Revista Brasileira de Educação do Campo
The Brazilian Scientific Journal of Rural Education
ARTIGO/ARTICLE/ARTÍCULO
DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p633
Tocantinópolis
v. 3
n. 2
p. 633-648
mai./ago.
2018
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Política de expansão das licenciaturas em Educação do
Campo: desafios para a implantação do Programa
Nacional de Educação do Campo na Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul
i
Jorge Luis D'Ávila
1
1
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul - UFMS. Faculdade de Educação. Avenida Costa e Silva s/n. Campo Grande -
MS. Brasil.
Autor para correspondência/Author for correspondence: davilajorgeluis35@gmail.com
RESUMO. O texto busca analisar o processo de implantação do
curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade
Federal de Mato Grosso do Sul, na perspectiva de compreender
a morosidade do Estado brasileiro na execução da gestão das
políticas educacionais. Para tanto, se leva em consideração as
articulações recíprocas entre Estado, educação e educação do
campo, na perspectiva marxiana. Nosso pressuposto de análise
parte da totalidade das relações entre os homens, o que nos
permite reintegrar nessa totalidade a base material e a base
política do mundo dos homens. A política de formação de
professores do campo é uma ação do Estado que pretende
amenizar as pressões e as demandas apresentadas pelos
movimentos sociais ligados à luta pela reforma agrária. A
expansão da licenciatura em foco esbarra nas políticas de caráter
neoliberais que reduzem as verbas destinadas à expansão dos
cursos, o que afeta diretamente a autonomia das universidades e
os fatores ideológicos decorrentes das características
pedagógicas do curso, que tem na luta de classes o seu principal
ponto de reflexão como outro entrave para a expansão da
LEDUCAMPO.
Palavras-chave: Políticas Educacionais, Educação do Campo,
Estado.
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Policy of expansion of Undergraduate Course in Rural
Education: Challenges for the implementation of the
National Program of Education of the countryside in the
Federal University of Mato Grosso do Sul
ABSTRACT. This text seeks to analyze the process of
implementation of the Undergraduate Course in Rural Education
of the Federal University of Mato Grosso do Sul, in order to
understand the slowness of the Brazilian State in the execution
of the management of educational policies. In order to do so,
one takes into account the reciprocal articulations between state,
education and rural education, in the Marxian perspective. Our
analysis presupposes the totality of relationships between men,
which allows us to reintegrate into this totality the material basis
and political basis of the world of men. The policy of training
teachers in the countryside is an action of the State that seeks to
soften the pressures and demands presented by social
movements linked to the struggle for agrarian reform. The
expansion of the bachelor's degree focuses on the neoliberal
policies that reduce the funds destined to the expansion of the
courses, which directly affects the autonomy of the universities
and the ideological factors arising from the pedagogical
characteristics of the course, which has in the class struggle its
main point is another obstacle to the expansion of
LEDUCAMPO.
Keywords: Educational Policies, Rural Education, State.
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Política de expansión de las licenciaturas en Educación del
Campo: desafíos para la implantación del Programa
Nacional de Educación del Campo en la Universidad
Federal de Mato Grosso do Sul
RESUMEN. El texto busca analizar el proceso de implantación del
curso de Licenciatura en Educación del Campo de la Universidad
Federal de Mato Grosso do Sul, en la perspectiva de comprender la
morosidad del Estado brasileño en la ejecución de la gestión de las
políticas educativas. Para ello, se tiene en cuenta las articulaciones
recíprocas entre Estado, educación y educación del campo, en la
perspectiva marxiana. Nuestro supuesto de análisis parte de la
totalidad de las relaciones entre los hombres, lo que nos permite
reintegrar en su totalidad la base material y la base política del
mundo de los hombres. La política de formación de profesores del
campo es una acción del Estado que pretende amenizar las
presiones y las demandas presentadas por los movimientos sociales
ligados a la lucha por la reforma agraria. La expansión de la
licenciatura en foco tropieza en las políticas de carácter
neoliberales que reducen los fondos destinados a la expansión de
los cursos, lo que afecta directamente la autonomía de las
universidades y los factores ideológicos derivados de las
características pedagógicas del curso, que tiene en la lucha de
clases su principal punto de reflexión como otro obstáculo para la
expansión de la LEDUCAMPO.
Palabras clave: Políticas Educativas, Educación del Campo,
Estado.
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Introdução
O objetivo deste artigo é analisar o
processo de implantação do curso de
Licenciatura em Educação do Campo
(LEDUCAMPO) da Universidade Federal
de Mato Grosso do Sul (UFMS) na
expectativa de compreender a morosidade
do Estado brasileiro na execução da gestão
das políticas educacionais, em especial a
de formação de professores do campo.
O texto tem como fonte de estudo os
editais e portarias elaborados pelo
Ministério da Educação (MEC) que
permitiram a criação por parte da UFMS
da Leducampo, o Projeto Político-
Pedagógico do curso em questão, as ATAS
produzidas pelo colegiado do curso e o
Plano de Trabalho Anual (PTA). Para que
tais documentos nos revelem os fatos e
intenções concretas do Estado brasileiro no
que se refere à formação de professores do
campo se faz necessário estabelecer
conexões entre os diversos interesses de
classe, levando em consideração as
articulações recíprocas entre Estado,
educação e Educação do Campo, na
perspectiva marxiana o que nos permite
compreender a realidade social histórica,
as condições materiais da produção
humana, suas contradições e determinações
da totalidade da sociabilidade vigente.
Nesse viés o objeto é visto “como parte de
uma totalidade histórica que o constitui,
onde se estabelecem as mediações entre o
campo da particularidade e sua relação
com uma determinada universalidade”
(Frigotto, 2010, p. 2).
Entendemos assim como Palumbo
(1994, p. 38) que o termo políticas públicas
é o “... princípio norteador por trás de
regulamentos, leis e programas; sua
manifestação visível é a estratégia adotada
pelo governo para solucionar os problemas
públicos”. Contudo, uma política não é um
processo linear, mas algo que se encontra
em constante movimento, isto é, tem que
ser “... inferida a partir de uma série de
ações e comportamento intencionais de
muitas agências e funcionários
governamentais envolvidos na execução da
política ao longo do tempo” (Palumbo,
1994, p. 35). Portanto, uma política pública
não pode ser discernida tendo-se em conta
apenas um evento ou uma ação. Deve ser
vista como uma categoria analítica
utilizada por pesquisadores para estudar as
estratégias governamentais por certo
período.
Desafios para a manutenção e ampliação
da LEDUCAMPO
O referido curso começou a ser
planejado no ano de 2013, em resposta à
chamada do Ministério de Educação
(MEC), por meio de ação integrada entre:
Secretaria de Educação Superior;
Secretaria de Educação Continuada,
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Alfabetização, Diversidade e Inclusão;
Secretaria de Educação Profissional e
Tecnologia, mediante Edital n. 2
SESU/SETEC/SECADI/MEC, de 31 de
agosto de 2012, publicado no Diário
Oficial da União de 05 de setembro de
2012. Este Edital tinha como previsão a
implantação de 40 cursos regulares de
Licenciatura em Educação do Campo que
atendesse no nimo 120 alunos por ano,
com um aporte de recursos financeiros
específicos em um período de três anos e
também visava à ampliação do número de
vagas para os cursos já existentes.
O Movimento da Educação do
Campo está ancorado na primeira
Conferência Nacional por Uma Educação
Básica do Campo (CNEC), realizada em
1998 e na segunda Conferência em 2004
cujo lema era “Por Um Sistema Público de
Educação do Campo”. Com isso, o MEC
elaborou um plano piloto que teve como
executoras: A Universidade Federal de
Minas Gerais (UFMG), Universidade de
Brasília (UNB), Universidade Federal da
Bahia (UFBA) e Universidade Federal de
Sergipe (UFS).
De acordo com Molina (2015), as
Instituições Federais de Ensino Superior
(IFES) citada foram convidadas a fazerem
parte desse plano devido as suas
experiências na gestão pedagógica da
educação do campo e, também, por terem
relação com os movimentos sociais e
sindicais envolvidos nos conflitos agrários.
Cabe ponderar que os outros cursos de
licenciatura do campo que foram ofertados
pelas Universidades Federais até o ano de
2016 não tinham esse vínculo, como é o
caso da UFMS.
A graduação em educação do campo
deve ter duração de quatro anos na
modalidade presencial, tendo a Pedagogia
da Alternância
ii
como metodologia. Esta
consiste na articulação entre o Tempo
Universidade (TU) onde os alunos
permanecem o período de aula na
Universidade e Tempo Comunidade (TC)
ocorre no momento em que os acadêmicos
retornam às suas propriedades familiares
ou às comunidades ou aos assentamentos
para colocarem em prática aquilo que foi
proposto no TU. Essa forma de
organização atende ao Programa de Apoio
à Formação Superior em Licenciatura em
Educação do Campo (PROCAMPO).
Cabe considerar que a política de
formação de professores do campo é uma
ação do Estado que pretende amenizar as
pressões e as demandas apresentadas pelos
movimentos sociais ligados à luta pela
reforma agrária com o intuito de superar o
pensamento de que o docente deve ser
formado para “... desenvolver os mesmos
saberes e competências do ensino
fundamental, independentemente da
diversidade de coletivos humanos”
(Arroyo, 2012, p. 361).
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Superar esse modelo de formação
implica em mudanças de práticas
burguesas que privilegiam a formação
urbana e acreditam que os povos e escolas
do campo encontram em um processo de
extinção, que incentiva o transporte de
alunos do campo para estudarem nas
escolas urbanas e direcionam docentes
urbanos para trabalhar no campo sem que
os mesmos tenham vínculo com a cultura e
os saberes dos moradores do campo
(Arroyo, 2012).
Arroyo (2012) pondera que o
processo de formulação da política de
formação de professores do campo não
segue os mesmos padrões de planejamento
das outras políticas que veem os setores
populares apenas como destinatários, mas
sim, como autores-sujeitos que têm uma
participação efetiva no planejamento das
políticas de formação docente. Essa
participação implica em “... tensões não
apenas nas concepções de formação, mas
tensões políticas de reconhecimento dos
movimentos sociais como autores nas
universidades, no MEC e nos órgãos de
formulação e análise de políticas do
Estado (Arroyo, 2012, p. 362).
Segundo o Fórum Nacional de
Educação do Campo (FONEC), a política
formação de professores do campo foi
materializada em um período de transição
conhecido como “da crise do latifúndio a
consolidação do Agronegócio”, momento
em que a burguesia latifundiária passava
por ajustes econômicos. Desta forma, é
possível afirmar que a licenciatura em
educação do campo ocupou,
... um “vácuo” de transição de
modelos (ajustes no modelo macro-
econômico brasileiro, capitalista,
neoliberal): entre a crise do latifúndio
e a emergência do agronegócio os
movimentos sociais de luta pela terra
e pela Reforma Agrária ganharam
ímpeto, conquistaram o Pronera e
constituíram a Educação do Campo.
A nova fase na política do capital
para a agricultura, que iniciou com
mais força a partir de 1999, abrindo
um novo ciclo, gerou uma nova
aliança das classes dominantes e um
novo lugar para o campo no projeto
de capitalismo brasileiro, fase que
está nesse momento em plena
vigência e força (Fonec, 2012, p. 5).
Foi nessa conjuntura que o MEC
aprovou o Curso de Educação do Campo
na UFMS no ano 2013 com previsão de
receber os acadêmicos para iniciar o ano
letivo no segundo semestre do mesmo ano,
porém, o Estado brasileiro, por meio de
suas instâncias educacionais, não
conseguiu organizar a contratação de
docentes através de concurso público nem
mesmo oferecer a estrutura física adequada
aos novos alunos. Esse seria o primeiro
fato que comprova a inoperância estatal em
organizar a formação de professores do
campo em Mato Grosso do Sul (MS).
Características do curso de Licenciatura
em Educação do Campo da UFMS
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Cabe mencionar que a
LEDUCAMPO tem como objetivo “...
proporcionar reflexão e debate sobre o
fazer político-pedagógico nas escolas do
campo considerando a diversidade do
universo camponês, equacionando
dificuldades de acesso e de permanência na
escola” (UFMS, 2014, p. 2). Essa
licenciatura tem como Marco Referencial o
Materialismo Histórico Dialético, método
capaz de compreender, criticar e
problematizar a educação escolar rural
concebida política e historicamente pelos
fazendeiros, como processo educativo
limitador no estado de MS.
A justificativa da criação do curso se
deve ao fato de que MS enfrenta problemas
com a falta de formação ou de formação
inadequada de professores especialistas em
educação do campo. Grande parte dos
professores que atuam nas escolas do
campo reside na cidade e não reconhece a
necessidade de uma educação diferenciada
para a população do campo “... que
respeite as especificidades culturais e
históricas como direito social de formação
integral que considere o seu modo de viver
e produzir (UFRB, 2013, p. 04).
Assim, o curso pretende ampliar o
debate sobre a Educação Básica do Campo
e, também, enfrentar as resistências
encontradas para a sua
implantação/implementação, provocadas
pelas marcas da concentração da
propriedade da terra e de violentos
conflitos nos campos sul-mato-grossenses.
A premência de professores que
compreendam esse contexto a ser
transformado, que ultrapassa as questões
pedagógicas e que exige a adesão das
escolas do campo como parceiras nas lutas
enfrentadas pelos trabalhadores da terra.
Essa formação pode ser consolidada com
esse curso, assumido pela UFMS, como
responsabilidade política e social. (UFMS
2014, p. 03).
A LEDUCAMPO faz um
contraponto ideológico com o estado de
MS onde se consolida um modelo de
desenvolvimento econômico estruturado na
pecuária extensiva e na monocultura,
principalmente soja e milho, com vistas à
exportação, em detrimento a produção de
alimentos básicos para consumo interno.
Essa característica é uma herança da
política de créditos agrícolas e dos
incentivos fiscais aos grandes
latifundiários herdada dos governos
militares.
A política militarista acreditava que
as grandes propriedades rurais aliadas à
mecanização eram o caminho para o
desenvolvimento econômico no campo.
Assim, formulou-se uma política fundiária
direcionada apenas para os interesses da
burguesia, desenvolvendo-se sob a égide
da concentração de terras, de riqueza e de
poder.
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A terra é um dos elementos
estruturais da dominação de classe, um
núcleo econômico, estruturante da
sociedade, de modo dinâmico e que não
somente constrói o político, o ideológico e
cultural, mas também determinantes na
organização social vigente. É justo na
propriedade de vastas terras, que boa parte
da elite sul-mato-grossense se forma,
exerce seu domínio, seja originária da
agricultura seja da pecuária ou mesmo de
outras ramificações produtivas, de
serviços, financeiras e construção civil.
A anexação de milhares de hectares
de terras, que teve como principal
desbravador colonos e arrendatários, a
lógica do capital, gerou um processo de
expulsão e expropriação de trabalhadores
rurais do estado de MS, isso porque as
oligarquias fundiárias deixaram de
produzir gêneros alimentícios para se
dedicarem a produzir soja, cana-de-açúcar,
trigo, milho e também à criação de gado de
corte com extensivas pastagens, atividades
que exigiam um menor número de
trabalhadores.
Deste modo, o campesinato sul-
mato-grossense é composto basicamente
por: sem-terra, arrendatário, posseiro,
assalariado, brasiguaios, entre outros. Com
o apoio da Comissão Pastoral da Terra e de
alguns sindicatos de trabalhadores rurais
começaram a questionar o monopólio da
terra e do poder político no estado de MS
que, historicamente, representam os
latifundiários e inicia a luta de resistência
pelo acesso e permanência na terra com o
intuito de romper com a lógica imposta
pelo modelo de desenvolvimento burguês
caracterizado pela exploração,
expropriação e violência.
Dessa resistência e da mobilização
dos trabalhadores rurais surgem às
principais instituições responsáveis por
planejar as ações contra o capital agrário
em MS, como: O Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST), a Central
Única dos Trabalhadores no Mato Grosso
do Sul (CUT/MS) e a Federação dos
Trabalhadores na Agricultura do Estado de
Mato Grosso do Sul (FETAGRI/MS).
Essas, com o propósito de enfrentar o
modelo excludente e “... concentracionista
de renda, de terra e de capital, adotado na
economia brasileira e na agropecuária, que
se ancora na cultura latifundista
quinhentista e que conta, historicamente,
com o beneplácito do Estado” (Thomaz Jr.,
2001, p. 01).
O enfrentamento dos movimentos
sociais camponeses, por meio das
ocupações de terras, contra o agronegócio,
foi fundamental para inserir na agenda do
Estado a implantação de projetos de
assentamentos, pois, de outra forma, sem a
pressão dos trabalhadores do campo muitas
famílias não teriam seus lotes para
produzir sua base material. Desse
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enfrentamento surge a necessidade de
políticas que deem condições materiais
para a fixação do camponês em seu
território.
Desta forma, as políticas
educacionais específicas para o campo
foram conquistadas mediante a um
processo de luta e resistência com o
propósito de manter os filhos dos
trabalhadores rurais em seus territórios e
ampliar o acesso ao nível superior onde a
taxa de escolarização é de 3,2%, cinco
vezes menor que a do urbano, 19,8%
(INEP, 2012).
É nessa perspectiva que o Projeto
Político-Pedagógico da LEDUCAMPO foi
estruturado buscando conjugar a luta pelo
acesso à educação superior pública com a
luta contra a tutela política pedagógica
elaborada pelo Estado aliada às
necessidades do mercado.
Nessa Licenciatura o Estado é
compreendido como uma das dimensões
sociais resultante do trabalho (intercâmbio
entre o homem e a natureza), que em
determinado momento histórico gerou a
propriedade privada. O Estado surge como
o elemento organizador das relações
antagônicas nas sociedades de classe.
Como essa forma social de se organizar
vem se perpetuando ao longo da existência
humana, o Estado, que tem seu
fundamento na propriedade privada,
assume historicamente o controle da
ordenação daquelas relações antagônicas,
atendendo, portanto, aos interesses da
classe dominante, conforme o modo de
reprodução de cada forma social até aqui
existente.
Impossível falar da formação
histórica do Estado sem nos remetermos às
explicações de Engels, fundador do
socialismo científico, que juntamente com
Marx abriu caminhos para a crítica da
economia política. Engels (1982) escreveu,
apoiado nos excertos de Marx, a obra “A
origem da família, da propriedade privada
e do Estado”, onde afirma que o Estado
sempre representa a força economicamente
dominante ao auxiliar na subordinação dos
dominados. Na sociedade escravista e
asiática, primeiras formas sociais de
exploração do homem pelo homem, o
Estado se apresenta como organismo que
protege os possuidores dos meios de
produção em detrimento dos não
possuidores.
Nessa linha de raciocínio, de se
concordar que o Estado é o elemento
central na elaboração e execução de
políticas públicas para a educação, em que
o processo de reprodução socioeconômico
é marcado pelas desigualdades na
distribuição e no consumo, sob os
auspícios do Estado. Isso porque, em nossa
sociedade dividida em classes antagônicas,
o Estado se caracteriza por ser um produto
determinado pelas relações de produção
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marcadas pela propriedade privada.
Segundo Marx (2010, p. 59-60), “... o
Estado e a organização da sociedade não
são, do ponto de vista político, duas coisas
diferentes”, ao contrário, “... o Estado é o
ordenamento da sociedade”. De acordo
com o autor, na mesma obra, o Estado “...
repousa sobre a contradição entre vida
privada e pública, sobre a contradição entre
os interesses gerais e os interesses
particulares.
O Estado é conceituado por
Mészáros (2004) como o cooperador mais
valoroso do Capital. Esse instrumento a
favor da burguesia utiliza-se de várias
instâncias, dentre elas a educação, para
cumprir o papel que lhe cabe como aparato
institucional da ordem burguesa e garantir
o poder de classe. A educação, como uma
das atividades necessárias à construção da
vida social, situa-se na trama de mediações
que a entrelaçam ao complexo da
sociedade de classes.
Nesse viés, que a LEDUCAMPO
vem travando, desde sua criação,
dialogando com os gestores da UFMS na
expectativa de que os mesmos cumpram
com o acordo firmado com o MEC por
meio da Portaria nº 72, de 21 de dezembro
de 2012, que prevê a liberação de recursos
da matriz orçamentária da UFMS, para a
execução de despesas com contratação de
serviços de pessoa jurídica, locação de
veículos, material de consumo, material
permanente, alimentação, hospedagem,
passagens e diárias para atender às
necessidades de continuidade, ampliação e
realização de etapas do Curso de
Licenciatura Educação do Campo.
Tal compromisso está fora da agenda
da reitoria da UFMS desde o ano de 2015,
quando a referida instituição não abriu o
processo de entrada para novos acadêmicos
por meio de vestibular específico para o
curso de Licenciatura em Educação do
Campo, descumprindo assim com a
Portaria nº 72 que exigia da Universidade o
ingresso de no mínimo três turmas (2014,
2015, 2016) com 150 alunos.
Uma hipótese para essa postergação
é o fato de que a licenciatura em educação
do campo exige mudança de paradigmas
de forma que, os professores deixam de ser
meros capacitores de força de trabalho e
passem a sistematizar e aprofundar os
saberes, os valores e as práticas educativas
que estabelecem uma dinâmica social,
política e cultural com os movimentos
sociais ligados a terra.
Outra questão refere-se à origem
social e política dos alunos, pois, boa parte
deles é militante dos movimentos sociais,
como por exemplo, o Movimento dos
Trabalhadores Sem Terra (MST). Esses
movimentos compreendem que a
radicalidade política, cultural e educativa,
onde “... ser radical é agarrar as coisas pela
raiz, e a raiz para o homem é o próprio
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homem” (Marx, 2005, p. 151) é o ponto de
partida para a luta por uma formação de
educadores do campo que garanta o acesso
à riqueza de práticas que leve em
consideração a sua organização social.
Esse compromisso pedagógico afeta
diretamente o pensamento ideológico dos
gestores da UFMS que historicamente
sempre estiveram ao lado do
agronegócio
iii
.
Recursos financeiros
Para fomentar essa Licenciatura o
Edital SESU/SETEC/SECADI 2
assegurou a UFMS em 2013 o montante de
R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais), por
meio de Termo de Cooperação 18832,
entre a UFMS e o FNDE/2013, o que
corresponde a cerca de R$ 4.000,00
(quatro mil reais) por aluno ano. No
entanto, esse recurso foi devolvido ao
FNDE por meio do NC 700286, pois a
UFMS não conseguiu implantar o curso no
ano de 2013 (UFMS, 2014).
No ano de 2014, uma nova remessa
de dinheiro foi enviada a UFMS no valor
de R$ 1.200.000,00 (Um milhão e
duzentos mil reais), montante que assegura
a entrada de duas turmas 2014 e 2015. A
liberação de recurso da Matriz
Orçamentária da UFMS, nos referidos anos
atendeu ao custeio de sete etapas
presenciais ou Tempo Universidade (TU)
com duração de trinta dias distribuídos
durante o ano que foi usado para
hospedagem, alimentação e transporte dos
alunos no campus da Universidade
(UFMS, 2014).
Em cumprimento com o Edital
SESU/SETEC/SECADI 2, o MEC
enviou no ano de 2015 a última parcela de
R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais),
completando um total de R$ 1.800,00 (Um
milhão e oitocentos mil reais), recurso que
deveria ser destinado à abertura de edital
de vestibular para uma nova turma de
acadêmicos na LEDUCAMPO. Porém, até
o fim do primeiro semestre do ano de 2017
a Universidade não publicou nenhum edital
nesse sentido. Cabe considerar que o
colegiado juntamente com os demais
professores do curso está em constante
negociação com a Reitoria, a fim de que a
mesma assuma definitivamente o referido
curso e lance edital para a aplicação de
vestibular específico, permitindo assim a
continuidade dessa licenciatura.
Com a entrada de apenas 2 turmas, a
LEDUCAMPO começa a ter dificuldades
de completar as horas aulas para os 15
professores. Fato que propicia a
precarização do trabalho docente, pois os
mesmos são obrigados a buscar outros
cursos para ministrar aulas com a
finalidade de completar a carga horária
exigida.
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Aliás, uma das hipóteses que temos a
respeito da implantação do curso de
licenciatura do campo na UFMS foi
assegurar a contratação de 15 professores,
por meio do PROCAMPO, para serem
distribuídos em outros cursos, caso a
LEDUCAMPO não tenha continuidade,
amenizando assim, os problemas que a
Universidade enfrenta com a escassez de
professores.
No momento em que a UFMS deixa
de abrir edital para realização de vestibular
específico para a licenciatura em questão,
ela deixa de cumprir seu objetivo que é
“Desenvolver, difundir e socializar o
conhecimento por meio do ensino, da
pesquisa, da extensão e da prestação de
serviços e promover a formação integral e
permanente dos cidadãos” (UFMS, 2017,
s/p).
Essa omissão, não contribui para
reduzir a taxa de analfabetismo no campo,
que segundo o IBGE (2012), é três vezes
maior do que na cidade, ou seja, enquanto
o meio urbano possui uma população não
alfabetizada de 8,6% no campo essa
população é de 23,7%.
No que se refere à formação de
professores, convém ponderar, que o
acesso dos docentes do meio rural à
educação superior é precário. Segundo
números da Pesquisa Nacional por
Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007,
61% dos docentes que atuam no ensino
fundamental e médio do campo não
apresentam formação de nível superior.
Esse montante equivale a 178 mil
professores sem formação adequada
(Molina & Sá, 2011).
Nesse sentido, o que se materializa
na manutenção ou extinção do curso da
LEDUCAMPO é a relação entre o Estado,
organismo responsável pela oferta de
educação pública, com os movimentos
sociais ligados à terra, que mediante a sua
mobilização e resistência, conquistaram a
educação que pretende suprir as
necessidades educacionais dos
trabalhadores do campo.
Enquanto esses movimentos sociais
conquistam leis e programas para atender
seus interesses, essas mesmas leis e
programas não dão conta de suprir as
necessidades dos camponeses, pois,
encontram barreiras financeiras,
concessões políticas e ideológicas para que
as ações sejam implementadas ou no caso
da LEDUCAMPO tenha continuidade.
Apesar da UFMS não sinalizar a
abertura de edital para a entrada de mais
uma turma e também não propor a
incorporação efetiva da LEDUCAMPO no
quadro de cursos, acreditamos que os
envolvidos nesse processo, sejam
movimentos sociais, sejam docentes e
alunos, devem continuar elaborando
estratégias de resistência até o momento
em que a reitoria da UFMS cumpra com
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sua parte do acordo firmado com o MEC,
pois, essa formação pode contribuir para
amenizar a desigualdade histórica que se
traduz na extrema fragilidade pedagógica
das escolas no meio rural (Molina, 2015).
Frigotto (2011) acredita que a
omissão da Universidade Pública em
ampliar a educação do campo é decorrente
da estratégia dos organismos internacionais
e do Estado brasileiro que por um lado
incentiva a criação de políticas afirmativas
com o propósito de desviar o foco das lutas
que pretende a reestruturação do ensino
superior público e de outro retira a
autonomia universitária, reduz as verbas
destinadas ao custeio dos cursos. Esse
desmonte tem sido implantado
explicitamente por meio de critérios
estabelecidos pelo mercado “... e de
diversas estratégias de privatização por
dentro das instituições, através de
perversos mecanismos de captação dos
recursos via mercado, retirando cada vez
mais do Estado a obrigação completa de
seu financiamento” (Molina, 2015, p. 154).
O FONEC (2013) acredita que existe
no Brasil uma política de
“empresariamento” da educação através da
entrega da gestão dos recursos públicos e
das instâncias públicas de educação às
Organizações Sociais (OS). Que na
realidade representam os interesses do
capital em seus variados setores, financeiro
industrial e midiático. As fundações
criadas por esses grupos retiram toda a
responsabilidade de oferta da educação
pública do Estado brasileiro e transferem
aos docentes e alunos todos os encargos do
processo de escolarização.
De acordo com Cavalcante (2010):
O paradoxo talvez, é que a
“educação do campo” ao alcançar o
universo retórico e legalista das
políticas educacionais brasileiras já
no século XXI pode não estar de fato
sendo apropriada pelos
(significativos) pedaços do rural que
não se encontram em “movimento”
(este rural ainda sob a lógica da
produção capitalista, muitas vezes
inerte ao mundo de lutas e labutas
dos movimentos sociais em
diferentes cantos do Brasil nos
últimos vinte anos) (Cavalcante,
2010, p. 01).
Outro ponto que pode inviabilizar os
projetos político-pedagógicos das
licenciaturas em educação do campo é a
possibilidade de retorno às pautas da
educação rural voltada para a formação
técnica esvaziada de conceitos filosóficos,
históricos e sociais visando apenas atender
aos interesses do agronegócio.
Considerações finais
Analisamos nesse texto como se deu
o processo de implantação do curso de
Licenciatura em Educação do Campo da
Universidade Federal de Mato Grosso do
Sul e apresentamos as dificuldades para
sua manutenção e expansão. Até o fim das
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argumentações presentes, o curso não
conseguiu junto à Universidade elaborar e
publicar edital para chamada de novos
acadêmicos, o que, certamente
possibilitaria a manutenção da
LEDUCAMPO na grade de cursos
regulares da UFMS.
Acreditamos que a morosidade do
Estado e de suas Instituições educacionais
em desenvolver ações em prol da
licenciatura em foco, se deve as políticas
de caráter neoliberais que reduzem as
verbas destinadas à expansão dos cursos, o
que afeta diretamente a autonomia das
universidades.
Porém, os fatores ideológicos
decorrentes das características pedagógicas
do curso, que tem na luta de classes o seu
principal ponto de reflexão como o
principal entrave para a expansão da
LEDUCAMPO. Esse tipo de projeto, em
um estado como do MS ligado ao
agronegócio, não pode permanecer na
pauta do Estado.
Assim, podemos concluir que
estamos longe de uma política de formação
de professores do campo, que reflita sobre
as necessidades dos trabalhadores do
campo. Esse distanciamento reflete nas
escolas localizadas no campo, pois, sem
um grupo de gestores e professores, que
compreendam o contexto da luta dos
trabalhadores rurais, não possibilidade
de sensibilizar os gestores municipais e
estaduais para que se inclua na pauta do
Estado um debate sobre a necessidade de
se pensar ações concretas para a educação
dos povos camponeses.
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i
O texto em questão foi publicado em forma de
comunicação oral na XIV Jornada do HistedBR
realizada na cidade de Foz do Iguaçu, no ano de
2017. O trabalho passou por revisão teórica, o que
permitiu um aprofundamento de algumas
categorias.
ii
A Pedagogia da Alternância surgiu em meio a um
grupo de camponeses no interior da França em
1935 que procuravam fomentar uma estratégia de
escolarização capaz de manter os filhos vinculados
à família e à propriedade. Assim, surge como uma
proposta pedagógica a alternância de estudos na
tentativa de ser uma proposta de educação
mobilizadora, capaz de incentivar os jovens a irem
à escola, sem terem que deixar o campo e a família.
As primeiras experiências no Brasil aconteceram no
estado do Espirito Santo em 1969 (Nawroski,
2012).
iii
Ao modelo do agronegócio passa a ser
contraposto o modelo agroecológico, pautado na
valorização da agricultura camponesa e nos
princípios da policultura, dos cuidados ambientais e
do controle dos agricultores sobre a produção de
suas sementes (Leite & Medeiros, 2012, p. 87).
Informações do artigo / Article Information
Recebido em : 29/09/2017
Aprovado em: 26/10/2017
Publicado em: 30/08/2018
Received on September 29th, 2017
Accepted on October 26th, 2017
Published on August 30th, 2018
Contribuições no artigo: O autor foi o responsável por
todas as etapas e resultados da pesquisa, a
saber: elaboração, análise e interpretação dos dados;
escrita e revisão do conteúdo do manuscrito; e aprovação
da versão final a ser publicada.
Author Contributions: The author was responsible for the
designing, delineating, analyzing and interpreting the data,
production of the manuscript, critical revision of the content
and approval of the final version to be published.
Conflitos de interesse: O autor declarou não haver
nenhum conflito de interesse referente a este artigo.
Conflict of Interest: None reported.
Orcid
Jorge Luis D'Ávila
http://orcid.org/0000-0003-1798-4870
Como citar este artigo / How to cite this article
APA
D'Ávila, J. L. (2018). Política de expansão das
licenciaturas em Educação do Campo: desafios para a
implantação do Programa Nacional de Educação do
Campo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Rev. Bras. Educ. Camp., 3(2), 633-648. DOI:
http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-4863.2018v3n2p633
ABNT
D'ÁVILA, J. L. Política de expansão das licenciaturas em
Educação do Campo: desafios para a implantação do
Programa Nacional de Educação do Campo na
Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Rev. Bras.
Educ. Camp., Tocantinópolis, v. 3, n. 2, mai./ago., p. 633-
648, 2018. DOI: http://dx.doi.org/10.20873/uft.2525-
4863.2018v3n2p633