
Sudão do Sul e Iêmen (Fundo, 2016). De
acordo com dados do Unicef, estima-se
que entre 2016 e 2030 teremos
aproximadamente 70 milhões de crianças
mortas antes de completarem cinco anos de
idade. Mesmo nos 41 países com altos
níveis de desenvolvimento econômico, no
ano de 2014, havia um total de 77 milhões
de crianças em condição de pobreza
monetária (Fundo, 2016).
Nesse cenário de miséria expresso
na educação, dados apresentados pelo
Unicef indicam que 38% das crianças que
frequentam escolas primárias no planeta
não aprendem a ler, escrever e realizar
operações matemáticas elementares
(Fundo, 2016). Quando tratamos da
realidade brasileira, dados da Avaliação
Nacional de Alfabetização (ANA) de 2014,
que contou com a participação de 2,6
milhões de estudantes, revelam que apenas
11% das crianças matriculadas no ano
do Ensino Fundamental possuíam nível
ideal de leitura, sendo capazes de
reconhecer tempos verbais e entender o
sentido de um texto. O levantamento indica
ainda que somente 22% conseguem ler
sílabas e formar palavras.
A Avaliação demonstrou que 57%
dos estudantes apresentam dificuldades de
aprendizagem relacionadas à matemática, e
24% não conseguem escrever números por
extenso ou reconhecer formas geométricas
(Brasil, 2015).
A persistência de um índice de
20,8% de pessoas adultas analfabetas no
campo e uma escolaridade de apenas 4,4
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anos de estudos, em média, agravada pelo
fechamento ininterrupto e crescente de
escolas, turmas e turnos no campo (nos
últimos 11 anos, 37 mil escolas tiveram
suas atividades encerradas), divulgadas
pelo documento final do Fórum Nacional
de Educação do Campo (Fonec) em 2015,
evidenciam que a luta e organização dos
movimentos sociais pelo direito à educação
e à vida digna impõem a transformação
urgente da sociedade e do sistema
distributivo e produtivo, haja vista que a
produção destrutiva do capital avança
ininterruptamente.
Considerações finais
As organizações da classe
trabalhadora, do campo e das cidades, com
movimentos e lutas articulados
evidenciaram conquistas históricas para a
construção de uma sociedade justa e
igualitária para todos.
O MST tem como um dos princípios
básicos, além da Reforma Agrária, a
constituição de uma Educação do Campo
com características próprias que congregue
as especificidades da vida e dos
conhecimentos ancestrais dos camponeses,
sendo uma das formas de organização para
que as famílias e jovens permaneçam na
terra, vivendo, se desenvolvendo e
produzindo alimentos saudáveis, que
garantem sustentabilidade e renda.
Nesse sentido, a Educação do Campo
requer pedagogos, educadores formados e
comprometidos com a humanização e
emancipação de sujeitos conscientes e
atuantes sobre o papel da escola como
espaço privilegiado para a aprendizagem e
o desenvolvimento. A educação, a
conscientização e a luta por meio dos
movimentos sociais revolucionários
auxiliam na transformação da sociedade
capitalista atual e no enfrentamento de sua
produção destrutiva.
Não há o consenso, propagandeado
por muitos, de que a função dos estudos
superiores e da escola seja preparar jovens
e crianças para o novo, o novidadoso.
Embora conhecedores das mudanças e
dinâmicas humanas, para várias
populações e sociedades, como as
indígenas e campesinas, estudar é uma
forma de conservar, desenvolver e
aprimorar os bons valores, práticas e
conhecimentos milenares desenvolvidos
pela humanidade, mas que vão se perdendo
entre as novas gerações, bombardeadas
pelos interesses do sistema capitalista em
mercantilizar a terra, os rios, as florestas,
os alimentos, os animais destruindo a
vida para produzir novidades e estimular o
consumo incessante.
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Os movimentos sociais e populares
revolucionários se organizam, planejam e
lutam por direitos, pela manutenção de
uma vida saudável, da saúde humana, da
família, da educação e conhecimento para
todos. A partir de conhecimentos milenares
repassados às gerações, desenvolvem
tecnologias como a agroecologia,
alternativa à produção destrutiva do
capitalismo.
A conquista da universidade para
todos, como espaço de desenvolvimento de
conhecimentos e formação humana, se deu
a partir da vitória de revoluções socialistas
e populares empreendidas pelo povo que
refutaram a gica imposta pelo sistema
capitalista de que os níveis mais avançados
de conhecimento estejam restritos à classe
dos exploradores.
Pela legislação apresentada,
observamos um avanço nas políticas
públicas de Educação do Campo, porém,
índices elevados de analfabetismo,
exclusão, miséria e fome, bem como o
fechamento de escolas do campo, revelam
a necessidade de intensificar e diversificar
as ações sociais tanto para a manutenção
das conquistas como para o avanço e
fortalecimento das novas demandas
populares.
Os Centros de Formação, como a
Escola Milton Santos de Agroecologia, são
espaços que exercem papel fundamental na
gestão democrática dos processos
formativos demandados pelos movimentos
sociais. Atuando em parceria com
universidades, tem demonstrado ser
possível outra formação, que humanize a
todos e desenvolva a consciência de luta
por direitos e igualdade social.
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Unioeste. (2004). Projeto Político
Pedagógico do Curso Especial de
Pedagogia para Educadores do Campo.
Francisco Beltrão, PR.
Vigotski, L. S. (2001). A construção do
pensamento e da linguagem. São Paulo,
SP: Martins Fontes.
Vigotski, L. S. (2007). A formação social
da mente: o desenvolvimento dos
processos psicológicos superiores. São
Paulo, SP: Martins Fontes.
Vigotski, L. S. (2010). Psicologia
pedagógica. São Paulo, SP: Editora WMF.
i
Para a compreensão da história e dos objetivos
norte-americanos no período, ver: Motta, R. P. S.
(2010). Modernizando a repressão: a Usaid e a
polícia brasileira. Revista Brasileira de História,
30(59), 237-266.
ii
Cf. Bicalho (2013, p. 47) essa organização “...
nasceu do anseio de agricultores familiares em suas
comunidades rurais no intuito de garantir educação
e formação profissional diretamente articulada às
histórias de vida das pessoas, as questões culturais,
econômicas, políticas e de fortalecimento do debate
acerca do desenvolvimento sustentável”.
iii
O presente Curso teve início no dia 24 de abril
de 2013 na UEM, financiado pelo INCRA, com
parceria de Movimentos Sociais Populares do
Campo e o PRONERA. O curso teve duração de
quatro anos e foi oferecido em regime de
alternância, com períodos de
Tempo/Escola/Universidade e Tempo Comunidade.
iv
As atividades desenvolvidas no Projeto Ciranda
fizeram parte da disciplina “Literatura e
Linguagens”, ministrada no Curso pela professora
Drª Marta Chaves, a partir de estudos e reflexões de
textos dos autores da Teoria Histórico-Cultural e
pesquisadores de instituições de ensino superior do
Brasil.
Recebido em: 04/09/2017
Aprovado em: 26/09/2017
Publicado em: 21/11/2017
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APA:
Menezes, M. C. B., Faustino, R, C., & Chaves, M.
(2017). Movimentos sociais e conquista do ensino
superior: a formação de Pedagogos para a Educação
do Campo. Rev. Bras. Educ. Camp., 2(2), 750-772.
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n2p750
ABNT:
MENEZES, M. C. B.; FAUSTINO, R, C.; CHAVES,
M. Movimentos sociais e conquista do ensino
superior: a formação de Pedagogos para a Educação
do Campo. Rev. Bras. Educ. Camp.,
Tocantinópolis, v. 2, n. 2, p. 750-772, 2017. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2017v2n2p750
Menezes, M. C. B., Faustino, R, C., & Chaves, M. (2017). Movimentos sociais e conquista do ensino superior:
a formação de Pedagogos para a Educação do Campo...
Rev. Bras. Educ. Camp.
Tocantinópolis
p. 750-772
jul../dez.
2017
ISSN: 2525-4863
772
ORCID
Maria Christine Berdusco Menezes
http://orcid.org/0000-0002-3097-5242
Rosangela Celia Faustino
http://orcid.org/0000-0002-0094-5528
Marta Chaves
http://orcid.org/0000-0002-8089-1450